Título: Principais Abordagens de Ensino
na Educação de Surdos
Autor: Débora Guedes Leandro de Jesus,
Denise de Barros Capuzzo
Este material foi
adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser
reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado por: Thiago
Augusto.
Revisado por: Rafaela
Macena.
Adaptado em: Abril de 2025.
Padrão vigente a
partir de março de 2022.
Referência: JESUS,
Débora Guedes Leandro de; CAPUZZO, Denise de Barros. Principais Abordagens de
ensino na educação de surdos. Mosaico: Revista Multidisciplinar de Humanidades, Vassouras, v. 14, n. 1,
p. 81-88, jan./ abr. 2023.
P. 81
Main Teaching Approaches in Deaf Education
Débora Guedes Leandro de Jesus,
Denise de Barros Capuzzo
Resumo
O presente estudo tem a finalidade de aprimorar o
conhecimento sobre as principais abordagens de ensino na educação de surdos [nota
dispersa 1]. Para isso foi realizada pesquisa bibliográfica,
apresentando o resumo de técnicas didáticas pedagógicas já experienciadas
com alunos surdos. Os resultados indicam que a educação de surdos é objeto de
estudo há séculos, de maneira que é possível apontar diversas abordagens
pedagógicas elencadas no contexto histórico. Sendo estas: o ensino por meio de
sinais, experimentado por Abade de L'Epee (em 1760)
que promoveu aos surdos o aprendizado de conteúdos escolares e se tornou
referência mundial na escolarização dos mesmos; o oralismo
implantado obrigatoriamente a partir de 1880, propondo a reabilitação de alunos
surdos estritamente por meio da fala, tendo como consequência a exclusão social
e rebaixamento no desenvolvimento cognitivo do aluno; a comunicação total que
utilizou diversos meios para a comunicabilidade, porém se mostrou insuficiente
para a aprendizagem dos surdos, devido a ausência de
estruturação lógica que limitou o desenvolvimento intelectual do educando; o
bilinguismo, que propõe um ensino baseado na língua de sinais e secundariamente
ensina a língua oficial do país, permitindo assim a organização cognitiva do educando; foi apresentada também a pedagogia surda que
defende um ensino exclusivamente desenvolvido por professores surdos, valoriza
a cultura visual, mas, pouco submete os alunos surdos a língua majoritária de
seu país. O trabalho em pauta possibilita uma visão panorâmica e a análise de
meios que contribuem na educação de alunos surdos.
Palavras-chave:
Surdez; Ensino; Educação.
Abstract
The present study aims to
improve knowledge about the main teaching
approaches in the education
of the deaf.
For this, a bibliographical
was conducted, presenting the summary of didactic
pedagogical techniques already experienced with deaf students.
The results indicate that the education
of the deaf
has been an object of
study for centuries, so that it is
possible to point out several pedagogical approaches listed in the historical
context. These being: teaching through signs, experimented by Abade de L’Epee (in 1760) who promoted the learning
of school contents to the
deaf and became a world reference in their schooling; the oralism implemented
obligatorily from 1880 onwards, proposing the rehabilitation of deaf students
strictly through speech, resulting in social exclusion and lowering of
the student’s cognitive development; total
communication that used different means for communicability, but proved insufficient for the learning of
the deaf, due to the
absence of logical structure that limited the
student’s intellectual development; bilingualism, which proposes a teaching based on sign language
and secondarily teaching the official
language of the country, thus allowing the cognitive
organization of the student; deaf
pedagogy was also presented, which advocates teaching exclusively developed by deaf
teachers, values visual culture, but does not subject deaf
students to the majority language
of their country. The work in question provides a panoramic view and analysis
of means that contribute to the education
of deaf students.
Keywords: Deafness;
Teaching; Education.
A comunidade Surda
Brasileira conquistou importante de direito em 2002, com a promulgação da Lei
de Libras 10.436/02 (BRASIL, 2002), que reconheceu a referida língua como
oficial para tais sujeitos, assegurando-lhes o acesso ao ensino que utilize sua
língua materna. Em 2020, foi publicado o Decreto 10.502 (BRASIL, 2020) que
instituiu a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com
aprendizado ao longo da vida; esta prevê a promoção de um ensino de excelência
a todos os educandos em todas as etapas, níveis e modalidades de educação.
P. 82
Cultura surda é o
jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo
acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das
comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças,
os costumes e os hábitos do povo surdo (STROBEL, 2008, p. 22).
A cultura da comunidade
surda no Brasil apresenta características distintas da cultura
predominantemente na sociedade majoritária. É sabido que o ensino eficaz,
precisa considerar a pluralidade e a diversidade presente nas escolas, com
vistas às limitações específicas de cada estudante, que geram necessidades
educacionais específicas, exigindo um atendimento a partir das suas
particularidades.
A língua de sinais é o
instrumento da mentalidade da pessoa surda, pois ela pensa e se comunica apenas
por este meio, recebe as informações e assim constrói conceitos e ideias. A
língua de sinais precede qualquer outro tipo de linguagem, norteando o
pensamento e permitindo ao surdo aprender as palavras e a ideia de linguagem
(KRUSE,1853).
Diante da realidade que se
apresenta é inegável o desafio no atendimento educacional da pessoa surda, que
se efetiva em um ambiente escolar com comunicação predominantemente oral, com
exposição de conteúdo baseado na língua falada. No ambiente educacional é
imprescindível assegurar o direito da pessoa surda, com garantia de ensino
equitativo, adequado as suas necessidades comunicacionais, lhe oportunizando
condições para o desenvolvimento intelectual, subsequentemente reconhecendo-se
como sujeito social.
Ante a necessidade
vislumbrada na educação de surdos, o presente trabalho pretende levantar as
principais abordagens de ensino já experienciadas com
alunos surdos, considerando o contexto histórico educacional, desde o século XV
à atualidade. Oportunizando o aprimoramento no conhecimento da temática
abordada, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica, de maneira que
apresentaremos resumo das abordagens de ensino levantadas que atenda o
público-alvo.
Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica com abordagem qualitativa, que permite a compreensão do objetivo
proposto. Para Minayo (2003, p. 22) “a abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas”.
O estudo desenvolvido
realizou consulta em obras literárias e documentos oficiais elencando as
importantes produções, que fornecem dados relevantes para a investigação. Foram
realizadas leituras de legislações, artigos, livros e produções científicas
para compreensão da trajetória histórica inerente às abordagens de ensino na
educação de surdos.
Analisadas as
bibliografias, selecionamos conceitos que embasam o texto, complementando com
contribuições que destacam pontos relevantes para o ensino da pessoa surda.
Logo, foram discutidos os tipos de abordagens de ensino já experienciadas
na educação de surdos, bem como as possibilidades de contribuição pedagógica
das mesmas no processo de ensino aprendizagem.
O ensino destinado à pessoa
surda, inicia sua trajetória no século XV, quando o monge Pedro Ponce de Leon
se destaca, com a criação da primeira escola para surdos na Espanha, usando
como método de ensino a datilologia[nota
1],
escrita e oralização (STROBEL, 2009). Ainda segundo a
autora, no século XVII Samuel Heinicke desenvolveu o
Método Alemão conhecido como oralismo puro, fundando
a primeira escola de surdos em Leipzig, com ensino baseado na abordagem que criara.
P. 83
Paralelamente, no século
XVII, o Abade Charles Michel de L’Epée (1712-1789)
fundou a primeira escola pública para surdos, o “Instituto para Jovens Surdos e
Mudos de Paris”, com ensino desenvolvido por meio de sinais metódicos (STROBEL,
2009). Sequencialmente, outras abordagens de ensino à pessoa surda foram sendo
estudadas e experimentadas, tais como a comunicação total, que se apresenta a
partir das pesquisas de Stokoe em 1960; o bilinguismo
que foi manifesto em meados de 1980 (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006) e, após, a
Pedagogia Surda que se apresenta como discussão atual, abordada por
pesquisadores pós-modernos, como Skliar (1999 apud
REBOUÇAS, 2019).
Em 1760 o Abade de L’Epée se aproximou dos surdos com o objetivo de
instrui-los espiritualmente; porém ao conhecer a língua de sinais L'Epée passou a ensiná-los quanto a fé e também com conteúdos escolares (ZIESMANN, 2017). Sacks
(1998, p. 30) afirma: “associando sinais a figuras e palavras escritas, o Abade
ensinou-os a ler; e com isso, de um golpe, deu-lhes o acesso aos conhecimentos
e à cultura do mundo”.
Em 1771 o Abade de L'Epee fundou a “Instituição Nacional de Surdos Mudos” e
encheu-a com crianças surdas que ele mesmo recolheu na cidade. No percurso de
seu trabalho percebeu que também podia ensinar aos seus alunos conteúdos
escolares e passou a oferecer formação em francês escrito e outras matérias do
conhecimento (CARVALHO, 2012). O sucesso no ensino ultrapassou as barreiras
continentais, visto que outros países aderiram a essa forma de abordagem para
educação de surdos.
O método de ensino
desenvolvido pelo Abade explora a visão do surdo como principal meio para a
comunicação, de maneira que foi um educador pioneiro ao perceber que a
comunicação por sinal é natural à pessoa surda, assim como a fala é natural ao
ouvinte (COSTA, 2010). Certamente ao aceitar e usar os sinais em sua abordagem
de ensino, fez com que os surdos aderissem à sua pedagogia.
Naturalmente a língua de
sinais é o sistema de comunicação utilizado nas comunidades surdas, por pessoas
impossibilitadas de audição e filhos de surdos. Quadros (1997, p. 47) afirma
que, “as línguas de sinais é um sistema linguístico que passaram de geração em
geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivam das línguas orais, mas
fluíram de uma necessidade natural entre pessoas que não utilizam o canal
auditivo-oral”, de maneira que por necessidade utilizam o canal espaço-visual
para se comunicarem.
O professor Willian Stokoe (1960) publicou o primeiro estudo sobre a língua de
sinais. A partir de pesquisa desenvolvida com a American Sign
Language[nota
2] (ASL), demonstrou que a
comunicação por sinais possui princípios gerais comuns, comparada a todas as
línguas. De forma que, identificou e descreveu três parâmetros para a língua de
sinais - posição; configuração e movimento da mão.
A partir dos estudos de Stokoe (1960) a pesquisa sobre a estrutura da língua de
sinais foi intensificada nos diversos países, alcançando significativa evolução
quanto a organização gramatical. Brito (2010) afirma que a descrição da Língua
Brasileira de Sinais aborda aspectos de vários níveis linguísticos, podendo ser
classificados como: fonológico, morfológico, semântico e pragmático.
Conforme Quadros (1997, p.
49) “o fato de as línguas de sinais utilizarem outra modalidade não altera o
processamento da informação gramatical, confirmando que tais línguas são
sistemas linguísticos verdadeiros”. Logo, é possível compreender que para a
construção da identidade surda, o aprendizado da língua de sinais é requisito e
precisa ocorrer o mais precoce possível.
Segundo Harrison (2000) a
língua de sinais fornece para a criança surda a oportunidade de acesso à
aquisição da linguagem, do conhecimento do mundo e de si mesma. Decerto é o
ponto de partida para a construção do sujeito enquanto ser social, pois é por
meio da língua que se constrói os pensamentos, as compreensões, desenvolvendo a
capacidade de formar opiniões pessoais e convicções necessárias para a
P. 84
busca
de direitos.
A importância do
aprendizado da língua de sinais na vida da pessoa surda, sem dúvida, reflete
diretamente no contexto educacional. O referido meio de comunicação precisa ser
a base para o processo de ensino aprendizado, que respeite e valorize a cultura
da comunidade surda. “A falta de domínio de uma língua comum entre surdos e
ouvintes dificulta, e até mesmo, impede a interação, a comunicação e a própria
construção do conhecimento” (DEUS, 2011, p. 10).
Segundo Capovilla
e Raphael (2006), no século XVIII, dois métodos de ensino para surdos ganharam
força, o que fora criado pelo Abade de L'Epée na
França, propondo o ensino por meio de sinais; e o outro que se baseia no oralismo puro, criado por Heinicke,
na Alemanha. Ante as duas metodologias totalmente opostas, surge o debate sobre
a técnica mais adequada para o ensino da pessoa surda.
A filosofia oralista, defende a necessidade de superação da deficiência
gerada pela surdez, e a reabilitação por meio da equiparação ao mundo ouvinte.
Esta abordagem de ensino “objetivava levar o surdo a falar e a desenvolver
competência linguística oral, o que permitiria desenvolver-se emocional, social
e cognitivamente do modo mais normal possível, integrando-se como um membro
produtivo ao mundo dos ouvintes” (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006, p. 1481).
Segundo Goldfeld
(1997) o oralismo tem como foco a reabilitação do
surdo, no entendimento de que o normal é a não surdez. Com base em tal
ideologia, a discussão se intensifica mundialmente, com o tema sendo abordado
no Congresso Internacional de Educadores de Surdos em Milão, que aconteceu em
1880, ficando estabelecida a obrigatoriedade do método oralista
para educação de surdos, no ensino universal (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006).
Como resultado foi
observado um rebaixamento significativo no desenvolvimento cognitivo dos
surdos. Infelizmente, no entanto, em vez de ser percebido como consequência do
método, tal rebaixamento passou a ser usado como prova da importância da
linguagem oral para o desenvolvimento cognitivo dos surdos (CAPOVILLA, 2000, p.
102).
O oralismo
perdurou como imposição na educação da pessoa surda por 80 anos. Ante aos
resultados dessa determinação, foi possível perceber sérias consequências, o
que comprometeu o bom desenvolvimento educacional e social desse sujeito.
Trate-se de um período de extrema dificuldade para a comunidade surda, uma vez
que não foi ouvida, nem atendida em suas necessidades.
Na década de 1970 surge a
abordagem de ensino Comunicação Total, objetivando resgatar o sujeito surdo da
segregação social decorrente da imposição do oralismo.
Essa filosofia educacional defende a prática de diversos recursos para a
comunicação, tais como, língua de sinais; leitura orofacial; utilização de
aparelhos de amplificação sonora; alfabeto digital; entre outros.
A comunicação
total, língua falada sinalizada, compreendida como aquela que busca todos os
meios (mímica, pantomima, leitura labial e sinais) para o desenvolvimento da
linguagem, tornando a língua falada mais compreensível ao surdo e auxiliando em
seu letramento se tornou no início dos anos de 1970 o método de excelência a
ser adotado na educação para surdos (SOUTO, 2017, p. 2273).
Segundo Behares
(2000) o método da comunicação total, propõe estabelecer relação direta com a
criança surda, por meio de todos os recursos imagináveis e possíveis. Logo, a
referida filosofia, tem
P. 85
propósito
comunicacional, visando a integração social do sujeito surdo, evitando o
isolamento, a exclusão e a segregação do indivíduo, utilizando-se de todas as
possibilidades, para o sucesso na comunicabilidade.
De acordo com Capovilla (2000, p. 109) a Comunicação Total foi
considerada “uma amostra linguística incompleta e inconsistente, em que nem os
sinais nem as palavras faladas podiam ser compreendidos plenamente por si sós”.
De maneira que fica evidente o insucesso educacional nesta abordagem de ensino
para pessoas surdas, comprometendo seu desenvolvimento intelectual necessário.
O ensino bilíngue destinado
à pessoa surda, propõe uma educação pautada na língua de sinais, estendendo
para o aprendizado da segunda língua, sendo a oficial de seu país. Esta forma
de abordagem educacional valoriza e utiliza a cultura linguística própria do
sujeito surdo, objetivando estabelecer um processo de ensino aprendizagem que
desenvolva o aluno a partir de sua realidade cultural.
De acordo com Skliar (1997/2004) o desenvolvimento das crianças surdas
exige o reconhecimento de sua condição bicultural;
assim, elas devem crescer bilíngues, tendo como primeira a língua de sinais e
como segunda língua a oficial de seu país, na modalidade escrita. Logo, é
preciso considerar a importância do ambiente bilíngue, para o desenvolvimento
do aluno surdo.
Vigotsky
(2000) explica o processo de funcionamento da linguagem exterior como um
processo de transformação do pensamento em palavras; é a materialização do
pensamento. Logo, não é possível exigir que a pessoa surda se expresse por um
único meio totalmente diferente de sua cultura, de sua língua materna. Esta
linguagem naturalmente adquirida é advinda de uma cultura pautada na
necessidade de sua especificidade, explorada visualmente, não por escolha, mas
por carência.
Segundo Ziesmann
(2017, p. 104):
Em relação ao
sujeito surdo, é necessário que se compreenda que ele passa por um processo de
aprendizagem diferenciado do sujeito ouvinte, pois o surdo precisa aprender a
ter domínio do conhecimento, primeiramente com a Língua de Sinais para, depois,
se apropriar do conhecimento da Língua Portuguesa. Esse processo de aprendizagem
em que priorizamos o ensino da Libras e depois escrita, é chamado de letramento
surdo, no contexto da educação bilíngue.
Considerando que o
letramento busca desenvolver a capacidade de leitura nas práticas sociais,
percebendo os significados, com habilidades para interação, é indispensável à
pessoa surda uma educação que o reconheça em sua especificidade. Segundo
Peixoto (2006, p. 206) “reconhecer, portanto, a condição bilíngue do surdo
implica aceitar que ele transita entre essas duas línguas e, mais do que isso,
que ele se constitui e se forma a partir delas”.
A abordagem de ensino
baseada na Pedagogia Surda, tem como proposta o ensino para alunos surdos com
professores surdos, pois acredita que dessa forma manterá a essência da própria
cultura no processo de ensino aprendizagem. É um debate atual, que defende a
contribuição para a construção do sujeito surdo, mediante a harmonia
comunicacional com professores que tem a mesma especificidade, comungando dos
mesmos anseios e barreiras sociais enfrentadas, tendo o docente como um exemplo
de superação, que se torna um modelo a ser seguido.
Segundo Rebouças (2019, p.
4) o termo Pedagogia Surda é abordada por Skliar (em 1999), sendo um dos primeiros autores a utilizar
esse termo; ainda afirma que “as identidades, a língua sinalizada, a
P. 86
história,
as tradições, os valores e traços culturais, enfim, todo lineamentos que
perpetra dos surdos um povo, uma nação, é o centro dos pensamentos”.
Para Vilhalva (2004, p. 3)
a Pedagogia Surda considera o desenvolvimento natural da pessoa surda,
valorizando sua identidade no uso da língua de sinais; descarta a necessidade
de qualquer intervenção oral. Acredita que é possível promover o
desenvolvimento do sujeito por meio da contação de
“histórias em Libras e passadas por surdos sinalizadores mais velhos”; defende
“os hábitos que fazem a formação visuo-espacial, tudo
que pertence a Cultura Surda transmitida pela Língua de Sinais”.
É possível compreender que,
nesta abordagem de ensino, acredita-se que quando as barreiras na comunicação
são suprimidas, há maior possibilidades de aprendizagem. De forma que a
utilização estrita da cultura surda no ensino, possibilitará alcançar o
desenvolvimento pleno da pessoa com surdez.
Segundo Rangel e Stumpf (2010, p. 87):
Quando o professor
e o aluno utilizam a mesma língua, no caso a língua de sinais, a comunicação
deixa de ser um problema. Quando ambos são surdos, os interesses e a visão de
mundo passam a ser os mesmos. A fluidez de comunicação possibilita as mais
variadas trocas.
Segundo Campello (2007) o
uso intenso da visualidade na educação dos surdos é essencial; ainda defende a
Pedagogia Visual, descrevendo-a no uso da língua de sinais e elementos da
cultura surda, tais como: contação de história; jogos
educativos; envolvimento da cultura artística e visual; desenvolvimento da
criatividade plástica visual e infantil; utilização da escrita de sinais Sign Writing. Ou seja, este
autor, aponta para uma Pedagogia Prática baseada em experiências visuais,
indicando que ao desenvolvimento intelectual do aluno surdo, é indispensável
preservar a essência de sua cultura.
Considerando o resultado da
pesquisa bibliográfica, é possível apontar as principais abordagens de ensino
na educação de surdos, desde o século XVII até a atualidade, sendo estas: o
ensino por meio de sinais; o oralismo; a comunicação
total; o bilinguismo e a Pedagogia Surda. Notadamente, cada técnica pedagógica
apresentou impacto no ensino de alunos surdos, proporcionando diferentes
resultados no desenvolvimento do educando com a especificidade abordada.
A abordagem de ensino
experimentada pelo Abade de L'Epeeo, o qual acreditou
que era possível escolarizar os surdos por meio de sinais, demonstrou a
importância de valorizar o principal meio de comunicação destes, o canal
visual. Esse tipo de ensino não somente possibilitou o aprendizado da pessoa
surda, como se tornou referência na educação, sendo aderido por diversas
escolas, em diversos países.
Teoricamente, a eficiência
no uso de sinais para o ensino de surdos foi atestada a partir dos estudos de Stokoe (1960), que descreveu parâmetros para estruturação
gramatical da língua visual. Sequencialmente, outros estudiosos anteriormente
citados, como Quadros (1997), Harrison (2000), se dedicaram ao estudo da língua
de sinais, reforçando a eficiência e importância de utilizá-la para o ensino de
pessoas surdas.
Entre as abordagens de
ensino já experienciadas na educação dos surdos, o oralismo foi imposto obrigatoriamente em 1880, desconsiderando
as limitações e especificidades desse tipo de aluno. Vale ressaltar, as
consequências desastrosas advindas da imposição do ensino oralista;
com base na pesquisa bibliográfica é possível apontar o rebaixamento
significativo no desenvolvimento cognitivo dos surdos; segregação social;
prática de ensino excludente; e outras.
Certamente, o resultado
percebido na abordagem de ensino oralista prejudica o
processo educacional. Assim, é possível compreender que o período de
obrigatoriedade do oralismo, pode ser
P. 87
interpretado
como um tempo de opressão e regressão, sem precedentes na educação dos surdos.
Reforça a importância de valorizar a comunicação visual usada na comunidade
surda.
Objetivando a retomada no
desenvolvimento social e emocional dos alunos surdos, a comunicação total surge
com empenho para o resgate da pessoa surda, em um cenário de exclusão social.
Trata-se de uma abordagem de ensino que permite a utilização de diversos
recursos na comunicação, sem organização ou estruturação lógica, o que certamente
limita o desenvolvimento intelectual do educando.
Sem dúvidas, a comunicação
total contribuiu para a promoção da inclusão social, no respeito e valorização
da pessoa surda; mas se tratando de desenvolvimento acadêmico, essa abordagem
de ensino é apresentada por estudiosos como Capovilla
(2000) como ineficaz, o que conduz o processo de ensino aprendizagem a
resultados insuficientes.
O bilinguismo, proporciona
um ensino a partir do uso da língua de sinais, se estendendo ao ensino da
segunda língua que deve ser a oficial do país em que o sujeito está inserido.
Desta maneira, respeita e valoriza a cultura própria da comunidade surda,
promovendo o desenvolvimento intelectual tanto na língua de sinais, quando na
língua usual da sociedade majoritária, permitindo também a organização
cognitiva do sujeito.
Indubitavelmente, o ensino
pautado em uma abordagem que define meios de comunicação, permite a organização
necessária para o processo educacional adequado, com maior possibilidade e
capacidade para alcançar o sucesso na aprendizagem. Assim sendo, é fundamental
que as escolas tenham a condição de proporcionar ambientes bilíngues para a
inclusão efetiva dos alunos surdos.
A Pedagogia Surda é uma
proposta recente que necessita ser explorada, debatida e experimentada,
vislumbrando os possíveis resultados na vida de pessoas surdas. Ao que se
percebe, respeita a cultura da comunidade surda, mas, pouco submete os mesmos a
língua majoritária de seu país. Não promove o aprendizado da língua oficial
usada no meio em que vive e, consequentemente, não o prepara para inserção
social. Despreza a importância da interação com os ouvintes, o que
provavelmente prejudicará o desenvolvimento social de alunos surdos.
A alusiva pesquisa
apresentou as principais abordagens de ensino à pessoa surda de maneira que
possibilita o aprimoramento no conhecimento da temática proposta, bem como
contribui com a educação de alunos surdos. Conclusivamente, esse tipo de ensino
é objeto de estudo há séculos, o que permite uma visão panorâmica de métodos
que já foram experimentados, bem como a reflexão sobre os resultados observados
e apontados por estudiosos indicados no presente trabalho, oportunizando a
análise dos meios que contribuem para o aprendizado de alunos surdos.
BEHARES, Luis Ernesto. Novas correntes na educação do surdo:
dos enfoques clínicos aos culturais. Santa Maria: UFSM, 2000.
BRASIL. Decreto
n. 10.502, de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional de
Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
Brasília, 2020. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10502.htm. Acesso em: ago. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Especial. Lei n. 10.436, de 24
de abril de 2002. Brasília, 2002.
BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática da língua de Sinais. 2. ed. Rio de janeiro: TB -
Edições Tempo Brasileiro, 2010.
CAMPELLO, Ana Regina e Souza. Pedagogia Visual /
Sinal na Educação dos Surdos. In: QUADROS, Ronice
Müller de; PERLIN Gladis (org.). Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007.
CAPOVILLA, Fernando César. Filosofias educacionais
em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total
ao bilinguismo. Revista Brasileira de
Educação Especial, v. 6, n. 1, p. 99-116, 2000. Disponível em:
https://abpee.
P. 88
net/pdf/artigos/art-6-6.pdf.
Acesso em: 07 dez. 2022.
CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Walkiria
Duarte. Dicionário enciclopédico
ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira: Vol. II: Sinais de M a
Z, 3. ed. São Paulo: Edusp, 2006.
CARVALHO, Paulo Vaz. O Abade de L'Epée no Século XXI. Escola
Superior de Educação de Coimbra, 2012.
COSTA. Juliana Pellegrinelli
Barbosa. A educação do surdo ontem e
hoje: posição sujeito e identidade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010.
DEUS, Maria de Lourdes Fonseca de. Surdez: linguagem, comunicação e
aprendizagem do aluno com surdez na sala de aula comum. 2011. Disponível em:
www.anapolis.go.gov.br/revistaanapolisdigital/wp.../Maria-de-Lourdes-Fonseca.pdf.
Acesso em: 07 ago. 2021.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio
interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.
HARRISON, Kathryn Marie
Pacheco. O momento do diagnóstico de
surdez e as possibilidades de encaminhamento. In: LACERDA, C.B.F.; NAKAMURA,
H.; LIMA, M.C. (Org.). Fonoaudiologia: surdez e abordagem bilíngüe.
São Paulo: Plexus, 2000. p. 114-122.
KRUSE, Otto. Uber
Taubstumme und Taubstummenanstalten Notizenausmeinem
Reisetagenbuch. Selbstverlag,
1853.
MINAYO, Marília Cecília de Souza (org). Pesquisa
social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
PEIXOTO, Renata Castelo. Algumas considerações
sobre a interface entre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a Língua
Portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Caderno Cedes, Campinas, v. 26, n. 69,
p. 205-229, 2006.
QUADROS, Ronice Muller
de. Educação de surdos: aquisição da
linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
RANGEL, Gisele Maciel Monteiro; STUMPF, Marianne
Rossi. A pedagogia da diferença para o surdo.
In: LODI, A. C. B.; HARRISON, K. M. P.; CAMPOS, S. R. L. (orgs.).
Leitura e escrita no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação, 3. ed.
2010. p. 85-96.
REBOUÇAS, Larissa Silva. Pedagogia surda: estratégias de ensino para as pessoas surdas na educação
inclusiva. ANAIS EPLISII. Bahia, 2019. Disponível em:
<https://docplayer.com.br/192797479-Palavras-chave-pedagogia-surda-identidade-educacao-inclusiva-surdos.html>
Acesso em: 16 mar. 2021.
SACKS, Oliver. Vendo
vozes. Uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução de Laura Teixeira Motta.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SKLIAR, Carlos. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a
psicologia e a educação dos surdos. In: C. SKLIAR (org.) Educação e
Exclusão. Porto Alegre: Ed. Mediação. 1997/2004.
SOUTO, Maíra Wood Almeida. Oralismo
X Bilinguismo: filosofias educacionais historicamente contrastantes e presentes
na educação para o surdo. In: XIII EDUCERE (Congresso Nacional de Educação). Anais... 2017. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25285_12446.pdf. Acesso em: 16 mar.
2021.
STOKOE, William. Sign Language Structure: An outline of
the visual communication systems of
the american deaf. Studies in Linguistics, University of Buffalo n. 8, 1960.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a culturasurda. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.
STROBEL, Karin. História da educação de surdos.
Florianópolis: UFSC, 2009. Disponível em: https://www.libras.
ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_
HistoriaEducacaoSurdos.pdf. Acesso em: 12 mar. 2021.
VIGOTSKY, Lev Semenovich,
1869-1934.A construção do pensamento da
linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VILHALVA, Shirley. Despertar do silêncio. Petrópolis: Arara Azul, 2004.
ZIESMANN. Cleusa Inês. Educação de surdos em discussão: práticas pedagógicas e processo de
alfabetização. 1. Ed. Curitiba: Appris, 2017.
Páginas notas de rodapé
Nota dispersa 1, página 81: Nota
da Editora. Os artigos publicados na Revista Mosaico são de responsabilidade de
seus autores. As informações neles contidas, bem como as opiniões emitidas, não
representam pontos de vista da Universidade de Vassouras ou de suas Revistas.
RETORNO
NOTA DISPERSA 1, PÁGINA 81
Nota
1, página 82: Datilologia é um sistema de
representação simbólica, das letras dos alfabetos das línguas orais, executada
manualmente por meio das mãos.
Nota 2,
página 83: American Sign Language:
língua de sinais americana, através da qual a comunidade surda nos Estados
Unidos se comunica.