Título: As nulidades do processo penal a partir da sua instrumentalidade
constitucional:(re) análise dos princípios informadores.
Autor: Gabriel Lucas Moura de Souza.
Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de
19/02/1998, não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins
comerciais.
Adaptado por: Matheus André.
Revisado por: Francisca Maria.
Adaptado em: Setembro de 2025.
Padrão vigente a partir de março de 2022.
Referência: SOUZA, Gabriel Lucas Moura de. 2016. As nulidades do processo penal a partir da sua instrumentalidade
constitucional:(re) análise dos princípios informadores. Monografia (Graduação em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2016.
P. capa
![[Descrição de imagem] Brasão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. [Final da descrição]](SOUZA.%20As%20anualidades%20do%20processo.%20p.%201-103.%20Acessivel_arquivos/image002.png)
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO
DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO
DE DIREITO
CURSO
DE DIREITO
GABRIEL LUCAS MOURA DE SOUZA
AS
NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL:
(RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES.
Orientador: Prof. Dr. Walter Nunes da Silva
Júnior
NATAL/RN
2016
P. Pré-textuais
GABRIEL
LUCAS MOURA DE SOUZA
AS
NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL:
(RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES
Monografia apresentada ao Curso
de Direito como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.
Orientador: Prof. Dr. Walter
Nunes da Silva Júnior.
NATAL/RN
2016
P. Pré-textuais
GABRIEL LUCAS MOURA DE SOUZA
AS
NULIDADES DO PROCESSO PENAL A PARTIR DA SUA INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL:
(RE)ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES
Trabalho de Conclusão de Curso
aprovado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão
examinadora:
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior
Orientador - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
Profa. Dra. Keity Mara Ferreira de Souza de
Saboya Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Prof. Dr. Rosivaldo Toscano dos Santos
Júnior Externo
Natal, _____ de _____ de 2016.
P. Pré-textuais
RESUMO
A presente monografia se dispõe a analisar
as falhas da atual disciplina das nulidades no processo penal, traçando uma
releitura a partir da Constituição. Assim, é essencial abordar a função do processo
penal, afastando as propagadas ideias de instrumento do direito penal; de
ferramenta para encontrar a verdade ou para alcançar a paz social. A partir da
instrumentalidade constitucional do processo, busca entender qual a função da
forma processual penal, ressaltando seu caráter protetivo e construindo as
bases necessárias para o estudo das nulidades. Para tanto, ainda é essencial
compreender como os sistemas acusatório de inquisitório lidam com os atos
processuais, o que serve de guia para a atual crítica à matéria. Além desse
caminho, analisa a problemática da Teoria Geral do Processo, revelando suas
contribuições danosas para o processo penal e, especificamente, para a
disciplina de nulidades processuais. Ato contínuo, caminha para apontar as
fraturas da teoria das nulidades processuais penais, abordando a inadequação
dos conceitos de verdade real e de decisão da causa para fins de averiguação da
nulidade. Incursões da filosofia da consciência contribuem para a revisitação
crítica do tema. Aborda o princípio do prejuízo, ajustando-o com processo penal
constitucional ao rever o seu ônus probatório. O princípio do interesse é
analisado com base na particularidade do Ministério Público enquanto parte
especial. Discute a ampliação das hipóteses de interesse defensivo na
declaração da nulidade ao passo que se restringe o interesse do Ministério
Público. Por fim, o trabalho toca a investigação preliminar como um novo palco
do processo penal. Com isso, objetiva desconstruir a ideia de que não existem
nulidades na investigação.
Palavras-chave: direito processual penal; nulidades
processuais; princípio do prejuízo; princípio do interesse; investigação
preliminar.
P. Pré-textuais
ABSTRACT
This monograph intends to analyze the flaws
in the current system of the nullities in the criminal process, tracing a
rereading of the subject according with the Federal Constitution. Therefore, it
is essential to talk about the function of criminal process, putting away the
disseminated ideas that it is an instrument of the criminal law; a tool to find
the truth and to achieve social peace. Starting with the constitutional
instrumentality of the process, it seeks to understand the function of the
criminal process, emphasizing its protective character and building the
necessary bases for the study of the nullities. For that, it is still necessary
to understand how the accusatory and inquisitorial systems deal with the
process acts, what works as a guide to form the criticism about the subject.
Besides, this monograph analyzes the issue of the General Theory of the
Process, revealing its harmful contributions to the criminal process and,
specifically, to the subject of the process nullities. Afterwards, it shows the
fractures of the theory of nullities, talking about the inadequacy of the
concepts of real truth and of decision of the case in order to verify the
nullity. Incursions of the philosophy of consciousness contribute to the
critical revisiting of the theme. It deals with the loss principle, fitting it
into the constitutional criminal process when reviewing its probationary onus.
The analysis of the interest principle is based on the matter of the Public
Prosecutor as special subject of the litigation. It discusses the expansion of
the hypotheses of defensive interest in the declaration of nullity while
restricts the interest of the Public Prosecutor. At last, this paper touches
the preliminary investigation as a new stage of criminal process. So, it
intends to deconstruct the idea that there are no nullities in the investigation.
Keywords: criminal process law; process nullities;
loss principle; interest principle; preliminary Investigation.
P. 6
VERDADE
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a
verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os dois meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram a um lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em duas metades,
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais
bela.
As duas eram totalmente belas.
Mas carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia
(Carlos Drummond de Andrade)
P. 7
Sumário
2.1. A INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL DO
PROCESSO PENAL
2.2.
A FORMA COMO GARANTIA: A LEGALIDADE ESTRITA “DOS DELITOS E DAS PENAS” ESPRAIADA
PARA O PROCESSO
2.3. A FORMA PROCESSUAL E SUA RELAÇÃO COM OS
SISTEMAS ACUSATÓRIO E INQUISITÓRIO
3.1. A PROBLEMÁTICA DA TEORIA GERAL DO
PROCESSO
3.2. A TRANSPOSIÇÃO ACRÍTICA DE CATEGORIAS
EM MATÉRIA DE NULIDADES PROCESSUAIS. 48
4. APONTAMENTOS
CRÍTICOS SOBRE O ESTADO D’ARTE DA TEORIA DO ATO PROCESSUAL PENAL IRREGULAR.
4.4. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: UM TERRENO
ALHEIO ÀS GARANTIAS?
P. 8
O estudo das nulidades
processuais se aproxima da gênese da ciência médica. Entender o regular
funcionamento do corpo humano pressupunha investigar suas deficiências e
doenças. A lógica, portanto, é entender a fisiologia a partir da patologia. O
marco temático das nulidades permite enfrentar as idiossincrasias do processo
penal, revelando suas fraturas e possivelmente contribuindo com a eterna
necessidade de reafirmação democrática da justiça criminal.
É lugar comum na literatura que
o disciplinamento das nulidades processuais penais é deveras caótico, gerando
um canal de anemia conceitual propício para a minimização de direitos
fundamentais em detrimento da maximização de práticas autoritárias sempre
latentes na sociedade. Esse caos mencionado consiste em (mais) um gravoso
entrave para a consolidação do processo penal acusatório no sistema brasileiro,
pois mantém intacto diversos dogmas retrógrados e constitucionalmente
descompassados. As nulidades no processo penal, por isso mesmo, precisam de
revisitação urgente.
As deficiências que maculam o
tema advêm das mais diversas fontes do direito. A legislação, contaminada pelo
ideário policialesco da ditadura Varguista, é descompassada com a valorização
dos direitos fundamentais e com o processo penal constitucional. A exposição de
motivos do diploma processual dá o tom através do qual as nulidades foram
tratadas, asseverando-se que “as nulidades processuais, reduzidas ao mínimo,
deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se
escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça. É
coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas”.
A doutrina tradicional, por sua
vez, é maciçamente influenciada pela Escola Paulista de Processo, e a reboque
pela “Teoria Geral do Processo”, de forma que as nulidades do processo penal
não escaparam à regra: alimentam-se de categorias artificialmente
transplantadas do processo civil, o que só aprofunda a inadequação dessa
temática aos cânones do processo penal moderno. Por fim, a jurisprudência sofre
com a ausência de sistematização e contribui para um cenário ainda mais
caótico, notadamente quando influenciada pelo paradigma da eficiência que vê as
nulidades como empecilho para a produtividade e o alcance de resultados.
O presente trabalho tem como
escopo apontar as falhas do atual panorama teórico que circunda as nulidades
processuais penais, lançando luzes na dissintonia existente entre os
P. 9
postulados que informam essa temática e
aqueles exigíveis de um modelo constitucional de processo.
Para que a crítica à atual
conformação do modelo de nulidades encontre ambiência teórica frutífera, o
capítulo primeiro lança as bases interpretativas que guiarão o futuro
debruçamento sobre os princípios regentes do objeto desse corte temático.
Abordar-se-á a finalidade do processo penal, visando desconstituir os dogmas da
instrumentalidade das formas e da instrumentalidade inquisitória, dentro da
qual se discute o processo penal como instrumento de pacificação social e de
busca da verdade real.
Ainda no primeiro capítulo será
examinada qual a função desempenhada pela forma no contexto da
instrumentalidade constitucional do processo penal, refletindo-se acerca dos
atos processuais e de sua função protetiva, garantidora dos direitos
fundamentais. Para clarear a crítica semeada, ilustrar-se-á o tratamento das
formas a partir do sistema inquisitório e acusatório, objetivando traçar o
caminho a ser seguido para alcançar a potencialização da acusatoriedade e a
minimização da inquisitorialidade do processo penal brasileiro.
No capítulo seguinte outro ponto
de fratura da atual análise sobre as nulidades será discutido. Analisar-se-á a
Teoria Geral do Processo e suas heranças, inicialmente, para todo o processo
penal, demonstrando os equívocos gerados pelo transporte acrítico de categorias
do processo civil para o processo penal, sem a devida filtragem que a distinção
ontológica existente entre os dois ramos impõe. Após a abordagem generalista, a
análise se voltará às influências da chamada TGP na disciplina processual das
nulidades.
O derradeiro capítulo cuida da
última aproximação com o tema, enfrentando pontualmente cinco pilares que
sustentam a hodierna visão sobre nulidades no processo penal, a saber: as
ideias de verdade real e de decisão da causa como norteadoras para a declaração
da nulidade; a regra do prejuízo como viga mestra na disciplina; o princípio do
interesse e a postura das partes frente à nulidade; e, por fim, o tratamento
das nulidades na investigação preliminar.
O enfrentamento ao dogma da
verdade real desponta, no último capítulo, aliado ao constrangimento
epistemológico do raciocínio cartesiano. Com base na crítica extraída da
filosofia da linguagem, busca-se refletir a (in)adequação do artigo 566 do CPP.
O princípio do prejuízo, vetor mestre na disciplina das nulidades, será
abordado a partir de um cotejo jurisprudencial e lido com as lentes da
instrumentalidade constitucional do processo penal. O princípio da causalidade,
por sua vez, encontrará crítica na leitura do poder judiciário como corporação,
e no inexorável tratamento das nulidades como elementos impeditivos da tão
almejada eficiência numérica. O princípio do interesse será revisto buscando a
valorização do
P. 10
processo acusatório, que vê o Ministério
Público como um ganho qualitativo que beneficia sobretudo o próprio acusado.
Assim, os limites do interesse e da legitimidade das partes no processo penal
serão revistos a partir de sua desigualdade ontológica. Por fim, o mantra
secularmente reproduzido que ilide a investigação preliminar de discussões
sobre nulidade será debatido e enfrentado tendo como pressuposto a mudança de
palco do atual processo penal, com um inegável salto de importância da fase
pré-processual.
Por fim, ressalta-se que a
metodologia utilizada no presente trabalho consiste em uma pesquisa
bibliográfica sobre a Teoria do Processo Penal e, mais detidamente, sobre a
teoria das nulidades no processo penal. Partindo deste pressuposto, a pesquisa
amealhou livros, monografias, teses, dissertações, artigos científicos,
dispositivos normativos e jurisprudência, traçando paralelos pontuais com
algumas produções cinematográficas, todos analisados de maneira crítica para a
construção das considerações aqui expostas.
P. 11
A compreensão da função da forma
no atual panorama do processo penal requer uma digressão acerca do devido
processo legal e daqueles corolários que dialogam mais proximamente com o
objeto do presente escrito, isto é, a disciplina das nulidades em matéria criminal.
Ademais, um debate sobre o
processo obediente aos paradigmas teóricos que fundam a concepção do due
process of law gera, inexoravelmente, o dever de se debruçar sobre a função do
processo, e, no presente corte metodológico, sobre o escopo do processo penal,
compreendendo-se qual o seu atual fundamento de legitimidade.
Sob a ótica específica da
presente abordagem, é inegável que, para estabelecer qual a serventia dos atos
processuais (e consequentemente quais as consequências de sua prática irregular)
deve-se entender qual a serventia do processo. Não se entende a parte, isto é,
o ato, sem se debruçar sobre o todo, ou seja, o processo.
Como o sábio Gato retrucou a
Alice, em Alice no país das Maravilhas[nota 1], para quem não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve.
Logo, saber qual a finalidade do processo penal significa saber onde o
pensamento processualístico quer chegar e, consequentemente, qual caminho
deverá tomar. É nesse ínterim que reluz a importância de sedimentar as balizas
interpretativas do processo penal, lançando as lentes pelas quais serão vistos
os temas a serem enfrentados.
O núcleo legitimador do processo
penal é objeto de apaixonadas discussões doutrinárias, que, não raro, expõem as
concepções de sistema penal e mesmo de Estado defendidas por seus respectivos
teóricos. O termo “legitimação”, saliente-se, aqui é entendido como fundamento
de existência; finalidade do processo enquanto mecanismo inserido no Estado de
Constitucional.
P. 12
Tal qual reconhece Flávio
Cardoso Pereira[nota 2], à primeira vista a reflexão acerca da finalidade do
processo pode parecer sem aplicabilidade prática, não passando de preciosismo
acadêmico. Ledo engano. Em verdade, conforme adiantado acima a partir da
ilustração de Alice no País das Maravilhas, só é possível estabelecer as
balizas interpretativas do processo penal, e, com isso, construir o caminho
epistemológico do presente trabalho, quando restar claro o paradigma de
processo penal aqui utilizado, sedimentando, em vista disso, qual a sua
utilidade.
Entretanto, delinear de maneira
conclusiva a função do processo penal não é tarefa simples, uma vez que a sua
história é marcada por movimentos pendulares, ora estreitando laços com ares
democráticos preocupados em assegurar os direitos fundamentais do acusado; por
vezes se aproximando de ideais repressivos[nota 3].
Em virtude dos influxos políticos,
a análise teleológica do processo passa longe de ser estática, variando
conforme os graus de autoritarismo detectados na sociedade em questão, em um
determinado recorte de tempo. Não por outra razão, inclusive, James Goldschmitd
assevera que a forma pela qual se estrutura o processo penal de uma nação
constitui o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua
Constituição.[nota 4]
Dentro da processualística
brasileira, a literatura tradicional sempre apresentou resposta tranquila para
as indagações acerca da finalidade do processo penal, demonstrando que o
pêndulo de nossa história permaneceu atraído para o polo do autoritarismo com
certa frequência[nota 5]. Defendeu-se, durante muito tempo, a concepção do processo
como ordenamento adjetivo, servindo aos fins do direito penal, como extrai-se
do exemplo histórico de Inocêncio Borges da Rosa[nota 6],
para quem “o interesse fundamental que determina o processo penal é o de
aplicar a pena ao delinquente”.
P. 13
Vê-se claramente na sobredita
doutrina que o processo assume uma postura de instrumento do direito penal,
dado que aplicar pena é nada mais que fazer atuar o preceito secundário da
normal penal “substantiva”.
Tal opção teórica é sintonizada
com os parâmetros de um Estado policialesco, certo que admitir o processo penal
como mero viabilizador da imposição de uma sanção o reduz a instrumento de
legitimação da punição, verdadeiro “motor da punição”[nota 7] que só somaria forças ao engendro do
sistema punitivo. Dentro dessa premissa o processo seria mais uma ferramenta à
disposição do Estado contra o cidadão.
Ademais, a partir da dimensão
política do processo penal, entendê-lo como reles motor da punição é dizê-lo
inútil, uma vez que ontologicamente o poder de punir é próprio do Estado, que
tem soberano domínio sobre seus súditos e, por isso, desnecessita provar seu
direito (de punir) mediante um processo.[nota 8]
Esse papel de vassalagem que
historicamente se atribuiu ao processo penal em relação ao direito penal[nota
9], em que pese tenha
perdido espaço frente à evolução epistemológica da processualística e ao
próprio giro de paradigmas oriundo do constitucionalismo moderno, ainda é
reproduzida em alguns escritos recentes, à exemplo do que se encontra em
Ionilton do Vale[nota 10], para quem são duas as finalidades do processo penal, sendo
uma mediata que se confunde com a do direito penal, ou seja, buscando a
proteção da sociedade e a garantia da ordem pública[nota 11], e uma finalidade imediata que é a
pronta realização do direito penal objetivo.
Seja em virtude da maturidade
epistemológica alcançada pela processualística penal, ou mesmo por uma
democratização (lenta) de tal área, a verdade é que os discursos
P. 14
legitimadores que envolvem essa temática se
distanciaram daqueles que entendem o processo como mero instrumento
concretizador do direito substantivo, isto é, do direito penal.
Entretanto, em que pese na atual
quadra histórica inexista espaço para se atribuir ao direito processual penal
essa função unicamente instrumentalista do ponto de vista punitivo, não há como
negar que o processo é, sim, um instrumento. O cerne da questão, contudo,
cinge-se a delimitar quais os fins desse instrumento, moldando seus escopos à
ordem constitucional.
Arauto do pensamento processual
brasileiro, Cândido Rangel Dinamarco traçou substanciosas linhas sobre a
instrumentalidade processual, tornando-se fonte teórica com grande adesão na
doutrina pátria. A ideia esposada pelo mencionado professor paulista, em que
pese vislumbre alcançar todo o direito processual, não encontra adequação ao
modelo de processo penal alinhado com a Constituição. Em verdade, adequa-se ao
processo civil e peca, dentre outros aspectos, por se apoiar no paradigma da
teoria geral do processo [nota 12], tema que será abordado mais à frente[nota 13].
São inúmeros os pontos de
distanciamento que precisam ser colocados entre a instrumentalidade proposta
por Dinamarco e um projeto de processo penal democrático. Em atenção aos
limites deste escrito, expor-se-á apenas as inaplicabilidades nevrálgicas.
Conforme salienta Gloeckner[nota
14], o pensamento
processualístico brasileiro - fortemente influenciado pelos vetores doutrinários
de Dinamarco - concebe a ideia de instrumentalidade com um “nítido caráter
ético-político”, o que ataca um postulado básico do processo penal moderno,
qual seja, a ideia de limitação do poder estatal.
Dinamarco critica, ainda, a
excessiva prevalência do princípio dispositivo no seio do processo, o que
estaria desconforme com o que ele chamou de Estado intervencionista. No âmbito
criminal, a lógica do sistema acusatório, pautada pela imparcialidade do
magistrado, suprimindo cada vez mais suas atuações ex officio, finda por se
afastar do intervencionismo e realçar o princípio dispositivo, demonstrando que
a instrumentalidade proposta nas Arcadas
P. 15
do São Francisco trilha caminhos distintos -
para não dizer antagônicos - daqueles palmilhados pelo atual processo penal.
O modelo de juiz defendido nas
lições de Dinamarco[nota 15] é caracterizado como aquele que “não só deve participar
adequadamente das atividades processuais, endereçando-as à descoberta de fatos
relevantes e correta aplicação da lei, como ainda (e principalmente) buscando
oferecer às partes a solução que realmente realize o escopo de fazer justiça”.
Esse arquétipo de julgador em nada combina com as diretrizes acusatórias do
processo penal, tendo em vista que a “descoberta de fatos relevantes” é papel
típico de um juiz inquisidor, sujeito incabível no atual modelo e que por vezes
se valeu do “escopo de fazer justiça” para legitimar seus anseios autoritários.
Nesse mesmo sentido,
demonstrando que o processo defendido nos escritos de Dinamarco não se aplicam
ao processo penal, observa-se o culto a um juiz que “criará modos de tratar a
prova, de colher a instrução ou de sentir as pretensões das partes:
interrogá-las-á livremente (...) visitará o local dos fatos (...) e tudo sem as
formas sacramentais do processo tradicional”[nota 16] .
Portanto, a matriz teórica de
Dinamarco não supre a necessidade de legitimação do processo penal[nota
17] uma vez que
aloca, numa mesma vala comum, o processo civil e o processo penal,
informando-os apenas por construções teóricas que servem a um e não a outro.
Ainda que algumas premissas estejam certas, muitas das conclusões são
inaplicáveis ao processo penal.
Vê-se que a partir da
instrumentalidade proposta por Cândido Rangel Dinamarco o processo deixa de ser
considerado mero instrumento técnico para a realização do direito material, ou
seja, avança-se, de fato, na emancipação do processo em relação ao direito dito
substantivo. Entretanto, em que pese a premissa básica atrelada à defesa da
autonomia do direito processual seja elemento valioso desses escritos, suas
conclusões acerca dos moldes da instrumentalidade processual são inservíveis ao
processo criminal. Como deve ser no caminhar da história, aproveita-se o que é
bom e aprimora-se o que se mostrou inadequado.
P. 16
A instrumentalidade à la
Dinamarco não é o único dogma a ser enfrentado. Muito antes pelo contrário. A
instrumentalidade inquisitória[nota 18] que permeia o processo penal tem raízes tão ou mais fortes
do que aquelas semeadas pelo professor paulista, em consequência de ter
encontrado na recente história brasileira terreno fértil[nota 19] para sua reprodução acrítica, pautada
no senso comum teórico[nota 20].
Dentro dessa instrumentalidade
inquisitória dois dogmas são construídos e admitidos como o fim a ser alcançado
pelo processo penal, quais sejam, a busca da verdade real e o alcance da paz
social e de um bem-estar comum.
É recorrente na literatura
tradicional[nota 21]
a utilização da verdade real como algo a ser alcançado pelo processo penal, no
sentido de que a revisitação do fato da vida, ao longo do processo, deve
ocorrer de tal forma que se alcance sua total apreensão cognitiva por parte do
julgador. O processo penal desponta, portanto, como meio destinado a revelar a
verdade incontestável sobre os fatos ali apurados[nota 22].
P. 17
A temática sobre a verdade real
no processo penal retornará à discussão no presente escrito[nota 23], bastando, para o momento, a
constatação de que sua matriz teórica teve como alvorecer o sistema
inquisitório, servindo de subterfúgio argumentativo legitimador das convicções
pessoais do inquisidor. O julgador preconcebia uma versão dos fatos (a
presunção de culpa própria dos modelos antidemocráticos) e dispunha de poderes
irrestritos para investigar e confirmar sua ideia inicial, alegando, ao fim,
que encontrara a verdade real[nota 24].
A busca da verdade real
dogmatizou-se, fazendo com que o sistema inquisitório desconsiderasse limites
para alcançá-la. Justificava-se, assim, por exemplo, a tortura do réu em busca
da verdade.[nota 25]
Não à toa Giacomolli doutrina que:
O sentido que se verifica
nas entrelinhas do discurso da verdade real é o da incidência do ius puniendi a
todo custo, a qualquer preço, além da adoção de uma concepção de necessidade
inafastável da condenação de alguém, da culpabilidade objetiva, ou seja, pelo
cometimento do fato, independentemente da verificação ou não de seus elementos.
Essa voracidade pela ‘verdade real’, ultrapassa até mesmo os limites do
acusador e coloca o sujeito encarregado de julgar, na cena do crime, lugar
próprio da autoridade encarregada da investigação.[nota 26]
Inegável, portanto, que as bases
epistemológicas do processo penal moderno são diametralmente opostas àquelas
experimentadas pelo modelo inquisitorial, o que de plano indica a inadequação
do compartilhamento da ideia de verdade real como fim a ser atingido no
julgamento do caso penal.
A própria ideia de verdade real
representa uma falácia[nota 27] e demonstra uma inocência científica típica dos oitocentos[nota
28]. Admitir a
verdade real como finalidade do processo penal é
P. 18
partir do pressuposto de que tal valor é
alcançável, o que, contudo, é impossível[nota 29]. Como leciona Taruffo:
Não se pode sustentar
racionalmente que uma verdade absoluta possa ou deva ser estabelecida em
qualquer domínio do conhecimento humano, tampouco no contexto judicial. Mesmo
ciências rígidas como as físicas e as matemáticas não pretendem ser capazes de
alcançar verdades absolutas.[nota 30]
Não obstante a inconsistência
epistemológica da verdade real[nota 31], o atual estágio evolutivo do processo penal, respaldado
por uma teoria constitucional[nota 32] que dá protagonismo às partes e, consequentemente, realça o
caráter dialético do processo, também contraria a crença ora debatida.
As partes, empoderadas pelo
modelo acusatório de processo penal, oferecem representações distintas do fato
em julgamento. Além da “verdade das partes”, soma-se ao caldo processual os
preconceitos do juiz, sujeito político e dotado de inúmeros fatores culturais
que nortearão seu posicionamento. São múltiplas as verdades - todas parciais[nota
33] -trazidas ao
processo, de forma que não há apenas uma, muito menos uma real.
Ainda sobre o atual modelo
constitucional de processo penal, inúmeras são as “impurezas processuais ou
institucionais à verdade”[nota 34], uma vez que as garantias estabelecidas
P. 19
pelo ordenamento[nota 35] impõem balizas rígidas à persecução
penal, contrastando com a gama de métodos disponíveis no modelo inquisitorial,
onde se funda a ideia de verdade real.
Também dentro da
instrumentalidade inquisitória, a utilização do processo para fins públicos,
eminentemente coletivos, igualmente desponta como um possível discurso de
legitimação. A partir dessa premissa, o processo penal teria sua razão de ser
confundida com aquela ínsita ao direito penal[nota 36], isto é, promover a paz social[nota
37]. Os atos
processuais estariam a serviço da sociedade, subordinados ao
plurissignificativo “interesse público”.
Não há como apartar o processo
penal de todo e qualquer interesse coletivo, dado que é próprio do Direito
tentar solucionar conflitos da vida em sociedade. O nó górdio, porém, insere-se
na elevação desses interesses coletivos à categoria de finalidade do processo,
em um artifício de renascimento dos postulados da Defesa Social, modelo no qual
sacrifica-se o infrator em prol do bem comum, adequando o sistema ao resguardo
da sociedade[nota 38].
Essa sacralização do interesse
público coloca em xeque a função protetiva do processo penal visto que recai no
discurso de prevalência do interesse público sobre o privado, que quando
transportado para o âmbito criminal importa na prevalência do poder punitivo
sobre as garantias fundamentais do acusado. A partir desse inapropriado
pensamento entender-se-á que “o garantismo individual não há de chegar ao ponto
de desproteger os superiores interesses coletivos”[nota 39]
Portanto, dar ao processo um
escopo voltado ao interesse público é distanciá-lo do projeto
constitucionalmente estabelecido. O processo penal democrático precisa
centrar-se no acusado, sendo o discurso de contraposição do interesse público
vs. interesse privado, além de cientificamente ultrapassado[nota 40], um meio de justificar, no mais das
vezes, a violação dos direitos fundamentais.
P. 20
Desta forma, tem-se os caminhos
pelos quais o processo penal não deve caminhar ao se estabelecer os destinos
que ele não deve almejar. A instrumentalidade ética proposta por Dinamarco ou a
Instrumentalidade Inquisitorial, veiculadora de dogmas insustentáveis, não
servem ao processo penal democrático, não constituindo uma finalidade
admissível.
Como resposta às sobreditas premissas
excludentes, que apontam aquilo a ser evitado quando se busca uma compreensão
moderna de processo penal, aparece a ideia de instrumentalidade constitucional,
tendente a alinhar as bases teóricas do processo penal ao paradigma
constitucional, realçando sobremaneira a proteção dos direitos fundamentais.
É preciso se descurar dos
preconceitos e admitir que o processo cumpre um papel instrumentalista, o que
em nada infirma sua autonomia científica e, muito menos, o levará
necessariamente à condição de mero aplicador do direito penal ou reprodutor de
dogmas inquisitoriais. [nota 41]
O lugar de fala do presente
escrito se afasta daquilo que Casara e Melchior chamaram de perspectiva
utilitarista[nota 42]
e caminha ao encontro de uma “perspectiva garantista” ou de instrumentalidade
constitucional[nota 43]. Isso significa o abandono do discurso que vê o processo
penal como meio de se alcançar a punição daqueles que violam a norma penal, ao
passo que há um alinhamento do raciocínio aqui exposto com a compreensão do
processo penal enquanto instrumento de contenção do poder punitivo.
Conforme salientam, ainda,
Casara e Melchior, é preciso entender o processo penal como um instrumento de
redução de danos, isto é, como um anteparo que o indivíduo presumidamente
inocente dispõe ante o poder punitivo. Essa instrumentalidade constitucional
funciona, portanto, como uma estratégia de superação do ranço autoritário que acompanha
o processo penal brasileiro, sendo fruto de uma opção política tomada pelo
Constituinte de 1988.
P. 21
Cabe ao processo penal
instrumentalizar garantias através das quais o indivíduo poderá fazer frente
aos abusos da força opressora do Estado. Conforme consigna Gloeckner[nota
44], o poder não
aceita vácuos, tendendo sempre a extravasar e usurpar as barreiras impostas
sobre ele até que encontre um freio à altura que o faça desacelerar. O processo
penal é, teleologicamente, esse freio.
A instrumentalidade
constitucional é, portanto, o fundamento de legitimidade do processo penal
atual, que desponta como ferramenta destinada a maximizar as garantias
constitucionais[nota 45]. Trata-se de um mecanismo de proteção do mais débil, sobre
quem é imposta uma fragilidade estrutural, ínsita à sua condição de sujeito
passivo na situação processual.
A opção pela instrumentalidade
constitucional do processo penal ganha realce quando se contextualiza o
processo penal brasileiro. Conforme demonstra Nereu Giacomolli[nota 46], a estrutura da processualística
brasileira se assenta em bases essencialmente autoritárias, inquisitoriais e
centradas numa ordem assimétrica, monopolizadora e piramidal (supremacia do
magistrado), com forte tradição autoritária herdada da ditadura Vargas e sem
espaço à metodologia dialética.
Somente com a valorização
prática da Constituição, a partir da realização cotidiana de suas garantias que
se dá justamente através da instrumentalidade constitucional aqui defendida, é
que se poderá superar o arcabouço retrogrado do processo penal. A
instrumentalidade constitucional é veículo para concretizar aquilo que Walter
Nunes perspicazmente afirma: o código de processo penal foi reescrito em 1988[nota
47].
Lançar luzes sobre a função das
formas no processo penal é de valia fulcral na empreitada que visa compreender
a teoria das nulidades no processo. Não há como se
P. 22
enxergar o grau de instrumentalidade de um
ato processual sem que se descortine as razões de existência da forma no
processo penal[nota 48], sob pena de se aparentar tutelar a mera burocracia
judicial.
Dentro da perspectiva do
processo penal legitimado por uma instrumentalidade constitucional, a forma dos
atos processuais ganha realce diferenciado[nota 49]. Se através das lentes policialescas a
forma serviria às pretensões eminentemente punitivas do Estado, quando
compreendida em harmonia com um processo penal democrático, a forma pela qual o
processo se desenvolve passa a atuar como materialização da concepção abstrata
de contenção do poder punitivo, que ontologicamente tende a ser arbitrário e
antidemocrático[nota 50]. A forma é, portanto, o escudo protetor contra a
arbitrariedade[nota 51].
Para que o processo alcance seu
mister, isto é, realize-se a partir da defendida instrumentalidade
constitucional, ele deve ser estruturado como um encadeamento de atos
individualmente garantidores. O processo penal, que é o todo, somente exercerá
uma instrumentalidade constitucional quando for constituído por atos (partes)
servientes a este fim garantidor de direitos fundamentais. Tudo isso, portanto,
deve ser refletido na sua ritualística, nos atos que o compõem e, consequentemente,
nas formas mantidas por tais atos[nota 52].
Essa ótica garantidora do
processo penal ante o poder punitivo transita por princípios norteadores
basilares, como o da estrita jurisdicionalidade e, o mais pertinente para este
escrito, da legalidade processual.
Admitindo que o poder punitivo
tende a superar as balizas, rompendo-as, a legalidade funciona como vetor
essencial para que se cumpra a instrumentalidade constitucional do processo,
direcionando-o em um rumo previsto normativamente, e o afastando das paixões e
irracionalidades que afloram no ambiente punitivo. Nesse sentido, arremata
Ricardo
P. 23
Gloeckner que o estabelecimento normativo de
requisitos essenciais à prática de atos judiciais materializam a concepção do
processo como escudo protetor contra arbitrariedades[nota 53].
Forma e legalidade coexistem,
constituindo-se limites de atuação do Estado e preenchendo a noção abstrata de
freio na atividade punitiva que se atribui ao processo penal[nota 54]. O processo amorfo desnatura-se em mais
um instrumento a serviço do poder punitivo, e se o culto ao formalismo não
significa, per si, um processo penal democrático, o desapego às formas, por sua
vez, é suficiente para indicar influxos autoritários no ordenamento[nota
55].
A concepção de legalidade,
essencial aos delitos e às penas, em que pese apresente reminiscência histórica
desde o direito romano[nota 56], ganhou realce e influência direta na atual conformação
jurídico-cultural do ocidente com os escritos de Beccaria[nota 57], teórico lido e compreendido com olhos
comumente mais voltados ao campo do direito penal que às disciplinas
processuais do poder punitivo[nota 58].
A legalidade entoada por
Beccaria, contudo, há de ser espraiada para além do direito penal material,
alcançando enfaticamente o processo.
Inegavelmente, a partir da
centralização do poder nas mãos do Estado e a consequente institucionalização
dos conflitos criminais, com a contribuição essencial da legalidade dos crimes
e dos castigos, alcançou-se uma maior segurança em virtude da previsibilidade
de incidência do poder punitivo. Mas isto não basta(va).
Para se conferir verdadeira
proteção ao indivíduo seria insuficiente promover a contenção do arbítrio no
(ab)uso do poder punitivo através da legalidades dos delitos e das penas,
unicamente. É essencial para o projeto de redução dos danos ínsitos ao sistema
P. 24
criminal que ocorra um balizamento estrito
acerca do caminhar processual, sob pena de um processo sem regras tornar
praticamente nula a garantia do direito penal[nota 59].
Nessa esteira, ressalta Jorge
Coutinho Paschoal que, de fato, a formalização do direito penal foi importante
para conter a anarquia punitiva, a barbárie e a insegurança a que todos estavam
submetidos. Esse passo civilizatório, entretanto, foi apenas o primeiro. Após
estabelecida a centralização do poder, persistiu o receio de os indivíduos
virem-se esmagados pelo uso da força estatal, sendo necessário seguir no
caminhar evolutivo rumo à contenção do arbítrio punitivo, agora não mais regrando
o que punir e com que punição, mas sim estabelecendo os esquadros limitadores
da atividade persecutória[nota 60].
Essa reafirmação da legalidade
para o âmbito processual se torna ainda mais evidente a partir da compreensão
de que a persecução penal, mais que um mero procedimento de averiguação
objetiva da culpa ou inocência do indivíduo, constitui, no plano prático, uma
involuntária antecipação da punição, notadamente em virtude do caráter
vexatório e simbolicamente violento que impõe ao polo passivo do caso penal.
Como ensina Afrânio Silva
Jardim, a realidade evidencia que, unicamente por ter sido instaurado, o
processo penal já atinge o chamado status dignitatis do acusado[nota 61]. Não por acaso, ademais, Carnelutti há
muito afirmara que um dos maiores erros do processo penal ocorre quando se
prolata uma sentença absolutória, uma vez que naquele instante todas as
misérias do processo penal tinham sido impingidas contra um sujeito que, ao
final, fora considerado inocente[nota 62].
A forma no processo, atrelada
que está ao princípio da legalidade, exerce também uma demarcação da conduta
dos sujeitos processuais[nota 63]. É que a regulamentação legal das formas
P. 25
representa uma garantia das partes em suas
relações recíprocas e em suas relações com o juiz. Daí a importância das formas
do procedimento serem certas e determinadas[nota 64].
Além da regulamentação das
posturas subjetivas do processo, a forma atua e é essencial na organização e
celeridade do procedimento, racionalizando a necessidade de um processo célere
com o tempo de maturação ínsito à construção do juízo de culpa ou inocência ali
perquirido. A forma, repisando-se o seu conceito de anteparo garantidor,
materializa a balança necessária entre uma sociedade hiperacelerada e
punitivista com a demora do processo.
A inserção do processo penal na
era dromológica[nota 65], cada vez mais imediatista, aviva a forma como elemento de
contenção dessa hiperaceleração, alçando-a à condição de garantia de uma
maturação minimamente razoável da persecução penal[nota 66].
Para além da contenção do poder punitivo, na presente ocasião histórica o
formalismo se impõe contra o tempo nadificado, impedindo juízos de culpa cada
vez mais sumários.
Nota-se, com isso, que longe de
constituir um problema, o formalismo serve -quando bem empregado - a valores
essenciais ao bom funcionamento do modelo democrático de justiça criminal, seja
na contenção do arbítrio; na delimitação das posições subjetivas do processo ou
mesmo no controle da ânsia punitiva de nossa sociedade imediatista.
Dentro dessa ambiência
conceitual a respeito da legalidade processual penal e do formalismo, despontou
a doutrina do tipo processual, evidente resultado do espraiamento dos dogmas
penais para o processo, colorindo a importância de situar os limites do ato
processual.
Como leciona Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas, o tipo não é uma categoria exclusiva do Direito Penal, sendo,
em verdade, uma categoria da Teoria Geral do Direito[nota 67]. Fala-se em tipo no direito civil, no
direito administrativo, no direito ambiental, no direito tributário e, para o
que interessa à presente construção, no Direito Processual Penal.
P. 26
Além de se disseminar em
diferentes áreas do conhecimento jurídico, a concepção de tipo pode ser vista
sob ângulos distintos. Em um primeiro sentido, liga-se a um viés metodológico,
como uma proposta científica de ordenamento do conhecimento jurídico com vistas
a aplicar o Direito em cada caso concreto. Ora a ideia de tipo pode, ainda, se
referir a reafirmação de limites e de parâmetros normativamente estabelecidos[nota
68].
Dentro do Direito Processual
Penal, a tipicidade exerce relevante função porque viabiliza o conhecimento
seguro do direito por qualquer pessoa e, também, estabelece balizas seguras
para a prática dos atos dentro do processo[nota 69].
A doutrina da tipicidade
processual encontrou nessa construção teórica a adequação perfeita para
alcançar a ideia limitativa que pretende dar às formas estabelecidas no
processo penal. Não à toa, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance e Antonio
Magalhães discorrem que:
A tarefa de aplicar o
direito às situações concretas não é realizada aleatoriamente pelos órgãos
estatais; ao contrário, a atividade processual também é regulada pelo
ordenamento jurídico, através de formas que devem ser obedecidas pelos que nela
intervêm. Nesse sentido, afirma-se que o processo exige uma atividade típica.
Assim, os participantes devem pautar o seu comportamento segundo o modelo
legal.[nota 70]
O tipo processual penal,
composto por elementos de ordem objetiva, subjetiva e procedimental, seria a
moldura normativa que o legislador impõe para a prática do ato processual e,
consequentemente, para o caminhar do procedimento[nota 71]. Em um paralelo com a tipicidade penal,
o ato processual estaria para a norma proibitiva do direito penal, ao passo que
a pena seria a nulidade, realçando o entendimento desta categoria como sanção.
Na esteira dos adeptos à
tipicidade processual, tal ideia decorreria de dois princípios basilares: o do
devido processo legal e o da legalidade[nota 72], e os limites imanentes ao quadro oferecido
pelo tipo processual materializaria a garantia que subjaz o ato ali
formalizado. O tipo se relaciona à legalidade e, também, à própria origem do
Estado de Direito, uma vez que funciona como um padrão pré-moldado que conforma
as práticas do Estado-Juiz ou para com o Estado-Juiz.
P. 27
Dentro dessa premissa lançada, a
nulidade corresponderia à violação da forma processual (atipicidade do ato) em
virtude da desobediência dos requisitos normativos (típicos), intrínsecos ou
extrínsecos[nota 73].
A aludida construção teórica é
de aceitação ampla no cenário doutrinário brasileiro[nota 74], muito em virtude de um conformismo
conceitual que encontrou na simplicidade deste raciocínio um excelente acalento[nota
75]. Ocorre que a
teoria da tipicidade processual penal não é suficiente para explicar a
complexidade que envolve a problemática das nulidades.
Comentando-a, Ricardo Jacobsen
atenta que essa corrente se preocupa em tentar explicar que a nulidade é mero
rompimento de uma fórmula prescrita legalmente, o que não representa um ganho
científico no tratamento da problemática em tela[nota 76].
A noção de tipo processual
tradicionalmente estabelecida gera um vazio conceitual, uma vez que a sanção da
nulidade protegeria a forma - o tipo - contra a violação do tipo, recaindo-se
na injustificável tutela da forma pela forma.
Em um implícito reconhecimento da carência
científica da tipicidade processual aos moldes com que fora originalmente
formulada, raiaram tentativas de salvar o núcleo dessa construção,
fornecendo-se novos elementos que preenchessem o já detectado vazio conceitual.
Assim surgiu a tipicidade constitucional[nota 77].
A partir deste marco teórico, a
infração aos elementos normativos do ato processual penal estaria fundamentada
não só na desobediência aos parâmetros típicos, mas na violação a preceitos de
caráter constitucional[nota 78].
Em que pese preencha a tutela da
forma, dando-lhe uma teleologia constitucional, a doutrina do tipo
constitucional finda por reduzir as nulidades às hipóteses violação de ordem
superior, isto é, “necessitando de uma violação de ranking superior para que a
declaração de nulidade seja realizada”[nota 79].
P. 28
De tão abrangente, a teoria
finda sendo demasiado limitadora, uma vez que sempre haverá um discurso
constitucional subjacente à forma processual[nota 80]. Como tudo teria reflexo
constitucional, a ideia de tipicidade constitucional exige uma filtragem quando
da análise das atipicidades, o que é dado pela rememoração da malfadada
instrumentalidade das formas.
Apesar de pretender oferecer uma
guarida constitucional à teoria do ato processual, a teoria do tipo
constitucional não se coaduna com a instrumentalidade constitucional do
processo penal que aqui se defende. E essa inadequação ocorre justamente em
virtude de alguns atos processuais delineados no diploma ordinário não
permitirem uma demonstração imediata e cristalina de violação à ordem
constitucional[nota 81].
Por meio dessa teoria, a
porosidade da teoria das nulidades se avoluma, já que atos processuais
praticados em desconformidade com o modelo normativo findam sendo convalidados
quando respeitada a tipicidade constitucional, conceito este que tem a mesma
matriz eficientista da instrumentalidade das formas, conforme esclarece Ricardo
Jacobsen[nota 82]:
A concepção do tipo
constitucional, atentamente vinculada ao princípio da instrumentalidade das
formas goza dos mesmos defeitos já apontados do referido princípio. A submissão
à persecução eficientista determinada pelo princípio da instrumentalidade das
formas encontra resíduos também na concepção da nulidade e do tipo
constitucional.
Em suma, toda a ideia de
tipicidade processual, inclusive a que busca apoio constitucional, na pretensa
missão de estabelecer limites garantidores, quando associada à indesejável
instrumentalidade das formas e associada ao caldo cultural autoritário que
permeia nosso modelo processual, gera um mal aprioristicamente não desejado
pelos teóricos alinhados a essa construção, que é o preenchimento desse vazio
conceitual pela concepção eficientista já debatida[nota 83].
A teoria da tipicidade tem uma
valia que merece ser ressaltada, qual seja, a inserção da formula legal dentro
da ótica de revalorização do procedimento[nota 84]. Apesar de a teoria do
P. 29
tipo processual ser deveras simplista por
salvaguardar uma forma sem se preocupar com o conteúdo; e a violação ao tipo
constitucional ser, de igual forma, simplista por relacionar-se a algo
demasiado aberto, ambas as correntes contribuem para a demonstração de que a
forma é sim uma garantia.
A tipicidade (não
necessariamente com esse nome), ou a conformação do ato ao modelo normativamente
estabelecido, não pode ser suficiente para que se detecte a nulidade, ao passo
que a tipicidade constitucional, que requer a violação de alcance
constitucional, peca por desprezar os aspectos infraconstitucionais, também
garantidores.
É preciso oferecer ao tipo
processual uma função mais importante que aquela oferecida pela teoria da
tipicidade constitucional, uma vez que não se pode vincular a nulidade apenas
às violações de ordem constitucional, deprezando o modelo legal do ato. Por
outro lado, não se pode atribuir ao tipo procesual uma função sacral, dado que
a atipicidade, quando acompanhada pela incolumidade da garantia ali tutelada,
não gerará nulidade.
As construções teóricas da
tipicidade processual podem ser aperfeiçoadas a partir da compreensão do tipo
como uma microestrutura de garantia que se alia à substância, esta, por sua
vez, sendo a macroestrutura de garantia, para dar vida à forma enquanto
garantia de fato.
A lesão à microestrutura não é
suficiente para fins de nulidade, o que diferencia esta linha de raciocínio
daquela esposada pela tipicidade processual. Ao mesmo tempo, a lesão à
microestrutura não é ignorada, dependendo exclusivamente da demonstração do
atentado às garantias constitucionais (macroestrutura de garantia), como defende,
ainda que indiretamente, a teoria da tipicidade constitucional.
A lesão à microestrutura é
indiciária e gera uma presunção, ainda possível de ser desconstruída, de que
houve uma violação à função garantidora da forma que reveste aquele ato.
Lesionar a tipicidade processual é indício, contra o qual cabe prova em
contrário, de que há uma lesão à substância garantista do ato (macroestrutura).
Esse rearranjo que une a
valorização da forma prevista em lei (função indiciária da atipicidade) com uma
teleologia procedimental (a macroestrutura garantista como valor) tem
repercussões que alinham o sistema processual com o viés de redução de danos,
colocando sobre cada sujeito da situação processual as devidas cargas de
responsabilidade. Há forte consequência, por exemplo, de ordem argumentativa e,
portanto, probatória, uma vez que a tipicidade (microestrutura de garantia) ao
ser violada faz recair sobre o Estado (Estado acusação e Estado Juiz) o ônus de
demonstrar a incolumidade da garantia subjacente àquele ato irregularmente
praticado (macroestrutura de garantia).
P. 30
Tem-se, a partir da sobredita
construção, que a violação da forma estabelecida em lei faz nascer uma
presunção de que se atentou contra uma garantia e, se tal presunção perdurar e
não restar superada por provas em contrário, o ato deverá ser anulado. Não há
necessidade de demonstrar qualquer violação à macroestrutura de garantias
(normas constitucionais, como quis a teoria da tipicidade constitucional),
afinal a função indiciária da violação à microestrutura já é aprioristicamente
suficiente.
Para romper com a presunção, o
sujeito processual interessado pode recorrer à macroestrutura de garantias,
demonstrando que - em que pese a tipicidade processual tenha sido violada - a
garantia por detrás do ato não foi atingida. O ônus argumentativo é
inteiramente de quem alega a viabilidade do ato processual irregular,
invertendo-se a lógica atualmente operante[nota 85]. A lógica eficientista de preservação
dos atos processuais é curvada à lógica garantista que entende a forma como
garantia. O desrespeito à forma inverte a lógica de preservação dos atos
processuais, e a regra passa a ser a cassação dos efeitos do ato praticadp em
desconformidade.
Essa postura faz todo sentido quando
se parte da compreensão crítica do poder punitivo, que sempre exerce uma força
centrípeta ante as formas[nota 86]. A constrição constante que o poder exerce nos limites
estabelecidos pela forma processual deve levar o operador do direito
constitucionalmente alinhado a desconfiar dos atos disformes, atribuindo a eles
a pecha de presumidamente inválidos.
Caminhar nessa trilha teórica
reafirma as bases do processo penal democrático, uma vez que dá interpretação
ampliativa às possibilidades de nulidades, valorizando a forma procedimental
enquanto garantia ao atrelar seu desrespeito a uma presunção de violação de
direitos fundamentais.
A compreensão da forma a partir
do sistema binário ora proposto segue, em resumo, a seguinte lógica: a violação
da forma processual (tipicamente prevista) gera uma presunção de violação de
uma garantia e, por isso, indica - por si só - a necessidade de nulidade do
ato. Essa presunção gerada pode, contudo, ser rompida a partir de demonstração
de que a macroestrutura de garantias, materializada por direitos fundamentais,
não foi atingida e que a atipicidade inicialmente observada não gerou efeitos
deletérios ao direito a ela subjacente.
P. 31
Ademais, a macroestrutura de garantias pode
conduzir a declaração de nulidade do ato ainda que este esteja conforme as
regras processuais, ou seja, um ato, ainda que típico, pode ser declarado nulo
quando viole substancialmente um direito fundamental. Todavia, nesses casos em
que a tipicidade processual está satisfeita (e por isso a microestrutura de
garantia está ilesa) mas o direito fundamental está violado, inexiste presunção
que advogue no sentido da nulidade, devendo a parte prejudicada demonstrar que
seu direito fundamental não é satisfeito pelo modelo típico.
Um exemplo clareará o sobredito.
É sabido que o artigo 396, do CPP, prevê prazo de 10 dias para que o acusado
ofereça sua defesa, através da resposta à acusação. Parece claro o modelo
típico do ato, notadamente no seu aspecto temporal: o prazo é de 10 dias.
Assim, o juiz que concede menos que 10 dias finda atingindo a tipicidade do
ato, que deverá ser considerado nulo. Por outro lado, nos casos em que o
processo em questão apresente um elevado grau de complexidade, assoberdado de
volumes (na realidade física) ou de bytes (na realidade virtual), esses 10
dias, ainda que satisfeitos (adequação ao modelo típico do ato), não é
suficiente para garantir o exercício amplo da defesa, ou seja, não satisfaz o
direito subjacente ao mandamento legal. Há investigações (comumente etiquetadas
de operação) que duram anos, tendo a acusação o tempo que julgue necessário
para estudar e concatenar suas ideias na peça exordial. Oferecida a denúncia,
os 10 dias que seguem para o oferecimento da resposta à acusação não são
suficientes para que o direito de defesa finde satisfeito. Daí porque se dizer
que, em que pese o modelo típico tenha sido obedecido, o direito fundamental -
aspecto substancialista da forma - não foi protegido, devendo o ato também ser
considerado nulo.
Essa ótica realça os direitos
fundamentais como elemento norteador das formas processuais, uma vez que admite
a nulidade ainda que exista tipicidade processual. E não só. Rompe-se com a
vetusta concepção de taxatividade dos atos desconformes, uma vez que todo ato
poderá ser confrontado com o direito fundamental e, ainda que aparentemente
obediente à forma, ter sua nulidade declarada a partir de critérios
substanciais.
É evidente, frise-se, que o
apego romântico às formas processuais como baluarte salvacionista das incursões
autoritárias no processo penal não passa de ingenuidade. A forma, para servir
como garantia, deve ser respaldada por um complexo engendro de justificação,
alinhada à substância garantista emanada da Constituição.
P. 32
O processo penal, além de ser um
complexo de situações do ponto de vista Goldshmitd[nota 87], é complexo por envolver as mais
viscerais sensações humanas e manejar a mais violenta atuação Estatal. E uma
resposta simples para todo problema complexo não passa de uma falácia.
Em que pese algumas vozes[nota
88] indiquem a
inutilidade de se discutir, na atual quadra histórica, os sistemas processuais,
alegando que o sistema inquisitório se tornou apenas um dado histórico, em
verdade a análise dos modelos acusatório e inquisitório servem, ao menos, como
fio norteador do debate sobre os caminhos do processo penal moderno.
Salo de Carvalho e Antonio
Loureiro[nota 89],
inclusive, lecionam que
Um dos pontos chave para o
incremento/obstrução da acusatoriedade no sistema processual brasileiro
encontra-se no sistema de nulidades. Em consequência, a inquisitorialidade
ínsita ao sistema permite que atos processuais em desconformidade com os
preceitos constitucionais surtam efeitos como se válidos fossem.
O debate sobre os sistemas,
portanto, ainda é válido, funcionando também como uma ponte teórica para que se
averigue a evolução (ou involução) do processo penal ao longo da história. Não
sem razão Dussel entende que “a história é mestra da vida porque nos mostra que
o que ocorreu no passado continua acontecendo no presente”[nota 90].
A partir das lições de Dussel
acima delineadas, pode-se sedimentar que a compreensão dos sistemas processuais
penais clareará nossa atual conformação processual e permitirá a compreensão
crítica dos influxos inquisitoriais modernos e das possíveis soluções alinhadas
com o sistema acusatório.
Ao abordar os sistemas é preciso
salientar que inexistirá, no presente escrito, um enfoque acurado sobre as
origens dos modelos comentados, corte temático que é de complexidade suficiente
para impedir análises perfunctórias cabíveis neste trabalho. Mas não
P. 33
só a razão pragmática impede que nos
imiscuíamos nas origens dos sistemas. Compartilhamos da compreensão de que a
busca por um ponto de origem dos modelos recairá, impreterivelmente, numa vala
mitológica[nota 91].
Como Jacinto Coutinho expõe com
maestria:
(...) sempre se teve
presente que há algo que as palavras não expressam; não conseguem dizer, isto
é, há sempre um antes do primeiro momento; um lugar que é, mas do qual nada se
sabe, a não ser depois, quando a linguagem começa a fazer sentido. Nesta parca
dimensão, o mito pode ser tomado como a palavra que é dita, para dar sentido,
no lugar daquilo que, em sendo, não pode ser dito. Daí o big-bang à física
moderna; Deus à teologia; o pai primevo a Freud e à psicanálise; a Grundnorm a
Kelsen e um mundo de juristas, só para terem-se alguns exemplos.[nota 92]
As limitações da racionalidade e
a percepção que na origem nada há, ou o que há não é possível de ser
conceitualmente - e linguisticamente - delimitado, conduz à conclusão de que
discussões historicistas sobre a gênese de cada sistema é despicienda, e mais:
percebe-se que a nominação de um sistema como acusatório ou inquisitório
somente reveste-se de sentido a partir na existência de outro modelo a lhe dar
aparência[nota 93].
Em suma, mais importante que traçar o marco inicial de cada modelo é
confrontá-los conceitualmente, realçando suas diferenças[nota 94].
Inicialmente quanto ao sistema
inquisitório, nas lições de Aury Lopes Júnior[nota 95], tem-se que frente ao fato típico o
julgador age de ofício, recolhendo - igualmente de ofício - o material
probatório. Daí a conclusão de que nos processos da Inquisição o mesmo
indivíduo poderia exercer, simultaneamente, funções de acusador e de julgador[nota
96].
Oferecida a denúncia, seguia-se
o rito com a nomeação de um defensor. A este defensor, entretanto, não incumbia
qualquer defesa meritória do acusado; esperava-se dele
P. 34
apenas que assegurasse a obediência a todos
os requerimentos do tribunal[nota 97], bem como convencesse o réu a admitir sua culpa, implorar
por perdão e buscar a readmissão à Igreja[nota 98]
Segue ao oferecimento da
denúncia uma série de audiências, geralmente em número de três, com um objetivo
bem delimitado: forçar o acusado a confessar[nota 99]. O processado era a melhor fonte de
prova, logo, o ritual sobre seus ombros recaia integralmente. Ademais, a noção
de parte perde totalmente o sentido, posto caber ao inquisidor o mister de
acusar e julgar, transformando, reitere-se, o imputado em mero objeto de
verificação[nota 100].
Acrescenta Aury Lopes Jr.[nota
101] que o
interrogatório era o ato principal do processo, afinal, constituía a análise do
acusado - maior fonte de prova -; por isso nele empregava-se toda a crueldade
do sistema, mediante cinco tipos diferentes de tortura, progressivamente
escalonados de forma que ao final de 15 dias, se o acusado não confessasse, e
também não morresse, era considerado suficientemente torturado e liberado.
Arremata o insigne professor[nota 102] que “o pior é que em alguns casos a
pena era de menor gravidade que as torturas sofridas”, anomalia que ainda se
perpetua no moderno cenário pseudo-acusatório, notadamente com a banalização
das prisões processuais.
A partir do delineado sobre o
modelo inquisitório erige na literatura especializada um rol de características
que seriam peculiares ao modelo em comento, dentre as quais podemos destacar a
inexistência de partes[nota 103]; a objetificação do acusado, enquanto
fonte de prova; o sigilo processual[nota 104]; a tarifação das provas e a supremacia
da confissão[nota 105]; o fetiche pelo processo escrito[nota
106] e por uma
mitológica verdade real[nota 107].
Em que pese as inúmeras
características sobreditas, indiscutivelmente a que encontra maior ressonância
na doutrina é o acúmulo de funções na figura do juiz[nota 108], e seja no
P. 35
rompimento autônomo da inércia jurisdicional
ou na gestão probatória concentrada nas mãos do julgador, o que se tem é uma
inflação de poderes, muitas vezes incoerentes entre si.
Por sua vez, quanto ao modelo
acusatório é forte a doutrina no sentido de caracterizá-lo por deixar para as
partes a incumbência de gerir a prova[nota 109], sendo o juiz obrigatoriamente
imparcial e equidistante[nota 110]. Há, ainda, apego pela publicidade[nota
111], salvo exceção
legal. O acusado alcança a condição de sujeito de direitos[nota 112], gozando agora de uma série de
garantias, como o contraditório e a ampla defesa.
Com relação ao sistema
acusatório, portanto, atribui-se-lhe como característica fundamental a
passividade do juiz, certo alheamento de sua postura, desejando-se que o
julgador se limite a fiscalizar as regras destinadas a assegurar o equilíbrio
da distribuição de oportunidades processuais entre as partes[nota 113].
Nota-se que há um delineamento
doutrinário de uma série de características que conformam cada um dos sistemas,
residindo nos limites de atuação do magistrado, contudo, o principal elemento
distintivo.
Essa postura do julgador,
norteada diferentemente de acordo com o modelo adotado, traz à tona a primeira
consequência no âmbito das formas processuais e, consequentemente, das
nulidades.
O julgador, quando vestido pelos
trajes da imparcialidade, ou seja, quando alinhado com o modelo acusatório,
abandona a condição de sujeito responsável por descobrir a verdade (dogma
típico do modelo inquisitivo), deixando de ser uma figura mítica cujas falas
expunham a verdade real, o que o tornava “oráculo que beirava a divindade”[nota
114].
P. 36
O juiz do processo penal
acusatório, por não perseguir a - inalcançável - verdade, preocupa-se
prioritariamente em concretizar o fio norteador de sua função, isto é, sua
imparcialidade. Enquanto sujeito parcial, o Estado-Juiz era embaraçado pelas
parcas formas do sistema inquisitorial e, por tais formas serem embaraço à sua
missão - busca da verdade -havia uma flexibilização delas. O juiz do modelo
acusatório, imparcial e munido de uma instrumentalidade constitucional (que
entende o processo como destinado a garantia de direitos do acusado) se vê
confortavelmente na posição de garantidor das formalidades, sem que isso
signifique ofensa à sua atividade, não mais de descoberta da verdade, mas de
guardião dos direitos fundamentais.
No sistema inquisitório o
julgador tem um compromisso pessoal com a verdade, o que retira da cena
processual o sujeito responsável por garantir direitos. A ausência de
imparcialidade do magistrado é corolário lógico de sua atuação como parte
comprometida com uma hipótese acusatória. O juiz inquisidor trabalha com uma
presunção de culpabilidade, de forma que todo o engendro processual finda
destinado a confirmar a hipótese acusatória, o que faz das formas garantidoras
um entrave ao sucesso punitivo. Com precisão asseveram Casara e Melchior que:
O pensamento paranoico,
consequência da busca pela confirmação de uma hipótese a que já aderiu o
inquisidor, foi a principal marca da atuação do julgador nas diversas
inquisições. Esse estilo processual permite que o juiz construa uma grande
trama, cujo capítulo final já não saberia distinguir entre o que é um ‘sonho’
seu ou a ‘realidade’.[nota 115]
Esse compromisso psíquico
existente entre o julgador e a hipótese lançada (que será a hipótese da
culpabilidade, por óbvio) descamba para o exercício irrestrito do poder
punitivo, que gerará a desconsideração absoluta das formas processuais, uma vez
que estas visam justamente conter o poder. O respeito à forma pressupõe um juiz
imparcial, e, por isso, demanda o abandono de qualquer resquício inquisitorial
no processo penal.
Saliente-se que aqui não se
sustenta a ausência de formas no modelo inquisitivo de processo penal, o que
ingenuamente colocaria a existência de formas como elemento distintivo entre os
modelos. O que ocorre, em verdade, é uma irrelevância seletiva das formas. A
forma no modelo inquisitório reproduz um formalismo vazio de garantias e que se
desvela de maneira bastante peculiar, qual seja, através do binômio
rigidez-flexibilização[nota 116]. Há uma
P. 37
alternância entre o cumprimento obtuso do
rito, no formalismo esvaziado de uma teleologia garantista, e a permissão de se
excepcionar as formas legais, dando azo ao abuso de poder através do processo
penal[nota 117].
Corroborando o exposto, ensina
Ricardo Gloeckner[nota 118] que por um lado o ativismo judicial
confirmava o julgador em um plano privilegiado de extração da verdade; por
outro, a irrelevância das formas, ou o amorfismo, contituiam o aparato base do
modelo inquisitorial. Frise-se, outrossim, que a ideia de amorfismo não se
confunde com a possibilidade de observência de determinadas solenidades, sendo
a forma disponível aos desejos autoritários. Quando aparecia como embaraço à
busca da verdade, a forma era desconsiderada; quando poderia ser instrumento do
poder punitivo e da minimização de garantias, a forma era sacralizada, principalmente
com a possibilidade de repetição de atos.
Dizer, portanto, que a
revalorização da forma no processo penal encontra sintonia com o modelo
acusatório é apenas meia verdade. Tal assertiva, caso destituída de uma crítica
pertinente recai no culto ao formalismo, esvaziado, vassalo histórico de
regimes autoritários[nota 119].
Como se pode notar, a depender
do sistema onde está inserida, a forma pode aparecer como freio ao poder
estatal ou como ferramenta para tornar mais eficiente a persecução penal. No
primeiro, pelo engessamento e pelo endurecimento quanto às regras do jogo,
consubstancia-se o sistema acusatório ao passo que a flexibilização, o
amorfismo, a preponderância dos fins sobre os meios, dará ensejo à consolidação
de um modelo inquisitorial.
No modelo acusatório tem-se a
opção pela minimização do erro judiciário tendente à condenação do inocente[nota
120]. Há uma visão
pessimista dos atos do poder punitivo[nota 121], de modo que a forma é reafirmada como
anteparo de garantias. O sistema inquisitório, por sua vez,
P. 38
caracterizado pela hiperatividade do
controle social, e cuja meta principal é a erradicação do mal, concretizado e
cristalizado na figura do outro[nota 122], reproduz uma leitura romântica da
atuação das instituições punitivas[nota 123], o que faz da forma um mero detalhe
frente à bondade dos bons, estes, via de regra, sujeitos autoritários.
A tríade conceitual a ser
formada e que se fecha com a conclusão deste primeiro capítulo é interligada e
simbioticamente relacionada. A forma se torna garantia quando o processo penal
é compreendido a partir da sua instrumentalidade constitucional. O formalismo
esvaziado, distanciado da concepção constitucional de processo, pode facilmente
servir aos espúrios desejos autoritários do punitivismo, veiculando, a reboque,
premissas inquisitoriais. O processo penal constitucional, por sua vez, deve
obediência aos cânones do sistema acusatório, modelo politicamente escolhido e
que só estará satisfeito quando se cobrir de um formalismo constitucionalmente
alinhado.
A instrumentalidade
constitucional do processo, a forma enquanto garantia e a reafirmação do modelo
acusatório de processo penal são premissas que se interconectam e sedimentam as
bases teóricas essenciais à revisitação crítica dos pilares do sistema de
nulidades.
P. 39
O enfrentamento das vicissitudes
do processo penal sob uma perspectiva crítica encontra um sem número de
barreiras. Tais empecilhos de ordem eminentemente cultural, como não poderia
deixar de ser, estão intrincados no modo de pensar o Direito e -especificamente
- o direito processual penal.
Todos os paradigmas expostos no
primeiro capítulo, quais sejam, a instrumentalidade das formas e a
instrumentalidade inquisitória como inservíveis ao processo penal; a função da
forma no processo penal enquanto materialização de garantias; e as ainda
presentes influências dos sistemas inquisitório e acusatório no tratamento das
formas processuais penais, tangenciam, em certa medida, a problemática teoria
geral do processo e a adoção acrítica das categorias de tal disciplina por
parte do direito processual penal.
Além das problemáticas pinçadas
no primeiro capítulo, existe outra, também grave, no paralelismo entre o
processo civil e o processo penal, notadamente com o transporte equivocado de
categorias do primeiro para o segundo, fruto de uma reprodução conceitual
acrítica e automática incentivada pela teoria geral do processo[nota 124].
A causa de toda essa confusão
científica há muito foi bem trabalhada por Canelutti[nota 125], que, para ilustrar o posicionamento
da evolução dogmática do processo penal, recorreu à conhecida parábola da
Cinderela. O eminente processualista considera as três irmãs do referido conto,
nominando-as de Ciência do Direito Penal, Ciência do Processo Civil e Ciência
do Processo Penal, aduzindo, ainda, que as duas primeiras, ao contrário da
última, tiveram próspera infância e adolescência, chegando à maturidade munidas
de uma substanciosa base de formação. A Ciência do Processo Penal, por sua vez,
tivera uma infância pobre e desprestigiada. Tal qual a cinderela, no clássico
conto infantil, a ciência processual-penal não detinha roupas próprias,
sobrevivendo daquilo (produzido dogmaticamente) que se extraia das demais
irmãs.
P. 40
Atesta Carnelutti[nota
126] ter a impressão
de que “o cultivador do processo penal seja conduzido pela mão do outro”, em
clara referência à carência de autonomia dogmática deste ramo.
Esse incisivo escrito de
Carnelutti, datado da década de 60, ainda se mantém atual, em que pese, de lá
para cá, ter a ciência processual penal galgado espaço próprio.
O que se nota é a incapacidade
histórica do direito processual penal construir uma teoria própria,
simplesmente incorporando e adaptando acriticamente aquilo que foi construído,
na passagem do século XIX para o século XX, no âmbito do direito processual não
penal[nota 127].
No que tange ao Direito
Processual Penal Brasileiro, a Cenerentola ainda não se insurgiu[nota
128]. Sobrevive, com
vitalidade, a adoção de uma teoria geral do processo que alcançou envergadura
diferenciada em razão da Escola Paulista de Processo formada nas Arcadas da
Universidade de São Paulo, sob o comando dos Professores Candido Rangel
Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra, como já
mencionado no início deste trabalho.
A escola Paulista de Processo
lastreia a defesa da Teoria Geral na perspectiva unitária da jurisdição,
entendendo que “como é una a jurisdição, expressão do poder estatal igualmente
uno, uno também é o direito processual”. Entendem o processo civil e o processo
penal como meras bifurcações que correspondem a exigências pragmáticas, o que
em nada interfere na condição unitária do processo[nota 129].
Entretanto, os postulados
uniformizadores que propunham uma teoria geral do processo se mostraram
incompatíveis com a modernização do processo penal e, por isso, passaram a ser
objeto de enfáticas críticas por parte da doutrina nacional.
Não se nega que a teoria geral
do direito contribui para uma melhor compreensão da fenomenologia jurídica e,
de igual forma, uma teoria geral do processo contribui para uma compreensão
mais confortável do fenômeno processual[nota 130]. Tal vantagem, oriunda de um
P. 41
paradigma sistemático, se relaciona com a
necessidade de maturação epistemológica de determinada área do saber, ou seja,
sistematizar e aglutinar, serviu, indubitavelmente, à evolução científica do
direito processual[nota 131].
Noutro pórtico, quando o
pensamento sistemático é substituído por um pensamento problemático, a Teoria
Geral do Processo exsurge como um viés metodológico que teve seu tempo de vida
e já não tem mais razão de ser. Se do ponto de vista eminentemente teorético
pode-se encontrar pontos de intersecção entre o processo civil e o processo
penal, quando se confronta o fenômeno processual na sua realidade concreta,
fora do hermetismo conceitual artificialmente fabricado pelos adeptos da teoria
geral, nota-se verdadeira inaplicabilidade entre as searas.
Esse atalho metodológico, em que
pese aprioristicamente gere um conforto, a longo prazo acabou trazendo enormes
prejuízos à disciplina e, mais do que isso, ao modo de funcionamento concreto da
jurisdição penal, pelo menos na perspectiva de um processo penal garantidor[nota
132], alinhado com a
já defendida instrumentalidade constitucional.
Inúmeras são as peculiaridades
do processo penal que o tornam distante do processo civil e, consequentemente,
inviabilizam a teoria geral do processo. Passa-se a analisar alguns pontos
distanciamento.
De acordo com a clássica escola
da Teoria Geral do Processo a ação seria um direito público abstrato, uma vez
que trata de direito ao provimento jurisdicional independentemente se favorável
ou desfavorável; e autônomo, já que independe da existência do direito
subjetivo material[nota 133].
No campo do direito processual
penal, Tourinho Filho explica que os preceitos elaborados para a ação civil
também se demonstram aplicáveis à ação penal[nota 134]:
Desse modo, não havendo
diferença de conceito no campo processual entre ação penal e ação civil, tudo
quanto falamos sobre o direito de ação é inteiramente aplicável à ação penal. É
um direito público subjetivo, determinado (porque instrumentalmente ligado a um
fato concreto); autônomo (porque distinto do direito que ele tende a tornar
efetivo em juízo); específico (porque apresenta um conteúdo, e este nada mais é
que a pretensão que se deduz em juízo); e, finalmente, abstrato, porque, embora
instrumentalmente conexo a um fato concreto, o direito de ação existe e se
exercita, ainda naquelas hipóteses em que o Juiz julga o petitum improcedente
ou infundado.
P. 42
O contorno conceitual que é dado
à ação se funda unicamente na perspectiva civilista do processo, que admite
ação como um direito público de caráter abstrato e autônomo. Essas suas
características (autonomia e abstração) são inservíveis para o processo penal,
pois sob sua ótica exige-se, desde o início, uma fumaça de mérito a ser aferida
pela justa causa. Há, desde logo, uma incursão no mérito do caso penal, não
podendo a ação penal ser recebida sem que apresente elementos de concretude
quanto à pretensão ali veiculada[nota 135].
O desacerto se torna evidente a
partir das lições de Tornaghi, que, ao tratar da teoria abstrata da ação,
afirma[nota 136]:
Nisto se opõem a
Windscheid. Concordam com Bülow em que o processo existe por si e sem
dependência do direito chamado substantivo. Mas entendem que a ação é a razão
de ser do processo. Pouco importa que o autor tenha ou não razão. O processo
existirá em ambos os casos. O que cumpre é que ele tenha ação, que tenha o
direito de ingressar em juízo para compor a lide (daí o nome do livro de
Degenkolb).
Ao contrário do que diz o
ilustre Hélio Tornaghi, no processo penal não cabe dizer que “pouco importa que
o autor tenha ou não razão”, bastando que “ tenha o direito de ingressar em
juízo para compor a lide”. Se assim fosse - e por deficiência do sistema vezes
assim o é -o Ministério Público (ou o querelante) poderia oferecer denúncia (ou
queixa) sem o mencionado suporte probatório mínimo; sem a justa causa,
portanto.
As peculiaridades simbólicas do
processo penal, já comentadas neste escrito, que impingem pena ao sujeito
exclusivamente por ele ser acusado[nota 137], inibem que a ação penal seja
desprovida da concretude, característica esta sustentada pela teoria geral do
processo[nota 138].
Admitir a abstração e a
autonomia como elementos também inerentes à ação penal é erro crasso que gera
repercussões consideráveis para além do debate acadêmico, à exemplo da
recorrente postura jurisdicional de recebimento da denúncia que se limita a
reproduzir mantras genéricos atestando que estão satisfeitas as condições da
ação.
A própria natureza jurídica da
ação, tida como direito de caráter público, não encontra ressonância perfeita
no âmbito criminal. No processo penal moderno, feita a opção do sistema
P. 43
acusatório e com presença de agentes
estatais servientes ao princípio da legalidade, revela-se impossível incorporar
a visão de ação como direito[nota 139]. A ação processual penal é um dever
estatal. Estando presentes os elementos autorizadores da pretensão acusatória,
surge verdadeiro dever estatal. Como salienta Paganella Boschi, a ação penal é
“dever de não omissão”[nota 140]
Se pensar a ação no processo
penal com as bases do processo civil mostrou-se inadequado, indiscutivelmente
as condições da ação estabelecidas pela teoria geral do processo carecem, de
igual forma, de uma revisitação crítica.
A secular tríade civilista
composta pela possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimação ad causam
realça a atualidade dos escritos de Carnelutti, pois tais condições da ação
nada mais são do que roupas artificialmente colocadas na cinderela processual
penal.
A categoria referente ao
interesse de agir relaciona-se à ideia de que o processo precisa extrair algum
resultado útil. A prestação jurisdicional que ali se pleiteia deve ser
necessária e adequada[nota 141]. Repousa a necessidade da tutela
jurisdicional na impossibilidade de obter satisfação do alegado sem intercessão
do Estado; a adequação, por sua vez, é a relação existente entre a situação
lamentada pelo autor e o provimento jurisdicional concretamente solicitado.
Essa delimitação do que é o
interesse de agir descabe no direito processual penal porque, ao contrário do
processo civil, na seara criminal impera a concepção de necessidade[nota
142], isto é, o
processo é o único caminho necessário e imprescindível para se alcançar a pena.
Assim, o binômio “utilidade e necessidade” finda sendo uma discussão estéril[nota
143], uma vez que
sempre haverá necessidade e utilidade do processo, este sendo o único meio
possível para se alcançar a pena.
Por meio da possibilidade
jurídica do pedido, a seu turno, a teoria geral do processo busca evitar que um
pedido “que não tem a menor condição de ser apreciado pelo Poder Judiciário”[nota
144] possa, de
plano, ser negado. Adaptam, para o processo penal, aduzindo que
P. 44
neste caso a possibilidade jurídica do
pedido seria aferida pela tipicidade, isto é, o pedido seria impossível quando
faltasse a tipicidade[nota 145].
Entretanto, a tipicidade ou a
punibilidade (possibilidade jurídica de punir) compõem, em verdade, o próprio
mérito do caso penal, pois são questões atinentes à própria existência, ou
inexistência, do dever-poder de punir[nota 146]. E de fato não há como conceber
tipicidade ou punibilidade como elementos integradores da condição da ação em
comento uma vez que a decisão de rejeição da denúncia ou da queixa baseada na
atipicidade da conduta imputada ou na existência de alguma causa de extinção de
punibilidade é verdadeira sentença de mérito, absolutória, ensejando a formação
da coisa julgada material.
Nota-se que na tentativa de
salvaguardar a existência de uma teoria geral do processo, finda-se amontoando
conceitos sem que haja uma adequação realista[nota 147].
Passando do plano da ação, e de
suas condições, os contornos da Jurisdição também se alteram quando vistos sob
as lentes da Teoria Geral do Processo e quando vistos sob o prisma de
categorias próprias do Processo Penal. E aqui a jurisdição pode ser vista sob
diferentes planos, todos, frise-se, bem diferentes dos moldes consignados pela
Processualística Civil.
A forma de exercício da
jurisdição, ou, em melhores palavras, a sua medida, isto é, a competência, tem
colorido todo especial no processo penal quando compara-se ao processo civil. É
que o princípio do juiz natural recebe, no direito processual penal, enfáticos
tons de proteção, relacionando-se ao papel do juiz enquanto “guardião da
eficácia do sistema de garantias da Constituição e que lá está para limitar
poder e garantir o débil submetido ao processo”[nota 148].
Dentro desse contexto de juiz
natural como direito fundamental é que desponta a inadequação da teoria geral
do processo e de seus postulados - civilistas, repise-se - que apontam para a
competência territorial como de caráter relativo, esquecendo-se que o crime é
um fenômeno social, que transcende uma relação entre sujeitos privados e que,
por isso, deve ter como local de julgamento aquele no qual houve o incidente. E
não só do ponto de vista
P. 45
sociológico isso de explica: pragmaticamente
a riqueza probatória estará atrelada ao local dos fatos.
A natureza relativa da
competência territorial é, portanto, anacrônica quando se fala em um modelo de
processo penal acusatório, uma vez que a partir desta ótica democrática as
diretrizes sobre a competência e, por conseguinte, sobre jurisdição tergiversam
com o direito fundamental ao juiz natural. Esse entendimento - relativista -
dos adeptos da teoria unitária do processo “somente se mostra adequado quando
se pensa no juiz natural apenas como um fenômeno de distribuição de poder e de
sujeição das partes a esse poder”[nota 149], não se amoldando a noção de limite ao
poder punitivo que hodiernamente já se tem assente.
Outro aspecto fundante que
extrema a Teoria Geral do Processo, escrita por mãos civilistas, da Teoria do
Processo Penal refere-se à postura do magistrado. A lógica acusatória ou
inquisitória que informa o processo é tema fulcral na caracterização do
processo penal democrático ou de cunho autoritário, e, como já se debateu neste
escrito, a pedra-de-toque entre os dois sistemas é justamente a postura de um
juiz ativista, inquisidor; e um juiz espectador, acusatório, preso pelas
amarras do empoderamento das partes.
A lógica civilista naturalizou o
juiz ativista, e hoje vive um movimento inverso àquele desejado para o processo
penal. O protagonismo experimentado pelo poder judiciário em causas não-penais
é visto como um sinal do que alguns chamam de Era do Judiciário[nota 150]. Esse mesmo cenário, se transmudado
para as varas criminais, não configurará uma modernização, senão apenas uma
rememoração dos juízes inquisidores, plenamente ativistas no plano criminal.
Comparando-se o processo civil com
o processo penal, ainda a dinâmica probatória é substancialmente distinta,
muito por um marco civilizatório que lastreia o processo penal moderno: o réu é
presumidamente inocente[nota 151].
P. 46
É de aceitação tranquila a
construção de que não é o denunciado quem tem de provar que não cometeu o crime
que lhe é atribuído, afinal sua inocência é presumida. Ocorre que sob os
influxos da ora debatida Teoria Geral do Processo convencionou-se dizer que à
parte acusadora caberia o ônus de provar o fato constitutivo do delito, e
qualquer alegação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da
pretensão acusatória deveria ser provada pelo acusado[nota 152].
Essa vertente finda por ignorar
o sobredito vetor axiológico-normativo do processo penal, qual seja, a
presunção de inocência, pois dá às provas no processo criminal tratamento
indiscutivelmente similar àquele encontrado no processo civil, onde, contudo,
inexiste a presunção de inocência do polo passivo da demanda. Dizer que cabe ao
acusado provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão
acusatória é igualar sua condição àquela experimentada pelo réu cível, o que é
de todo inadequado.
O risco da Teoria Geral do
Processo mais uma vez parece evidente: relativiza-se garantias.
O processo penal, entendido a
partir de suas categorias próprias, não comporta a ideia de distribuição da
carga probatória, mas sim de atribuição da carga probatória, que é de total
responsabilidade da parte acusadora[nota 153]. No processo penal não há o que se
distribuir pois o réu já inicia o processo inocente, não devendo arcar com
nenhuma responsabilidade do ponto de vista probatório[nota 154]. Isso não significa, contudo, que
inexista interesse de produção probatória por parte da defesa; mas entre
interesse e ônus há uma grande diferença.
Numa leitura apressada - e
civilista - do panorama processual penal se poderia chegar à conclusão que, se
o acusado não se desincumbisse da produção da prova dos fatos que lhe são
favoráveis, haveria um prejuízo e estaria configurado um ônus subjetivo. A
presunção de inocência, entretanto muda as lentes desta leitura e encaminha para
a conclusão de que “embora seja admissível que a atividade seja regida por um
ônus probatório, no processo
P. 47
penal em que vigora a presunção de
inocência, tal encargo é atribuído, com exclusividade, ao acusador”[nota
155]
O interesse do denunciado na
produção de sua prova defensiva consiste em maximizar o poder de convencimento
de suas alegações, diminuindo os riscos de uma decisão desfavorável. Por isso
mesmo, quando faculta-se à defesa fazer prova de determinada alegação e,
contudo, não há o aproveitamente de tal chance, assume-se o risco de uma
sentença desfavorável[nota 156].
O pedido de condenação
exterioriza a pretensão acusatória que se funda em alegada prática de uma
conduta legalmente qualificada como crime[nota 157]. Crime, por sua vez, é algo tido por
típico, ilícito e culpável, de forma que a parte acusadora só desincumbir-se-á
de sua carga probatória quando lograr êxito em provar a existência de um fato
típico (objetiva e subjetivamente), ilícito (a partir da inexistência das
excludentes) e culpável (também a partir da inexistência das excludentes). Em
suma, crime é um todo indivisível e a pretensão acusatória que maneja a
imputação de um crime só deverá ser reconhecida pelo Estado quando este todo
indivisível restar provado[nota 158].
O civilismo que contamina o
direito processual penal faz mais uma vítima: fere de morte a presunção de
inocência enquanto norma de prova para dar (sobre)vida às concepções de
distribuição de ônus probatório, de todo inadequadas.
Nota-se que examinar o Direito
processual penal como um sub-ramo de uma teoria unitária do processo, alegando
uma possível simplificação a partir da compreensão sistemática do ordenamento,
quase sempre implicará contaminá-lo, também, com a própria filosofia do
processo civil, dominada por uma lógica individualista e utilitarista[nota
159], incompatível
com a gravidade das questões entorno da liberdade humana.
Ao comentar autores que
compartilham a crítica à Teoria Geral do Processo valendo-se dos pontos de
diferenciação acima expostos, Luís Alfredo Macedo Soares aponta com didatismo
um contra-argumento corriqueiro. Entende que esses pontos de distanciamento
realçam apenas especificidades do processo civil e do processo penal, “sem, no
entanto, refutar a existência de uma série de conceitos comuns a ambos os
processos”, dentre os quais
P. 48
destacar-se-ia os conceitos de jurisdição,
processo, órgãos judiciários, competência, atos processuais, prova, etc.
Em verdade, a existência de
elementos comuns, como os conceitos de prova, jurisdição etc. nada mais é do
que a demonstração de certa uniformidade do direito. Ora, neste trabalho,
inclusive, já se demonstrou que a ideia de tipicidade é comum aos mais diversos
ramos do direito. O problema é saber se esses conceitos possivelmente
partilhados representam envergadura aglutinadora que justifique uma teoria
unitária do processo ou se são apenas uma demonstração que há uma linguagem
jurídico-processual compartilhada, sem que as bases do processo estejam,
também, compartilhadas.
A teoria geral do processo teve
seu valor enquanto movimento que lançou as bases para um pensamento cientifico
entorno do processo. Serviu, contudo, apenas para esse momento inicial. O atual
estágio é de ruptura com essa categoria, uma vez que seus postulados, talvez
despretensiosamente, geram uma involução do processo penal, servindo, em
verdade, como (mais) um instrumento de potencialização do punitivismo e
relativização de garantias.
Essa construção unitária do
processo, aceita pela maioria da doutrina tradicional, desencadeou um efeito
coibente próprio das teorias totalitárias, das teorias globais e envolventes: a
unidade teórica do discurso permaneceu suspensa, imutável, embora, as vezes
caricaturada. A TGP ocultou as desigualdades funcionais adequadas ao processo
civil, conteúdo históricos, teóricos e transdisciplinares que permitiriam a
adequada compreensão das particularidades e a construção de uma teoria do
processo penal voltada para nossa realidade[nota 160].
No âmbito das nulidades e da
forma processual, tema que nos interessa mais proximamente, os maus frutos da
teoria geral do processo nascem aos bocados e são acriticamente consumidos pelo
senso comum teórico.
Se no panorama global do direito
processual penal a teoria geral do processo funcionou como uma maléfica ponte
de transporte para os conceitos do processo civil (e
P. 49
consequentemente do direito civil),
especificamente quanto às nulidades não poderia ser diferente.
Na dinâmica das
nulidades a Teoria Geral do Processo cobra seu maior preço, chancelando um
“vale-tudo processual”[nota 161]. Por isso mesmo, para uma compreensão
autônoma do tema aqui tratado, é essencial desvelar a herança civilista dos
postulados que o informam, expondo as impropriedades acriticamente admitidas.
De plano, uma
construção inservível ao processo penal e que encontra raízes no caldo
civilista alimentado pela Teoria Geral do Processo é a utilização da categoria
de atos inexistentes.
A disciplina do
ato processual penal irregular insiste em defender que atos inexistentes são
aqueles carentes de “ elementos essenciais para a produção de quaisquer
consequências jurídicas”[nota 162]. Obviamente, frise-se, a delimitação
conceitual da inexistência não se refere ao plano fático, mas sim a sua
valoração jurídica[nota 163].
Diz-se que a
inexistência prescinde de declaração judicial de ineficácia, afinal desde sua
prática o ato já nascera morto pois impotente para a produção de efeitos[nota
164]. Nesse sentido,
o ato inexistente suplantaria a coisa julgada, impedindo que ela se forme ou
desconstituindo-a[nota 165]. Essa construção realça a
artificialidade de uma processualística penal que desprestigia categorias
próprias.
A diferença em
relação à coisa julgada material não torna em nada diferente a inexistência da
nulidade absoluta, já que para esta última espécie de irregularidade também se
entende possível seu reconhecimento, pro reo, após a preclusão máxima.
A
prescindibilidade da declaração judicial é igualmente fantasiosa, uma vez que
ao fim e ao cabo o ato teria que passar pelo controle judiciário de qualquer
forma, uma vez que não teria como reconhecer a qualidade de inexistente por uma
via diferente à processual[nota 166].
P. 50
Assim, se é necessária a declaração de
inexistência, é porque o ato, um suposto nada jurídico, produzia efeitos, ao
menos em potencial, que precisavam ser cessados[nota 167].
Uma outra
herança civilista que distorce a dinâmica do processo penal referente às
nulidades trata da conformação que tradicionalmente é dada ao denominado
princípio do interesse.
De acordo com o
artigo 565 do Código de Processo Penal “nenhuma das partes poderá arguir
nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a
formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”.
A lógica por
trás desse dispositivo é cristalina. A parte que alega nulidade, se assim não
fosse, poderia se beneficiar do descumprimento consciente de alguma formalidade
essencial, lançando mão de tal fato no futuro para assim minar o caminhar
processual. O princípio do interesse, portanto, tem sua razão de ser; o
problema consiste em lapidar seus contornos para adequá-los à processualística
penal.
Dois aspectos
são nevrálgicos na demonstração de contaminação do Direito Processual penal por
pensamentos de direito privado: a atuação do Ministério Público como um direito
fundamental do acusado e a indisponibilidade dos interesses discutidos no
processo penal[nota 168].
A forma
processual, veiculadora de garantias fundamentais, não é disponível às partes,
de molde que se pode chegar a entendê-la como uma proteção do acusado contra
sua própria representação processual, se necessário[nota 169]
Portanto, uma
nulidade hipoteticamente gerada por uma postura defensiva não pode levar à
conclusão imediata no sentido de impedir sua arguição por parte do acusado,
como ressaltar Binder[nota 170], com base no código processual penal
modelo para a América Ibérica:
Nem o consentimento
impresso do imputado nem o mero transcurso do tempo, e, muito menos ainda o
consentimento tácito, podem fazer com que o dano ao escudo protetor do imputado
possa ser deixado de lado. Isso é expresso com clareza pelas normas
processuais: “o imputado poderá impugnar, ainda que tenha contribuído para
provocar o defeito (...) quando se trate de defeitos que impliquem
inobservância de direitos e garantias previstos pela lei fundamental e pelos
tratados subscritos pelo Estado”.
P. 51
Ainda sobre o princípio do
interesse, não se pode igualar o parquet a uma parte aos moldes do direito
civil. Essa afirmação, contudo, não contrasta com a ideia de que o Ministério
Público é parte no processo penal, parcial, não se nega, mas com uma função que
vai além da mera contraposição dos interesses do acusado.
O Ministério Público, ao manejar
a ação penal deduzindo, com isso, a pretensão acusatória, o faz de maneira
desapaixonada, sem que haja um interesse pessoal na causa. E sua presença em
todos os atos processuais mantém incólume inúmeros direitos fundamentais, como
o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e, para a fins de
princípio do interesse, a imparcialidade da jurisdição.
É que somente com a tríade
processual formada o juiz poderá manter-se distante, e, consequentemente
imparcial.
Por isso, tanto a ausência do
Ministério Público pode ser arguida pela defesa (em que pese, para olhares
desavisados, não gerar prejuízo defensivo) como o próprio Ministério Público
poderá arguir nulidades em seu próprio prejuízo, beneficiando a defesa,
justamente por sua condição de parte subjetivamente desinteressada.
Outro aspecto elementar versa
sobre visão do ato processual com os olhos de quem analisa o negócio jurídico
do direito civil[nota 171]. Tais lentes refletem diretamente no
tratamento dado às nulidades penais, gerando efeitos deletérios em toda a base
principiológica do direito processual penal.
Quando o ato processual penal é
entendido como uma forma do negócio jurídico uma consequência desponta: a prova
da invalidade incumbe ao sujeito que pleitear, reproduzindo-se a lógica
civilista. Por este caminho deturpado, impõe-se ao acusado o dever de provar a
invalidade, provando o prejuízo, e arcando com um ônus probatório hercúleo e
incompatível com sua condição de presumidamente inocente.
A lógica civilista transportada
para o processo penal desconsidera um fator essencial na construção originária
da teoria: no direito civil há, de regra, igualdade de partes; direitos disponíveis
e autonomia da vontade. No processo penal, entretanto, há uma sujeição da
vontade; tergiversa-se com direitos indisponíveis e trabalha-se com a proteção
do mais débil, estruturalmente vulnerável, que é o acusado.
P. 52
Da forma como está disposta no
atual contexto jurídico nacional, a teoria das nulidades se vê imersa em um
caldo de categorias norteadoras que informam sua interpretação. Por isso,
almejar uma mudança no tratamento das nulidades no processo penal significa,
invariavelmente, enfrentar seus pilares informativos e tentar readequá-los ao
paradigma constitucional de processo sustentado neste trabalho.
Dialogando com a ciência médica,
nota-se que o corpo mudou, e agora as patologias se inserem num contexto não
mais ditatorial e policialesco, mas sim constitucional e, se possível,
humanizado. Ao alterar a fisiologia, o estudo das patologias deve revisto.
Reminiscência da redação
originária o Código de Processo Penal, o artigo 566 aglutina um arsenal de
significantes que justificam, em boa parte, a (dis) funcionalidade do regime
das nulidades processuais. É nesse dispositivo que dois dogmas processuais
penais já enfrentados neste escrito sofrem uma aproximação com a temática das
nulidades: a instrumentalidade das formas e a busca da verdade real exsurgem
como valores norteadores das nulidades.
Ao afirmar que “não será
declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da
verdade substancial ou na decisão da causa” o mencionado texto normativo surge
como “ponto de ajustamento”[nota 172] entre a instrumentalidade das formas e
o modelo inquisitivo de processo, a partir da concepção de verdade substancial
- nada mais que um codinome dado à verdade real[nota 173].
Retomando o que já fora
explorado, no atual estágio de evolução da processualística penal não há mais
espaço para perquirir a verdade real, e muito menos para se creditar ao dito
embuste teórico a função de inibir nulidades. Da forma como engendrado, o texto
legal alça a verdade real à condição de elemento justificador do ato
irregularmente praticado, realçando o caráter ditatorial e policialesco do
diploma processual[nota 174].
P. 53
Novamente a ideia de verdade
real aparece como um conceito abstrato estrategicamente posicionado. Desponta,
por isso mesmo, como um elemento de importância prática e não mais como
elucubração - aparentemente - distante sobre a finalidade do processo penal. O
dogma da verdade ganha, através do artigo 566 do CPP, aplicabilidade direta no
cotidiano forense, o que potencializa os danos gerados por essa herança
inquisitorial.
Ao acreditar que a verdade real
é um dado alcançável, o aplicador da norma em apreço finda desconsiderando a
construção plural das várias versões processuais e, finalmente, criando uma
resistência ao reconhecimento das nulidades. O discurso dado pela norma é que
declarar-se-á nulidade apenas quando o ato irregular tiver influenciado o
alcance da verdade real. O resultado, por sua vez, é que a inalcançabilidade da
verdade gera, não raro, a resistência à declaração de nulidades[nota 175].
A matemática é direta: só se anula o que influenciou na verdade real; ocorre
que a verdade real não existe e por isso não haverá como se demonstrar a influência
de algo (ato irregular) em um não-algo (verdade real).
A ideia de verdade veiculada na
norma se liga umbilicalmente à filosofia da consciência[nota 176] e o julgador que dela se vale só
declarará nulidade quando relacionar o ato defeituoso à verdade real alcançada.
A partir da filosofia da consciência[nota 177], acredita-se que há como alcançar a
verdade real, o que é de todo impossível.
Como avalia Lênio Streck, na
modernidade, com a superação do objetivismo, ocorre uma busca da explicação
sobre os fundamentos do homem. Exsurge o iluminismo e o homem deixa de ser
sujeito às estruturas, passando, em verdade, “a ‘assujeitar as coisas’. É o que
se
P. 54
pode chamar de esquema sujeito-objeto”[nota
178]. O homem,
através da sua consciência, obteria a verdade das coisas[nota 179]. Esse julgador inserido no paradigma
da subjetividade acredita poder alcançar a verdade real, superestimando sua
racionalidade e subestimando aspectos linguísticos e psicanalíticos do direito[nota
180].
Esse cenário pantanoso recebe
tons ainda mais dramáticos, uma vez que na atual conformação da disciplina de
nulidades cabe àquele que alega (geralmente a defesa) demonstrar que o ato
praticado de forma irregular deve ser anulado[nota 181]. Isso significa, por tudo, que caberá
à parte que alega a nulidade demonstrar que ela influenciou na obtenção da tal
verdade real, algo que só encontrará referencial semântico naquilo que o
julgador quiser[nota 182].
Além da verdade substancial, o
artigo menciona decisão da causa como outro elemento a ser aferido quando do
juízo de nulidade de determinado ato. O que se depreende dessa assertiva legal
é que o magistrado, ao final, fará uma avaliação de utilidade do ato, e aferirá
se esse ato praticado irregularmente influiu ou não na sua decisão.
Tal permissibilidade (não se
anular atos que não teriam concorrido para a decisão da causa) parte de uma
premissa superada, qual seja, a de um juiz psicanaliticamente inatingível,
desconsiderando a queda do paradigma cartesiano[nota 183] e toda a influência interdisciplinar
que norteia atual análise do fenômeno jurídico. Não se sabe se por apego
ingênuo à crença de racionalidade total do magistrado ou por reafirmação de
poder, o que se tem é a artificial construção de que, ao final, na decisão da
causa, o juiz poderá se despir das influências de determinados atos
irregulares.
P. 55
A partir dessa forma de gestão
do ato irregular, é suficiente que o juiz, ao sentenciar, decidindo a causa,
afirme que aquele vício não refletiu em sua decisão, deixando de mencioná-lo ao
longo da fundamentação. Há um golpe de cena processual, bastando que inexista
menção expressa ao ato irregular nas razões da decisão para que se tenha como
certa a sua não influência no julgamento. A questão, contudo, não é tão simples
e esse tratamento é por demais rasteiro[nota 184].
Como adverte Pacelli, em
comentário ao referido artigo:
Embora se saiba que o juiz
deverá sempre motivar o seu convencimento (livre convencimento motivado ou
persuasão racional), a prova resultante de ato processual nulo poderá influir
na subjetividade do ânimo do julgador, com conseqüências danosas aos interesses
do prejudicado e também da jurisdição penal. Deve-se atentar para a
circunstância (mais freqüente que pode parecer) de pretender o juiz demonstrar
o seu convencimento a partir de outras provas, possivelmente ou evidentemente
insuficientes, quando na verdade teria sido convencido, efetivamente, por
ocasião do ato processual cuja nulidade veio a ser reconhecida[nota 185]
Um dos equívocos do artigo 566
do CPP, portanto, é supervalorizar o mito do livre convencimento motivado[nota
186], acreditando
que todas as razões de decidir que nortearam o julgador estão expressas na
motivação de sua sentença, e consequentemente poder-se-á fazer o controle de
sua racionalidade e confrontar o que foi e o que não foi influente no
julgamento da causa.
Não se nega que na atual quadra
histórica o controle da racionalidade do julgador ocorre sobremaneira a partir
da exigência de fundamentação das decisões judiciais[nota 187]. Essa forma de controle, entretanto,
não é absoluta e apresenta duas falhas que merecem realce: a maleabilidade do
discurso jurídico, conformado para esconder os reais motivos de decidir; e a
P. 56
influência do plano do inconsciente, não
atuantes no plano consciente e por isso mesmo imperceptíveis no dito controle
da racionalidade da decisão.
Um exemplo clareará as fraturas
do sistema de nulidades fundado no artigo 566 do CPP e na sua crença sobre a
racionalidade pura do julgador. Imagina-se que um indivíduo seja preso em
flagrante delito instantes após cometer um suposto crime de furto, cujo objeto
subtraído, um celular, fora encontrado com ele. Denunciado, o acusado nega a
imputação sustentando que o celular é seu, e não produto do furto. Na audiência
de instrução e julgamento o magistrado determina o reconhecimento pessoal do
acusado, sem que sejam obedecidos os parâmetros legais previstos no artigo 226
do CPP. A vítima reconhece o acusado. A defesa suscita a nulidade do ato de
reconhecimento. O juiz, finalmente, profere a decisão condenatória e afasta a
alegação de nulidade por entender que o ato judicial (reconhecimento) não
influiu na sua decisão da causa e na apuração da verdade real.
Como contra-argumentar essa
postura judicial se o único controle sobre os aspectos que influenciaram na
decisão é o que está escrito, sujeito às maquiagens do discurso jurídico e à
nebulosidade do subconsciente? Vê-se, novamente, que o artigo 566 do CPP
reafirma a lógica das formais processuais como mero acessório[nota 188] submetido ao juízo de oportunidade do
magistrado que poderá praticar um sem número de atos irregulares e, para que o
processo não sofra consequências, se reportar oficialmente apenas àquilo que
obedeceu aos parâmetros legais. Esse juízo a posteriori sobre as nulidades
serve de maquiagem legalista para um processo penal cheio de ilegalidades.
Essa brecha no regime das
nulidades faz escoar a compreensão da instrumentalidade constitucional do
processo, uma vez que tanto pode legitimar a tomada de posição voluntária do
Estado-Juiz no sentido de usar um ato praticado irregularmente; como, mesmo em
um juiz com uma perspectiva acusatória, pode influir no subconsciente e
fulmina-lo da imparcialidade exigida. Enfim, o artigo 566 do CP dá margem para
que o juiz inquisidor (que se arvora de um compromisso pessoal com a verdade
real) utilize de atos praticados fora do parâmetro legal, bastando que não os
mencione na decisão final; de igual forma, desprotege-se o juiz desejável no
modelo acusatório, pois possibilita que elementos colhidos irregularmente
influenciem no subconsciente desse magistrado, limitando a sua imparcialidade.
Ao recorrer ao princípio do
livre convencimento motivado da forma como está no artigo em comento,
acreditando que ao fim do processo há condições de excluir elementos praticados
irregularmente, não utilizando-os na decisão, como se a decisão fosse uma
P. 57
matemática de provas[nota 189], fruto de uma operação aritmética
final pela qual se soma os elementos válidos e objetivamente se subtrai os
inválidos, ignora-se que “o julgado está condicionado pelo julgador, igualmente
condicionado pela tradição e pelo inconsciente. Há, escamoteado pela
consciência, um sujeito do inconsciente, tão inapreensível por esse eu, quanto
o desejo”[nota 190].
Essa vinculação da nulidade ao
julgamento da causa, que é ponto culminante do processo penal, vulnera a
instrumentalidade constitucional do processo penal por macular o julgador com
uma carga simbólica extremamente persuasiva advinda de um ato irregular. Dentro
de um paradigma de reconhecimento do inconsciente como um elemento fundamente
na decisão penal, o controle do ato de julgar não deve ocorrer apenas com
vistas àquilo que foi mencionado na sentença, uma vez que - reitere-se - o que
ali está pode ter sido selecionado conscientemente (por juízes que se veem
compromissados com a verdade real) ou inconscientemente (por juízes sujeitados
ao efeito persuasivo daquele ato irregular mantido no processo).
Não se alcançará um processo
penal democrático, que se valha de atos regulares e que não ofereça espaço para
juízes inquisitivos, enquanto se mantiver a crença que o controle ocorre a
partir do livre convencimento motivado, a partir daquilo que o texto jurídico
da decisão oferece. O controle não pode ocorrer a posteriori, quando do
julgamento da causa.
A solução, portanto, perpassa
pela valorização do ato processual e de sua forma como garantias em si mesmo,
independente do vínculo distante com a decisão da causa ou com a verdade real.
O ato irregular deve ser declarado nulo a partir da compreensão de suas
funcionalidades, e não em subordinação à decisão da causa. Continuando como
está, aquilo que deveria afigurar como escudo protetivo do sueito débil
transforma-se em mera burocracia judicial, cuja observância fica a critério
discricionário do juiz[nota 191]. Toda a distinção pertencente
P. 58
à teoria dos atos processuais defeituosos se
torna refém de uma política casuísta e decisionista[nota 192]. Ao final escolhe-se o que usar, numa
convicção oficial à la carte e fajuta[nota 193].
Se o regime de nulidades é de
todo caótico, indubitavelmente a força motora desse desarranjo está no
denominado princípio do prejuízo[nota 194], que condiciona a declaração de
nulidade à demonstração, pelas partes, que o ato irregularmente praticado lhe
trouxe algum gravame processual, isto é, acarretou tal prejuízo.
A literatura tradicional rotula,
não sem razão, que a ideia do prejuízo é verdadeira viga mestra do sistema de
nulidades[nota 195],
pois norteia toda essa disciplina, afastando-a do que seria um formalismo
inócuo. Por exemplo, Heráclito Mossin, atribuiu ao princípio do prejuízo a
característica de dogma fundamental do sistema de nulidades[nota 196].
O que faz a doutrina, portanto,
é seguir a filosofia originária do Código de Processo Penal, donde se colhe, a
partir de sua exposição de motivos, a exata lição de alçar o prejuízo à
categoria de valor fundante em matéria de nulidades. Observa-se, in verbis, o
dizer do Ministro Francisco Campos “O projeto não deixa respiradouro para o
frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar nulidades. É consagrado o
princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a
acusação ou a defesa”.
Autores mais modernos seguem na
reprodução estéril do postulado em questão, desconsiderando o constante
caminhar do direito e o distanciamento - desejável, ao menos -dos ares
antidemocráticos que inspiraram o diploma processual penal. Não é demais recordar
que o nosso arcabouço normativo relacionado ao processo penal é de pungente
matriz
P. 59
autoritária, gestado na ditadura Varguista e
sob a batuta de Francisco Campos, reconhecidamente artífice desse texto legal
ainda em vigor[nota 197], em que pese topicamente reformado.
O que se quer dizer, de plano, é
que na atual quadra histórica, com o marco constitucional de 1988, reproduzir
um dogma já entoado por um Código de inspiração Fascista é, no mínimo,
comodismo científico que finda legitimando o ranço policialesco presente no
modelo de justiça criminal aplicado no Brasil. Não se está a sustentar que
todos os postulados utilizados no código se considerem superados, mas que todos
precisam de uma mínima filtragem constitucional e de calibragem histórica para
que o código serviente ao Governo Vargas consiga satisfazer os mandamentos
democráticos da Carta Constitucional de 1988.
Todavia, não só por uma
atualização conceitual é que o princípio do prejuízo se impõe como importante
objeto de estudo. Mais recentemente seu âmbito de incidência se alargou,
reforçando a sua condição de vetor-mor na estrutura das nulidades processuais
penais.
Tradicionalmente, doutrina e
jurisprudência falam numa só voz que a necessidade de demonstração do prejuízo
se referiria tão somente às ditas nulidades relativas. As nulidades absolutas,
por se turno, dispensariam tal prova pois a presunção de prejuízo era ínsita à
sua categoria[nota 198]. Entretanto, ventos recrudescentes
sopraram na jurisprudência, e em um passado recente se passou a exigir a
demonstração do prejuízo também nos casos em que a nulidade se configuraria
absoluta. Nesse sentido, saliente-se, está a jurisprudência assente do Supremo
Tribunal Federal, segundo a qual:
P. 60
(...)o princípio do pas de
nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte
que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, podendo
ser ela tanto a de nulidade absoluta quanto à relativa, pois não se decreta
nulidade processual por mera presunção.[nota 199]
Essa postura que espraia a
incidência do princípio do prejuízo para além das nulidades relativas é
recente, o que se conclui a partir da inteligência da súmula 523, do mesmo
Tribunal. Assim diz o verbete sumular: “No processo penal, a falta da defesa
constitui nulidade absoluta, mas sua deficiência só o anulará se houve prova de
prejuízo para o réu”. Observa-se com clareza que o Supremo Tribunal, à época da
edição da súmula, fazia uma distinção entre a ausência de defesa e a
deficiência na defesa. A primeira hipótese, taxou de nulidade absoluta; a
segunda hipótese, entendeu que era caso de se exigir demonstração do prejuízo
para anular o ato. Entre as duas situações sobreditas, o verbete sumular é
ligado pela partícula “mas”, que é conjunção coordenativa adversativa, e indica
uma oposição de ideias. A falta de defesa constitui nulidade absoluta, contudo,
sua ausência, de forma oposta, constitui nulidade relativa, a qual depende de
demonstração do prejuízo para ser declarada.
É nesse contexto que se insere o
fenômeno da relativização das nulidades, denunciado por parcela da literatura
jurídica, notadamente aquela mais alinhada com o pensamento crítico do processo
penal[nota 200].
O que antes era absoluto, pode até ser mantido como absoluto em nomenclatura,
mas os efeitos de tal conceituação agora inexistem: a demonstração do prejuízo
é essencial para o reconhecimento de toda e qualquer nulidade, e as absolutas
findam se igualando às relativas. É um fenômeno típico de uma postura mais
alinhada com a instrumentalidade utilitarista do processo penal, que, conforme
já se salientou no início desse trabalho[nota 201], tende a exercer uma força centrípeta
sobre as formas processuais, diminuindo sua importância, relativizando-a,
portanto.
Antes, entretanto, de
minudenciar a análise do princípio do prejuízo, válido é o bosquejo histórico
sobre tal conceito, buscando não apenas a compreensão de seu significado, mas,
principalmente, a percepção de suas futuras potencialidades[nota 202].
Como não poderia deixar de ser,
contudo, a análise histórica do princípio do prejuízo não encontra uniformidade
na doutrina. Há quem entenda que a origem do pas de nullité sans
P. 61
grief esteja no Código Napoleônico[nota
203] ou mesmo
remonta às ordenações de Tolosa[nota 204]. Alguns, por seu turno, apontam
genericamente uma origem na doutrina francesa[nota 205].
Em verdade, a ideia de prejuízo
relacionada às nulidades tem um caminho histórico que se confunde com a noção e
evolução do formalismo procedimental[nota 206]. Pas de nullité sans grief, ao menos
como por nós entendido, tem relação simbiótica com os momentos de temperamento
do rigorismo formalista.
Houve um tempo no qual o mínimo
atentado à forma corresponderia à mácula do processo, tendo em vista a visão
hermética típica do sistema da sanção do erro literal das formas[nota
207]. A desconfiança
para com os magistrados, uma das marcas do sistema absolutista, fez da nulidade
um instrumento empregado pelo rei para assegurar que os juízes cumprissem
rigorosamente a letra da lei, tolhendo qualquer nesga de discricionariedade que
manchasse a vontade do soberano[nota 208].
A dinamicidade da sociedade e a
alternância dos modelos políticos, todavia, exigiram a flexibilização, donde se
extrai a ideia de prejuízo para fins de nulidade do ato. O prejuízo, dessa
forma, nasce para temperar o excessivo rigor do formalismo. Nesse contexto, em
que pese não se desconheça a previsão de prejuízo desde a Ordonnance francesa
de 1667, é inegável que foi a codificação napoleônica que lhe deu corpo,
contribuindo para quebrar a antiga ordem jurídica e lançar o embrião da teoria das
nulidades[nota 209].
Eis a primeira contribuição que
uma análise retrospectiva do pas de nullité sans grief nos fornece: a sua
gênese no código napoleônico indica um nascedouro informado por balizas
inquisitoriais. É que na Era Napoleônica o sistema inquisitivo não ruiu, como
poder-se-ia acreditar em virtude dos ideais iluministas que circundavam aquela
quadra histórica. Até a Revolução Francesa houve a vigência do inquisitório em
sua faceta mais escancarada, no que
P. 62
se pode nomear de paleoinquisitório[nota
210]. O que fez
Napoleão não foi extirpar a inquisitorialidade no processo, mas sim transformar
um modelo inquisitório canônico em um inquisitório laico[nota 211]. Nesse sentido, com maestria expõe
Antônio Loureiro[nota 212]:
Em matéria processual
penal, a codificação napoleônica é um marco divisor do inquisitório, pois
demonstra que Napoleão levou em conta a aparência externa de seu aparato penal,
bem como o que a opinião pública poderia pensar dele. Fica claro ao observador
de hoje que o intuito de Napoleão foi tornar o sistema punitivo mais palatável
para a sociedade e a maneira de fazê-lo foi a supressão dos instrumentos mais
toscos do inquisitório, como a tortura corporal e psíquica, agregando novos
adornos processuais para levar os súditos a crer que se estava a adotar um
processo penal ‘racional’.
Mais uma vez, afirma-se: não se
está a dizer que as bases históricas do direito são inservíveis e que o moderno
sempre será melhor, mas dogmas construídos a partir da ambiência
político-social Napoleônica, de base eminentemente inquisitorial, deve, ao
menos, se sujeitar a um constrangimento epistemológico de viés democrático e
acusatório, para só então se optar pela aceitação ou não dessas heranças
conceituais. A pomposa nomenclatura francesa dada ao princípio do prejuízo (pas
de nullité sans grief) não é suficiente para impingir-lhe um conteúdo democrático-constitucional.
Antes, contudo, de submeter o
postulado do prejuízo às balizas da instrumentalidade constitucional do
processo, há de se perguntar: o conceito de prejuízo é necessário para fins de
teorização racional da disciplina das nulidades? Somente frente a sua
indispensabilidade é que fará sentido depositar energias numa proposta de
racionalização.
O processo penal não pode ser
entendido de forma autossuficiente, como se tutelasse a si próprio. Já se
consignou no início deste escrito[nota 213] que a autonomia científica da
processualística penal alcançou independência suficiente frente à dogmática do
direito penal de modo que não mais deve preocupação com a reafirmação de sua
instrumentalidade. O ponto, também já enfrentado, é delimitar tal
instrumentalidade, resposta que deve se alinhar ao viés constitucional.
A forma, enquanto fim em si
mesmo, não mais se sustenta como justificação do processo. Se assim fosse, a
discussão sobre o prejuízo se faria dispensável, afinal todo e qualquer
rompimento da forma levaria à consequência inarredável da nulidade do ato. O
P. 63
prejuízo é, portanto, sintoma desse
rompimento com o paradigma formalista vazio. Rompimento que, a depender de como
for valorativamente guiado, desponta como benéfico ao acusado.
A indispensabilidade do
prejuízo, portanto, é uma conclusão à qual se alcança em virtude de tal
conceito, se bem alinhado, servir de guia para a concretização da
instrumentalidade constitucional do processo penal. O prejuízo fornece o
critério teleológico que a análise dos atos processuais necessita, evitando o
binômio forma-violação. Acertadamente, portanto, lecionam Salo de Carvalho e
Antonio Loureiro no sentido de que a exigência do prejuízo concreto do
descumprimento formal é coerente com a teoria funcional-garantista das formas
processuais, em que pese tal significante venha sendo utilizada a serviço da
cultura formalista-dogmática de inspiração inquisitória[nota 214].
Com felicidade, Fauzi Choukr
desenha que a noção de prejuízo é obviamente delineada a partir de determinado
processo interpretativo, que, por sua vez, está condicionado aos fatores
culturais que norteiam o interprete. Em nosso caso, repise-se, a cultura
inquisitiva ainda permeia, com pujança, o imaginário do ator jurídico, o que
faz do prejuízo algo que não se mostra largamente sensível aos valores da
Constituição e da jurisprudencia internacional de direitos humanos[nota
215].
O que deve ser objeto de
esforços por parte daqueles que propõem uma reflexão constitucional do processo
penal não é extirpar o conceito de prejuízo da disciplina de nulidades[nota
216], mas sim
dar-lhe contornos afinados com os cânones democráticos, distanciando-o do
pensamento inquisitório.
Portanto, a ideia de prejuízo
aparece, indiretamente, como uma garantia acusatória, pois evita que o
formalismo vazio se espraie e sirva de instrumento do poder punitivo. Passa-se
então a analisar o prejuízo a partir sua (in)adequação constitucional da forma
como tem sido manejado.
O primeiro ponto a ser
enfrentado encontra ligação com o que fora discutido no tópico 4.1. supra, isto
é, a relação construída entre o conceito de prejuízo e aquilo contido no artigo
P. 64
566, CPP. Conclui-se comumente que os
artigos 563 e 566 do Código Processual se comunicam numa relação de
complementariedade, de modo a entender que o vício somente gerará prejuízo
quando influir na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa[nota
217].
Se já ficou sedimentado nesse
escrito que o artigo 566 reverbera valores eminentemente inquisitoriais, não há
outra conclusão a se chegar que não a necessária cisão total entre suas significantes
e a ideia de prejuízo. Os conceitos de verdade substancial e decisão da causa
não sobrevivem à crítica acusatória e aliá-los à noção de prejuízo é enterrar
ainda mais um ideal de sistema de nulidades alinhado com a Constituição.
Por tudo, tentar dar densidade
conceitual ao princípio do prejuízo mediante a utilização do artigo 566 é um
erro crasso, que ao revés de clarear, obscurece a disciplina de nulidades com
tons ainda mais inquisitivos[nota 218]. Como salienta Jorge Paschoal, a
junção entre a ideia de prejuízo e o conteúdo do artigo 566 do CPP tem gerado
um atropelo, presumindo-se que, com a mera prolação da sentença, poder-se-ia
sedimentar que se alcançou a verdade e se decidiu a causa, e que o ato
inquinado de nulidade em nada influiu[nota 219].
Ao consignar que “não se declara
nulidade de ato processual que não resultar em prejuízo para a acusação ou para
a defesa, sobretudo se não houver obstado a apuração da verdade substancial dos
fatos”[nota 220],
a jurisprudência inverte a lógica do devido processo legal: não é mais a fiel
observância dos atos processuais que legitimam a decisão da causa (ou verdade
substancial, para os que acreditam), mas sim a decisão da causa que legitimará
o caminhar processual, ainda que tortuoso. A conta é de custo benefício[nota
221].
Mas a irracionalidade
jurisprudencial não para por aí. Admita-se, por hipótese, como válida a argumentação
acerca da “decisão da causa” e da “verdade substancial” como
P. 65
elementos comprobatórios do prejuízo, como
quer o Superior Tribunal de Justiça. A consequência é uma só: a parte que visa
o reconhecimento da nulidade deverá demonstrar de que forma aquele ato influiu
no alcance da verdade.
Ocorre que a própria Corte em
comento dá a seguinte resposta àquele que busca discutir a influência de
determinado ato na verdade substancial[nota 222]:
A incursão no terreno da
apuração da verdade substancial demanda análise do conjunto fático-probatório,
pois não há como saber se houve influência na apuração da verdade substancial
sem avaliar, por exemplo, o conteúdo das perguntas feitas pelo magistrado às
testemunhas. Tal análise não pode ser realizada em sede de habeas corpus (grifo
no original).
Eis então que o círculo
inquisitorial se fecha: empurra-se a conceituação do que é prejuízo para algo
que não pode ser discutido no Tribunal. O destino da nulidade se bifurca: ou
não há prova de prejuízo, pois não se mostrou influência na verdade
substancial; ou não há como mostrar influência na verdade substancial, pois
isso demanda reanálise fático-probatória. Essa é a gestão de ilegalidades
típica do modelo inquisitório[nota 223].
Se o que se busca é uma
racionalidade no sistema de nulidades, é imprescindível firmar a ausência de
relação entre o prejuízo e os conceitos de verdade substancial e decisão da
causa. Mas não só. Outro postulado relacionado ao princípio do prejuízo que
está em completo descompasso com os vetores axiológicos do processo penal
moderno é a obrigação imposta à parte que suscita a nulidade de demonstrar a
ocorrência do prejuízo.
Tradicionalmente, doutrina[nota
224] e
jurisprudência são uníssonas ao afirmar que é obrigação da parte que alega a
nulidade demonstrar a ocorrência do prejuízo. Assim, por esse entendimento, a
carga probatória recairia sobre a parte supostamente lesada, sendo certo que a
ausência ou a impossibilidade da comprovação efetiva do prejuízo geraria o
reconhecimento do ato como válido[nota 225].
Entretanto, essa conformação de
distribuição do ônus da prova do prejuízo carece de legitimação quando se pensa
no processo penal constitucional. Tal ideia, figura, em verdade,
P. 66
como mais um fator impeditivo do
reconhecimento das nulidades, que visa a qualquer custo evitar a concretização
das balizas garantidoras do processo penal.
De modo irresponsável,
transportou-se a lógica do artigo 156 do CPP, segundo o qual a prova da
alegação incumbe a quem o fizer, para a seara das nulidades, gerando a
conclusão insólita de que quem alega a nulidade há de comprovar o prejuízo.
Entretanto, mesmo essa distribuição do ônus da prova em sentido lato, isto é,
não necessariamente relacionando à prova do prejuízo, já é alvo de contundentes
críticas doutrinárias, que veem no mencionado artigo 156 do código processual
uma afronta à lógica do processo penal democrático, notadamente no seu núcleo
rígido relativo à presunção de inocência.
Já houve oportunidade de se
enfrentar neste escrito que essa concepção de divisão do ônus da prova é
inservível ao processo penal, sendo mais uma das heranças do processo civil,
cuja ponte de inserção no âmbito criminal deu-se a partir da Teoria Geral do
Processo[nota 226].
Quando se passa a ler o fenômeno processual penal a partir de suas categorias
próprias, nota-se que para o denunciado não é possível atribuir nenhum ônus
probatório, uma vez que este é presumidamente inocente. No processo penal,
repise-se, não há distribuição do ônus probatório; há atribuição do ônus
probatório à parte acusadora, unicamente.
No corte temático específico das
nulidades, Ricardo Gloeckner vai além e explora as raízes dessa inapropriada
distribuição do ônus da prova do prejuízo. Para o autor o princípio do prejuízo
encontra sustentáculo, do modo como ainda é aplicado, nas formas dos atos
jurídicos em geral e na noção de processo como quase-contrato[nota 227]. Nota-se que a disciplina das
nulidades, portanto, encontra contaminações do processo civil e, também, do
direito civil. Nulidades processuais penais findam equiparadas à defeitos no
negócio jurídico, como também diagnostica Binder[nota 228]:
A tese majoritária,
sobretudo em nosso país, continua aferrada à relação entre formas dos atos
jurídicos e formas processuais. Este vínculo deve ser abandonado (sem prejuízo
de que sempre se podem encontrar relações de afinidade entre as instituições
jurídica, já que todas elas provêm afinal de um tronco comum) para permitir o
desenvolvimento de novas formas explicativas e novas reflexões sobre as funções
das formas processuais e os distintos modos de reagir diante do descumprimento
dessas formas
P. 67
Se essa concepção civilista dos
atos processuais tem resposta certa para a questão do prejuízo (aquele que
pretender ver reconhecido o vício deve provar o prejuízo), a visão autônoma do
processo penal, por sua vez, não se satisfaz com esse postulado. O acusado não
necessita provar absolutamente nada, pois sua inocência presumida já configura
prova suficiente. A noção de igualdade entre as partes que lastreia todo
pensamento privatista não se sustenta no âmbito penal, logo a distribuição de
cargas probatórias não pode ser aceita sob pena de impor ao réu mais um
gravame, ao invés de protege-lo, como pretende fazer o processo penal moderno.
Impor a prova do prejuízo às
partes, notadamente ao polo passive do caso penal, que é o interessado maior no
sistema de nulidades, uma vez que forma é garantia de sua proteção, é, ademais,
exigir-lhe uma prova diabólica, impossível de ser produzida com atual conformação
conceitual que recobre o prejuízo. Dizer que houve prejuízo, segundo os
Tribunais, é provar que aquele ato influiu na decisão da causa ou no alcance da
verdade substancial, o que é tarefa de todo inglória afinal recairá nas
armadilhas da influência do ato no inconsciente do magistrado (pois a ideia de
decisão da causa vai muito além daquilo disponível na fundamentação da decisão)
e no conceito maleável e impróprio de verdade substancial.
Essa tarefa hercúlea de provar o
prejuízo se mostra ainda mais perversa quando se raciocina o procedimento do
Tribunal do Júri. Dentre outros aspectos, o ritual do júri se caracteriza pelo
julgamento levado a efeito por sujeitos do povo que não precisam sequer
fundamentar suas decisões. Decidem, pois, conforme sua íntima convicção e suas
razões, das mais técnicas às mais espúrias, não estão submetidas a qualquer
controle externo[nota 229]. No júri o terreno do inconsciente
aflora e demonstra o quão difícil será delimitar o que foi determinante para o
julgamento da causa. Demonstrar o prejuízo como sendo algo que afetou a decisão
da causa é o mesmo que perquirir os motivos pelos quais ao menos quatro
cidadãos, por qualquer rasgo voluntarista, escolheram votar sim pela
condenação. É o puro terreno da indeterminação.
A exigência de demonstração do
prejuízo pode ser confrontada, também, com a própria noção de devido processo
legal, a partir da revalorização do procedimento enquanto garantia. Levada às
últimas consequências, a ideia de prejuízo finda atribuindo ao modelo de ato
previsto pelo legislador um caráter de mero aconselhamento, quando na verdade a
forma se presta à garantia do acusado. Dinamarco, discorrendo sobre a
instrumentalidade do
P. 68
processo, chegar a afirmar que a ideia de prejuízo
serve para que o juiz possa adequar o processo para cada realidade, como se as
normas processuais estivessem à disposição do magistrado[nota 230].
As formas dos atos processuais
se inserem dentro do sistema criminal, conversando de perto com o poder
punitivo. Sua existência, portanto, se legitima enquanto escudo protetor do
acusado, o que confronta sobremaneira a necessidade deste sujeito protegido
provar ter sofrido o prejuízo[nota 231]. O descumprimento do ato, por si só, é
prejudicial ao acusado, pois representa que o Estado desrespeitou uma garantia.
Exigir a demonstração do
prejuízo é ato de descompromisso do Estado-juiz com o vetor do devido processo
legal, que na lição de Walter Nunes, regula a jurisdição no âmbito criminal e
torna a persecutio criminis juridicamente vinculada a padrões normativos,
extraíveis da Constituição e das leis, que ao fim e ao cabo traduzem limitações
ao dever-poder de punir.[nota 232] De tal modo, o devido processo legal,
donde se extrai o respeito às formas processuais (devido procedimento penal), é
direito fundamental que limita a atuação estatal, por isso mesmo quando se
rompe a tipicidade de determinado ato não é o denunciado que deverá alegar que
inexistiu prejuízo, mas sim o Estado-juiz, que se via limitado por essa
garantia e a violou. O ônus recai sobre quem tinha a obrigação de zelar pela
forma do ato, ou seja, o magistrado[nota 233].
P. 69
O que se tem, em parcial
conclusão, é que o princípio pas de nullité sans grief deve sofrer uma
filtragem constitucional. Para tanto é essencial extirpar as vinculações entre
prejuízo e os conceitos de “verdade substancial e decisão da causa”, bem como
se realinhar o ônus probatório, para que a demonstração do prejuízo não seja
uma exigência simbólica apta a oferecer ao Poder Judiciário um espaço de
discricionariedade para escolher o que quer e o que não quer declarar nulo.
O caminho para a adequação
constitucional do princípio do prejuízo é categorizá-lo não mais como elemento
necessário para declaração da nulidade, mas sim como elemento cuja ausência
indica a inexistência de nulidade. Inverte-se os sinais, rumo à presunção de
lesão às partes pela inobservância do ordenamento processual. Retoma-se, com
isso, o caráter garantístico da forma.
Decorrendo a violação de uma
norma, em regra, haverá nulidade do ato. É que se assim não for, se estará
dizendo que algumas formas processuais penais são inúteis. Como ensina Jorge
Paschoal, presume-se o que ordinariamente acontece, logo a presunção deverá ser
de prejuízo[nota 234]. Se há um modelo previsto em lei, o
normal é que o processo penal dele necessite para dar corpo à sua função
garantista. O normal, portanto, é que a atipicidade gere prejuízo[nota
235].
O desrespeito aos guias
normativos do processo penal consubstancia-se numa presunção de lesão, que
poderá ser rompida caso o magistrado desincumba-se do ônus argumentativo para
manter a eficácia do ato, eventualmente ouvindo a parte contrária. A simples
manifestação de vontade do acusado na declaração judicial de nulidade, feita a
partir da demonstração objetiva que houve um descumprimento da norma, remete à
demonstração, por parte do Ministério Público, sobre a inexistência de
prejuízo. O juiz, então, deverá fundamentar o não reconhecimento da nulidade
amparado em elementos que autorizem a conclusão de prejuízo não sofrido por
parte do acusado[nota 236].
Em arremate final, essa
presunção até agora defendida, contudo, não milita em prol do Parquet. Como se
pode perceber ao longo da explanação dos fatores que deslegitimam o ônus
P. 70
da prova do prejuízo, há sempre uma relação
de proteção entre a forma e o acusado. Todo o raciocínio construído para
infirmar esse ônus argumentativo que hoje recai sobre as partes se faz a partir
de uma visão das formas como escudo protetivo do acusado. Por isso mesmo, não é
a mera alegação de atipicidade do ato que fará militar em prol da acusação uma
presunção de prejuízo. Esse tema, palpitante que é, será melhor tratado no
tópico seguinte.
Outro pilar da disciplina de
nulidades que merece uma revisitação crítica consiste no denominado princípio
do interesse, normatizado que está no artigo 565 do CPP, in verbis: “Nenhuma
das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha
concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só à parte contrária
interesse.”.
Segundo Ada Pelegrini Grinover,
a decretação da invalidade do ato praticado de forma irregular deve estar sujeita
a uma apreciação sobre as vantagens que tal providencia representará para quem
invoca a irregularidade[nota 237].
Tal construção padece, contudo,
de uma maior reflexão sobre as partes no direito processual penal, notadamente
acerca do papel que o ministério público desempenha quando inserido no
paradigma de processo penal democrático.
Historicamente discutiu-se sobre
a condição do Ministério Público, ora dando-lhe tons mais próximos ao de parte,
ora mais próximos ao da jurisdição. Longe de encerrar tal celeuma, parece que
há, hodiernamente, um mínimo consenso quanto à necessidade de o processo penal
moderno despontar como um processo de partes, conceito no qual se incluiria o
Ministério Público.
Não se nega, portanto, que o
Ministério Público no processo penal atue como parte. Entretanto, e parece que
aí reside o ponto nevrálgico, não se satisfaz na conceituação de parte própria
do direito civil e processual civil. O Ministério público ao mesmo tempo em que
é parte na persecução penal, caracteriza-se também por não apresentar interesse
pessoal na causa, sendo por isso mesmo uma parte desapaixonada[nota 238].
P. 71
Deve-se ressaltar que a
instituição Ministério Público surge no cenário das ciências criminais como
verdadeiro “salto qualitativo”[nota 239], com vistas a romper de vez com o
fenômeno aglutinador gerado pelo processo inquisitivo, que atribuía ao julgador
as funções de acusar e decidir[nota 240].
Se o princípio inquisitivo
convida o juiz a sentar em outro local que não o de julgador, o Ministério
Público surge justamente para tomar de volta o assento da acusação, pondo o
magistrado no seu lugar de equidistância, de imparcialidade[nota 241]. O Parquet é, portanto, elemento
essencial para a reafirmação do modelo acusatório de processo penal. Há um
nítido caráter de resposta e limite aos abusos inquisitoriais[nota 242].
No contexto democrático, o
processo penal brasileiro se estrutura em partes e com base em um Ministério
Público que propicia o duelo intelectual entre sua pretensão e a resistência
defensiva, de maneira desapaixonada. Portanto, o Ministério Público substitui a
vingança privada[nota 243]; submete a pretensão acusatória ao
princípio da legalidade e da impessoalidade (pois é um acusador público[nota
244]) e afasta o
magistrado dos impulsos inquisitoriais. A parcialidade do Ministério Público
garante, em suma, a imparcialidade do juiz, de modo que podemos considera-lo,
ao fim e ao cabo, uma garantia do sujeito que figura no poli passivo do caso
penal.
P. 72
Se não se nega que o Ministério
Público seja parte; não há que se negar que seja também uma parte qualificada;
uma parte especial[nota 245].
É bem por isso que a conformação
privatista que o ordenamento processual penal ofereceu às partes quando do
disciplinamento das nulidades deve ser revista[nota 246]. Um cerceamento à atuação do
Ministério Público pode, indubitavelmente, influenciar negativamente na órbita
de garantias do acusado; e um ato irregular praticado em desfavor do acusado
não significará lesão aos interesses privados do acusado, aos quais o
Ministério Público se põe indiferente. Essa construção é deveras equivocada.
Vê-se na jurisprudência um caso
clássico que demonstra o risco de se contrapor Ministério Público e defesa de
forma acrítica, como se frente ao ato irregular praticado em desfavor de um o
outro não tivesse nenhum interesse na declaração de nulidade. Sedimentou-se que
na ausência do parquet durante a audiência de instrução e julgamento, a defesa
não teria legitimidade para arguir nulidade.
O próprio Superior Tribunal de
Justiça tem posicionamento remansoso no sentido de que a defesa não tem
interesse na declaração de nulidade em virtude da realização da audiência de
instrução e julgamento sem a presença do membro do Ministério Público.
Exemplificativamente, no habeas corpus 312.668/RS o mencionado Tribunal
Superior consignou que:
No caso dos autos, além de
não ter havido a impugnação oportuna da defesa quanto à ausência do Ministério
Público em algumas das audiências de instrução, seja porque o referido órgão
estava atuando em outro processo, seja porque estava em substituição em outra
comarca, tem-se que o próprio Código de Processo Penal permite que o juiz participe
das inquirições, sendo-lhe facultada, na busca da verdade real, a produção de
provas necessárias à formação do seu livre convencimento, o que afasta a
alegação do prejuízo em tese suportado pelos acusados[nota 247]
P. 73
No caso em tela nota-se a
congregação de valores contrários à perspectiva de processo penal defendida ao
longo deste escrito. Como já adiantado, o Ministério Público é, per si, uma
garantia para o sujeito estruturalmente débil, pois o seu munus de acusação
fornece o distanciamento necessário para a concretização de um juiz alinhado ao
modelo acusatório.
Quando há um desprestígio para
com o Ministério Público, ignorando sua condição de sujeito processual
essencial para o processo penal democrático e, nesta senda, tornando-o
dispensável no processo, o que a jurisprudência pátria faz é reviver o fantasma
do modelo inquisitivo. Lá, no modelo inquisitivo, até há registros dando conta
da presença de um sujeito, que não o juiz, responsável pela acusação; ocorre
que esse sujeito era disponível, e sua atuação era coadjuvante ao grande
acusador, o julgador.
O que faz a postura
jurisprudencial em comento é reafirmar que nosso processo penal é pensado por
mentes inquisitoriais, e lido a partir de lentes constitucionalmente atrasadas.
Em outra oportunidade, o mesmo
Tribunal[nota 248]
assim se posicionou:
Nesse contexto, destaco que
a ausência do representante do Ministério Público ao ato, se prejuízo
acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório, jamais à defesa, e, portanto,
não poderia ser por esta invocado, porquanto, segundo o que dispõe o art. 565
do Código de Processo Penal, nenhuma das partes poderá arguir nulidade [...]
referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse. (...)
As modificações
introduzidas pela Lei n. 11.690/08, ao art. 212 do Código de Processo Penal,
não retiraram do juiz a possibilidade de formular perguntas às testemunhas, a
fim de complementar a inquirição, na medida em que a própria legislação
adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o máximo possível da realidade
dos fatos (princípio da verdade real e do impulso oficial), o que afasta o
argumento de violação ao sistema acusatório.
A influência de paradigmas
típicos do modelo inquisitorial é flagrante. É reiterada a utilização da busca
da verdade real como elemento norteador da atividade do magistrado, de forma
que tal missão justificaria a pontual desnecessidade do Ministério Público.
Como já discutido por diversas vezes ao longo desse trabalho, o dogma da
verdade real constitui claro artifício retórico legitimador de arbitrariedades,
o que salta aos olhos na situação em comento. Um juiz imbuído da missão de
encontrar a verdade real não sentirá a ausência do órgão de acusação, uma vez
que ele próprio arvorar-se-á de tal mister. O Tribunal encontrou a saída
P. 74
perfeita para a ausência do Ministério
Público, entretanto ignorou a Constituição e um forte arcabouço doutrinário que
reivindica a adoção do modelo acusatório[nota 249].
O discurso sobre modelos de
processo penal e sobre seus princípios informadores é de aplicabilidade
concreta e cotidiana. Uma reflexão mais acurada do modelo acusatório, guiado
pelo princípio dispositivo, e a verdadeira função do magistrado nesse contexto
teórico é suficiente para nortear a resolução dos casos em análise para outro
caminho. Afirmar que não houve violação ao modelo acusatório com fundamento na
possibilidade (no dever, acrescentam) do julgador perquirir uma verdade real é
uma contradição epistemológica, pois une dois mundos, distintos e excludentes:
verdade real não é objetivo funcional de um juiz do modelo acusatório.
No excerto acima transcrito
percebe-se, ademais, um detalhe deveras representativo. Utiliza-se com
naturalidade a expressão “diploma adjetivo” em referência ao código de processo
penal. As palavras dizem coisas, e os limites da linguagem traçam os limites do
mundo do sujeito que dela faz uso[nota 250]. Há, com essa adoção conceitual, um
discurso velado que remete à noção de processo penal como instrumento serviente
ao poder punitivo, o que já foi objeto de enfrentamento no início deste texto[nota
251].
É nesse contexto que o princípio
do interesse vem se consolidando como mais um locus de manifestação da
mentalidade inquisitória reinante no processo penal brasileiro. Sob o falso
pretexto civilista que entende a ausência de uma parte como condição favorável
à outra, os Tribunais desconsideram o Ministério Público como sujeito
processual essencial para a concretização de garantias da própria defesa[nota
252], notadamente
quanto à garantia mor da
P. 75
jurisdição, que é sua imparcialidade. Abrir
mão do Ministério Público significa, por outro lado, anuir com um judiciário
protagonista, algo demasiadamente danoso para o projeto de processo penal
democrático.
Firmar um posicionamento segundo
o qual “a ausência do representante do Ministério Público ao ato, se prejuízo
acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório, jamais à defesa” é desconhecer
os caminhos percorridos pelo processo penal através de sua pretensa evolução
civilizatória. Mais uma vez o pensamento civilista se funde à mentalidade
inquisitória, fazendo germinar decisões danosas aos direitos fundamentais. A
ideia de partes concebida no processo civil une-se à busca da verdade real e
gera um juiz que facilmente poderá substituir o Ministério Público[nota
253]. Não há como
dizer que frente a isso a defesa não tem interesse.
Entretanto, por outro lado, o
interesse do Ministério Público não pode ser entendido de maneira ampla. É
dizer, sem rodeios: o Ministério Público deve ter um espaço de legitimidade
para arguição de nulidades menor quando comparado ao da defesa. E o fundamento
dessa constrição das possibilidades de nulidades levantadas pelo parquet se
encontra justamente na ontologia das nulidades, isto é, na sua caracterização
como escudo protetivo do sujeito estruturalmente vulnerável: o acusado.
Esclarecedor é o ensinamento de
Ricardo Gloeckner[nota 254]:
No que guarda íntima
relação com o objeto de estudo, a teoria da invalidade processual, assim como
em múltiplos aspectos do processo penal, não pode ser trabalhada a partir de um
conceito isonômico formal, como plena igualdade de faculdades processuais. Pelo
que até então foi exposto as nulidades processuais podem ser entendidas como
verdadeiras garantias. No entanto, de acordo com a distribuição de chances
processuais (Goldschmidt), uma acepção igualitária da teoria das nulidades pode
redundar no tratamento da invalidade processual como uma contra-garantia, no
exato desenvolvimento que lhe outorgou o regime inquisitorial. Como premissa
que inspira o presente tópico, a faculdade processual de argüição da nulidade e
mais bem o seu reconhecimento não devem ser orientados pela finalidade de
oferecer tratamento igualitário às partes, desiguais pela própria natureza do
processo penal.
P. 76
Esse posicionamento do professor
citado se relaciona com o que já restou abordado no início deste trabalho: a
depender de como seja manejado, o formalismo pode ser veículo propulsor do
poder punitivo, e não sua contenção. Eis aí a pedra-de-toque para entender, sem
espantos, a limitação para o reconhecimento de nulidades arguidas pelo parquet.
Não é viável que se dê
tratamento igual a sujeitos ontologicamente desiguais. É justamente em virtude
de tal desigualdade entre o Ministério Público e a defesa que o ordenamento
prevê, por exemplo, a possibilidade de revisão criminal e habeas corpus como
instrumentos destinados exclusivamente a tutelar os direitos e garantias
fundamentais do acusado[nota 255]. Sustentar que as hipóteses de
nulidades arguidas pelo Ministério Público em desfavor do denunciado só devem
ser assim reconhecidas em casos extremos é trazer para o campo da disciplina do
ato irregular essa ideia de desigualdade que limita o exercício do poder
punitivo e garante a defesa de forma ampla[nota 256].
Acusação e defesa não estão em
pé de igualdade no processo penal, por conseguinte a ambos não pode ser
dispensado o mesmo tratamento em matéria de nulidades. A instrumentalidade
constitucional do processo penal guia-se pela hipossuficiência do acusado ante
o poderio estatal, sendo imperioso conceder determinadas vantagens processuais
que deem ao processo penal uma conotação protetiva.
Não pode ser dada ao parquet a
mesma possibilidade de se valer do formalismo para arguir nulidades que é dada
à defesa, afinal o valor da forma é exatamente conter o aparato estatal usado
na justiça criminal e não o armar ainda mais, sujeitando o acusado às
armadilhas de um culto à forma de condão não protetivo.
É bem por isso que para se
reconhecer a nulidade em desfavor do acusado não basta que o interesse do
Ministério Público esteja claro, isto é, não basta que tenha havido prejuízo
para a acusação. É preciso que o dano causado ao parquet seja de tal monta que
inviabilize a conformação acusatória do processo penal[nota 257]. Não serão, pois, irregularidades
pontuais que
P. 77
possibilitarão o reconhecimento de nulidades
pro accusationis, sob pena de colocar o cidadão em um processo kafkiano,
inseguro e imprevisível.
O busílis de tal diferenciação
consiste justamente na instrumentalidade constitucional do processo, que se
alinha a uma postura de redução de danos naturalmente causados pelo poder
punitivo. Assim, caso violado o modelo acusatório, o Ministério Público deverá
arguir e ter reconhecida a nulidade, pois um vício de tal jaez rompe a
instrumentalidade constitucional do processo, revivendo o modelo inquisitório,
conforme discutido mais acima.
Essa, contudo, não é a única
limitação. É, em verdade, tão somente a primeira a ser avaliada. Se o vetor
interpretativo que deve guiar a disciplina de nulidades é a ideia de redução de
danos no processo penal, somente será possível declarar nulidade em desfavor do
acusado em casos extremos (afronta ao princípio acusatório) e desde que
inexistam elementos hábeis para uma sentença absolutória. É o que Ricardo
Gloeckner nomeia de princípio da escusa absolutória[nota 258].
Diante do édito absolutório a
nulidade, se declarada, desponta como verdadeira contra-garantia, sendo
prejudicial ao acusado. Finda-se legitimando uma interpretação perversa, pro
societate, da disciplina das nulidades, dando-lhe tons punitivos ou revés de
tons garantidores.
A liberdade do acusado é a
significante que deve guiar o processo penal, muito em virtude da inocência
presumida. Assim, a regra basilar para o deslinde do caso penal é a da
absolvição, sendo a condenação um revés, pois contrária a uma presunção
constitucionalmente estabelecida. A absolvição do acusado, portanto, é
preferível frente, inclusive, às hipóteses de nulidade. Entre a absolvição e a
nulidade de atos processuais, a instrumentalidade constitucional impõe a adoção
da primeira solução.
Essa concepção de escusa
absolutória também serve para revelar outra postura equivocada que permeia o
modelo de nulidades conforme compreendido atualmente. A nulidade não é,
necessariamente, uma matéria preliminar ao mérito. Justamente por ser sempre
preferível a absolvição, a nulidade não pode servir de impedimento para tal
resolução do caso penal. É preciso dar conta que a nulidade do processo não
pode ser entendida como uma saída tecnicista que supre o possível ônus político
de uma sentença absolutória, afinal o caráter contramajoritário é fundante para
atuação constitucional do poder judiciário.
P. 78
Por tudo quanto o exposto, o
princípio do interesse merece revisão crítica, não sendo mais cabível o viés
civilista que informa as nulidades processuais. A defesa tem interesse para
arguir nulidades mesmo que aparentemente só prejudiquem ao Ministério Público,
ao contrário do que vem decidindo os Tribunais Superiores. Por seu turno, o
Ministério Público tem um âmbito de legitimidade para nulidades bem mais
restrito, justamente pela concepção das nulidades como limite ao poder
punitivo.
Indiscutivelmente, no atual
cenário brasileiro há um sem números de falhas estruturais que assolam o modelo
de justiça criminal. Toma-se como exemplo a carência generalizada de
defensorias públicas suficientemente aparelhadas; um modelo de poder judiciário
contraproducente (pois burocratizado) e que torna o juiz mais próximo da figura
de um gestor de unidade jurisdicional, distanciando-o da função de julgador; o
colapso prisional com reflexos diretos no cotidiano forense etc. Mas além de
todos esses, via de regra bem denunciados, há outra fratura no modelo de
persecução penal: a crise da investigação preliminar[nota 259].
Poucos são os estudiosos que se
dedicaram, com afinco acadêmico, a estudar e, com isso, aprimorar o modelo de
persecução penal na sua fase pré-processual. Em verdade, o vazio literário
envolvendo a investigação preliminar aproxima-se do menoscabo ao mencionado
nicho teórico[nota 260].
Como aponta Gustavo Noronha de
Ávila e Vera Guilherme, a desatenção em comento perpassa um sem número de
fatores, que principia no fato de nos cursos de graduação em direito a figura
do policial passar quase desapercebida. Atentam os mencionados autores que “o
grande frisson da maioria dos alunos e dos professores está a partir do artigo
24, quando começam a ser estabelecidas as regras de ações penais”, uma vez que
ali “estaria o ‘filé mignon’ para o advogado, além de estar a maior
concentração do conteúdo que aparecerá nas questões dos exames da Ordem”[nota
261].
P. 79
Houve, portanto, uma
subvalorização da investigação preliminar, o que contribuiu sobremaneira para
que esse cenário se revestisse de um ilegalismo congênito[nota 262], estimulado em muito pela cultura
policialesca que vige em terrae brasilis.
Entretanto, em um passado
recente, o professor Aury Lopes Júnior lançou luzes novas acerca da falência do
modelo de investigação preliminar praticado no Brasil, o que fez a partir de
sua tese de doutoramento defendida na Universidad Complutense de Madrid, cujo
título é “sistema de instrucción preliminar em los derechos espanol y brasileno
- com especial referencia a la situación del sujeito pasivo del proceso penal”.
Os contornos conceituais
historicamente atribuídos à investigação preliminar são uníssonos na doutrina e
na jurisprudência tradicional. Há uma reafirmação da fase pré-processual como
um terreno alheio às garantias e, por isso, imunizado das influências
democráticas do processo penal constitucional.
Analisando o inquérito policial,
Romeu de Almeida Salles Jr. é enfático ao dizer que tal fase da persecução
penal representa “mera peça de informação”[nota 263], não se sujeitando ao princípio do
contraditório por ser eminentemente inquisitiva. Acrescenta o autor que a
autoridade policial comanda as investigações como melhor lhe aprouver, uma vez
que o inquérito representa “simples informação”[nota 264].
Mais modernamente, Tourinho
Filho reafirma o menoscabo histórico ao inquérito, imputando-lhe a
característica de “simples informação sobre o fato infringente”[nota 265].
As palavras dizem coisas, e não
estão ao acaso preciosista de quem as profere. Adjetivações do tipo “simples” e
“mera” só evidenciam a subvalorização cientifica dada à investigação
preliminar. E quando se deixa de sujeitar os atos da justiça criminal ao crivo
de uma crítica dogmática, o terreno se torna fértil para os influxos
autoritários do poder punitivo.
Como já se adiantou, a
desimportância do inquérito policial o afastou da evolução democrática
experimentada pelo processo penal, e o fez parar no tempo, reproduzindo
hodiernamente dogmas constitucionalmente desalinhados. Tourinho Filho chega ao
ponto de
P. 80
dizer que a autoridade policial “dirige as
investigações como bem quiser”, arrematando, ainda, que nesse ambiente o
indiciado não é um sujeito de direitos, mas sim um objeto de investigação[nota
266].
Aqui não se pretende negar toda
a construção teórica sobre a investigação preliminar no processo penal. É
indiscutível que o inquérito ou a investigação criminal presidida pelo
Ministério Público se propõe a arregimentar elementos para construir a opini
delicti do acusador, lastreando a pretensão acusatória. Não se nega, também,
que por vezes será sigiloso, característica essencial em casos pontuais[nota
267].
Nesta senda, é preciso oxigenar
a fase pré-processual, alinhando-a com os cânones constitucionais. A força normativa
da constituição e sua matriz principiológica devem informar e pernetrar a
persecução penal, e não somente o processo penal, como se a investigação
preliminar fosse um terreno alheio às garantias. Toda a persecução penal deve
convergir para o atual modelo de Estado Democrático de Direito, zelando pela
concretização e maximização dos direitos fundamentais e, consequentemente,
buscando a limitação do poder do Estado.
Portanto, o viés repressivo,
antigarantista, ligado ao ideal de eficiência punitiva e que encontra terreno
fértil no ambiente policial, deve ser rechaçado justamente por contrastar com a
perspectiva democrática da Constituição.
O paradigma de processo penal
pensado na atual quadra histórica não mais comporta os cânones interpretativos
que informaram a investigação preliminar até hoje, os mesmos desde a década de
40, frise-se. Deve-se compreender que a dinâmica do direito altera a
compreensão dos institutos, e hoje é inegável que o terreno pré-processual tem
realce diferenciado quando comparado àquela ambiência originaria.
O palco da persecução penal foi
deslocado para as tratativas pré-processuais, e a instrução probatória na fase
processual não raro finda tendo caráter eminentemente confirmatório. Esse
fenômeno pode ser entendido sob duas facetas: uma, sob a ótica da
macrocriminalidade, e outra referente à criminalidade clássica.
P. 81
Quando voltado à criminalidade
dita organizada, o direito processual penal muniu-se de novos elementos,
ampliando o protagonismo da investigação preliminar. É nela onde ocorrem as
negociações fruto da ampliação dos espaços de consenso (colaboração premiada)[nota
268] bem como onde
se insere, via de regra, o amplo rol de medidas cautelares patrimoniais ou de
prova.
Sob a ótica da criminalidade
clássica, há uma conveniência instrutória que gera basicamente a repetição de
testemunhas ouvidas no inquérito[nota 269], pontualmente acrescidas do auto de
prisão em flagrante.
Em suma, quando chamado a tratar
da sua clientela ordinária, o processo penal não produz provas, mas tende a
reafirmar os elementos de informação colhidos na investigação preliminar;
frente à sua clientela vip, a persecução penal se desenvolve a partir de outros
paradigmas (justiça negocial e sofisticados meios de prova, vide interceptação
telefônica, agente infiltrado, etc), estes inseridos no locus da investigação
preliminar[nota 270].
Ambos os caminhos levam à conclusão que a fase pré-processual tem suas
potencialidades subestimadas.
O fenômeno de ampliação de
espaço das investigações preliminares gerou reflexos de ordem legal,
notadamente com dois diplomas: as leis 12.830, de 10 de julho de 2013 e 13.245,
de 12 de janeiro de 2016.
A primeira inovação, isto é, a
lei 12.830, dispõe sobre a investigação criminal dirigida pelo Delegado de
Polícia, normatizando situações já conhecidas por meio de entendimentos
P. 82
doutrinários e jurisprudenciais[nota
271]. Sem veicular
maiores inovações, o que fez o aludido diploma legal foi realçar o caráter
jurídico da atividade do delegado de polícia, numa aparente tentativa de
aproximá-lo das demais carreiras forenses e afastá-lo da condição policial[nota
272].
Talvez o escopo legislativo
tenha razões mais pragmáticas que as aqui ventiladas, objetivando igualdades
mais palpáveis como remuneração e condições de trabalho[nota 273]. Entretanto, essa reafirmação da
atividade do delegado como atividade técnico-jurídica[nota 274] dá o tom de renovação dos ares da
investigação preliminar, direcionando-a por caminhos tendentes a afastá-la do
paradigma beligerante típico das carreiras policiais e geralmente avesso às
garantias fundamentais.
A lei 13.245/16, por sua vez,
trouxe à baila uma mudança sensível na disciplina da investigação preliminar e
reafirmou o movimento de aproximação dessa etapa da persecução penal com alguns
vetores democráticos de processo penal, a dizer, a ampla defesa, o
contraditório e a publicidade.
A mencionada lei trata de dois
assuntos, interligados, porém distintos. O primeiro versa sobre a
regulamentação legal do que já havia sido tratado pela súmula vinculante 14
sobre o acesso do advogado aos autos da investigação. Ao que já se tinha em
virtude da súmula acresceu-se a possibilidade de responsabilização criminal e
funcional para quem impedir o acesso objetivando prejudicar a defesa.
O segundo ponto, a seu modo, é o
que merece maiores reflexões, pois consubstancia uma inovação e traz
disciplinamento até então inédito sobre nulidades no corpo do inquérito
policial. Vejamos a redação do inciso XIX:
P. 83
XXI - assistir a seus
clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade
absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de
todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados,
direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e
quesitos;
Nota-se de plano uma oxigenação
democrática da investigação preliminar, agora acrescida de um elemento fulcral
na concretização das garantias fundamentais: o respeito a forma dos atos. A
legislação em comento não se contentou em prever a ampliação da atuação da
defesa no inquérito policial, mas atrelou a desobediência a esse mandamento à
nulidade absoluta.
Em virtude do pouco tempo desde
sua edição, a alteração gerada pela lei 13.245/06 ainda não foi objeto de
maiores reflexões por parte dos Tribunais Superiores e sequer por parte da
doutrina. Em uma das poucas manifestações jurisprudenciais acerca do tema,
entretanto, o Superior Tribunal de Justiça[nota 275], julgando o agravo regimental no
mandado de segurança n° 22.771/GO, se posicionou no sentido de que “tais
dispositivos legais asseguram ao réu apenas o direito de ser acompanhado por
advogado de defesa em seu próprio depoimento” e concluiu afirmando que “o simples
fato de o advogado de um dos réus não ter comparecido ao interrogatório dos
demais corréus não se presta a macular de nulidade todo um procedimento
investigatório”.
Observa-se que o dito Tribunal
Superior assinalou entendimento no sentido da indispensabilidade se refer tão
somente ao interrogatório, o que encontra ressonância na parca literatura
encontrada sobre o tema[nota 276].
A exigência da presença do
advogado também deverá sofrer com os contornos -geralmente constritivos - da
realidade. A plena efetivação do mandamento legal só seria
P. 84
possível caso as defensorias públicas
dispusessem de material humano suficiente para atuar na investigação preliminar
e, assim, prestar assistência jurídica no interrogatório policial[nota
277]. Essa realidade
está distante daquela experimentada na atual conformação dessa instituição,
porém “sonhar é também um aspecto próprio do ato de ‘defensorar’”[nota
278].
Mas não só em virtude da
inovação legislativa é que merece retoque o tratamento das nulidades em sede de
inquérito policial. As mencionadas leis são, tão somente, reflexos de uma
percepção, ainda incipiente, de protagonismo da fase pré-processual[nota
279]. Os efeitos dos
elementos colhidos na investigação vão muito além da mera formação da opinião
do acusador, como quis a doutrina clássica.
Além da opinião do acusador, e
do protagonismo da fase preliminar em virtude da nova conformação processual, o
inquérito policial também serve à formação da opinio delicti do magistrado[nota
280], se não
referente ao juízo positivo, mas inegavelmente quanto ao juízo de absolvição
sumária. Considerando que para essa postura absolutória fundada no artigo 397,
CPP, o juiz deve alcançar um juízo de certeza; e que essa hipótese se dá
anteriormente à instrução processual, conclui-se que os elementos que
fundamentarão a absolvição sumária são contidos exclusivamente no inquérito[nota
281].
Soma-se ao exposto o fato de o
atual ordenamento jurídico legitimar normativamente a utilização de elementos
de informação colhidos no inquérito para fundamentação da sentença penal. É que
o artigo 155, CPP proíbe que se profira uma sentença condenatória fundada
“exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”, isto é, a
P. 85
partir de uma interpretação a contrario
sensu, a sentença penal poderá conter elementos do inquérito policial, desde
que estes não sejam os únicos pilares da fundamentação.
O deslinde da questão está
justamente no advérbio exclusivamente, que, como assinala Rui Cunha Martins,
gera uma brecha na avaliação da prova[nota 282]. A permissão legal para que o
magistrado fundamente sua decisão, mesmo que subsidiariamente, em atos de
investigação, reconheceu o que vinha ocorrendo no cotidiano forense, isto é, a
valoração dos elementos amealhados na fase preliminar para fins de condenação[nota
283].
Há, portanto, uma permeabilidade
dos atos do inquérito policial no corpo do processo penal, culminando na
permeabilidade sentida na própria sentença criminal. Incorporam-se elementos de
informação como se provas fossem ao passo que as provas, ou seja, aquilo
produzido em contraditório perante autoridade judicial toma, não raro, caráter
coadjuvante[nota 284] na formação do convencimento do
magistrado.
Ademais, um último elemento que
demonstra a premência de se regular estritamente as regras do pré-jogo
processual[nota 285]
se revela a partir do disciplinamento de competência ao qual está submetido o
processo penal brasileiro.
Como é sabido, nos casos em que
mesmo percorrido o trajeto constitucional e processual definidor da competência
jurisdicional, buscando-se o juiz natural daquela causa, pode, ainda assim,
ocorrer de dois ou mais juízes serem competentes[nota 286]. Surge então a hipótese de aplicação
da regra contida no artigo 83 do Código de Processo Penal, veiculadora da
prevenção como critério definidor de competência. Assim, o processo será
instruído e
P. 86
julgado pelo juiz que primeiro tiver
praticado algum ato decisório, ainda que antes do recebimento da denúncia ou
queixa, isto é, ainda que no curso da investigação preliminar.
A opção legislativa, portanto,
escolhe para juiz natural o magistrado que primeiro foi instado a se manifestar
e, por isso, o primeiro que teve contato com o arsenal informativo da
investigação preliminar. Desponta aí mais uma tenaz influência endoprocessual
do que é produzido durante a fase pré-processual: o juiz que mais tem contato
com o produzido no inquérito será aquele constitucionalmente e legalmente apto
a julgar o caso penal.
Os nefastos efeitos dessa
escolha legislativa[nota 287] são bem explicados pelo que se cunhou
de teoria da dissonância cognitiva, responsável por demonstrar que o sujeito
tende a se contaminar com a primeira hipótese lançada (hipótese investigativa
da autoridade policial), de forma que no segundo momento (no curso do processo,
quando se espera um juiz imparcial) tenderá a diminuir as dissonâncias de
informações, repelindo as teses defensivas e reafirmando a hipótese primária,
ou seja, a hipótese lançada na investigação[nota 288].
Por tudo, a dissonância
cognitiva atuante no processo penal ocorrerá com base nos elementos indiciários
extraidos do inquétio policial, pois é esta a fonte informacional que norteia o
recebimento da denúncia. Contrastam com tal fonte informacional primeva os
elementos cognitivos que vizem construir a inocência do acusado[nota 289]. Ao ter contato com a plenitude dos
atos de investigação, a tese acusatória adere à cognição do julgador, fazendo
com que ele decida antes e depois saia em busca de elementos que justifiquem
sua decisão[nota 290].
Bernd Schünemann em estudo sobre
o tema revela que:
O processamento de
informações pelo juiz é em sua totalidade distorcido em favor da imagem do fato
que consta dos autos da investigação e da avaliação realizada pelo ministério
público, de modo que o juiz tem mais dificuldade em perceber e armazenar
resultados probatórios dissonantes do que consonantes, e as faculdades de
P. 86
formulação de perguntas que
lhe assistem são usadas não no sentido de uma melhora do processo de
informações, e sim de uma autoconfirmação das hipóteses iniciais.[nota
291]
Por todos esses elementos reluz
a impossibilidade de se manter a compreensão vetusta de que irregularidades no
inquérito não contaminam a ação penal uma vez que a investigação preliminar
gera efeitos em todo o processo penal[nota 292]. Esse deslocamento tendente a
valorizar o que se faz na etapa pré-processual só reafirma a importância de
espraiar os vetores axiológicos do processo penal moderno (instrumentalidade
constitucional, forma como garantia a partir de uma ideia de devido processo
penal) para um palco até então negligenciado.
Afigura-se certo que não só o
processo penal, mas a persecução penal como um todo, deve convergir para o
atual modelo de Estado Democrático de Direito[nota 293] e todas as instituições pertencentes
ao sistema criminal devem se adequar o modelo jurídico delineado pela
constituição[nota 294], realizando uma “acoplagem
constitucional e convencional do inquérito policial”[nota 295].
A inadequação do dogma aqui
enfrentado, que entende inexistirem nulidades no inquérito e que possíveis
irregularidades não contaminariam o processo penal pode ser melhor entendida a
partir de um exemplo jurisprudencial. No habeas corpus 207.461/PR[nota
296], o Superior
Tribunal de Justiça entendeu que o não haveria nulidade na denúncia que se
valeu
P. 88
dos elementos de informação colhidos no
inquérito, detidamente no depoimento do réu. No caso em comento, o vindouro
denunciado foi ouvido em sede preliminar na condição de testemunha, e de suas
informações extraiu-se um conteúdo incriminatório. A defesa se insurgiu,
alegando que houve burla ao direito ao silêncio, uma vez que escamoteando a
condição de investigado do paciente, a polícia extraiu informações em desfavor
do futuro acusado.
Toda a manifestação do Tribunal
Superior, contudo, limita-se a reproduzir que irregularidades no inquérito não
contaminam a ação penal, sem que haja um mínimo enfrentamento na questão de
fundo, substancial, que é a violação de um direito fundamental.
Portanto, a construção
confortável de que as nulidades do inquérito, se existentes, não contaminam a
ação penal pode ser enfrentada por várias frentes.
Inicialmente no sentido do
inquérito ser arma autônoma do poder punitivo, e não mero elemento de
informação para a opinio delicti, uma vez que a partir dele se cerceia bens,
direitos e a própria liberdade do cidadão. Independentemente da vinculação com
uma posterior ação penal, os atos do inquérito merecem tratamento rigoroso por
parte das balizas da legalidade/constitucionalidade, sob pena de se manter vivo
um culto inquisitorial nessa fase da persecução[nota 297].
Os atos do inquérito contaminam
sim a ação penal, seja sob o ponto de vista legal, com fulcro no artigo 156 do
CPP que possibilita a utilização de elementos pré-processuais no corpo da
sentença condenatória; seja sob a ótica do subconsciente do julgador, através
da dissonância cognitiva tratada.
Parece claro que os atos da
persecução são concatenados e encadeados, e isso faz com que as nulidades ocorridas
no inquérito policial se sujeitem, também, ao princípio da causalidade
maculando os atos dependentes, o que poderá alcançar inclusive a fase
processual, afinal - reitere-se - há uma inegável permeabilidade do inquérito
no processo penal.
P. 89
A discussão das nulidades no
processo desponta como tema capaz de aglutinar as mais diversas reflexões. É
mesmo um assunto catalizador de inúmeras problemáticas que envolvem o direito
processual penal como um todo. Ocorre que, em que pese essa potencialidade do
tema, seu tratamento pacífico sofre de verdadeira anemia conceitual.
O processo penal moderno tem
como núcleo legitimador a sua instrumentalidade constitucional. A partir dela,
o processo consegue alcançar a maximização dos direitos fundamentais e fazer
frente ao poder punitivo, sempre tendente a ser arbitrário e ilimitado. Para
que se alcance a dita instrumentalidade constitucional impõe despir-se de
dogmas seculares, a saber: a instrumentalidade das formas e a instrumentalidade
inquisitória.
O paradigma da instrumentalidade
das formas é inservível ao processo penal, pois conflita com o sistema
acusatório ao defender o protagonismo do magistrado e certa maleabilidade das
formas. Essa matriz teórica quando aplicada ao processo penal carece também de
originalidade, uma vez que sua construção se dá a partir de premissas do
processo civil, ontologicamente distintas daquelas cultivadas nas ciências
criminais.
A instrumentalidade inquisitória
é uma constante na cultura processual brasileira, se revelando a partir do
conceito de “verdade real” como objetivo do processo penal e da utilização do
processo penal para alcançar a paz e o bem-estar social. A verdade real,
inicialmente, é um engodo retórico que gera uma lacuna conceitual apta a legitimar
práticas autoritárias. Sua origem inquisitorial e seu culto em regimes
totalitários demonstram a inadequação constitucional de sua utilização, sem
falar na insubsistência frente aos novos paradigmas da filosofia da linguagem e
da psicanálise. O processo penal também não pode ser compreendido como
destinado a tutelar interesses públicos, promovendo a paz social. Essa
concepção bifurca os interesses envolvidos no processo em público vs. privado,
estando nessa segunda categoria os interesses do acusado, não raro subjugados
frente ao suposto interesse da coletividade. Tal postura é imprópria uma vez
que tutelar o mais fraco, o débil, ou seja, o acusado é a missão do processo
penal democrático.
Na ambiência da
instrumentalidade constitucional do processo penal, a forma desponta como
garantia, verdadeiro escudo protetor do acusado frente à constante tentativa de
expansão do poder punitivo. Por isso, a legalidade exigida no direito penal
também deve ser vetor guia no processo penal, no qual também há uma dose de
pena em virtude do caráter degradante advindo da simbologia processual. Para
além da privação da liberdade, o processo penal atinge, desde o seu início, ou
mesmo antes dele, na investigação criminal, valores como
P. 90
a honra e a imagem, sem que essa lesão
esteja condicionada a qualquer declaração de culpabilidade ou pressuposto
cautelar.
A forma no processo penal serve
para traçar as posições subjetivas, oferecendo limites funcionais que, por
exemplo, guarneçam o sistema acusatório. Servem, ainda, de anteparo contra o
imediatismo pungente na sociedade imediatista. O conceito de tipo, conhecido e
reconhecido no direito penal, deve dar contribuições para o processo penal, a
fim de limitar a persecução penal de maneira objetiva e clara.
A ideia de tipo, contudo, não
encerra a discussão relacionando a nulidade à mera violação da forma. Entender
nulidade como atipicidade processual, portanto, não acrescenta contribuição
significativa à disciplina. A teoria do tipo constitucional, por sua vez,
também se mostra insuficiente já que vincula as nulidades aos dizeres
constitucionais, o que enfraquece sobremaneira o caráter garantista das formas
previstas na legislação ordinária.
A violação da forma, podendo
também ser denominada de atipicidade processual, deve servir como um elemento
indicativo, semeador de uma presunção, de que houve violação de um direito do
acusado. A violação da forma, unicamente, não é suficiente para que se alcance
a nulidade. Essa atipicidade processual gera, em verdade, uma presunção em
favor da nulidade, que tanto pode ser mantida - levando à nulidade; ou rompida,
mantendo-se os efeitos do ato. A forma é, pois, uma microestrutura de garantia.
Sua violação acende um alerta de abuso do poder estatal, gerando uma presunção
de violação de direito fundamental. A atipicidade processual há de ser valorada
com tal presunção em virtude da salutar desconfiança que se deve nutrir entorno
dos atos do poder de punir.
A temática das formas no
processo penal, e consequentemente das nulidades, é um termômetro eficiente
para se aferir os níveis de acusatoriedade e inquisitorialidade de determinado
modelo de justiça criminal.
O sistema inquisitivo
caracteriza-se, primordialmente, pela concentração de poderes na figura do
julgador. Tal característica tem influência direta nas nulidades processuais,
haja vista que o juiz inquisidor, buscando a verdade real, terá as formas e as
consequentes nulidades como um embaraço à sua missão. Surge uma grande
possibilidade de se relativizar as formas.
O sistema acusatório, por sua
vez, norteado por um juiz imparcial e cuja missão não é buscar a verdade real,
mas sim garantir direitos, finda gerando um ambiente de conforto para as formas
processuais. O julgador do processo acusatório não vê a forma como um embaraço
às suas atividades, mas sim como a essência de sua atividade
P. 91
A Teoria Geral do Processo
exsurge como ponto nevrálgico na discussão sobre nulidades. Toda a carga
informacional herdada do processo civil, quando trazida acriticamente para o
processo penal, desnatura a forma como garantia, dando espaço para a
relativização de direitos fundamentais. A categoria do ato processual
inexistente insere-se como herança inadequada, desprezando-se a necessidade de
judicialização de qualquer discussão sobre invalidade de atos processuais. A
própria a concepção civilista de partes, também de todo inadequada para o
proceso penal, trata Ministério Público e defesa como se estivessem em
igualdade de condições e sempre de forma contraposta, quando na verdade há uma
desigualdade ontológica entre elas bem como um caráter garantidor do Ministério
Público em relação ao réu. Ademais, a visão do ato processual com as lentes
conceituais do negócio jurídico, de caráter puramente privatista, é outro erro
severo que repercute na distribuição do ônus da prova do prejuízo.
Especificamente quanto ao regime
de nulidade, é preciso realçar o valor da forma, sem que haja necessidade de
mostrar vínculos com a “verdade substancial” ou com “a decisão da causa” para
que se cassem os efeitos do ato irregular. Como está, o artigo 566 do Código de
Processo Penal dá margem para manobras decisionistas, ignorando a necessidade
de controle da decisão e as possíveis influências psíquicas dos atos
irregularmente praticados.
Ao seu tempo, o princípio do
prejuízo aparece como viga mestra do regime de nulidades, estruturando toda a
disciplina e, consequentemente, boa parte da crise que envolve o tema. O pas de
nullité sans grief, fruto de um modelo inquisitorial, e com bases fundadas na
ideia de processo como quase contrato, traz forte influência civilista para
dentro do processo penal.
Ainda que problemática, a ideia
de prejuízo é válida para a discussão sobre nulidades. Por meio dela se alcança
uma valorização do ato para além do culto à burocracia judicial. O busílis é o
rearranjo interpretativo pelo qual tal princípio deve passar.
Deve-se extrair as vinculações entre
prejuízo e os conceitos de “verdade substancial e decisão da causa”, bem como
se realinhar o ônus probatório, para que a demonstração do prejuízo não seja
uma exigência simbólica apta a oferecer ao Poder Judiciário um espaço de
discricionariedade para escolher o que quer e o que não quer declarar nulo.
O caminho para a adequação
constitucional do princípio do prejuízo é categorizá-lo não mais como elemento
necessário para declaração da nulidade, mas sim como elemento cuja ausência
indica a inexistência de nulidade. Invertem-se os sinais, rumo à presunção de
lesão às partes pela inobservância do ordenamento processual. Retoma-se, com
isso, o caráter garantístico da forma. O desrespeito aos guias normativos do
processo penal consubstancia-
P. 92
se, doravante, numa presunção de lesão. Essa
presunção poderá ser rompida caso o magistrado se desincumba do ônus
argumentativo para manter a eficácia do ato, eventualmente ouvindo a parte
contrária.
Quanto ao princípio do
interesse, uma revisão sobre as posturas subjetivas no regime de nulidade é
essencial. A herança civilista não é suficiente para oferecer o contorno que o
Ministério Público detém. A ideia de parte do direito processual civil, aqui,
na área criminal, é insuficiente. Por isso mesmo colocar Ministério Público e
defesa como partes adversas em todas as situações, sendo o prejuízo de um
sinônimo de benefício do outro, é desconhecer as particularidades do processo
penal.
Deve existir uma ampliação da
concepção de interesse no que se refere à defesa, pois ao denunciado é
essencial que se preserve um Ministério Público atuante como garantia de um
juiz imparcial. Por outro lado, o Ministério Público deve sofrer uma dupla
limitação para arguição de nulidades. O princípio do interesse só restará
demonstrado para o parquet quando o ato processual penal irregularmente
praticado vulnerar a separação das funções de acusar e julgar, bem como desde
que inexistam elementos suficientes para absolver o acusado. Diante do édito
absolutório, a nulidade, se declarada, desponta como verdadeira
contra-garantia, sendo prejudicial ao acusado e subvertendo sua natureza.
Por fim, o caráter garantista
que reveste as formas processuais impõe a derrocada do dogma que afirma
inexistir nulidades na investigação preliminar e, muito menos, contaminação do
processo com possíveis irregularidades da fase preliminar.
Aquilo produzido na fase
pré-processual da persecução penal gera efeitos endoprocessuais inegáveis e,
por isso, deve ser criteriosamente atingido pelo regime de nulidades. Admitir
nulidades na investigação é espraiar para tal cenário um viés garantidor dos
direitos do investigado.
Essa importância de tutela
garantista da investigação ganha destaque na atual quadra histórica, em quese
nota um empoderamento dessa etapa da persecução penal. Colaborações premiadas,
medidas cautelares de prova, prisões e medidas cautelares patrimoniais
abundantes estão inseridas e não raro têm por fundamento elementos produzidos
na fase antecedente à ação penal.
A própria legislação admite a
influencia processual dos atos pré-processuais, seja quando possibilita a
utilização de elementos de informação na sentença condenatória ou,
indiretamente, quando aponta a prevenção como critério de competência,
sujeitando o magistrado ao contato direto com os atos praticados na
investigação.
P. 93
Relacionando as nulidades à
ciência médica, percebe-se que o corpo - processual penal - mudou, e agora se
vê informado por uma instrumentalidade constitucional. Mudando o corpo, o
estudo da patologia deve ser revisto, readequado, e, muito provavelmente,
modificado.
P. 94
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Nota 6, página 12:
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Nota 13, página 14:
Item 3, infra.
Nota 16, página 15:
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156.
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&i=35 >. Acesso em: 15/10/2016)
Nota 23, página 17:
Tópico 4.1, infra.
Nota 60 página 24: Ibid. P. 35.
Nota 61, PÁGINA 24: JARDIM, Afrânio Silva;
AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Direito Processual Penal: Estudos e
Pareceres. 13a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. P. 356.
Nota 69, página 26:
Ibid. P. 30.
Nota 79, página 27:
Ibid. P. 403.
Nota 81, página 28:
GLOECKNER, op. cit. P. 404.
Nota 82, página 28:
Ibid. P. 403.
Nota 85, página 30:
Ítem 4.2, infra.
Nota 97, página 34:
Ibid. P. 20.
Nota 98, página 34:
RAWLINGS, Helen. The Spanish Inquisition. Malden, MA: Blackwell pub, 2006.
P.32.
Nota 102, página
34: Ibid. P. 150.
Nota 114, página
35: Ibid. 201
Nota 124, página
39: LOPES JR., Aury. Prisões cautelares. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2013. P.
24.
Nota 140, página
43: BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação Penal. Rio de Janeiro: AIDE, 2002. P.
22.
Nota 143, página
43: Ibid. P. 232.
Nota 148, página
44: Ibid. P. 74.
Nota 151, página
45: Sobre a influência probatória da presunção de inocência, em magistral
trabalho sobre o tema leciona Maurício Zanoide de Moraes “O primeiro aspecto
apontado da presunção de inocência como norma probatória (quem deve provar)
refere-se ao ônus probatório no processo penal. A matéria é por demais extensa
e já conta com significativo consenso doutrinário em todos os países nos quais
o princípio está inserido em nível constitucional. Para todos eles, o ônus de
provar no processo penal é da acusação, uma vez que, partindo o órgão acusador
do pressuposto juspolítico do ‘estado de inocência’ do cidadão, é a ele que
caberá demonstrar a sua tese pela culpa do indivíduo e, portanto, caberá a ele
o ônus de demonstrar essa tese não pressuposta pela Constituição” (MORAES,
Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro:
análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a
decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P. 462).
Nota 168, página:
O princípio do interesse será melhor explorado adiante (tópico 4.3 infra)
.
Nota 174, página
52: Nesse mesmo sentido caminham as lições de Ricardo Gloeckner:“Como se pode
perceber, o objeto de declaração de nulidade poderá ser cerceado, limitado, de
acordo com o que se possa entender por verdade substancial.
Sua vinculação à ordem de ilegalidade congênita é manifesta. ” (GLOECKNER,
Ricardo Jacobsen. Nulidades no Processo Penal: introdução principiológica à
teoria do ato processual irregular. 2a ed. Salvador: Juspodivm, 2015).
Nota 201, página
60: Item 2.2, supra.
Nota 213, página
62: Item 2.1, supra.
Nota 226, página
66: Item 3.1. supra
Nota 233, página
68: E aqui se fala não só de ônus probatório, ônus argumentativo. O próprio
ônus político que recai sobre a nulidade precisa ser reinterpretado. Processos
criminais que venha a ruir em virtude de alguma nulidade não pode ser sinônimo
de malabarismo ou malandragem defensiva. Nesse sentido, ilustrativamente, no
filme “O Poder e A Lei” o protagonista Michael Haller é um reconhecido advogado
criminalista. Em determinado momento, quando encontra o investigador do caso no
qual atua, Haller afirma: “uma vez eu tive um cliente que decapitou a ex-mulher
e guardou a cabeça dela na geladeira. O promotor foi ganancioso, juntando dois
casos que não foram resolvidos. Falsificaram provas como se em tais casos
também tivesse sido meu cliente. ”, revoltado com a narrativa, o investigador
pergunta: “mas então você o salvou e ele está livre agora?”, no que fora
respondido “a culpa é do promotor e da polícia que o ajudou. Isso se chama
justiça. Não é assim que deve funcionar”. É esse o ponto, não é o réu, através
da voz de sua defesa, que deve se resignar. Essa não é a função da defesa.
Muito antes pelo contrário, é ínsita ao papel do defensor a característica da
irresignação. Por outro lado, é exigível do Ministério Público e do
Judiciário o mais absoluto respeito ao devido processo legal, valor que quando
desrespeitado deve ensejar a nulidade, responsabilidade não de quem denuncia a
ilegalidade, mas de quem a comete ou legitima. (FURMAN, Brad. O Poder e A Lei.
[Filme] Nova Iorque, EUA: Lionsgate, Sony Pictures, 2011)
<https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas
2011_25_capSumula316.pdf>. Acesso em: 22/10/2016.)
Nota 252, página
74: Como ressalta Geraldo Prado: “a perspectiva histórica há de por acento no
fato de o Ministério Público ter nascido, com a sua conformação próxima à
atual, como fruto do processo de revisão crítica do exercício do poder,
provocada pela Revolução Francesa, objetivando desempenhar decisivo papel na
persecução penal, mas inserido em um projeto orgânico de vigência real do
conjunto de garantias indispensáveis à dignidade da pessoa humana
(PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis
penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. P. 127)
Nota 257, página
76: Em pensamento semelhante, Aury Lopes Júnior consigna que “Excepcionalmente,
quando a violação de princípio constitucional afetar gravemente ao acusador,
estará legitimado o ministério público a pleitear o reconhecimento
judicial da invalidade” (LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua
conformidade constitucional. v. II., Rio de Janeiro: 2009. P. 394)
Nota 264, página
79: Ibid. P. 7.
Disponível
em:
<http://www.conjur.com.br/2016-jan-29/limite-penal-lei-132452016-nao-acabou-carater-carater-inquisitorio-investigacao>.
Acesso em 09/10/16).