Título: Aproximações
e tradições marxistas no projeto da Escola de Serviço
Social de
Belo Horizonte: problematizações necessárias.
Autor: Maria
Rosângela Batistoni.
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material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998,
não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado
por: Maria Aparecida.
Adaptado
em: março de 2025.
Padrão
vigente a partir de março de 2022.
Referência:
BATISTONI., Maria Rosângela. Aproximações e tradições marxistas no projeto da
Escola de Serviço Social de Belo Horizonte: problematizações necessárias. In: IAMAMOTO, Marilda Villela; SANTOS,
Cláudia Mônica dos. A História pelo avesso. São Paulo: Cortez Editora,
2021. cap. 1. p. 71-91.
P. 71
CORT€Z
€DITORO
Maria Rosângela Batistoni
Sou do mundo, sou Minas Gerais
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant
P.
72
O projeto da Escola de Serviço
Social da então Universidade Católica de Minas Gerais (ESS-UCMG), formulado na
primeira metade dos anos 1970, emergiu como um núcleo de oposição e contestação
com dimensões políticas, ideológicas e profissionais no país, na contextualidade de vigência da ditadura empresarial-militar
(1964-1985)[Nota
2]. Ali se elaborou o conhecido Método de Belo Horizonte e se
efetivou uma original reestruturação curricular da formação profissional, ainda
desconhecida expressões do desenho abrangente, alternativo e global de um
projeto acadêmico e profissional que inaugurou a trajetória da intenção de
ruptura com os marcos do tradicionalismo no Serviço Social no Brasil. Suas
formulações assentaram-se nas primeiras aproximações da profissão aos aportes
da tradição marxista e da interlocução com outras áreas do conhecimento, aliada
à perspectiva de compromissá-la aos interesses e às lutas das classes
subalternas, sob os ecos do Movimento de Reconceituação
na América Latina.
A experiência reconceituada da Escola de Serviço Social mineira teve
início no imediato período após o Ato Institucional n° 5 (AI-5),
P. 73
de 1968,
contexto em que a repressão e a violência policial militar
institucionalizaram-se em todo seu alcance nos poros do Estado, estendendo-se
para a sociedade civil. Esses condicionantes político-institucionais
inviabilizaram a ressonância e difusão do então projeto de formação no debate
profissional, permanecendo como uma expressão isolada da Reconceituação
latino-americana até o final da década de 1970. No Brasil, como bem sabemos, a Reconceituação assumiu feições muito particulares: aqui os
questionamentos ao tradicionalismo profissional tiveram o predomínio de uma
face modernizadora e tecnocrática, atualizando a herança conservadora, expressa
nas sistematizações teóricas dos Documentos de Araxá (1967) e de Teresópolis
(1970), conduzidas pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de
Serviços Sociais (CBCISS). Perspectiva esta com
fortes traços de funcionalidade ao regime autocrático, demarcando as
diferenciações entre projetos em oposição na tensa disputa teórica e
ideológica pela hegemonia na Renovação do Serviço Social brasileiro. A ditadura
empresarial-militar, na consolidação monopolista no país, instaurou um
"modelo econômico" a serviço do grande capital, operando um
desenvolvimento e modernização em todas as esferas, produtivas e de serviços,
na organização e aparato do Estado, desdobrando-se para suas políticas sociais
e para os aparelhos de hegemonia da sociedade, entre eles a universidade.
Determinações e condições que reorganizaram a expansão de um mercado nacional de
trabalho de assistentes sociais e o redimensionamento da formação profissional
(graduação e pós-graduação), com sua inscrição no âmbito universitário,
gestando um novo perfil profissional e criando as condições para a
"maturação acadêmico-profissional" do Serviço Social (NETTO, 1991, p.
117-136; IAMAMOTO, 1998, p. 205-218).
O Serviço Social brasileiro só
pode defrontar-se com o legado da Reconceituação
latino-americana, e nele com a proposta da Escola mineira no final da década de
1970, na crise da ditadura, em meio à reinserção do movimento aberto das
classes trabalhadoras na cena histórica e às lutas pela democratização da
sociedade e do Estado. Um reencontro que se revelou, como analisa Iamamoto (1998), um
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descompasso,
considerando as transformações do país e o amadurecimento profissional, não
sendo possível a mera reposição das propostas críticas daquele movimento.
Impõe-se a exigência histórica de alcançar os pressupostos teórico-críticos
para sustentar a "pesquisa histórica aliada a uma crítica teórica rigorosa
do ideário profissional: num esforço de articulação entre a crítica do
conhecimento, a história e a profissão, que passa a nortear o debate brasileiro
no âmbito da tradição marxista" (IAMAMOTO, 1998, p. 218, grifos da
autora).
Ao longo das últimas cinco
décadas, esse foi um dos eixos que conduziu o Serviço Social brasileiro a
consolidar a maturação da intenção de ruptura no plano teórico-crítico,
adensado pelo referencial teórico-metodológico a que recorreu, e na relação
direta com as bases sociopolíticas que a sustentam e às quais se aliou os
interesses históricos do arco das classes proletárias, componentes que, como
acentua Netto (1991, p. 302), são estritamente vinculados. Configurou-se aí a
apreensão do arsenal heurístico em Marx e da rica e diversificada tradição
marxista e dos intérpretes brasileiros, iluminando as preocupações referentes à
inserção histórica da profissão na dinâmica contraditória das relações sociais
capitalistas em sua relação com as classes sociais e o poder do Estado; em sua
recorrência às várias construções teóricas, ideológicas e referências éticas, a
seu exercício e processamento no âmbito das políticas sociais e das
instituições sociais determinadas e a seus projetos de formação.
E, a um só tempo, essas
elaborações, vinculadas à intenção de ruptura, se direcionaram, face aos
dilemas e exigências contemporâneos e às perspectivas futuras num contexto,
seja de maior complexificação histórica da sociedade
e do Estado brasileiro na expansão monopolista, seja da própria profissão, para
a superação do descompasso e impasses abertos ao Serviço Social na crise do
regime autocrático, processos apreendidos nas análises substantivas de
nossas(os) mais expressivas(os) pesquisadoras(es)[Nota 3]. Aqui uma lição
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da história se evidencia: é o presente em
aberto que esclarece o passado e abre o seu devir[Nota 4].
Estas foram as premissas
norteadoras dos eixos e caminhos de nosso estudo inscrever uma reconstrução
histórica da experiência da Escola mineira nos quadros da sociedade brasileira
sob a autocracia burguesa, implicando revisões sócio-históricas
e políticas, teóricas e culturais que fundamentaram suas possibilidades de
elaboração desdobradas no Método BH e em sua proposta de reestruturação
da formação profissional. Um desafio que contribui à tarefa inconclusa e
permanente de adensamento dos fundamentos históricos e teóricos da
profissão.
Este capítulo expõe elementos
sucintos da pesquisa histórica, documental e da interlocução teórico-metodológica
crítica com o conhecimento acumulado, reafirmando análises já formuladas,
revelando novos achados e outras ênfases que, nos limites do texto, são apenas
sinalizadas, enquanto revela as bases sociopolíticas e culturais do projeto
daquela Escola, vetores de sua aproximação original à ampla tradição marxista.
Nos antecedentes e bases
sociopolíticas da ESS-UCMG[Nota 5], situa-se a dinâmica da política e da
cultura no período de 1964 a 1968, no
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qual,
passada a violenta repressão que se seguiu ao golpe, os setores políticos
comprometidos com as reformas e as forças populares democráticas buscaram
estratégias de rearticulação para confrontar a ditadura, especialmente entre os
setores médios urbanos, com maior visibilidade da juventude universitária. No
quadro de contestação antiditatorial de amplos
segmentos da sociedade, deu-se a diversificação das organizações e partidos de
esquerda, com novas composições e recomposições em relação ao pré-1964 e com a
adoção de referências socialistas e marxistas[Nota 6], contextualizada no quadro mundial de
uma crise no interior da tradição marxista e de sua renovação, repercutindo, na
particularidade da conjuntura nacional, os processos em curso nos países
capitalistas centrais e na periferia latino-americana[Nota 7].
A contestação política irmanou-se ao florescimento de uma cultura tendencial
de hegemonia do pensamento de esquerda, como analisa Netto (2000, p. 230),
configurando uma ambiência cultural específica, nos domínios da estética (da
música popular, do cinema, do teatro, da literatura e de obras e movimentos
artísticos), da filosofia e das ciências humanas e sociais. Ridenti
(2010), por sua vez, qualifica esse processo como uma vertente cultural de
construção da brasilidade revolucionária que, identificada com partidos e
movimentos de esquerda, apostava nas possibilidades da revolução brasileira,
nacional e democrática ou socialista. Esta dinâmica, no "mundo da
cultura" de grande riqueza, criatividade e intensas polêmicas, esteve numa
linha de continuidade ao acúmulo crítico desenvolvido desde o final dos anos
1950, seja no
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alinhamento ao
nacional-desenvolvimentismo, seja nas mobilizações pelas reformas de base.
Netto, em análise fecunda, acentua que, com os desdobramentos repressivos do
golpe de 1964, esse legado foi, antes e contraditoriamente, potencializado com conteúdos autocríticos, atuou para além de franca oposição
ao regime, ao assumir "um caldo cultural anticapitalista" (NETTO,
1991, p. 76-7, grifos nossos).
No âmbito das Ciências
Sociais, uma revisão abrangente ancorou-se não só em pensadores críticos da
sociologia (como C. Wright Mills e R. Nisbet), mas na
interlocução com autores marxistas e Marx; deslocam-se as análises para
interpretar a realidade do Brasil e contribuir para "o conhecimento das
condições de existência social das diferentes classes sociais na América
Latina" (IANNI, 1971, p. 1) e suas condições de desenvolvimento e
dependência. As referências não são poucas! Ainda com renovações na história
econômica e na filosofia, com o trabalho de intelectuais[Nota 8]
em algumas universidades. Nelas, uma aberta politização sintonizada com as
lutas sociais, como o debate da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961,
e a luta em defesa da escola pública, que teve num intelectual do porte de
Florestan Fernandes um de seus mais aguerridos defensores, protagonismo que se
repôs, em 1967 e 1968, em face da reforma implementada pela ditadura
(FERNANDES, 1979).
Ainda nessa quadra histórica,
ocorreu o aggiornamento de segmentos laicos e
hierárquicos da Igreja Católica, com uma virada à esquerda em face das
desigualdades e opressões, com explícito apoio às lutas sociais, combinada a
uma relativa cultura (de influência francesa) mais receptiva às ideias radicais
humanistas, numa ambiência favorável às primeiras formulações de um pensamento
cristão com recorrências ao marxismo (LӦWY, 1991). Com o pressuposto de
que essa dinâmica conjuntural permeou o campo profissional, passamos à
exposição sumária de caminhos e mediações mais imediatos que conjugaram
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para a
emergência do projeto de ruptura em Belo Horizonte, o que não foi mera
circunstância.
Minas Gerais foi campo
político das elites reacionárias e golpistas de 1964 (STARLING, 1986), mas, na contratendência, a região metropolitana de Belo Horizonte
seja pela formação de um denso operariado no processo acelerado de industrialização
e modernização desde meados dos anos 1950 (NEVES, 1995), seja pelos ecos das
históricas lutas dos trabalhadores do quadrilátero ferrífero[Nota 9]
foi lócus de movimentos sindicais e populares expressivos, com enraizamento de
grupos de esquerda e uma forte tradição estudantil[Nota 10].
Em 1968, deu-se a eclosão da greve operária de Contagem, no cinturão industrial
da capital, no primeiro confronto aberto do operariado com a ditadura um marco
no movimento operário e sindical do país. Os liames dessa militância
intelectual e estudantil à experiência da ESS-UCMG foi expressiva e cunhou
marcas.
Articula-se àquelas
referências o fato de a experiência da Escola mineira desenvolver-se em uma
instituição universitária que, dirigida por forças moderadas da hierarquia
católica, ainda sem as amarras impostas pelo regime, oferecia aos docentes e
discentes espaço de resistência intelectual e pedagógica, bem como uma certa
proteção diante dos tempos sombrios, acatando e apoiando institucionalmente
aquele
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projeto,
conforme assinala Leila Lima Santos em entrevistas aqui já referidas. O estudo
inédito de Portella (1992) aponta a existência de afinidades entre diferentes
atores vinculados a instituições com fins interrelacionados,
ou seja, a Igreja Católica em Minas, as orientações e projeção de afirmar a sua
universidade como marco educacional, moderno e cristão na capital católica do
país, desdobrando-se no movimento universitário católico em especial na
Juventude Universitária Católica (JUC) e na Escola de Serviço Social (de 1946
até o desfecho da proposta reconceituada em 1975),
estabelecendo os nexos de confluências e alianças, embates e rupturas entre
esses agentes. Suas origens em 1946 e ulterior desenvolvimento se assemelham às
que lhe precederam no país, seja quanto aos condicionantes
histórico-conjunturais, seja quanto às concepções doutrinárias emanadas do
ideário católico num arranjo com as referências funcionalistas das influências do
Serviço Social clássico norte-americano. Sua incorporação à UCMG ocorreu em
1954 e demarcou sua vinculação às práticas de desenvolvimento e organização de
comunidade, acompanhando as diretrizes da Igreja e do Estado no âmbito da
política desenvolvimentista, inclusive com práticas reconhecidas do Serviço
Social rural nas regiões agrárias de Minas. A partir de 1961 até 1964, a Escola
busca sua modernização pelo influxo da interlocução com as Ciências Sociais e
Humanas no currículo, com a renovação do quadro docente mediante a preparação das(os) alunas(os) que se destacavam no ensino e nos
estágios. No entanto, a linha de força nesse processo adveio, sobretudo, do
movimento estudantil, com quadros vinculados especialmente à JUC e à Ação
Popular (AP), que, além da politização dos processos educacionais, traziam as
experiências do trabalho de comunidade, educação e cultura popular. Desse modo,
a Escola passou a encampar como atividade curricular as práticas vinculadas ao
Movimento de Educação de Base (MEB)[Nota 11], impondo-se o estudo da
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pedagogia de
Paulo Freire antecedentes relevantes na formulação do projeto reconceituador (ESS-UCMG, 1974). Como se conhece, essas
foram práticas profissionais geradoras da erosão do Serviço Social tradicional
no Brasil, interrompido com o golpe de 1964, conforme análise de Netto (1991).
No imediato pós-golpe, as
universidade públicas foram atingidas numa "operação limpeza", seja
com intervenções policial-militares e medidas repressivas contra estudantes,
docentes e intelectuais (fechamento da UNE e repressão ao Centro de Cultura
Popular (CPC), prisões, inquéritos, expurgos, apreensão de livros etc.), seja
desatando experiências e alternativas destinadas a democratizar os processos educacionais
e culturais, vinculadas às necessidades da massa da população (a exemplo da
prisão de Paulo Freire, do desmonte do MEB etc.) Mas, como já apontado, entre
1964 e 1968, o ambiente educacional e universitário constituía um dos flancos
vulneráveis e abertos ao apelo político de contestação à ditadura militar. Só a
partir de 1968-1969 o regime autocrático golpeou o conjunto das instituições
universitárias e educacionais, instaurando, a começar pelas universidades, uma
política de educação compatível com os interesses ditatoriais, funcional ao
"modelo econômico" e associada a outras medidas[Nota 12].
Na ESS-UCMG, os impactos das
mudanças se efetuaram sob dois ângulos. Por um lado, houve a vigência de
confrontos diretos com a repressão militar, com perseguições e prisões de
alunos e professores, com a invasão da Escola pelos militares, com abertura de
inquéritos (IPMS), processos do Decreto n° 477, silenciamento
e medo. Essa situação perdurou até o final da década seguinte, como expressam
os depoimentos coletados por Silva (1991), Portella (1992) e pela Comissão da
Verdade (2017) e os que constam na publicação do CFESS (2017). Por outro lado,
efetuou-se a meta de "promover e consolidar o
P. 81
projeto
profissional modernizador, compatível e funcional ao projeto da autocracia
burguesa" (PORTELLA, 1992, p. 223), acompanhando a tendência predominante
da formação em Serviço Social brasileiro e rebatendo no currículo do curso os
conteúdos do Documento de Araxá. Dessa mudança decorreu a retração dos campos
de estágio em comunidades e sua ampliação em instituições públicas de política
social, em especial na política habitacional, que se tornou um espaço inusitado
de estágio acadêmico e atuação profissional. A Escola respondeu a essa nova
demanda, reconduzindo para os campos de habitação popular (área na qual
acumulava experiências através dos estágios, desde 1950) alunas(os)
remanescentes das práticas no MEB e de outras experiências em comunidade,
revelando uma alternativa paradoxal, pois gerou um campo fértil de
questionamentos e renovação prática[Nota 13].
No transcurso de 1969 a 1971
foram germinados os suportes propiciadores de um projeto acadêmico e
profissional de feição crítica, sob a dinâmica contraditória da
instauração do terrorismo cultural sistemático do regime autocrático, pelo
saneamento das universidades e sua refuncionalização
nos termos do acordo MEC-Usaid (NETTO, 1991). Com uma
equipe docente, inicia-se a revisão da formação profissional, dos fundamentos
teórico-metodológicos seja na sua vertente
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tradicional, seja
na modernizadora dos estágios práticos e sua incidência na trajetória da
própria Escola, lançando-se na elaboração de um novo projeto de formação
profissional, alimentado por referências até então estranhas aos postulados do
Serviço Social (ESS-UCMG, 1971a). Incidiram de forma decisiva nessa viragem os
passos interativos, que, a partir dos encontros latino-americanos de Serviço
Social, desbordaram em um intenso intercâmbio entre o grupo mineiro e as
vanguardas do Movimento de Reconceituação no
continente[Nota
14], bem como o protagonismo coletivo da equipe, sob a reconhecida
liderança intelectual e institucional de Leila Lima Santos[Nota 15]
(que assume a direção da Escola em 1972, junto com Consuelo Quiroga),
integrada por jovens profissionais formados no imediato pré
e pós-1964 e à qual foram incorporados docentes de um núcleo ampliado das
Ciências Sociais, abrindo uma interlocução nova, envolvente e compromissada com
a construção de uma nova experiência de educação universitária. Nesse
período de transição, rebateu-se a proposta da metodologia única do Método
Básico chileno (ETS-UCC, 1969), incorporado de forma criativa e experimental na
então disciplina de Desenvolvimento de Comunidade e na Coordenação de Estágios,
pondo em avaliação a natureza das práticas profissionais.
A proposta alternativa formulada
pela equipe docente da ESS-UCMG foi implantada no período 1972-1975 e
efetivou-se tanto no
P. 83
âmbito da
elaboração teórica o Método BH, contendo já uma revisão crítica do citado
Método Básico chileno e da reestruturação curricular da formação profissional,
quanto da experimentação via projetos de extensão e campos de estágio. Esses
são demonstrativos das suas preocupações teórico-práticas, operacionalizando,
com consistência, rigor, inteligência e coragem, mecanismos institucionais da
universidade e determinados espaços do exercício profissional.
A reestruturação do ensino
teórico-prático, sustentada na análise da universidade brasileira já nos moldes
das reformas implementadas pela ditadura, expressou a possibilidade de condução
da revisão curricular com a recuperação do relativo espaço de autonomia
existente no âmbito decisório interno às unidades de ensino (ESS-UCMG, 1971b).
A concepção globalizadora da proposta de currículo
sustentava-se na articulação do ensino teórico-prático à pesquisa, docência e
prática, operacionalizado, nas Unidades de Ensino e Aprendizagem (UAs), concepção inédita na organização curricular da
formação em Serviço Social do país. As UAs eram
organizadas em Projetos Semestrais de Aprendizagem (PSAs).
Além disso, eram articuladas, no "contato com a realidade", por meio
de programas de investigação, programas de estudo, pesquisa e/ou ação
profissional, realizados semestralmente ao longo de oito semestres letivos,
contemplando o conjunto de disciplinas e os respectivos conteúdos, inclusive as
disciplinas especificamente profissionais. As "equipes de prática"
eram articuladas em torno de problemáticas básicas de investigação e exercício
profissional; apoiavam-se em uma orientação interdisciplinar com docentes
assistentes sociais das áreas afins, participação de monitoria com discentes
concluintes e de supervisores de campo, resultando em possibilidade de avanços
na relação entre formação teórica e exercício profissional, como demonstram os
relatórios das "equipes de prática" e os trabalhos de conclusão,
denominados Trabalhos de Estágio de Campo (SANTOS, 1982; QUIROGA, 1973b;
PORTELLA, 1992).
No projeto da ESS-UCMG, à
semelhança de demais experiências da Reconceituação
latino-americana, também se registra a influência de Paulo Freire. Esta,
contudo, vai além de uma simples incorporação de
P. 84
suas
ideias como uma pedagogia e, na verdade, se constitui mais como uma teoria do
conhecimento ou uma epistemologia, coadunando-se a outras interlocuções, ainda
que aparentemente paradoxais, expressas no projeto da Escola. Ela se expressa
na definição do objeto e objetivos da proposta metodológica contida nos
pressupostos da exigência de uma análise da sociedade brasileira, que, no
entanto, não se efetivou no projeto e se pôs como problemática na sua
experimentação nos campos de estágio/extensão, particularmente nas cidades e
bairros de predominância do operariado industrial dos anos 1970. Considera que
o objeto da atuação profissional é a "ação social da classe oprimida"
(ESS-UCMG, 1974, p. 19, grifos nossos), incorrendo em um simplismo teórico
com desdobramentos práticos para o exercício profissional. A noção de classe
oprimida encobre as determinações da exploração inerente às relações sociais de
produção capitalistas e, sendo principalmente uma noção política, sugere uma
sociedade dicotômica, comprometendo o próprio potencial do vínculo profissional
com os interesses do conjunto das classes trabalhadoras. Esse objeto estava
conectado ao objetivo meta, "a transformação da sociedade e do homem"
(p. 19, grifos nossos), através de objetivos meios, "a
conscientização, a capacitação e a organização" (p. 20-21, grifos nossos).
Tais definições trazem profundos equívocos e limitações, em que pesem o
reconhecimento da tentativa de historicizar o objeto
e os objetivos profissionais, o repúdio à neutralidade e ao transclassismo,
típicos do tradicionalismo profissional. Carregam as ilusões características de
uma parcela da vanguarda profissional progressista naquele momento, atualizando
as marcas messiânicas presentes no Serviço Social, no trato dos profissionais,
mediados pelos processos educativos da "pedagogia do oprimido". A
influência freiriana é também nítida na incorporação
dos princípios políticos pedagógicos do Método Paulo Freire aplicado na
alfabetização de adultos, organizados em três momentos inseparáveis: a leitura
da realidade, ou investigação temática; a seleção das palavras, dos temas
geradores, ou a tematização; a problematização (ANTUNES, 2014). No Método BH,
estas etapas são transportadas como processo metodológico, "como movimento
de aproximação com a realidade e
P. 85
a
realimentação teórica" (SANTOS, 1982, p. 67) e sequenciados em momentos
metodológicos.
Os estudos e pesquisa
documental que realizamos permitem-nos sugerir que a proposta da Escola de Belo
Horizonte (e talvez seja a única) teve, no seu início, a influência do
pensamento da esquerda católica, expresso nas reflexões de Henrique C. de Lima
Vaz, filósofo e teólogo jesuíta, estudioso da dialética hegeliana que foi
assistente e mentor da JUC, além de atuante no MEB (VAZ, 2005). Sua leitura
crítica e cristã do pensamento marxiano seduzia por
conter uma relação entre "filosofia política, transcendência e
mística" (ARANTES, 2005, p. 15), enfim, uma "justificação teórica
contundente para a militância política" (p. 14) da juventude católica. As
influências desse "socialismo cristão" estiveram presentes ainda na
"passagem" da JUC para a AP, ainda que esta
se radicalizasse em suas novas adesões ao marxismo-leninismo e ao maoismo[Nota 16]. Textos e livros do pensador, tais
como Cristianismo e consciência histórica, Marxismo e filosofia,
Consciência e realidade nacional, são identificados em documentos e em
referências de disciplinas de filosofia da ESS.
A essas referências já
ecléticas somou-se, nas formulações da Escola mineira, o marxismo de Althusser
um dos pensadores franceses mais debatidos nos anos 1960-1970 na América
Latina, ainda que apoiadas em uma leitura rudimentar e simplificada da sua
interpretação estruturalista de Marx expressa na obra original, A favor de
Marx[Nota 17]
(conforme tradução nacional), que abriu densas polêmicas entre marxistas de
diferentes vertentes. O vetor principal das ideias althusserianas
(para além do possível aporte de L. L. dos Santos antes citado) foi, sobretudo,
a versão do didatismo de sua discípula chilena Marta Harnecker
(1972) em Los Conceptos Elementales de Materialismo
P. 86
Histórico, que teve grande repercussão na Reconceituação latino-americana. Trata-se de um manual de
iniciação ao marxismo-leninismo, tanto em sua versão soviética quanto chinesa,
e do estruturalismo de Althusser. Identificamos também outro vetor dessa
influência que revela ainda o campo inter-relacionado dos condutos problemáticos
no ideário da Escola de BH. Lӧwy esclarece que,
entre os primeiros partidários de Althusser, estiveram militantes da AP
responsáveis pelas suas primeiras traduções no caso, o texto Marxismo,
ideologia e ciência, conferência do filósofo a militantes da juventude
comunista francesa, publicada em Marxismo segundo Althusser em 1967, momento em
que a organização assumia o marxismo-leninismo (LӦWY, 2003b, p. 213-23).
Há ainda a influência na obra de teólogos da libertação, sugerindo, se
não a recepção favorável às ideias althusserianas no
ambiente da esquerda católica, ao menos as marcas dessa influência[Nota 18].
Nos fundamentos do Método BH,
as ideias althusserianas se evidenciam nas
tematizações sobre "ideologia", "ciência",
"teoria", "prática", "prática teórica",
apreendidas dos livros A favor de Marx e Sobre o trabalho teórico: dificuldades
e recursos, derivando na apreensão do marxismo como uma epistemologia com
desdobramentos equivocados: a separação entre o materialismo histórico e
dialético, portanto, entre as dimensões lógicas e históricas do método,
enfatizando a dialética do conhecimento desconectada do movimento da história;
a validação de uma teoria própria ao Serviço Social, o metodologismo
e seus formalismos, reduzindo o método a pautas e procedimentos
investigativos e de atuação.
Quanto à recorrência à
concepção maoista no Método BH, recolhida dos ensaios
de Sobre a prática e sobre a contradição (2005
[1937]), também acessados pela via política da militância, ela demarca o forte
traço empiricista que a caracteriza, compondo com o
reducionismo
P. 87
presente no epistemologismo
de raiz estruturalista e da vulgarização marxista[Nota 19].O maoismo
contido na proposta metodológica da ESS-UCMG se evidencia no marco referencial
teórico que fundamenta a sua estruturação, na qual o processo de conhecimento
da realidade se dá pela sucessão de momentos sensíveis e abstratos. A relação
entre teoria e prática é compreendida pela determinação de que a prática é
produtora de conhecimentos (em Mao, como sabemos largamente, a posição é:
"todo conhecimento autêntico nasce da experiência direta"), ainda
que, na argumentação, o texto explicite a necessidade de romper com o empirismo
como marca do tradicionalismo profissional. A relação entre teoria e prática é
apresentada por caminhos recolhidos de manuais "interdependência",
"simultaneidade", "circularidade", "transformação
mútua", "contraditoriedade" e
enfeixada pelas "leis da dialética", explicitadas do mesmo modo.
Enfim, como registram as
análises que submeteram a proposta da Escola mineira à crítica, suas
debilidades e equívocos se devem às problemáticas e limitações das
interpretações da tradição marxista a que ela se incorpora, ou seja, a "um
marxismo sem Marx" (QUIROGA, 1989; IAMAMOTO, 1998), sem "uma
sustentação ontológico-dialética” (NETTO, 1991), resultando num universo
teórico com fortes traços ecléticos, aberto a uma "invasão às ocultas do
positivismo no discurso marxista" (QUIROGA, 1989). Esses substratos acabaram
por não possibilitar a iluminação teórica que era pretendida, pois só
chancelaram os equívocos próprios da instrumentalização eivada da via política
da militância. No entanto, no que toca à nossa hipótese norteadora, e para sermos
fiéis ao projeto da ESS-UCMG, importa ainda assinalarmos que, para além do
ecletismo, a diversidade de referências a que recorreu impôs-lhe, ao mesmo
tempo, uma tensão teórica com desdobramentos problematizadores.
P. 88
Na proposta da reestruturação curricular da
formação, com a revisão dos conteúdos programáticos das disciplinas, do
espectro das Ciências Sociais e do próprio Serviço Social, evidencia-se a
interlocução com tematizações e autores próprios da sociologia crítica brasileira
e com autores latino-americanos de língua hispânica, antes aqui referidos e
inscritos na renovação das Ciências Sociais, direcionada a compreender o quadro
capitalista econômico, político e social dos países da América Latina e suas
implicações para a classe trabalhadora os oprimidos. Interlocuções que lhe
conferiram sintonia com os temas e debates contemporâneos, alargando os seus
horizontes ideoculturais, capazes de, no fulcro das
lutas sociais das classes subalternas, avançar na crítica e autocrática da sua
aproximação enviesada à tradição marxista.
A proposta reconceituadora
da Escola foi interrompida em 1975, em meio a uma crise interna tensa, na
dinâmica contraditória de uma greve estudantil que radicalizava os próprios
avanços e conquistas coletivamente desbravadas por docentes e discentes, mas
que, na pressão conjuntural e sob ações subterrâneas de forças conservadoras do
meio profissional, gerou o pedido de demissão de todos os professores e equipe
dirigente, acatado pelas instâncias superiores da UCMG. Paradoxalmente, seu
desfecho ocorreu quando se alargava a crise da ditadura militar e se enunciavam
as primeiras manifestações abertas de resistência e oposição. A rica e intensa
experiência, de curtíssimo tempo, ficou inconclusa na trajetória profissional.
Mas, como argumentamos inicialmente, suas inquietações e proposições foram
confrontadas no movimento da profissão na história, em outras bases
sociopolíticas, desenvolvendo suas possibilidades concretas e seus limites,
mas, sobretudo, alimentando, a partir de seus influxos contestadores, os
avanços e superações levados a cabo pelo Serviço Social
P. 89
brasileiro na
direção social estratégica que assumiu, consubstanciada no denominado projeto
ético-político profissional.
A reconstrução histórica da
experiência da Escola de Belo Horizonte não se encerra, pois há processos que
ainda necessitam de visibilidade, não como mera volta ao passado ou exercício
memorialista, mas como contribuição para uma história nova do Serviço Social no
Brasil, como nos provoca Netto (2016). Citamos alguns destes eixos temáticos a
serem explicitados: a) a inovadora proposta de reestruturação curricular, com
as "equipes de prática" e coordenação dos estágios, tomados como nucleadores do debate da formação profissional articulado
pela ABEPSS nos anos 1980 e 1990; b) os intercâmbios com a experiência das
escolas chilenas da Universidad Católica de Chile e Universidad Católica de Valparaíso, bem como as influências
de V. Faleiros e B. A. Lima; c) as incorporações e interlocuções temáticas do
debate das Ciências Sociais; d) a relação com as organizações de base dos
movimentos operários e urbanos através da experimentação de suas propostas no
trabalho nas regiões operárias em que atuou, entre outras possíveis.
Por fim, ressaltamos um
elemento pertinente a todo Movimento de Reconceituação,
do qual o projeto da Escola mineira foi uma de suas expressões singulares: a
busca insistente por uma unidade profissional para responder aos desafios
comuns da América Latina, um sentido de latinidade e continentalidade por Nuestra América. Desafio que, para nós, assistentes sociais
brasileiras(os), sob a ditadura empresarial-militar
com anseios e ações subimperialistas, revelou-se como
mais uma das trincheiras de resistência. Um legado que, nestes tempos sombrios,
sinaliza mais uma linha de força a ser cunhada nas possibilidades concretas do
presente, pois o futuro será o que dele fizermos.
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análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1991.
Página notas de rodapé
Nota 1, página 72: Este
estudo é parte de meu pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social da UERJ, realizado entre agosto de 2017 e julho de 2018 com bolsa
Pós-doutorado Sênior (CNPq, 2018), sob a supervisão da Profa. Dra. Marilda
Villela Iamamoto. Agradeço a Leila Lima Santos,
Consuelo Quiroga e Márcia Pinheiro pelas generosas
entrevistas e reflexões que, em um resgate da memória, situam as trilhas de uma
reconstrução histórica. A Marilda, pelos ricos debates para além deste estudo,
pela disponibilização de seu acervo pessoal um conjunto documental e de
publicações da Reconceituação. Graduei-me na Escola
de Serviço Social de Belo Horizonte entre 1969 e 1972, período da formulação da
proposta de reestruturação do curso e das primeiras elaborações de sua equipe
docente; integrei, como estagiária e monitora, o inovador componente curricular
das "equipes de prática" do setor urbano, coordenadas pelas
professoras Marilda Villela Iamamoto, Consuelo Quiroga e pela saudosa Helena Paixão. A elas meu tributo e
reconhecimento pela formação, pelo aprendizado coletivo, pela amizade e
solidariedade efetivas, em face da repressão sofrida nos porões e tribunais da
ditadura. A Amanda Guazzelli, pelas indagações
instigantes e pelo apoio de sempre. Parte dos resultados do estudo do
pós-doutorado encontra-se em Batistoni (2017, 2019).
Como é de praxe: a responsabilidade pelo que elaborei e que aqui se explicita é
exclusivamente minha.
Nota 2, página 72: Sobre
a ditadura, há vasta referência, entre elas: Netto (1991, 2014), Fernandes
(1976), Ianni (1971).
Nota 3, página 74: A
produção bibliográfica de pesquisadores com a abordagem desses processos é
ampla e diversificada. Cito algumas de suas principais expressões: Iamamoto e Carvalho (2003), Iamamoto
(1998, 2007, 2018), Netto (1981, 1991) e ainda Simionatto
(2018), entre outros.
Nota 4, página 75: Esse
processo remete à clássica referência marxiana na
Introdução de 1957 acerca das categorias históricas e de sua transitoriedade
(também no plano de sua reprodução ideal), ao explicitar que a forma mais
complexa e desenvolvida fornece a chave para apreender as formas mais simples e
ainda incipientes: "A economia burguesa fornece a chave da economia da
antiga" (MARX, 2008 [1859], p. 257-68).
Nota 5, página 75: São
nossas fontes os documentos da ESS-UCMG (1971a, 1971b, 1971c, 1974), Santos
(1982), Netto (1991), Quiroga (1989). Resgato
publicações em compêndios de editoras latino-americanas (QUIROGA, 1973a,
1973b). Além de depoimentos em raros estudos sobre a referida Escola: Silva
(1991), Portella (1992), Barbosa (1997).
Nota 6, página 76: Não
cabe aqui o trato sobre a esquerda brasileira, ainda que tenha sido o âmbito de
ideias e programas de algumas de suas correntes uma das vias iniciais de
aproximação do Serviço Social aos marxismos. Entre as várias referências,
destacam-se Gorender (1987), Netto (2000), Ridenti e Reis (2005).
Nota 7, página 76: Uma
análise ampla dos processos históricos que estão na base das alterações do
movimento comunista internacional e, no plano teórico, do marxismo, são
apontados em Hobsbawm (1983): o colapso do
stalinismo; o marco do XX Congresso do PCUS/1956; as revoluções ocorridas no
Terceiro Mundo, especialmente na América Latina; a radicalidade da juventude e
da intelectualidade em 1968/69 nos países centrais; a crise mundial da economia
capitalista (p. 19-71). Sobre o chamado marxismo ocidental e suas crises
seguintes, ver Anderson (1989, 1985); sobre suas precursões na América Latina e
no Brasil, ver Portantiero (1989), Lõwy (1997, 2003a), Netto (2000).
Nota 8, página 77: Tais
como F. Fernandes, O. Ianni, F. H. Cardoso, L. A. C.
Pinto, T. dos Santos, J. A. Rodrigues, L. M. Rodrigues, P. Singer, M. Vinhas, e
fora do âmbito acadêmico, H. Jaguaribe, C. Prado Júnior, C. Furtado, A. Vieira
Pinto, só para citar algumas das referências.
Nota 9, página 78:
Refere-se à região de maior produção nacional de minério de ferro e à greve na
Usiminas em Ipatinga em 1963, que, pela ação da polícia militar, resultou em
oito trabalhadores assassinados e 78 feridos, fato conhecido como Massacre de
Ipatinga, obscurecido pela lei do silêncio (FERNANDES, 2013). Foi essa região,
em Itabira, cidade operária onde se localiza a Companhia Vale do Rio Doce, com
a presença das ações pastorais progressistas da Igreja Católica, o lócus principal de experimentação do Método BH,
assim como outras regiões industriais, definidas pela ESS-UCMG como áreas de
atuação prioritárias.
Nota 10, página 78: Foi
em Belo Horizonte, em 1962, que se deu o surgimento da Ação Popular (AP), originária
dos quadros estudantis católicos da Juventude Universitária Católica (JUC),
tornando-se hegemônica no meio universitário, especialmente na União Nacional
dos Estudantes (UNE). Note-se a atuação das forças do histórico e maior partido
de esquerda, o Partido Comunista Brasileiro (PCB); o enraizamento do Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), criado formalmente em 1962, e da Organização
Revolucionária Marxista Política Operária (ORM-POLOP), formada em 1961,
agregando jovens intelectuais e jornalistas mineiros como T. dos Santos, V. Bambirra e R. M. Marini, além de grupos menores, como a
Corrente Revolucionária e o Comando de Libertação Nacional (COLINA). Ver
referências da nota 24 deste texto.
Nota 11, página 79:
Criado em 1961, foi uma iniciativa inovadora de caráter mobilizador e conscientizador da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e do Ministério da Educação e Cultura, voltada para a
alfabetização de adultos na cidade e no campo, com o método do educador Paulo
Freire, utilizando a rede radiofônica da Igreja.
Nota 12, página 80: Uma
análise munida de vasto material de pesquisa pode ser encontrada em Motta
(2014), Fernandes (1979), Netto (1991). Nessa ofensiva, situam-se o Decreto-lei
n° 477, de 1969, conhecido como o AI-5 do sistema educacional, a instalação das
Assessorias de Segurança e Informação (ASI) nos campi, a reforma com os Acordos
MEC-Usaid.
Nota 13, página 81: A
área habitacional demandava uma modalidade de atuação de grande funcionalidade
para o regime. No entanto, configurou-se como escoadouro das tensões sociais,
para o qual convergiram assistentes sociais numa atividade comunitária
peculiar, consolidando-se na conhecida experiência dos INOCOOPS (Instituto
Nacional de Orientação às Cooperativas Habitacionais) e adotando as referências
da proposta metodológica da Escola em Belo Horizonte e, em seguida, no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Esse espaço foi nucleador de
algumas das lideranças da reorganização sindical da categoria profissional nos
três estados mencionados, cuja manifestação pública de oposição à ditadura e ao
tradicionalismo profissional se deu no III Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais, o "Congresso da Virada", ocorrido em São Paulo em 1979.
Nota 14, página 82: Os
vínculos com os núcleos e foros contestadores da profissão na América Latina
foram intencionalmente buscados pela equipe, e as formulações da ESS-UCMG
alcançaram ampla visibilidade nas universidades latino-americanas, afirmando-se
como uma das referências exemplares da Reconceituação,
dada a sintonia com a sua feição crítica. Destacou-se, nesse intercâmbio
aberto, o protagonismo pioneiro de Ana Quiroga na
representação dos Editorias ECRO e Humanitas; de
Consuelo Quiroga na coordenação (1973-1975) do Proyecto Trabajo Social do
Instituto de Solidariedad Internacional (ISI/Fundação
Konrad Adenauer), organismo difusor da Reconceituação, juntamente com a Asociación
Latinoamericana de Escuelas
de Trabajo Social (ALAETS); da atuação central
de Leila Lima Santos à frente do Centro Latinoamericana
de Trabajo Social (CELATS) entre 1977-1983; e da
participação posterior de Marilda Villela Iamomoto na
pesquisa coletiva sobre a História do Serviço Social na América Latina.
Nota 15, página 82:
Ex-integrante da JUC e dos quadros da AP, recém-chegada de uma pós-graduação em
Sociologia do Trabalho na Paris dos anos de 1967-1969, trazia na bagagem
inquietações teórico-filosóficas e ideopolíticas sob
a influência de pensadores como Althusser e Lefebvre.
Nota 16, página 85: Pe.
Vaz foi divulgador da Revue d’Action
Populaire, publicada pelos jesuítas franceses, que
deu origem ao nome Ação Popular à organização (SILVA, 1991). L. L. dos Santos,
em seus depoimentos, assinala seu conhecimento inicial do marxismo através dos
cursos ministrados por Vaz na JUC desde 1961.
Nota 17, página 85: Ver
Pinheiro (2016), coletânea que contém um amplo inventário atualizado acerca do
pensamento de Louis Althusser e do marxismo estruturalista no Brasil.
Nota 18, página 86: No
Brasil, a recepção crítica às teses de Althusser se expressou em várias
produções de relevância teórica no âmbito acadêmico ou político, tais como as
formuladas por J. A. Giannotti, L. Konder, C. N. Coutinho, C. Prado Júnior, F.
H. Cardoso, sendo possível citar, na contra-crítica,
entre outros, J. Quartim de Moraes e D. Saes, conforme registra Lowy
(2003b). No entanto, vale anotar, a proposta da ESS-UCMG não foi permeável a
elas.
Nota 19, página 87: Coutinho
(2010) oferece chaves para a análise crítica dessa aproximação eclética e epistemologista ao enfatizar, por exemplo, a
compatibilidade dogmática entre Althusser e as posições filosóficas empíricas
de Mao Tsé-tung (e Stálin), demarcando o anti-humanismo althusseriano
com o "corte epistemológico" e a eliminação da ontologia dialética de
Marx (p. 175-231).