Título: Principais Abordagens de Ensino na Educação de Surdos

Autor: Débora Guedes Leandro de Jesus, Denise de Barros Capuzzo

Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

Adaptado por: Thiago Augusto.

Revisado por: Rafaela Macena.

Adaptado em: Abril de 2025.

Padrão vigente a partir de março de 2022.

 

Referência: JESUS, Débora Guedes Leandro de; CAPUZZO, Denise de Barros. Principais Abordagens de ensino na educação de surdos. Mosaico: Revista Multidisciplinar de Humanidades, Vassouras, v. 14, n. 1, p. 81-88, jan./ abr. 2023.

 


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Principais Abordagens de Ensino na Educação de Surdos

 

Main Teaching Approaches in Deaf Education

 

Débora Guedes Leandro de Jesus, Denise de Barros Capuzzo

 

Resumo

 

O presente estudo tem a finalidade de aprimorar o conhecimento sobre as principais abordagens de ensino na educação de surdos [nota dispersa 1]. Para isso foi realizada pesquisa bibliográfica, apresentando o resumo de técnicas didáticas pedagógicas já experienciadas com alunos surdos. Os resultados indicam que a educação de surdos é objeto de estudo há séculos, de maneira que é possível apontar diversas abordagens pedagógicas elencadas no contexto histórico. Sendo estas: o ensino por meio de sinais, experimentado por Abade de L'Epee (em 1760) que promoveu aos surdos o aprendizado de conteúdos escolares e se tornou referência mundial na escolarização dos mesmos; o oralismo implantado obrigatoriamente a partir de 1880, propondo a reabilitação de alunos surdos estritamente por meio da fala, tendo como consequência a exclusão social e rebaixamento no desenvolvimento cognitivo do aluno; a comunicação total que utilizou diversos meios para a comunicabilidade, porém se mostrou insuficiente para a aprendizagem dos surdos, devido a ausência de estruturação lógica que limitou o desenvolvimento intelectual do educando; o bilinguismo, que propõe um ensino baseado na língua de sinais e secundariamente ensina a língua oficial do país, permitindo assim a organização cognitiva do educando; foi apresentada também a pedagogia surda que defende um ensino exclusivamente desenvolvido por professores surdos, valoriza a cultura visual, mas, pouco submete os alunos surdos a língua majoritária de seu país. O trabalho em pauta possibilita uma visão panorâmica e a análise de meios que contribuem na educação de alunos surdos.

Palavras-chave: Surdez; Ensino; Educação.

 

Abstract

The present study aims to improve knowledge about the main teaching approaches in the education of the deaf. For this, a bibliographical was conducted, presenting the summary of didactic pedagogical techniques already experienced with deaf students. The results indicate that the education of the deaf has been an object of study for centuries, so that it is possible to point out several pedagogical approaches listed in the historical context. These being: teaching through signs, experimented by Abade de L’Epee (in 1760) who promoted the learning of school contents to the deaf and became a world reference in their schooling; the oralism implemented obligatorily from 1880 onwards, proposing the rehabilitation of deaf students strictly through speech, resulting in social exclusion and lowering of the student’s cognitive development; total communication that used different means for communicability, but proved insufficient for the learning of the deaf, due to the absence of logical structure that limited the student’s intellectual development; bilingualism, which proposes a teaching based on sign language and secondarily teaching the official language of the country, thus allowing the cognitive organization of the student; deaf pedagogy was also presented, which advocates teaching exclusively developed by deaf teachers, values visual culture, but does not subject deaf students to the majority language of their country. The work in question provides a panoramic view and analysis of means that contribute to the education of deaf students.

Keywords: Deafness; Teaching; Education.

 

Introdução

 

A comunidade Surda Brasileira conquistou importante de direito em 2002, com a promulgação da Lei de Libras 10.436/02 (BRASIL, 2002), que reconheceu a referida língua como oficial para tais sujeitos, assegurando-lhes o acesso ao ensino que utilize sua língua materna. Em 2020, foi publicado o Decreto 10.502 (BRASIL, 2020) que instituiu a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida; esta prevê a promoção de um ensino de excelência a todos os educandos em todas as etapas, níveis e modalidades de educação.


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Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo (STROBEL, 2008, p. 22).

 

A cultura da comunidade surda no Brasil apresenta características distintas da cultura predominantemente na sociedade majoritária. É sabido que o ensino eficaz, precisa considerar a pluralidade e a diversidade presente nas escolas, com vistas às limitações específicas de cada estudante, que geram necessidades educacionais específicas, exigindo um atendimento a partir das suas particularidades.

A língua de sinais é o instrumento da mentalidade da pessoa surda, pois ela pensa e se comunica apenas por este meio, recebe as informações e assim constrói conceitos e ideias. A língua de sinais precede qualquer outro tipo de linguagem, norteando o pensamento e permitindo ao surdo aprender as palavras e a ideia de linguagem (KRUSE,1853).

Diante da realidade que se apresenta é inegável o desafio no atendimento educacional da pessoa surda, que se efetiva em um ambiente escolar com comunicação predominantemente oral, com exposição de conteúdo baseado na língua falada. No ambiente educacional é imprescindível assegurar o direito da pessoa surda, com garantia de ensino equitativo, adequado as suas necessidades comunicacionais, lhe oportunizando condições para o desenvolvimento intelectual, subsequentemente reconhecendo-se como sujeito social.

Ante a necessidade vislumbrada na educação de surdos, o presente trabalho pretende levantar as principais abordagens de ensino já experienciadas com alunos surdos, considerando o contexto histórico educacional, desde o século XV à atualidade. Oportunizando o aprimoramento no conhecimento da temática abordada, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica, de maneira que apresentaremos resumo das abordagens de ensino levantadas que atenda o público-alvo.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, que permite a compreensão do objetivo proposto. Para Minayo (2003, p. 22) “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas”.

O estudo desenvolvido realizou consulta em obras literárias e documentos oficiais elencando as importantes produções, que fornecem dados relevantes para a investigação. Foram realizadas leituras de legislações, artigos, livros e produções científicas para compreensão da trajetória histórica inerente às abordagens de ensino na educação de surdos.

Analisadas as bibliografias, selecionamos conceitos que embasam o texto, complementando com contribuições que destacam pontos relevantes para o ensino da pessoa surda. Logo, foram discutidos os tipos de abordagens de ensino já experienciadas na educação de surdos, bem como as possibilidades de contribuição pedagógica das mesmas no processo de ensino aprendizagem.

 

Abordagens de ensino no atendimento da pessoa surda

 

O ensino destinado à pessoa surda, inicia sua trajetória no século XV, quando o monge Pedro Ponce de Leon se destaca, com a criação da primeira escola para surdos na Espanha, usando como método de ensino a datilologia[nota 1], escrita e oralização (STROBEL, 2009). Ainda segundo a autora, no século XVII Samuel Heinicke desenvolveu o Método Alemão conhecido como oralismo puro, fundando a primeira escola de surdos em Leipzig, com ensino baseado na abordagem que criara.


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Paralelamente, no século XVII, o Abade Charles Michel de L’Epée (1712-1789) fundou a primeira escola pública para surdos, o “Instituto para Jovens Surdos e Mudos de Paris”, com ensino desenvolvido por meio de sinais metódicos (STROBEL, 2009). Sequencialmente, outras abordagens de ensino à pessoa surda foram sendo estudadas e experimentadas, tais como a comunicação total, que se apresenta a partir das pesquisas de Stokoe em 1960; o bilinguismo que foi manifesto em meados de 1980 (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006) e, após, a Pedagogia Surda que se apresenta como discussão atual, abordada por pesquisadores pós-modernos, como Skliar (1999 apud REBOUÇAS, 2019).

 

Língua de sinais

 

Em 1760 o Abade de L’Epée se aproximou dos surdos com o objetivo de instrui-los espiritualmente; porém ao conhecer a língua de sinais L'Epée passou a ensiná-los quanto a fé e também com conteúdos escolares (ZIESMANN, 2017). Sacks (1998, p. 30) afirma: “associando sinais a figuras e palavras escritas, o Abade ensinou-os a ler; e com isso, de um golpe, deu-lhes o acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo”.

Em 1771 o Abade de L'Epee fundou a “Instituição Nacional de Surdos Mudos” e encheu-a com crianças surdas que ele mesmo recolheu na cidade. No percurso de seu trabalho percebeu que também podia ensinar aos seus alunos conteúdos escolares e passou a oferecer formação em francês escrito e outras matérias do conhecimento (CARVALHO, 2012). O sucesso no ensino ultrapassou as barreiras continentais, visto que outros países aderiram a essa forma de abordagem para educação de surdos.

O método de ensino desenvolvido pelo Abade explora a visão do surdo como principal meio para a comunicação, de maneira que foi um educador pioneiro ao perceber que a comunicação por sinal é natural à pessoa surda, assim como a fala é natural ao ouvinte (COSTA, 2010). Certamente ao aceitar e usar os sinais em sua abordagem de ensino, fez com que os surdos aderissem à sua pedagogia.

Naturalmente a língua de sinais é o sistema de comunicação utilizado nas comunidades surdas, por pessoas impossibilitadas de audição e filhos de surdos. Quadros (1997, p. 47) afirma que, “as línguas de sinais é um sistema linguístico que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivam das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral”, de maneira que por necessidade utilizam o canal espaço-visual para se comunicarem.

O professor Willian Stokoe (1960) publicou o primeiro estudo sobre a língua de sinais. A partir de pesquisa desenvolvida com a American Sign Language[nota 2] (ASL), demonstrou que a comunicação por sinais possui princípios gerais comuns, comparada a todas as línguas. De forma que, identificou e descreveu três parâmetros para a língua de sinais - posição; configuração e movimento da mão.

A partir dos estudos de Stokoe (1960) a pesquisa sobre a estrutura da língua de sinais foi intensificada nos diversos países, alcançando significativa evolução quanto a organização gramatical. Brito (2010) afirma que a descrição da Língua Brasileira de Sinais aborda aspectos de vários níveis linguísticos, podendo ser classificados como: fonológico, morfológico, semântico e pragmático.

Conforme Quadros (1997, p. 49) “o fato de as línguas de sinais utilizarem outra modalidade não altera o processamento da informação gramatical, confirmando que tais línguas são sistemas linguísticos verdadeiros”. Logo, é possível compreender que para a construção da identidade surda, o aprendizado da língua de sinais é requisito e precisa ocorrer o mais precoce possível.

Segundo Harrison (2000) a língua de sinais fornece para a criança surda a oportunidade de acesso à aquisição da linguagem, do conhecimento do mundo e de si mesma. Decerto é o ponto de partida para a construção do sujeito enquanto ser social, pois é por meio da língua que se constrói os pensamentos, as compreensões, desenvolvendo a capacidade de formar opiniões pessoais e convicções necessárias para a


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busca de direitos.

A importância do aprendizado da língua de sinais na vida da pessoa surda, sem dúvida, reflete diretamente no contexto educacional. O referido meio de comunicação precisa ser a base para o processo de ensino aprendizado, que respeite e valorize a cultura da comunidade surda. “A falta de domínio de uma língua comum entre surdos e ouvintes dificulta, e até mesmo, impede a interação, a comunicação e a própria construção do conhecimento” (DEUS, 2011, p. 10).

 

Oralismo

 

Segundo Capovilla e Raphael (2006), no século XVIII, dois métodos de ensino para surdos ganharam força, o que fora criado pelo Abade de L'Epée na França, propondo o ensino por meio de sinais; e o outro que se baseia no oralismo puro, criado por Heinicke, na Alemanha. Ante as duas metodologias totalmente opostas, surge o debate sobre a técnica mais adequada para o ensino da pessoa surda.

A filosofia oralista, defende a necessidade de superação da deficiência gerada pela surdez, e a reabilitação por meio da equiparação ao mundo ouvinte. Esta abordagem de ensino “objetivava levar o surdo a falar e a desenvolver competência linguística oral, o que permitiria desenvolver-se emocional, social e cognitivamente do modo mais normal possível, integrando-se como um membro produtivo ao mundo dos ouvintes” (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006, p. 1481).

Segundo Goldfeld (1997) o oralismo tem como foco a reabilitação do surdo, no entendimento de que o normal é a não surdez. Com base em tal ideologia, a discussão se intensifica mundialmente, com o tema sendo abordado no Congresso Internacional de Educadores de Surdos em Milão, que aconteceu em 1880, ficando estabelecida a obrigatoriedade do método oralista para educação de surdos, no ensino universal (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006).

 

Como resultado foi observado um rebaixamento significativo no desenvolvimento cognitivo dos surdos. Infelizmente, no entanto, em vez de ser percebido como consequência do método, tal rebaixamento passou a ser usado como prova da importância da linguagem oral para o desenvolvimento cognitivo dos surdos (CAPOVILLA, 2000, p. 102).

 

O oralismo perdurou como imposição na educação da pessoa surda por 80 anos. Ante aos resultados dessa determinação, foi possível perceber sérias consequências, o que comprometeu o bom desenvolvimento educacional e social desse sujeito. Trate-se de um período de extrema dificuldade para a comunidade surda, uma vez que não foi ouvida, nem atendida em suas necessidades.

 

Comunicação Total

 

Na década de 1970 surge a abordagem de ensino Comunicação Total, objetivando resgatar o sujeito surdo da segregação social decorrente da imposição do oralismo. Essa filosofia educacional defende a prática de diversos recursos para a comunicação, tais como, língua de sinais; leitura orofacial; utilização de aparelhos de amplificação sonora; alfabeto digital; entre outros.

 

A comunicação total, língua falada sinalizada, compreendida como aquela que busca todos os meios (mímica, pantomima, leitura labial e sinais) para o desenvolvimento da linguagem, tornando a língua falada mais compreensível ao surdo e auxiliando em seu letramento se tornou no início dos anos de 1970 o método de excelência a ser adotado na educação para surdos (SOUTO, 2017, p. 2273).

 

Segundo Behares (2000) o método da comunicação total, propõe estabelecer relação direta com a criança surda, por meio de todos os recursos imagináveis e possíveis. Logo, a referida filosofia, tem


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propósito comunicacional, visando a integração social do sujeito surdo, evitando o isolamento, a exclusão e a segregação do indivíduo, utilizando-se de todas as possibilidades, para o sucesso na comunicabilidade.

De acordo com Capovilla (2000, p. 109) a Comunicação Total foi considerada “uma amostra linguística incompleta e inconsistente, em que nem os sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos plenamente por si sós”. De maneira que fica evidente o insucesso educacional nesta abordagem de ensino para pessoas surdas, comprometendo seu desenvolvimento intelectual necessário.

 

Bilinguismo

 

O ensino bilíngue destinado à pessoa surda, propõe uma educação pautada na língua de sinais, estendendo para o aprendizado da segunda língua, sendo a oficial de seu país. Esta forma de abordagem educacional valoriza e utiliza a cultura linguística própria do sujeito surdo, objetivando estabelecer um processo de ensino aprendizagem que desenvolva o aluno a partir de sua realidade cultural.

De acordo com Skliar (1997/2004) o desenvolvimento das crianças surdas exige o reconhecimento de sua condição bicultural; assim, elas devem crescer bilíngues, tendo como primeira a língua de sinais e como segunda língua a oficial de seu país, na modalidade escrita. Logo, é preciso considerar a importância do ambiente bilíngue, para o desenvolvimento do aluno surdo.

Vigotsky (2000) explica o processo de funcionamento da linguagem exterior como um processo de transformação do pensamento em palavras; é a materialização do pensamento. Logo, não é possível exigir que a pessoa surda se expresse por um único meio totalmente diferente de sua cultura, de sua língua materna. Esta linguagem naturalmente adquirida é advinda de uma cultura pautada na necessidade de sua especificidade, explorada visualmente, não por escolha, mas por carência.

Segundo Ziesmann (2017, p. 104):

 

Em relação ao sujeito surdo, é necessário que se compreenda que ele passa por um processo de aprendizagem diferenciado do sujeito ouvinte, pois o surdo precisa aprender a ter domínio do conhecimento, primeiramente com a Língua de Sinais para, depois, se apropriar do conhecimento da Língua Portuguesa. Esse processo de aprendizagem em que priorizamos o ensino da Libras e depois escrita, é chamado de letramento surdo, no contexto da educação bilíngue.

 

Considerando que o letramento busca desenvolver a capacidade de leitura nas práticas sociais, percebendo os significados, com habilidades para interação, é indispensável à pessoa surda uma educação que o reconheça em sua especificidade. Segundo Peixoto (2006, p. 206) “reconhecer, portanto, a condição bilíngue do surdo implica aceitar que ele transita entre essas duas línguas e, mais do que isso, que ele se constitui e se forma a partir delas”.

 

Pedagogia Surda

 

A abordagem de ensino baseada na Pedagogia Surda, tem como proposta o ensino para alunos surdos com professores surdos, pois acredita que dessa forma manterá a essência da própria cultura no processo de ensino aprendizagem. É um debate atual, que defende a contribuição para a construção do sujeito surdo, mediante a harmonia comunicacional com professores que tem a mesma especificidade, comungando dos mesmos anseios e barreiras sociais enfrentadas, tendo o docente como um exemplo de superação, que se torna um modelo a ser seguido.

Segundo Rebouças (2019, p. 4) o termo Pedagogia Surda é abordada por Skliar (em 1999), sendo um dos primeiros autores a utilizar esse termo; ainda afirma que “as identidades, a língua sinalizada, a


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história, as tradições, os valores e traços culturais, enfim, todo lineamentos que perpetra dos surdos um povo, uma nação, é o centro dos pensamentos”.

Para Vilhalva (2004, p. 3) a Pedagogia Surda considera o desenvolvimento natural da pessoa surda, valorizando sua identidade no uso da língua de sinais; descarta a necessidade de qualquer intervenção oral. Acredita que é possível promover o desenvolvimento do sujeito por meio da contação de “histórias em Libras e passadas por surdos sinalizadores mais velhos”; defende “os hábitos que fazem a formação visuo-espacial, tudo que pertence a Cultura Surda transmitida pela Língua de Sinais”.

É possível compreender que, nesta abordagem de ensino, acredita-se que quando as barreiras na comunicação são suprimidas, há maior possibilidades de aprendizagem. De forma que a utilização estrita da cultura surda no ensino, possibilitará alcançar o desenvolvimento pleno da pessoa com surdez.

Segundo Rangel e Stumpf (2010, p. 87):

 

Quando o professor e o aluno utilizam a mesma língua, no caso a língua de sinais, a comunicação deixa de ser um problema. Quando ambos são surdos, os interesses e a visão de mundo passam a ser os mesmos. A fluidez de comunicação possibilita as mais variadas trocas.

 

Segundo Campello (2007) o uso intenso da visualidade na educação dos surdos é essencial; ainda defende a Pedagogia Visual, descrevendo-a no uso da língua de sinais e elementos da cultura surda, tais como: contação de história; jogos educativos; envolvimento da cultura artística e visual; desenvolvimento da criatividade plástica visual e infantil; utilização da escrita de sinais Sign Writing. Ou seja, este autor, aponta para uma Pedagogia Prática baseada em experiências visuais, indicando que ao desenvolvimento intelectual do aluno surdo, é indispensável preservar a essência de sua cultura.

 

Considerações finais

 

Considerando o resultado da pesquisa bibliográfica, é possível apontar as principais abordagens de ensino na educação de surdos, desde o século XVII até a atualidade, sendo estas: o ensino por meio de sinais; o oralismo; a comunicação total; o bilinguismo e a Pedagogia Surda. Notadamente, cada técnica pedagógica apresentou impacto no ensino de alunos surdos, proporcionando diferentes resultados no desenvolvimento do educando com a especificidade abordada.

A abordagem de ensino experimentada pelo Abade de L'Epeeo, o qual acreditou que era possível escolarizar os surdos por meio de sinais, demonstrou a importância de valorizar o principal meio de comunicação destes, o canal visual. Esse tipo de ensino não somente possibilitou o aprendizado da pessoa surda, como se tornou referência na educação, sendo aderido por diversas escolas, em diversos países.

Teoricamente, a eficiência no uso de sinais para o ensino de surdos foi atestada a partir dos estudos de Stokoe (1960), que descreveu parâmetros para estruturação gramatical da língua visual. Sequencialmente, outros estudiosos anteriormente citados, como Quadros (1997), Harrison (2000), se dedicaram ao estudo da língua de sinais, reforçando a eficiência e importância de utilizá-la para o ensino de pessoas surdas.

Entre as abordagens de ensino já experienciadas na educação dos surdos, o oralismo foi imposto obrigatoriamente em 1880, desconsiderando as limitações e especificidades desse tipo de aluno. Vale ressaltar, as consequências desastrosas advindas da imposição do ensino oralista; com base na pesquisa bibliográfica é possível apontar o rebaixamento significativo no desenvolvimento cognitivo dos surdos; segregação social; prática de ensino excludente; e outras.

Certamente, o resultado percebido na abordagem de ensino oralista prejudica o processo educacional. Assim, é possível compreender que o período de obrigatoriedade do oralismo, pode ser


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interpretado como um tempo de opressão e regressão, sem precedentes na educação dos surdos. Reforça a importância de valorizar a comunicação visual usada na comunidade surda.

Objetivando a retomada no desenvolvimento social e emocional dos alunos surdos, a comunicação total surge com empenho para o resgate da pessoa surda, em um cenário de exclusão social. Trata-se de uma abordagem de ensino que permite a utilização de diversos recursos na comunicação, sem organização ou estruturação lógica, o que certamente limita o desenvolvimento intelectual do educando.

Sem dúvidas, a comunicação total contribuiu para a promoção da inclusão social, no respeito e valorização da pessoa surda; mas se tratando de desenvolvimento acadêmico, essa abordagem de ensino é apresentada por estudiosos como Capovilla (2000) como ineficaz, o que conduz o processo de ensino aprendizagem a resultados insuficientes.

O bilinguismo, proporciona um ensino a partir do uso da língua de sinais, se estendendo ao ensino da segunda língua que deve ser a oficial do país em que o sujeito está inserido. Desta maneira, respeita e valoriza a cultura própria da comunidade surda, promovendo o desenvolvimento intelectual tanto na língua de sinais, quando na língua usual da sociedade majoritária, permitindo também a organização cognitiva do sujeito.

Indubitavelmente, o ensino pautado em uma abordagem que define meios de comunicação, permite a organização necessária para o processo educacional adequado, com maior possibilidade e capacidade para alcançar o sucesso na aprendizagem. Assim sendo, é fundamental que as escolas tenham a condição de proporcionar ambientes bilíngues para a inclusão efetiva dos alunos surdos.

A Pedagogia Surda é uma proposta recente que necessita ser explorada, debatida e experimentada, vislumbrando os possíveis resultados na vida de pessoas surdas. Ao que se percebe, respeita a cultura da comunidade surda, mas, pouco submete os mesmos a língua majoritária de seu país. Não promove o aprendizado da língua oficial usada no meio em que vive e, consequentemente, não o prepara para inserção social. Despreza a importância da interação com os ouvintes, o que provavelmente prejudicará o desenvolvimento social de alunos surdos.

A alusiva pesquisa apresentou as principais abordagens de ensino à pessoa surda de maneira que possibilita o aprimoramento no conhecimento da temática proposta, bem como contribui com a educação de alunos surdos. Conclusivamente, esse tipo de ensino é objeto de estudo há séculos, o que permite uma visão panorâmica de métodos que já foram experimentados, bem como a reflexão sobre os resultados observados e apontados por estudiosos indicados no presente trabalho, oportunizando a análise dos meios que contribuem para o aprendizado de alunos surdos.

 

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Páginas notas de rodapé

 

Nota dispersa 1, página 81: Nota da Editora. Os artigos publicados na Revista Mosaico são de responsabilidade de seus autores. As informações neles contidas, bem como as opiniões emitidas, não representam pontos de vista da Universidade de Vassouras ou de suas Revistas.

RETORNO NOTA DISPERSA 1, PÁGINA 81

 

Nota 1, página 82: Datilologia é um sistema de representação simbólica, das letras dos alfabetos das línguas orais, executada manualmente por meio das mãos.

RETORNO NOTA 1, PAGINA 82

 

Nota 2, página 83: American Sign Language: língua de sinais americana, através da qual a comunidade surda nos Estados Unidos se comunica.

RETORNO NOTA 2 PÁGINA 83