Título: Aproximações e tradições marxistas no projeto da Escola de Serviço

Social de Belo Horizonte: problematizações necessárias.

Autor: Maria Rosângela Batistoni.

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Adaptado por: Maria Aparecida.

Adaptado em: março de 2025.

Padrão vigente a partir de março de 2022.

 

Referência: BATISTONI., Maria Rosângela. Aproximações e tradições marxistas no projeto da Escola de Serviço Social de Belo Horizonte: problematizações necessárias. In: IAMAMOTO, Marilda Villela; SANTOS, Cláudia Mônica dos. A História pelo avesso. São Paulo: Cortez Editora, 2021. cap. 1. p. 71-91.


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Brasil

 

 

CAPÍTULO I

 

Aproximações à tradição marxista

no projeto da Escola de Serviço

Social de Belo Horizonte:

problematizações necessárias

 

 

Maria Rosângela Batistoni

 

 

Sou do mundo, sou Minas Gerais

Eu sou da América do Sul

Eu sei, vocês não vão saber

Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant


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Introdução[Nota 1]

 

O projeto da Escola de Serviço Social da então Universidade Católica de Minas Gerais (ESS-UCMG), formulado na primeira metade dos anos 1970, emergiu como um núcleo de oposição e contestação com dimensões políticas, ideológicas e profissionais no país, na contextualidade de vigência da ditadura empresarial-militar (1964-1985)[Nota 2]. Ali se elaborou o conhecido Método de Belo Horizonte e se efetivou uma original reestruturação curricular da formação profissional, ainda desconhecida expressões do desenho abrangente, alternativo e global de um projeto acadêmico e profissional que inaugurou a trajetória da intenção de ruptura com os marcos do tradicionalismo no Serviço Social no Brasil. Suas formulações assentaram-se nas primeiras aproximações da profissão aos aportes da tradição marxista e da interlocução com outras áreas do conhecimento, aliada à perspectiva de compromissá-la aos interesses e às lutas das classes subalternas, sob os ecos do Movimento de Reconceituação na América Latina.

A experiência reconceituada da Escola de Serviço Social mineira teve início no imediato período após o Ato Institucional n° 5 (AI-5),


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de 1968, contexto em que a repressão e a violência policial militar institucionalizaram-se em todo seu alcance nos poros do Estado, estendendo-se para a sociedade civil. Esses condicionantes político-institucionais inviabilizaram a ressonância e difusão do então projeto de formação no debate profissional, permanecendo como uma expressão isolada da Reconceituação latino-americana até o final da década de 1970. No Brasil, como bem sabemos, a Reconceituação assumiu feições muito particulares: aqui os questionamentos ao tradicionalismo profissional tiveram o predomínio de uma face modernizadora e tecnocrática, atualizando a herança conservadora, expressa nas sistematizações teóricas dos Documentos de Araxá (1967) e de Teresópolis (1970), conduzidas pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS). Perspectiva esta com fortes traços de funcionalidade ao regime autocrático, demarcando as diferenciações entre projetos em oposição na tensa disputa teórica e ideológica pela hegemonia na Renovação do Serviço Social brasileiro. A ditadura empresarial-militar, na consolidação monopolista no país, instaurou um "modelo econômico" a serviço do grande capital, operando um desenvolvimento e modernização em todas as esferas, produtivas e de serviços, na organização e aparato do Estado, desdobrando-se para suas políticas sociais e para os aparelhos de hegemonia da sociedade, entre eles a universidade. Determinações e condições que reorganizaram a expansão de um mercado nacional de trabalho de assistentes sociais e o redimensionamento da formação profissional (graduação e pós-graduação), com sua inscrição no âmbito universitário, gestando um novo perfil profissional e criando as condições para a "maturação acadêmico-profissional" do Serviço Social (NETTO, 1991, p. 117-136; IAMAMOTO, 1998, p. 205-218).

O Serviço Social brasileiro só pode defrontar-se com o legado da Reconceituação latino-americana, e nele com a proposta da Escola mineira no final da década de 1970, na crise da ditadura, em meio à reinserção do movimento aberto das classes trabalhadoras na cena histórica e às lutas pela democratização da sociedade e do Estado. Um reencontro que se revelou, como analisa Iamamoto (1998), um


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descompasso, considerando as transformações do país e o amadurecimento profissional, não sendo possível a mera reposição das propostas críticas daquele movimento. Impõe-se a exigência histórica de alcançar os pressupostos teórico-críticos para sustentar a "pesquisa histórica aliada a uma crítica teórica rigorosa do ideário profissional: num esforço de articulação entre a crítica do conhecimento, a história e a profissão, que passa a nortear o debate brasileiro no âmbito da tradição marxista" (IAMAMOTO, 1998, p. 218, grifos da autora).

Ao longo das últimas cinco décadas, esse foi um dos eixos que conduziu o Serviço Social brasileiro a consolidar a maturação da intenção de ruptura no plano teórico-crítico, adensado pelo referencial teórico-metodológico a que recorreu, e na relação direta com as bases sociopolíticas que a sustentam e às quais se aliou os interesses históricos do arco das classes proletárias, componentes que, como acentua Netto (1991, p. 302), são estritamente vinculados. Configurou-se aí a apreensão do arsenal heurístico em Marx e da rica e diversificada tradição marxista e dos intérpretes brasileiros, iluminando as preocupações referentes à inserção histórica da profissão na dinâmica contraditória das relações sociais capitalistas em sua relação com as classes sociais e o poder do Estado; em sua recorrência às várias construções teóricas, ideológicas e referências éticas, a seu exercício e processamento no âmbito das políticas sociais e das instituições sociais determinadas e a seus projetos de formação.

E, a um só tempo, essas elaborações, vinculadas à intenção de ruptura, se direcionaram, face aos dilemas e exigências contemporâneos e às perspectivas futuras num contexto, seja de maior complexificação histórica da sociedade e do Estado brasileiro na expansão monopolista, seja da própria profissão, para a superação do descompasso e impasses abertos ao Serviço Social na crise do regime autocrático, processos apreendidos nas análises substantivas de nossas(os) mais expressivas(os) pesquisadoras(es)[Nota 3]. Aqui uma lição


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da história se evidencia: é o presente em aberto que esclarece o passado e abre o seu devir[Nota 4].

Estas foram as premissas norteadoras dos eixos e caminhos de nosso estudo inscrever uma reconstrução histórica da experiência da Escola mineira nos quadros da sociedade brasileira sob a autocracia burguesa, implicando revisões sócio-históricas e políticas, teóricas e culturais que fundamentaram suas possibilidades de elaboração desdobradas no Método BH e em sua proposta de reestruturação da formação profissional. Um desafio que contribui à tarefa inconclusa e permanente de adensamento dos fundamentos históricos e teóricos da profissão.

Este capítulo expõe elementos sucintos da pesquisa histórica, documental e da interlocução teórico-metodológica crítica com o conhecimento acumulado, reafirmando análises já formuladas, revelando novos achados e outras ênfases que, nos limites do texto, são apenas sinalizadas, enquanto revela as bases sociopolíticas e culturais do projeto daquela Escola, vetores de sua aproximação original à ampla tradição marxista.

 

 

As bases sociopolíticas e culturais do projeto da ESS-UCMG

 

Nos antecedentes e bases sociopolíticas da ESS-UCMG[Nota 5], situa-se a dinâmica da política e da cultura no período de 1964 a 1968, no


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qual, passada a violenta repressão que se seguiu ao golpe, os setores políticos comprometidos com as reformas e as forças populares democráticas buscaram estratégias de rearticulação para confrontar a ditadura, especialmente entre os setores médios urbanos, com maior visibilidade da juventude universitária. No quadro de contestação antiditatorial de amplos segmentos da sociedade, deu-se a diversificação das organizações e partidos de esquerda, com novas composições e recomposições em relação ao pré-1964 e com a adoção de referências socialistas e marxistas[Nota 6], contextualizada no quadro mundial de uma crise no interior da tradição marxista e de sua renovação, repercutindo, na particularidade da conjuntura nacional, os processos em curso nos países capitalistas centrais e na periferia latino-americana[Nota 7]. A contestação política irmanou-se ao florescimento de uma cultura tendencial de hegemonia do pensamento de esquerda, como analisa Netto (2000, p. 230), configurando uma ambiência cultural específica, nos domínios da estética (da música popular, do cinema, do teatro, da literatura e de obras e movimentos artísticos), da filosofia e das ciências humanas e sociais. Ridenti (2010), por sua vez, qualifica esse processo como uma vertente cultural de construção da brasilidade revolucionária que, identificada com partidos e movimentos de esquerda, apostava nas possibilidades da revolução brasileira, nacional e democrática ou socialista. Esta dinâmica, no "mundo da cultura" de grande riqueza, criatividade e intensas polêmicas, esteve numa linha de continuidade ao acúmulo crítico desenvolvido desde o final dos anos 1950, seja no


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alinhamento ao nacional-desenvolvimentismo, seja nas mobilizações pelas reformas de base. Netto, em análise fecunda, acentua que, com os desdobramentos repressivos do golpe de 1964, esse legado foi, antes e contraditoriamente, potencializado com conteúdos autocríticos, atuou para além de franca oposição ao regime, ao assumir "um caldo cultural anticapitalista" (NETTO, 1991, p. 76-7, grifos nossos).

No âmbito das Ciências Sociais, uma revisão abrangente ancorou-se não só em pensadores críticos da sociologia (como C. Wright Mills e R. Nisbet), mas na interlocução com autores marxistas e Marx; deslocam-se as análises para interpretar a realidade do Brasil e contribuir para "o conhecimento das condições de existência social das diferentes classes sociais na América Latina" (IANNI, 1971, p. 1) e suas condições de desenvolvimento e dependência. As referências não são poucas! Ainda com renovações na história econômica e na filosofia, com o trabalho de intelectuais[Nota 8] em algumas universidades. Nelas, uma aberta politização sintonizada com as lutas sociais, como o debate da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961, e a luta em defesa da escola pública, que teve num intelectual do porte de Florestan Fernandes um de seus mais aguerridos defensores, protagonismo que se repôs, em 1967 e 1968, em face da reforma implementada pela ditadura (FERNANDES, 1979).

Ainda nessa quadra histórica, ocorreu o aggiornamento de segmentos laicos e hierárquicos da Igreja Católica, com uma virada à esquerda em face das desigualdades e opressões, com explícito apoio às lutas sociais, combinada a uma relativa cultura (de influência francesa) mais receptiva às ideias radicais humanistas, numa ambiência favorável às primeiras formulações de um pensamento cristão com recorrências ao marxismo (LӦWY, 1991). Com o pressuposto de que essa dinâmica conjuntural permeou o campo profissional, passamos à exposição sumária de caminhos e mediações mais imediatos que conjugaram


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para a emergência do projeto de ruptura em Belo Horizonte, o que não foi mera circunstância.

Minas Gerais foi campo político das elites reacionárias e golpistas de 1964 (STARLING, 1986), mas, na contratendência, a região metropolitana de Belo Horizonte seja pela formação de um denso operariado no processo acelerado de industrialização e modernização desde meados dos anos 1950 (NEVES, 1995), seja pelos ecos das históricas lutas dos trabalhadores do quadrilátero ferrífero[Nota 9] foi lócus de movimentos sindicais e populares expressivos, com enraizamento de grupos de esquerda e uma forte tradição estudantil[Nota 10]. Em 1968, deu-se a eclosão da greve operária de Contagem, no cinturão industrial da capital, no primeiro confronto aberto do operariado com a ditadura um marco no movimento operário e sindical do país. Os liames dessa militância intelectual e estudantil à experiência da ESS-UCMG foi expressiva e cunhou marcas.

Articula-se àquelas referências o fato de a experiência da Escola mineira desenvolver-se em uma instituição universitária que, dirigida por forças moderadas da hierarquia católica, ainda sem as amarras impostas pelo regime, oferecia aos docentes e discentes espaço de resistência intelectual e pedagógica, bem como uma certa proteção diante dos tempos sombrios, acatando e apoiando institucionalmente aquele


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projeto, conforme assinala Leila Lima Santos em entrevistas aqui já referidas. O estudo inédito de Portella (1992) aponta a existência de afinidades entre diferentes atores vinculados a instituições com fins interrelacionados, ou seja, a Igreja Católica em Minas, as orientações e projeção de afirmar a sua universidade como marco educacional, moderno e cristão na capital católica do país, desdobrando-se no movimento universitário católico em especial na Juventude Universitária Católica (JUC) e na Escola de Serviço Social (de 1946 até o desfecho da proposta reconceituada em 1975), estabelecendo os nexos de confluências e alianças, embates e rupturas entre esses agentes. Suas origens em 1946 e ulterior desenvolvimento se assemelham às que lhe precederam no país, seja quanto aos condicionantes histórico-conjunturais, seja quanto às concepções doutrinárias emanadas do ideário católico num arranjo com as referências funcionalistas das influências do Serviço Social clássico norte-americano. Sua incorporação à UCMG ocorreu em 1954 e demarcou sua vinculação às práticas de desenvolvimento e organização de comunidade, acompanhando as diretrizes da Igreja e do Estado no âmbito da política desenvolvimentista, inclusive com práticas reconhecidas do Serviço Social rural nas regiões agrárias de Minas. A partir de 1961 até 1964, a Escola busca sua modernização pelo influxo da interlocução com as Ciências Sociais e Humanas no currículo, com a renovação do quadro docente mediante a preparação das(os) alunas(os) que se destacavam no ensino e nos estágios. No entanto, a linha de força nesse processo adveio, sobretudo, do movimento estudantil, com quadros vinculados especialmente à JUC e à Ação Popular (AP), que, além da politização dos processos educacionais, traziam as experiências do trabalho de comunidade, educação e cultura popular. Desse modo, a Escola passou a encampar como atividade curricular as práticas vinculadas ao Movimento de Educação de Base (MEB)[Nota 11], impondo-se o estudo da


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pedagogia de Paulo Freire antecedentes relevantes na formulação do projeto reconceituador (ESS-UCMG, 1974). Como se conhece, essas foram práticas profissionais geradoras da erosão do Serviço Social tradicional no Brasil, interrompido com o golpe de 1964, conforme análise de Netto (1991).

No imediato pós-golpe, as universidade públicas foram atingidas numa "operação limpeza", seja com intervenções policial-militares e medidas repressivas contra estudantes, docentes e intelectuais (fechamento da UNE e repressão ao Centro de Cultura Popular (CPC), prisões, inquéritos, expurgos, apreensão de livros etc.), seja desatando experiências e alternativas destinadas a democratizar os processos educacionais e culturais, vinculadas às necessidades da massa da população (a exemplo da prisão de Paulo Freire, do desmonte do MEB etc.) Mas, como já apontado, entre 1964 e 1968, o ambiente educacional e universitário constituía um dos flancos vulneráveis e abertos ao apelo político de contestação à ditadura militar. Só a partir de 1968-1969 o regime autocrático golpeou o conjunto das instituições universitárias e educacionais, instaurando, a começar pelas universidades, uma política de educação compatível com os interesses ditatoriais, funcional ao "modelo econômico" e associada a outras medidas[Nota 12].

Na ESS-UCMG, os impactos das mudanças se efetuaram sob dois ângulos. Por um lado, houve a vigência de confrontos diretos com a repressão militar, com perseguições e prisões de alunos e professores, com a invasão da Escola pelos militares, com abertura de inquéritos (IPMS), processos do Decreto n° 477, silenciamento e medo. Essa situação perdurou até o final da década seguinte, como expressam os depoimentos coletados por Silva (1991), Portella (1992) e pela Comissão da Verdade (2017) e os que constam na publicação do CFESS (2017). Por outro lado, efetuou-se a meta de "promover e consolidar o


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projeto profissional modernizador, compatível e funcional ao projeto da autocracia burguesa" (PORTELLA, 1992, p. 223), acompanhando a tendência predominante da formação em Serviço Social brasileiro e rebatendo no currículo do curso os conteúdos do Documento de Araxá. Dessa mudança decorreu a retração dos campos de estágio em comunidades e sua ampliação em instituições públicas de política social, em especial na política habitacional, que se tornou um espaço inusitado de estágio acadêmico e atuação profissional. A Escola respondeu a essa nova demanda, reconduzindo para os campos de habitação popular (área na qual acumulava experiências através dos estágios, desde 1950) alunas(os) remanescentes das práticas no MEB e de outras experiências em comunidade, revelando uma alternativa paradoxal, pois gerou um campo fértil de questionamentos e renovação prática[Nota 13].

 

O projeto da Escola e o pioneirismo nas aproximações à tradição marxista

 

No transcurso de 1969 a 1971 foram germinados os suportes propiciadores de um projeto acadêmico e profissional de feição crítica, sob a dinâmica contraditória da instauração do terrorismo cultural sistemático do regime autocrático, pelo saneamento das universidades e sua refuncionalização nos termos do acordo MEC-Usaid (NETTO, 1991). Com uma equipe docente, inicia-se a revisão da formação profissional, dos fundamentos teórico-metodológicos seja na sua vertente


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tradicional, seja na modernizadora dos estágios práticos e sua incidência na trajetória da própria Escola, lançando-se na elaboração de um novo projeto de formação profissional, alimentado por referências até então estranhas aos postulados do Serviço Social (ESS-UCMG, 1971a). Incidiram de forma decisiva nessa viragem os passos interativos, que, a partir dos encontros latino-americanos de Serviço Social, desbordaram em um intenso intercâmbio entre o grupo mineiro e as vanguardas do Movimento de Reconceituação no continente[Nota 14], bem como o protagonismo coletivo da equipe, sob a reconhecida liderança intelectual e institucional de Leila Lima Santos[Nota 15] (que assume a direção da Escola em 1972, junto com Consuelo Quiroga), integrada por jovens profissionais formados no imediato pré e pós-1964 e à qual foram incorporados docentes de um núcleo ampliado das Ciências Sociais, abrindo uma interlocução nova, envolvente e compromissada com a construção de uma nova experiência de educação universitária. Nesse período de transição, rebateu-se a proposta da metodologia única do Método Básico chileno (ETS-UCC, 1969), incorporado de forma criativa e experimental na então disciplina de Desenvolvimento de Comunidade e na Coordenação de Estágios, pondo em avaliação a natureza das práticas profissionais.

A proposta alternativa formulada pela equipe docente da ESS-UCMG foi implantada no período 1972-1975 e efetivou-se tanto no


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âmbito da elaboração teórica o Método BH, contendo já uma revisão crítica do citado Método Básico chileno e da reestruturação curricular da formação profissional, quanto da experimentação via projetos de extensão e campos de estágio. Esses são demonstrativos das suas preocupações teórico-práticas, operacionalizando, com consistência, rigor, inteligência e coragem, mecanismos institucionais da universidade e determinados espaços do exercício profissional.

A reestruturação do ensino teórico-prático, sustentada na análise da universidade brasileira já nos moldes das reformas implementadas pela ditadura, expressou a possibilidade de condução da revisão curricular com a recuperação do relativo espaço de autonomia existente no âmbito decisório interno às unidades de ensino (ESS-UCMG, 1971b). A concepção globalizadora da proposta de currículo sustentava-se na articulação do ensino teórico-prático à pesquisa, docência e prática, operacionalizado, nas Unidades de Ensino e Aprendizagem (UAs), concepção inédita na organização curricular da formação em Serviço Social do país. As UAs eram organizadas em Projetos Semestrais de Aprendizagem (PSAs). Além disso, eram articuladas, no "contato com a realidade", por meio de programas de investigação, programas de estudo, pesquisa e/ou ação profissional, realizados semestralmente ao longo de oito semestres letivos, contemplando o conjunto de disciplinas e os respectivos conteúdos, inclusive as disciplinas especificamente profissionais. As "equipes de prática" eram articuladas em torno de problemáticas básicas de investigação e exercício profissional; apoiavam-se em uma orientação interdisciplinar com docentes assistentes sociais das áreas afins, participação de monitoria com discentes concluintes e de supervisores de campo, resultando em possibilidade de avanços na relação entre formação teórica e exercício profissional, como demonstram os relatórios das "equipes de prática" e os trabalhos de conclusão, denominados Trabalhos de Estágio de Campo (SANTOS, 1982; QUIROGA, 1973b; PORTELLA, 1992).

No projeto da ESS-UCMG, à semelhança de demais experiências da Reconceituação latino-americana, também se registra a influência de Paulo Freire. Esta, contudo, vai além de uma simples incorporação de


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suas ideias como uma pedagogia e, na verdade, se constitui mais como uma teoria do conhecimento ou uma epistemologia, coadunando-se a outras interlocuções, ainda que aparentemente paradoxais, expressas no projeto da Escola. Ela se expressa na definição do objeto e objetivos da proposta metodológica contida nos pressupostos da exigência de uma análise da sociedade brasileira, que, no entanto, não se efetivou no projeto e se pôs como problemática na sua experimentação nos campos de estágio/extensão, particularmente nas cidades e bairros de predominância do operariado industrial dos anos 1970. Considera que o objeto da atuação profissional é a "ação social da classe oprimida" (ESS-UCMG, 1974, p. 19, grifos nossos), incorrendo em um simplismo teórico com desdobramentos práticos para o exercício profissional. A noção de classe oprimida encobre as determinações da exploração inerente às relações sociais de produção capitalistas e, sendo principalmente uma noção política, sugere uma sociedade dicotômica, comprometendo o próprio potencial do vínculo profissional com os interesses do conjunto das classes trabalhadoras. Esse objeto estava conectado ao objetivo meta, "a transformação da sociedade e do homem" (p. 19, grifos nossos), através de objetivos meios, "a conscientização, a capacitação e a organização" (p. 20-21, grifos nossos). Tais definições trazem profundos equívocos e limitações, em que pesem o reconhecimento da tentativa de historicizar o objeto e os objetivos profissionais, o repúdio à neutralidade e ao transclassismo, típicos do tradicionalismo profissional. Carregam as ilusões características de uma parcela da vanguarda profissional progressista naquele momento, atualizando as marcas messiânicas presentes no Serviço Social, no trato dos profissionais, mediados pelos processos educativos da "pedagogia do oprimido". A influência freiriana é também nítida na incorporação dos princípios políticos pedagógicos do Método Paulo Freire aplicado na alfabetização de adultos, organizados em três momentos inseparáveis: a leitura da realidade, ou investigação temática; a seleção das palavras, dos temas geradores, ou a tematização; a problematização (ANTUNES, 2014). No Método BH, estas etapas são transportadas como processo metodológico, "como movimento de aproximação com a realidade e


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a realimentação teórica" (SANTOS, 1982, p. 67) e sequenciados em momentos metodológicos.

Os estudos e pesquisa documental que realizamos permitem-nos sugerir que a proposta da Escola de Belo Horizonte (e talvez seja a única) teve, no seu início, a influência do pensamento da esquerda católica, expresso nas reflexões de Henrique C. de Lima Vaz, filósofo e teólogo jesuíta, estudioso da dialética hegeliana que foi assistente e mentor da JUC, além de atuante no MEB (VAZ, 2005). Sua leitura crítica e cristã do pensamento marxiano seduzia por conter uma relação entre "filosofia política, transcendência e mística" (ARANTES, 2005, p. 15), enfim, uma "justificação teórica contundente para a militância política" (p. 14) da juventude católica. As influências desse "socialismo cristão" estiveram presentes ainda na "passagem" da JUC para a AP, ainda que esta se radicalizasse em suas novas adesões ao marxismo-leninismo e ao maoismo[Nota 16]. Textos e livros do pensador, tais como Cristianismo e consciência histórica, Marxismo e filosofia, Consciência e realidade nacional, são identificados em documentos e em referências de disciplinas de filosofia da ESS.

A essas referências já ecléticas somou-se, nas formulações da Escola mineira, o marxismo de Althusser um dos pensadores franceses mais debatidos nos anos 1960-1970 na América Latina, ainda que apoiadas em uma leitura rudimentar e simplificada da sua interpretação estruturalista de Marx expressa na obra original, A favor de Marx[Nota 17] (conforme tradução nacional), que abriu densas polêmicas entre marxistas de diferentes vertentes. O vetor principal das ideias althusserianas (para além do possível aporte de L. L. dos Santos antes citado) foi, sobretudo, a versão do didatismo de sua discípula chilena Marta Harnecker (1972) em Los Conceptos Elementales de Materialismo


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Histórico, que teve grande repercussão na Reconceituação latino-americana. Trata-se de um manual de iniciação ao marxismo-leninismo, tanto em sua versão soviética quanto chinesa, e do estruturalismo de Althusser. Identificamos também outro vetor dessa influência que revela ainda o campo inter-relacionado dos condutos problemáticos no ideário da Escola de BH. Lӧwy esclarece que, entre os primeiros partidários de Althusser, estiveram militantes da AP responsáveis pelas suas primeiras traduções no caso, o texto Marxismo, ideologia e ciência, conferência do filósofo a militantes da juventude comunista francesa, publicada em Marxismo segundo Althusser em 1967, momento em que a organização assumia o marxismo-leninismo (LӦWY, 2003b, p. 213-23). Há ainda a influência na obra de teólogos da libertação, sugerindo, se não a recepção favorável às ideias althusserianas no ambiente da esquerda católica, ao menos as marcas dessa influência[Nota 18].

Nos fundamentos do Método BH, as ideias althusserianas se evidenciam nas tematizações sobre "ideologia", "ciência", "teoria", "prática", "prática teórica", apreendidas dos livros A favor de Marx e Sobre o trabalho teórico: dificuldades e recursos, derivando na apreensão do marxismo como uma epistemologia com desdobramentos equivocados: a separação entre o materialismo histórico e dialético, portanto, entre as dimensões lógicas e históricas do método, enfatizando a dialética do conhecimento desconectada do movimento da história; a validação de uma teoria própria ao Serviço Social, o metodologismo e seus formalismos, reduzindo o método a pautas e procedimentos investigativos e de atuação.

Quanto à recorrência à concepção maoista no Método BH, recolhida dos ensaios de Sobre a prática e sobre a contradição (2005 [1937]), também acessados pela via política da militância, ela demarca o forte traço empiricista que a caracteriza, compondo com o reducionismo


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presente no epistemologismo de raiz estruturalista e da vulgarização marxista[Nota 19].O maoismo contido na proposta metodológica da ESS-UCMG se evidencia no marco referencial teórico que fundamenta a sua estruturação, na qual o processo de conhecimento da realidade se dá pela sucessão de momentos sensíveis e abstratos. A relação entre teoria e prática é compreendida pela determinação de que a prática é produtora de conhecimentos (em Mao, como sabemos largamente, a posição é: "todo conhecimento autêntico nasce da experiência direta"), ainda que, na argumentação, o texto explicite a necessidade de romper com o empirismo como marca do tradicionalismo profissional. A relação entre teoria e prática é apresentada por caminhos recolhidos de manuais "interdependência", "simultaneidade", "circularidade", "transformação mútua", "contraditoriedade" e enfeixada pelas "leis da dialética", explicitadas do mesmo modo.

Enfim, como registram as análises que submeteram a proposta da Escola mineira à crítica, suas debilidades e equívocos se devem às problemáticas e limitações das interpretações da tradição marxista a que ela se incorpora, ou seja, a "um marxismo sem Marx" (QUIROGA, 1989; IAMAMOTO, 1998), sem "uma sustentação ontológico-dialética” (NETTO, 1991), resultando num universo teórico com fortes traços ecléticos, aberto a uma "invasão às ocultas do positivismo no discurso marxista" (QUIROGA, 1989). Esses substratos acabaram por não possibilitar a iluminação teórica que era pretendida, pois só chancelaram os equívocos próprios da instrumentalização eivada da via política da militância. No entanto, no que toca à nossa hipótese norteadora, e para sermos fiéis ao projeto da ESS-UCMG, importa ainda assinalarmos que, para além do ecletismo, a diversidade de referências a que recorreu impôs-lhe, ao mesmo tempo, uma tensão teórica com desdobramentos problematizadores.


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Na proposta da reestruturação curricular da formação, com a revisão dos conteúdos programáticos das disciplinas, do espectro das Ciências Sociais e do próprio Serviço Social, evidencia-se a interlocução com tematizações e autores próprios da sociologia crítica brasileira e com autores latino-americanos de língua hispânica, antes aqui referidos e inscritos na renovação das Ciências Sociais, direcionada a compreender o quadro capitalista econômico, político e social dos países da América Latina e suas implicações para a classe trabalhadora os oprimidos. Interlocuções que lhe conferiram sintonia com os temas e debates contemporâneos, alargando os seus horizontes ideoculturais, capazes de, no fulcro das lutas sociais das classes subalternas, avançar na crítica e autocrática da sua aproximação enviesada à tradição marxista.

 

 

Considerações finais

 

A proposta reconceituadora da Escola foi interrompida em 1975, em meio a uma crise interna tensa, na dinâmica contraditória de uma greve estudantil que radicalizava os próprios avanços e conquistas coletivamente desbravadas por docentes e discentes, mas que, na pressão conjuntural e sob ações subterrâneas de forças conservadoras do meio profissional, gerou o pedido de demissão de todos os professores e equipe dirigente, acatado pelas instâncias superiores da UCMG. Paradoxalmente, seu desfecho ocorreu quando se alargava a crise da ditadura militar e se enunciavam as primeiras manifestações abertas de resistência e oposição. A rica e intensa experiência, de curtíssimo tempo, ficou inconclusa na trajetória profissional. Mas, como argumentamos inicialmente, suas inquietações e proposições foram confrontadas no movimento da profissão na história, em outras bases sociopolíticas, desenvolvendo suas possibilidades concretas e seus limites, mas, sobretudo, alimentando, a partir de seus influxos contestadores, os avanços e superações levados a cabo pelo Serviço Social


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brasileiro na direção social estratégica que assumiu, consubstanciada no denominado projeto ético-político profissional.

A reconstrução histórica da experiência da Escola de Belo Horizonte não se encerra, pois há processos que ainda necessitam de visibilidade, não como mera volta ao passado ou exercício memorialista, mas como contribuição para uma história nova do Serviço Social no Brasil, como nos provoca Netto (2016). Citamos alguns destes eixos temáticos a serem explicitados: a) a inovadora proposta de reestruturação curricular, com as "equipes de prática" e coordenação dos estágios, tomados como nucleadores do debate da formação profissional articulado pela ABEPSS nos anos 1980 e 1990; b) os intercâmbios com a experiência das escolas chilenas da Universidad Católica de Chile e Universidad Católica de Valparaíso, bem como as influências de V. Faleiros e B. A. Lima; c) as incorporações e interlocuções temáticas do debate das Ciências Sociais; d) a relação com as organizações de base dos movimentos operários e urbanos através da experimentação de suas propostas no trabalho nas regiões operárias em que atuou, entre outras possíveis.

Por fim, ressaltamos um elemento pertinente a todo Movimento de Reconceituação, do qual o projeto da Escola mineira foi uma de suas expressões singulares: a busca insistente por uma unidade profissional para responder aos desafios comuns da América Latina, um sentido de latinidade e continentalidade por Nuestra América. Desafio que, para nós, assistentes sociais brasileiras(os), sob a ditadura empresarial-militar com anseios e ações subimperialistas, revelou-se como mais uma das trincheiras de resistência. Um legado que, nestes tempos sombrios, sinaliza mais uma linha de força a ser cunhada nas possibilidades concretas do presente, pois o futuro será o que dele fizermos.

 

Referências

 

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Página notas de rodapé

 

Nota 1, página 72: Este estudo é parte de meu pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UERJ, realizado entre agosto de 2017 e julho de 2018 com bolsa Pós-doutorado Sênior (CNPq, 2018), sob a supervisão da Profa. Dra. Marilda Villela Iamamoto. Agradeço a Leila Lima Santos, Consuelo Quiroga e Márcia Pinheiro pelas generosas entrevistas e reflexões que, em um resgate da memória, situam as trilhas de uma reconstrução histórica. A Marilda, pelos ricos debates para além deste estudo, pela disponibilização de seu acervo pessoal um conjunto documental e de publicações da Reconceituação. Graduei-me na Escola de Serviço Social de Belo Horizonte entre 1969 e 1972, período da formulação da proposta de reestruturação do curso e das primeiras elaborações de sua equipe docente; integrei, como estagiária e monitora, o inovador componente curricular das "equipes de prática" do setor urbano, coordenadas pelas professoras Marilda Villela Iamamoto, Consuelo Quiroga e pela saudosa Helena Paixão. A elas meu tributo e reconhecimento pela formação, pelo aprendizado coletivo, pela amizade e solidariedade efetivas, em face da repressão sofrida nos porões e tribunais da ditadura. A Amanda Guazzelli, pelas indagações instigantes e pelo apoio de sempre. Parte dos resultados do estudo do pós-doutorado encontra-se em Batistoni (2017, 2019). Como é de praxe: a responsabilidade pelo que elaborei e que aqui se explicita é exclusivamente minha.

RETORNO NOTA 1, PÁGINA 72.

 

Nota 2, página 72: Sobre a ditadura, há vasta referência, entre elas: Netto (1991, 2014), Fernandes (1976), Ianni (1971).

RETORNO NOTA 2, PÁGINA 72.

 

Nota 3, página 74: A produção bibliográfica de pesquisadores com a abordagem desses processos é ampla e diversificada. Cito algumas de suas principais expressões: Iamamoto e Carvalho (2003), Iamamoto (1998, 2007, 2018), Netto (1981, 1991) e ainda Simionatto (2018), entre outros.

RETORNO NOTA 3, PÁGINA 74.


Nota 4, página 75: Esse processo remete à clássica referência marxiana na Introdução de 1957 acerca das categorias históricas e de sua transitoriedade (também no plano de sua reprodução ideal), ao explicitar que a forma mais complexa e desenvolvida fornece a chave para apreender as formas mais simples e ainda incipientes: "A economia burguesa fornece a chave da economia da antiga" (MARX, 2008 [1859], p. 257-68).

RETORNO NOTA 4, PÁGINA 75.

 

Nota 5, página 75: São nossas fontes os documentos da ESS-UCMG (1971a, 1971b, 1971c, 1974), Santos (1982), Netto (1991), Quiroga (1989). Resgato publicações em compêndios de editoras latino-americanas (QUIROGA, 1973a, 1973b). Além de depoimentos em raros estudos sobre a referida Escola: Silva (1991), Portella (1992), Barbosa (1997).

RETORNO NOTA 5, PÁGINA 75.

 

Nota 6, página 76: Não cabe aqui o trato sobre a esquerda brasileira, ainda que tenha sido o âmbito de ideias e programas de algumas de suas correntes uma das vias iniciais de aproximação do Serviço Social aos marxismos. Entre as várias referências, destacam-se Gorender (1987), Netto (2000), Ridenti e Reis (2005).

RETORNO NOTA 6, PÁGINA 76.

 

Nota 7, página 76: Uma análise ampla dos processos históricos que estão na base das alterações do movimento comunista internacional e, no plano teórico, do marxismo, são apontados em Hobsbawm (1983): o colapso do stalinismo; o marco do XX Congresso do PCUS/1956; as revoluções ocorridas no Terceiro Mundo, especialmente na América Latina; a radicalidade da juventude e da intelectualidade em 1968/69 nos países centrais; a crise mundial da economia capitalista (p. 19-71). Sobre o chamado marxismo ocidental e suas crises seguintes, ver Anderson (1989, 1985); sobre suas precursões na América Latina e no Brasil, ver Portantiero (1989), Lõwy (1997, 2003a), Netto (2000).

RETORNO NOTA 7, PÁGINA 76.


Nota 8, página 77: Tais como F. Fernandes, O. Ianni, F. H. Cardoso, L. A. C. Pinto, T. dos Santos, J. A. Rodrigues, L. M. Rodrigues, P. Singer, M. Vinhas, e fora do âmbito acadêmico, H. Jaguaribe, C. Prado Júnior, C. Furtado, A. Vieira Pinto, só para citar algumas das referências.

RETORNO NOTA 8, PÁGINA 77.

 

Nota 9, página 78: Refere-se à região de maior produção nacional de minério de ferro e à greve na Usiminas em Ipatinga em 1963, que, pela ação da polícia militar, resultou em oito trabalhadores assassinados e 78 feridos, fato conhecido como Massacre de Ipatinga, obscurecido pela lei do silêncio (FERNANDES, 2013). Foi essa região, em Itabira, cidade operária onde se localiza a Companhia Vale do Rio Doce, com a presença das ações pastorais progressistas da Igreja Católica, o lócus principal de experimentação do Método BH, assim como outras regiões industriais, definidas pela ESS-UCMG como áreas de atuação prioritárias.

RETORNO NOTA 9, PÁGINA 78.

 

Nota 10, página 78: Foi em Belo Horizonte, em 1962, que se deu o surgimento da Ação Popular (AP), originária dos quadros estudantis católicos da Juventude Universitária Católica (JUC), tornando-se hegemônica no meio universitário, especialmente na União Nacional dos Estudantes (UNE). Note-se a atuação das forças do histórico e maior partido de esquerda, o Partido Comunista Brasileiro (PCB); o enraizamento do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), criado formalmente em 1962, e da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (ORM-POLOP), formada em 1961, agregando jovens intelectuais e jornalistas mineiros como T. dos Santos, V. Bambirra e R. M. Marini, além de grupos menores, como a Corrente Revolucionária e o Comando de Libertação Nacional (COLINA). Ver referências da nota 24 deste texto.

RETORNO NOTA 10, PÁGINA 78.

Nota 11, página 79: Criado em 1961, foi uma iniciativa inovadora de caráter mobilizador e conscientizador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Ministério da Educação e Cultura, voltada para a alfabetização de adultos na cidade e no campo, com o método do educador Paulo Freire, utilizando a rede radiofônica da Igreja.

RETORNO NOTA 11, PÁGINA 79.


Nota 12, página 80: Uma análise munida de vasto material de pesquisa pode ser encontrada em Motta (2014), Fernandes (1979), Netto (1991). Nessa ofensiva, situam-se o Decreto-lei n° 477, de 1969, conhecido como o AI-5 do sistema educacional, a instalação das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) nos campi, a reforma com os Acordos MEC-Usaid.

RETORNO NOTA 12, PÁGINA 80.

 

Nota 13, página 81: A área habitacional demandava uma modalidade de atuação de grande funcionalidade para o regime. No entanto, configurou-se como escoadouro das tensões sociais, para o qual convergiram assistentes sociais numa atividade comunitária peculiar, consolidando-se na conhecida experiência dos INOCOOPS (Instituto Nacional de Orientação às Cooperativas Habitacionais) e adotando as referências da proposta metodológica da Escola em Belo Horizonte e, em seguida, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Esse espaço foi nucleador de algumas das lideranças da reorganização sindical da categoria profissional nos três estados mencionados, cuja manifestação pública de oposição à ditadura e ao tradicionalismo profissional se deu no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, o "Congresso da Virada", ocorrido em São Paulo em 1979.

RETORNO NOTA 13, PÁGINA 81.

 

Nota 14, página 82: Os vínculos com os núcleos e foros contestadores da profissão na América Latina foram intencionalmente buscados pela equipe, e as formulações da ESS-UCMG alcançaram ampla visibilidade nas universidades latino-americanas, afirmando-se como uma das referências exemplares da Reconceituação, dada a sintonia com a sua feição crítica. Destacou-se, nesse intercâmbio aberto, o protagonismo pioneiro de Ana Quiroga na representação dos Editorias ECRO e Humanitas; de Consuelo Quiroga na coordenação (1973-1975) do Proyecto Trabajo Social do Instituto de Solidariedad Internacional (ISI/Fundação Konrad Adenauer), organismo difusor da Reconceituação, juntamente com a Asociación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social (ALAETS); da atuação central de Leila Lima Santos à frente do Centro Latinoamericana de Trabajo Social (CELATS) entre 1977-1983; e da participação posterior de Marilda Villela Iamomoto na pesquisa coletiva sobre a História do Serviço Social na América Latina.

RETORNO NOTA 14, PÁGINA 82.

Nota 15, página 82: Ex-integrante da JUC e dos quadros da AP, recém-chegada de uma pós-graduação em Sociologia do Trabalho na Paris dos anos de 1967-1969, trazia na bagagem inquietações teórico-filosóficas e ideopolíticas sob a influência de pensadores como Althusser e Lefebvre.

RETORNO NOTA 15, PÁGINA 82.

 

Nota 16, página 85: Pe. Vaz foi divulgador da Revue d’Action Populaire, publicada pelos jesuítas franceses, que deu origem ao nome Ação Popular à organização (SILVA, 1991). L. L. dos Santos, em seus depoimentos, assinala seu conhecimento inicial do marxismo através dos cursos ministrados por Vaz na JUC desde 1961.

RETORNO NOTA 16, PÁGINA 85.

 

Nota 17, página 85: Ver Pinheiro (2016), coletânea que contém um amplo inventário atualizado acerca do pensamento de Louis Althusser e do marxismo estruturalista no Brasil.

RETORNO NOTA 17, PÁGINA 85.

 

Nota 18, página 86: No Brasil, a recepção crítica às teses de Althusser se expressou em várias produções de relevância teórica no âmbito acadêmico ou político, tais como as formuladas por J. A. Giannotti, L. Konder, C. N. Coutinho, C. Prado Júnior, F. H. Cardoso, sendo possível citar, na contra-crítica, entre outros, J. Quartim de Moraes e D. Saes, conforme registra Lowy (2003b). No entanto, vale anotar, a proposta da ESS-UCMG não foi permeável a elas.

RETORNO NOTA 18, PÁGINA 86.

 

Nota 19, página 87: Coutinho (2010) oferece chaves para a análise crítica dessa aproximação eclética e epistemologista ao enfatizar, por exemplo, a compatibilidade dogmática entre Althusser e as posições filosóficas empíricas de Mao Tsé-tung (e Stálin), demarcando o anti-humanismo althusseriano com o "corte epistemológico" e a eliminação da ontologia dialética de Marx (p. 175-231).

RETORNO NOTA 19, PÁGINA 87.