Título:  A aventura da reportagem

Autor: Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotscho

Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

Adaptado por: Eduardo Nascimento; Rafael Péricles; Luana Suassuna; Paloma Gomes

Adaptado em: Outubro de 2023.

Padrão vigente a partir de março de 2022.

 

Referência: DIMESNTEIN, Gilberto; KOTSCHO, Ricardo. A Aventura da Reportagem. 3. ed. São Paulo: Summus, 1990.


P.Capa

 

[Descrição da imagem] Capa colorda. Texto em caixa alta: Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotscho, a aventura da reportagem. Fotografias no canto inferior da imagem mostram figuras e momentos históricos. [Final da descrição]


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[Descrição da imagem] Ilustração composta por um círculo sob um traço transversal, um vertical e um transversal. Abaixo está escrito: novas buscas em comunicação. VOL. 38. [Final da descrição]


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Dados da Catalogação na Publicação (CIP) Internacional

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dimenstein, Gilberto, 1957-

A aventura da reportagem / Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotsho. – São Paulo : Summus, 1990. – (Novas buscas em comunicação ; v. 38)

 

                        ISBN 85-323-0073-1

 

1. Imprensa e política – Brasil 2. Jornalismo – Brasil 3. Reporteres e reportagens – Brasil I. Kotscho, Ricardo.II. Título. III. Série.

 

                                                                                                        CDD-070.430981

90-1677                                                                                                   -079.81

Índices para catálogo sistemático:

1.            Brasil : Imprensa e política 079.81

2.            Brasil : Reportagens : Jornalismo 070.430981

3.            Brasil : Repórteres e reportagens : Jornalismo 070.430981


[Descrição da imagem] Capa em preto e branco. Texto em caixa alta: Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotscho, a aventura da reportagem. Fotografias no canto inferior da imagem mostram figuras e momentos históricos. [Final da descrição]
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A AVENTURA DA REPORTAGEM

Copyright © 1990

by Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho

 

 

 

 

Capa de:

Edmundo França

 

 

 

 

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio e sistema, sem o prévio consentimento da Editora.

 

 

Direitos desta edição

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Impresso no Brasil


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NOVAS BUSCAS EM COMUNICAÇÃO

 

O extraordinário progresso experimentado pelas técnicas de comunicação de 1970 para cá representa para a Humanidade uma conquista e um desafio. Conquista, na medida em que propicia possibilidades de difusão de conhecimentos e de informações numa escala antes inimaginável. Desafio, na medida em que o avanço tecnológico impõe uma séria revisão e reestruturação dos pressupostos teóricos de tudo que se entende por comunicação.

Em outras palavras, não basta o progresso das telecomunicações, o emprego de métodos ultra-sofisticados de armazenagem e reprodução de conhecimentos. É preciso repensar cada setor, cada modalidade, mas analisando e potencializando a comunicação como um processo total. E, em tudo, a dicotomia, teoria e prática, está pre­sente. Impossível analisar, avançar, aproveitar as tecnologias, os recursos, sem levar em conta sua ética, sua operacionalidade, o benefício para todas as pessoas em todos os setores profissionais. E, também, o benefício na própria vida doméstica e no lazer.

O jornalismo, o rádio, a televisão, as relações públicas, o cinema, a edição — enfim, todas e cada uma das modalidades de comunicação —, estão a exigir instrumentos teóricos e práticos, consolidados neste velho e sempre novo recurso que é o livro, para que se possa chegar a um consenso, ou, pelo menos, para se ter uma base sobre a qual discutir, firmar ou rever conceitos. Novas Buscas em Comunicação visa trazer para o público — que já se habituou a ver na Summus uma editora de renovação, de formação e de debate — textos sobre todos os campos da Comunicação, para que o leitor ainda no curso universitário, o profissional que já passou pela Faculdade e o público em geral possam ter balizas para debate, aprimo­ramento profissional e, sobretudo, informação.


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ÍNDICE

 

I —       APRESENTAÇÃO.. 9

II —       AS ARMADILHAS DO PODER.. 15

1.       Armadilhas. 18

2.       Suborno. 21

3.       Fontismo. 22

4.       Bobos. 24

5.       Versões. 25

6.       Bombas e monstros. 26

7.       Brigas. 28

8.       Deslizes. 30

9.       Habilidade e manipulação. 32

10.     Cotações. 35

11.     Mentiras e inflação. 37

12.     Fofocas. 42

13.     Negociatas. 47

14.     Investigação. 49

15.     Off 52

16.     Marketing. 58


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III —       No olho da rua. 61

1.       De jornaleiro a jornalista. 65

2.       O repórter do pipoqueiro. 67

3.       Os alienados “comunistas” 70

4.       Uma questão de caráter 73

5.       Velhinhas de Berlim.. 76

6.       Sem cara feia, com prazer 78

7.       Cai o governo, morre o papa. 79

8.       Enfim a liberdade. 81

9.       A grande mancada. 82

10.     No “Bico do Papagaio” 84

11.     O sonho das Diretas. 88

12.     A eterna busca. 90

13.     Com Lula, a aventura humana. 91

14.     A agonia dos sem-terra. 93

 

IV —       Os Autores. 99

 

 

 

 

 

 


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APRESENTAÇÃO

Clóvis Rossi

 

 

Que me desculpem Vinícius de Moraes, os editores e os redatores, mas repórter é fundamental. É certamente a única função pela qual vale a pena ser jornalista. Jornalista não fica rico, a não ser um punhado de iluminados. Jornalista não fica famoso, a não ser um outro (ou o mesmo) punhado e assim mesmo no círculo restrito que freqüenta ou no qual é lido.

Jornalismo, por isso, só vale a pena pela sensação de se poder ser testemunha ocular da história de seu tempo. E a história ocorre sempre na rua, nunca numa redação de jornal. É claro que estou tomando “rua” num sentido bem amplo. Rua pode ser a rua propriamente dita, mas pode ser também um estádio de futebol, a favela da Rocinha, o palanque de um comício, o gabinete de uma autoridade, as selvas de El Salvador, os campos petrolíferos do Oriente Médio. Só não pode ser a redação de um jornal.

Por isso, é um privilégio ser repórter. Não se trata de menosprezo à função dos companheiros editores e redatores. Até porque jornalismo é um trabalho de equipe, em que um bom editor


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valoriza ainda mais uma boa reportagem, um bom redator pode melhorar o texto de um repórter e assim por diante. Ocorre que, como em todas as profissões, também no jornalismo há talentos específicos. Há gente que só se sente bem colocando, numa página de jornal, revista ou no vídeo da TV, uma reportagem. Como há gente que se sente asfixiada se tiver que ficar muito tempo trancada em uma redação.

Suponho que os dois autores deste livro têm em comum comigo essa mesma sensação de asfixia. Por isso, os três trocamos funções de chefia pela aventura da reportagem. Essa escolha pode ser conseqüência das seguintes alternativas, que deixo à esco­lha do leitor

a)           Somos três idiotas;

b)           A reportagem deve ter algum especial fascínio;

c)            As duas anteriores são válidas.

Provavelmente a alternativa “c” é a mais correta. Afinal, reportagem é uma coisa paradoxal, por se tratar, ao mesmo tempo, da mais fácil e da mais difícil maneira de viver a vida. Fácil porque, no fundo, reportagem é apenas a técnica de contar boas histórias. Todos sabem contar histórias. Se bem alfabetizado, pode-se até contá-las em português correto e pronto: está-se fazendo uma reportagem, até sem o saber.

Difícil porque o repórter persegue esse ser chamado verdade, quase sempre inatingível ou inexistente ou tão repleto de rostos diferentes que se corre permanentemente o risco de não conseguir captá-los todos e passá-los todos para o leitor/ouvinte/telespectador. Há alguns anos, em uma palestra em São Paulo, Carl Bernstein, o repórter do Washington Post que, com Bob Woodward, desvendou o caso Watergate e levou o presidente Richard Nixon à renúncia, definiu jornalismo assim: “A melhor versão da verdade possível de se obter”.

É isso. Parte já do pressuposto de que a verdade inteira é inalcançável porque fala em “melhor versão da verdade”. E acrescenta a essência do ofício de repórter no “possível de se obter”. Um exemplo simples mostra como a definição é adequada.

Suponha que você está numa ponte sobre uma rodovia qualquer. De repente, um carro passa para a pista contrária e bate


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de frente num caminhão. Morre o motorista do carro. Qual é a verdade? O motorista atravessou a pista e, logo, foi o culpado. Mas a função do repórter é ir atrás das causas, e estas não ficam visíveis nem mesmo no exemplo simples usado.

O motorista pode ter perdido a direção porque dormiu, porque estava bêbado, porque sofreu um colapso e morreu no ato, porque quebrou a barra da direção. Ou seja, mesmo que você seja testemunha ocular de um fato, nem por isso fica seguro de que sabe de tudo a respeito dele. Ora, jornalistas quase nunca são testemunhas oculares de fatos menos corriqueiros. Em geral, eles se passam nas sombras dos gabinetes, no escurinho dos palácios, nos fundos dos morros e favelas e assim por diante. Logo, resgatar a “melhor versão possível da verdade’’ é uma tarefa ingrata.

Para executá-la, sejamos francos, exige-se muito mais transpiração do que inspiração. Mais esforço físico do que intelectual. Exige que se gaste a ponta do dedo telefonando para todas as pessoas que possam dar ao menos um fragmento de informação. Exige que se gaste a bunda nos sofás das ante-salas de autoridades ou “otôridades”, na espera de que elas atendam o repórter e lhe dêem mais um pedacinho de informação. Exige que se gastem as pernas e as solas dos sapatos andando atrás de passeatas, comícios ou fugindo da polícia.

Exige ainda gastar a vista lendo livros, revistas, jornais, documentos, relatórios, certidões, o diabo, atrás de detalhes ou confirmações ou, no mínimo, como ponto de partida para se iniciar um trabalho com um mínimo de informações prévias. Gasta-se a vista também no simples exercício de olhar com olhos de ver. Tem muita gente que olha e não vê detalhes que acabam compondo pedaços por vezes vitais de uma reportagem.

No prefácio do livro de Ricardo Kotscho Explode um Novo Brasil — Diário da Campanha das Diretas, o deputado Ulysses Guimarães escreveu: “Como é que o Ricardo viu aquele jovem frenético, registrou a originalidade daquele dístico, enxergou aquela mulher chorando, ouviu daquele velho as histórias de outros comícios e outros personagens?”.

Pois é, a história às vezes passa diante do nariz e dos olhos da gente e a gente nem vê ou ao menos não vê todos os detalhes


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que a compõem. Ricardo Kotscho, aliás, especializou-se em contar as histórias dos anônimos, das pessoas e dos lugares que raramente entram nos jornais, rádios e televisões. E é inacreditável a quantidade de boas histórias que os anônimos são capazes de fornecer a quem sabe contá-las.

Já Gilberto Dimenstein preferiu investir a maior parte do seu tempo na investigação dos porões do poder. E deles drenou água podre de monte, tema preferencial de suas reportagens.

Só por esses dois exemplos, percebe-se que reportagem não é uma coisa única, feita de uma só face. Cada vez mais o mundo e, dentro dele, o mundo do jornalismo exige especialização, e houve um tempo em que se supôs que o repórter — estigmatizado como “especialista em assuntos gerais” — estava com seus dias contados. Bobagem. No limite, não há jornal, telejornal ou radiojornal se não houver ao menos um repórter na ponta da linha. Melhor ainda (para os repórteres): pode haver jornal, telejornal e radiojornal sem editores, redatores, produtores. Pode sair feio, mal feito, errado — mas sai se houver alguém disposto a contar uma história.

Mas jornais, telejornais e radiojornais poderão ser bem feitos e melhores se as novas gerações de repórteres se livrarem de um vício da grande maioria dos repórteres de hoje e de ontem. Trata-se da suposição de que para manter uma fonte (e o repórter depende muito delas) é preciso agradá-la no texto das histórias que o repórter conta. Não vou ao extremo de dizer que acariciar a fonte não ajuda a mantê-la. Mas pode ajudar também a agredir a verdade ou ao menos uma das faces da verdade e, no limite, o repórter de verdade vai sucumbir à angústia de sentir que está falhando.

É mais razoável e civilizado preservar as fontes pela reprodução fiel e bem-intencionada do que elas dizem ou pensam. Se o presidente da República disser que transformou o país em um paraíso, você deve escrever o que ele disse mas, em seguida, deve acrescentar os números e os fatos que demonstram que ele está enganado. Se o presidente da República for civilizado, pode até não gostar, mas vai respeitar o repórter que assim agir. Se não for civilizado, vai odiar o repórter. Mas, em princípio, o repórter


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nasceu para ser odiado pelo presidente da República. Afinal, o presidente (qualquer presidente em qualquer país) tem uma imensa parafernália de meios para dizer a sua verdade. O repórter tem apenas o que já se disse antes: a disposição para transpirar muito em busca da verdade fugidia e um mínimo de inspiração para contar bem a sua história.

Repórteres são ou não seres idiotas? São, mas as vezes conseguem até ser felizes na sua estranha maneira de viver a vida.


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AS ARMADILHAS DO PODER

Gilberto Dimenstein


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Experiente jornalista, o deputado federal pelo PDS, Amaral Netto, notabilizou-se durante o regime militar pelo convívio com oficiais das Forças Armadas — era visto como porta-voz informal. Nos dias de tédio, ele fazia uma curiosa brincadeira no Congresso. De manhã, na agitada sala do cafezinho, contava a algum parlamentar, pedindo sigilo absoluto, uma notícia “secreta”. E falava com riqueza de detalhes, dava nomes e diálogos. No final da tarde, ele voltava para a mesma sala do cafezinho e, invariavelmente, ficava satisfeito.

A “informação” que ele transmitira de manhã ganhava vida própria, enriquecida de diálogos, personagens, análises. Era normal alguém, pedindo sigilo, relatar-lhe com ares de verdade inapelável o boato inventado horas antes, agora amplificado com outros “fatos”. “Nunca falhou”, lembra o deputado, discípulo e depois rival do falecido jornalista Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara e um dos mais ruidosos líderes que o Brasil já conheceu. Amaral Netto constatava que não eram ludibriados apenas parlamentares, mas jornalistas. Ele lia nos jornais “notícias”, baseadas em “assessores” ou “fontes bem informadas”, nascidas de sua brincadeira.

 


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Os boatos contaminam todas as esferas da administração em Brasília. Basta um leve indício para que surja o boato, encaixado numa situação verossímil. Decisões importantes são geralmente articuladas em segredo. Então, sempre há alguém se apresentando como bem-informado, contando detalhes sobre encontros sigilosos. Se esse alguém for assessor próximo de quem manda, há boa chance de publicação do boato nos jornais.

Foi publicado com estardalhaço, em janeiro de 1990, que Collor tinha viajado ao Rio a fim de se encontrar com o professor Mário Henrique Simonsen, que seria convidado para ocupar o Ministério da Economia. Chegou a ser reproduzido diálogo entre ambos. Só que não houve nenhum encontro e muito menos convite, embora tenha sido anunciado em off (o nome do informante não pode aparecer) pelo deputado estadual de Alagoas, Cleto Falcão, amigo íntimo de Collor. Teoricamente, Falcão era uma fonte de primeira linha. Além disso, o encontro era verossímil. Mário Henrique Simonsen estava na lista dos cotados para o Ministério da Economia. Junta-se um indício — Collor efetivamente foi ao Rio — com uma situação possível. São ingredientes mais que suficientes para um sólido boato. Irritados com o erro, os editores estamparam o nome de Cleto Falcão como responsável pela “barriga” (notícia errada). O estrago já estava feito. Mesmo porque a responsabilidade do off é de quem publica, não de quem produz a informação falsa.

 

1.            Armadilhas

 

Esse é um detalhe das armadilhas diárias que devem ser evitadas pelos jornalistas que fazem a cobertura do poder. Não raro os profissionais, até mesmo os mais experientes, sucumbem às mentiras, contra-informações, deturpações e boatos. A informação é uma arma na guerra da sobrevivência política. Quem sabe mais pode mais. Ou perde menos. Quem ilude mais também ganha mais — pelo menos temporariamente. O sonho dos homens que me-


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xem com o poder é serem considerados impecáveis e infalíveis diante da opinião pública. Não apenas por vaidade, mas pela necessidade de sobrevivência — sem um mínimo de apoio ninguém se sustenta em seu cargo, deixando de ser ministro ou perdendo a reeleição a uma vaga no Congresso.

Mentir ou enganar um repórter não é uma apenas questão ética — mas um ingrediente habitual da vida pública, marcada por intermináveis conflitos, intrigas, esperteza e calculismo. Por ser o principal foco de notícias, usina das mais importantes manchetes nacionais, Brasília também é estímulo constante para que os jornais veiculem desinformação. Nem sempre o jornalista está preparado ou disposto a enfrentar a batalha da informação correta e precisa — e este é um quadro que se agrava drasticamente caso o dono do veículo de comunicação não quiser ou não puder manter independência.

A premissa básica e óbvia para o jornalista independente é a existência de veículos de comunicação dispostos a enfrentar os humores oficiais. O repórter sente-se estimulado a fazer escavações, contestando versões agradáveis ao governo, quando está convencido da disposição da empresa para colocar as notícias acima das conveniências políticas.

Muitas empresas, entretanto, dependem de verbas oficiais ou temem, por vários motivos, o raio coercitivo dos governos, mantendo-se na defensiva. O repórter precisa acreditar que tudo o que souber e estiver fundamentado será publicado e não sofrerá represálias, como a perda de emprego. Nada mais freqüente do que os governantes pedirem a “cabeça” de repórteres, irritados com esta ou aquela notícia.

Existe o batido chavão dos homens públicos de que apreciam a “crítica construtiva”, ressaltando a importância da imprensa. Em termos de sinceridade é algo parecido aos empresários, que, em seus discursos enaltecendo a economia de mercado, trombeteiam que a concorrência é “saudável” — desde que, evidente, não implique queda na venda de seus produtos. Compara-se também ao princípio alardeado no esporte de que o importante é competir, não vencer. Ninguém gosta de perder, o monopólio é o sonho íntimo da maioria dos empresários e nenhum governante


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fica feliz quando lê nos jornais uma crítica, por mais correta que seja.

Quando as “críticas construtivas” se intensificam, o presidente, governador, ministro, deputado ou senador tem o hábito de acusar um complô, no qual o jornal teria “inconfessáveis interesses” — há, entretanto, casos em que a imprensa serviu a inte­resses político-partidários, adotando campanhas para destruir presidentes. Durante o regime militar justificava-se a censura de im­prensa com o “perigo comunista” — ou seja, a “esquerda” comandaria as redações e, por conseqüência, teria nas mãos o poder da informação para tentar derrubar o regime, que se auto- intitulava “democrático”.

Em agosto de 1990, o presidente Fernando Collor decidiu processar a Folha de S. Paulo, através de seu ministro da Justiça, Bernardo Cabral. Ele estava irritado com a série de reportagens sobre a contratação, sem concorrência, de agências de publicidade para a produção da propaganda oficial. As empresas escolhidas eram as mesmas que trabalharam para Collor na disputa presidencial, no ano anterior. Se o jornal dependesse de verba oficial teria de recuar ou seria estrangulado.

A Folha serve como exemplo do tiroteio a que a imprensa crítica é submetida pela suspeita de complôs. Durante a disputa presidencial de 1989, Collor assegurava que o jornal era comandado pelo PT. O candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva, processou o jornal, acusando-o de deturpar suas afirmações a fim de prejudicá-lo. O candidato do PDT, Leonel Brizola, irritado com algumas reportagens, asseverava que a Folha estava a serviço do candidato do PDS, Paulo Maluf, que, por sua vez, alegava estar sendo “perseguido injustamente” pelo jornal.

Por trás desses ataques existe uma deliberada tentativa de neu­tralizar as revelações ou críticas desqualificando quem as produz e publica. No regime democrático, não se dispõe de instrumentos tão “eficientes” como a censura. E o relacionamento entre imprensa e poder exige mecanismos mais sutis para controlar o ímpeto investigativo.


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2.            Suborno

 

O ex-ministro Antônio Carlos Magalhães, ex-jornalista, é um dos gênios de sobrevivência política. Tem a confiança dos homens do poder desde Juscelino Kubitschek, passando pelos governantes militares, até chegar a José Sarney e Fernando Collor. Depositário de valiosos segredos, ele é autor de uma frase polêmica sobre a arte de buscar notícias: “Há dois tipos de jornalistas: os que gostam de dinheiro e os que gostam de informação. Nunca se deve dar dinheiro aos que querem informação. E nem informação aos que querem dinheiro”.

Não é uma imagem dignificante do jornalista, por pressupor a possibilidade do suborno — se não servir a informação, o dinheiro resolve. A frase de ACM, como é conhecido o ex-ministro, exagera, mas tem ingredientes de verdade. Favores e informação são, de fato, instrumentos para tentar neutralizar o jornalismo independente. Quando cheguei a Brasília, em 1983, fiquei impressionado com o alto número de jornalistas que trabalhavam no Congresso e ministérios e, ao mesmo tempo, nos jornais. Era comum um repórter fazer a cobertura do Congresso, onde também era funcionário.

Na sucessão de Figueiredo, Paulo Maluf foi guindado à condição de inimigo público número um pela imprensa. Mas seu vice, o deputado Flavio Marcílio, do Ceará, era poupado no noticiário que saía de Brasília. Marcílio era presidente da Câmara e controlava uma assessoria de imprensa com dezenas de profissionais que ocupavam função de destaque na reportagem política dos principais veículos de comunicação do país.

Em 1985, a Folha de S. Paulo publicou, durante quinze dias consecutivos, uma série de reportagens sobre esse relacionamento entre imprensa e poder, divulgando o nome dos profissionais com duplo emprego. A própria redação da Folha em Brasília era atingida pelo duplo emprego, incompatível com a postura independente assumida pelo jornal. Não significava que, necessariamente, quem tivesse emprego no Congresso e trabalhasse co-


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mo repórter deturparia informações, mas a tendência de refrear um comportamento investigativo é inevitável.

A série de reportagens apurou que o Congresso tinha contratado pelo menos 250 jornalistas, muitos deles sem concurso, patrocinando dolorosa discussão na categoria. O resultado foi saudável: as redações de sucursais dificultaram o duplo emprego, buscando aumentar salários para exigir exclusividade. O jornalismo de Brasília é, hoje, o mais competitivo do país, por concentrar sucursais dos mais importantes veículos de comunicação — a competição significa batalha diária pela notícia exclusiva, ou seja, o furo.

 

3.            Fontismo

 

Essa batalha incentiva o outro mecanismo de “suborno” apontado por Antônio Carlos Magalhães: a informação. As autoridades e seus assessores se dispõem a dar notícia em on (assumindo a autoria) ou off — mas, geralmente, estabelecem um preço. Um ministro não tende a dar informação a um jornalista que divulga críticas sobre suas decisões — ele é até capaz de passar a dar notícia apenas na tentativa de ganhar sua complacência. Isso é o que se chama de “fontismo”: relacionamento promíscuo entre o repórter e a fonte.

O jornalismo independente e, portanto, com credibilidade, significa atritos com o poder — logo, com as fontes. Atritos implicam boicote. Os repórteres não recebem sequer as informações mais ingênuas, como a data e o local onde o ministro vai-se reunir com empresários ou parlamentares. Mas os editores exigem de seus comandados boas notícias. É preciso, então, um malabarismo para que não se fique tão distante das fontes a ponto de perder a informação — e nem tão próximo que signifique deixar de publicá-la.

A busca desse equilíbrio exige a procura de novos e variados canais de obtenção de dados, único mecanismo para não cair


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nas armadilhas. O esforço compensa: o jornalismo e os jornalistas servis ganham o curto prazo, dão aqui e ali um furo sem maior importância, mas, a médio prazo, sofrem desgaste em sua credibilidade. E por um simples motivo: os governantes passam, voltam para casa, mas o jornalista e o leitor ficam. Quem quiser ser jornalista e ambicionar agrados do poder e, ao mesmo tempo, o respeito profissional, é bom ir logo procurando outra atividade.

Ser jornalista em Brasília é ser um aprendiz diário de como evitar armadilhas. Errando, aprendi que falta de cautela e pressa, temperadas com pitadas de arrogância, são o caminho mais rápido para se escrever bobagens. Quem acha que já está vacinado contra as malandragens não aprendeu nada. Não existe receita e nem este texto pretende ser uma espécie de manual de sobrevivência na selva. E apenas o relato baseado no fragmento de uma experiência individual, capaz de introduzir o estudante ou o simples interessado em jornalismo nos labirintos do relacionamento entre imprensa e poder, a partir da minha vivência em Brasília.

Estou convencido, porém, de uma regra básica: o jornalista que perdeu a curiosidade, e não tem a humildade de se admitir capaz de levar uma rasteira do imprevisível, é uma presa fácil na guerra da informação. E parecido a andar de bicicleta. Quando se pára de pedalar, a velocidade se reduz a zero. Alguns jornalistas desfrutam de mais vantagens na batalha da notícia por trabalharem em jornais mais importantes ou, pelo tempo de profissão, terem cultivado mais contatos, mas sabem que se deixarem de pedalar, a bicicleta da informação pára. O “foca” (iniciante) comete tantos erros com seu deslumbramento apressado como o veterano que se imagina acima das surpresas, dominado pelo tédio de quem já viu “tudo”.

O ex-governador de Minas, Magalhães Pinto, ex-chanceler e um dos principais dirigentes do movimento militar de 1964, é tido como um dos mestres do conhecimento do jogo político. Ele costumava dizer que a política é como uma nuvem, devido à maleabilidade de suas formas. Um de seus conselhos, que serve aos jornalistas, é estar sempre atento ao “fato novo”, ou seja, ao imprevisível.


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Os jornalistas políticos riram quando Paulo Maluf resolveu disputar o governo de São Paulo, na década de 70, pela via indireta — isso porque o candidato do Palácio do Planalto era o ex-governador Laudo Natel. Até o primeiro semestre de 1984, poucos imaginavam que o regime militar perdesse, no Colégio Eleitoral, seu suposto domínio, o poder para o PMDB. A cúpula do PT estava convencida de que a “revolucionária” e “radical” Luiza Erundina jamais ganharia a prefeitura de São Paulo. Além de mulher, nordestina: parecia algo fora do perfil desejado do paulistano. Era tratada com indiferença, mesmo durante a campanha, por militantes petistas, que gostariam de ver como candidato Plínio de Arruda Sampaio, derrotado na convenção do partido.

O fato novo surpreende inclusive seus beneficiários. A vitória do PMDB, através de Tancredo Neves, era inesperada até o começo de 1984 porque o PDS dispunha de maioria no Colégio Eleitoral. Ninguém poderia prever que José Sarney, que imaginava dedicar-se à literatura em seu mandato como vice-presidente, chegasse por vias tortas ao Palácio do Planalto.

A indiferença também ocorreu quando um governador alagoano, sem partido, sem apoio de trabalhadores ou empresários, decidiu disputar a Presidência da República. Collor venceu, transformando-se em “fato novo”. Nem ele imaginava, de início, tal desfecho: sua estratégia era gabaritar-se, a partir da eleição, para disputar no ano seguinte (1990) uma vaga ao Senado pelo Rio de Janeiro. Supunha-se menos ainda que, uma vez sentado na cadeira mais nobre do Palácio do Planalto, ele fosse desIanchar um plano com medidas que a “direita” temia que o PT aplicasse se fosse vitorioso.

 

4.            Bobos

 

Saí de São Paulo em 1983 para cobrir a sucessão do presidente João Figueiredo em Brasília, atraído pelos mistérios da engenharia do poder — ou seja, as peças que engrenam as decisões.


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Logo nos primeiros dias assistia, na ala reservada à imprensa, a uma monótona sessão do Senado, preenchida por sonolentos discursos de velhos senadores de ar paternal e ingênuo. Não era a imagem tradicional do político: vivo e de inexcedível esperteza. Comentei com um veterano jornalista, que já cobria o Congresso desde os tempos em que a capital era no Rio de Janeiro, que estava sentado a meu lado: “Como esses senadores têm cara de bobos’’. Sorrindo, complacente, ele aconselhou: “Já que você vai trabalhar em Brasília, é melhor que saiba de uma coisa: o mais bobo deles conserta um relógio no escuro. E com luvas de box”.

Achei graça do comentário, mas tratei de não esquecê-lo. Tive a chance de acompanhar ao vivo, freqüentando os cenários de decisão, como o Palácio do Planalto, o Congresso e os ministérios, um período efervescente: o fim do regime militar, marcado pela campanha das eleições diretas a presidente e a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e sua morte, passando pela “Nova República’’ e a Constituinte, até chegar ao “Brasil Novo”, de Fernando Collor. Passados apenas sete anos, foram quatro monumentais choques na economia. Trocou-se três vezes de moeda e, em seu rastro, uma penca de ministros e presidentes do Banco Central. O imprevisível era — como é — matéria-prima abundante.

 

5.            Versões

 

Fui conhecendo cada vez mais personagens capazes de consertar relógios no escuro e descobrindo que ser bobo, em Brasília, é se achar mais esperto do que os outros. E, ao contrário do que se aprende em casa em sermões paternais, mentir não é “coisa feia”, nem “Deus castiga” os mentirosos. Os políticos costumam repetir um velho ditado: “Em política, o que vale é a versão e não os fatos”. A autoria desta frase é atribuída a um dos principais líderes políticos mineiros, já falecido, José Maria Alckimin. Comenta-se que, certa vez, ele teria se encontrado com o ex-ministro da Educação de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema,


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que o acusou de plágio: “Eu inventei a frase e todos dizem que é sua” — reclamaria Capanema. Veio a resposta genial: “Você tinha mesmo razão. O importante é a versão e não os fatos”.

Uma das frases mais citadas em incontáveis artigos e análises, é atribuída ao célebre general Charles De Gaulle, líder da resistência francesa contra os nazistas e depois presidente da França: “O Brasil não é um país sério”. Mais tarde ficou comprovado, através de testemunhas, que o general jamais externou tal opinião. Inútil — a versão tornou-se fato. A história é repleta de exemplos de deturpações. Os jornais e, por consequência, os leitores, acabam sendo as maiores vítimas.

O falecido general Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações (SNI), já extinto, costumava dizer que analisava com atenção as mentiras políticas que circulavam pelo país: “Por trás de uma mentira há sempre muitas verdades”. Importante não era, no caso, saber se a notícia estava certa ou não — mas descobrir quem e por quê tinha interesse naquela informação. Ai era possível encontrar uma valiosa verdade, capaz de desvendar algum plano.

 

6.            Bombas e monstros

 

Informação é poder. Coincidência ou não, os chefes do SNI exerceram papel relevante durante o regime militar. Golbery foi figura de destaque nos governos Castello Branco, Ernesto Geisel e João Figueiredo, apontado como cérebro da distensão política. Dois chefes do SNI tornaram-se presidentes: Emílio Médici e João Figueiredo. Por ironia da história, Golbery deixou o Gabinete Civil na gestão Figueiredo, num embate justamente com o SNI, então dirigido por Octávio Medeiros, pretendente à Presidência da República. “Criei um monstro”, desabafou Golbery, que exigiu, sem sucesso, uma investigação mais profunda sobre a explosão de duas bombas no RioCentro, onde ocorria um show patrocinado em 1981 pela “esquerda”, em comemoração ao 1.º de Maio.


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Num acidente de trabalho, as bombas explodiram no carro onde estavam militares ligados à comunidade de informações, segmento que se mostrava incomodado com a abertura política. Golbery estava convencido de que o pavio das bombas passava pelo alto escalão do governo, envolvendo Octávio Medeiros e seu poderoso chefe da Agência Central do SNl, Newton Cruz. Ambos seriam atingidos, não diretamente pela demissão de Golbery, mas por uma bomba lançada tempos depois, que teve efeito devastador em suas carreiras: a morte do jornalista Alexandre Von Baumgarten.

Baumgarten mantinha estreitos laços com integrantes da comunidade de informações, de quem se aproveitava financeiramente. Obtinha recursos para a revista O Cruzeiro, da qual foi diretor. Ele foi assassinado quando passeava de barco no Rio de Janeiro. Foi entregue dossiê para a revista Veja, no qual Baumgarten escrevera que sua morte estava sendo planejada pela alta cúpula do SNI, citando nominalmente Medeiros e Newton Cruz. O dossiê mudou os rumos da sucessão presidencial, tirando qualquer chance de Medeiros. Quem vazou o dossiê sabia avaliar seus efeitos.

O episódio da sucessão de Figueiredo é ilustrativo das dificuldades da cobertura política, repleta de intrigas entre os ministros, o que estimulava os mais variados tipos de balões de ensaio. Boa parte da imprensa imaginava que o candidato escolhido pelo presidente sairia vitorioso no Colégio Eleitoral — a escolha era feita pelos integrantes do Congresso, num processo indireto criado pelos militares para impedir que a oposição chegasse ao Palácio do Planalto.

A chave da sucessão, portanto, estaria em descobrir quem balançava o coração do presidente, a ser beneficiado com a máquina oficial. Inicialmente as suspeitas recaíram sobre Medeiros, depois detonado pelo dossiê. Desfilaram pelas especulações nomes como Mário Andreazza, ex-ministro do Interior, Aureliano Chaves, Marco Maciel, Costa Cavalcanti, Rubem Ludwig, Jarbas Passarinho etc.

Cada assessoria espalhava pela imprensa supostas evidências de que Figueiredo tinha como predileto seu candidato. No final, surgiram sólidos indícios de que o presidente queria reeleger-se, daí não apontar nenhum nome. Acabou dando Paulo Maluf na


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disputa dentro do PDS, o partido de sustentação do governo. MaIuf disputou com Tancredo que, em sua vitória, teve a ajuda de ministros de Figueiredo, entre eles o influente Leitão de Abreu, chefe do Gabinete Civil. Foi um período rico de intrigas dentro do governo, já que alguns ministros como Delfim Netto e Abi-Ackel apostaram em Paulo Maluf, enquanto o então vice-presidente Aureliano Chaves rompia com Figueiredo e, ao liderar uma dissidência no PDS, viabilizou a vitória do Tancredo Neves.

 

7.            Brigas

 

Os conflitos surgidos na equipe de Figueiredo relacionados à eleição repetem-se na maioria dos governos, em maior ou menor escala. Não há governo em que os ministros não se desentendam entre si — ou ministros que não se choquem com seus auxiliares. A briga é uma ótima chance para o jornalista obter preciosas e verdadeiras informações sobre os bastidores do governo e falhas dos ministros ou do presidente. Quanto mais brigas, mais informações e vazamentos. Os repórteres ficam atentos para saber quem está brigando com quem, a fim de obter inconfidências ou documentos.

Durante a gestão José Sarney, os jornalistas atentos aos bastidores obtinham farto material. O chefe do SNI, Ivan Mendes, chegou a articular um esquema especial de vigilância em torno do ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, por suspeita de corrupção — tempos depois, devido a uma série de reportagens da Folha de S. Paulo, Aníbal Teixeira, já fora do cargo, foi indiciado por corrupção pela Polícia Federal. O então ministro, sabendo da vigilância, não falava mais nada de importante nos telefones de seu ministério, imaginando-os “grampeados”, como, de fato, estavam.

Investigado pela CPI da Corrupção, formada no Senado para apurar irregularidades no governo Sarney, Aníbal mostrou até onde podem ir as divergências.. Já longe do Ministério, ele apon-


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tou “negociatas”, supostamente articuladas no Palácio do Planalto, mais precisamente pelo genro do presidente, Jorge Murad. Entraram no tiroteio contra o governo vários ex-ministros: Bresser Pereira, Dilson Funaro, João Sayad e Marco Maciel. Funaro deixou o Ministério da Fazenda apontando corrupção no governo, mas sem dar nomes, num procedimento idêntico ao de Bresser Pereira. Em off, eles citavam o consultor-geral da República e depois ministro da Justiça, Saulo Ramos.

Em seu depoimento na CPI da Corrupção, Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda, disse que havia “corruptos” próximos ao presidente Sarney. Os senadores pediram nomes e ele não deu, criando um tumulto na sessão. Parlamentares ligados ao governo consideraram irresponsável fazer acusações sem nomes e provas. Na intimidade, Bresser afirmava ter “certeza” de que Saulo Ramos era beneficiário de negócios feitos pelo governo. “Não posso provar, mas é verdade”, repetia.

Havia, realmente, motivos para a irritação de Bresser e Funaro contra Saulo Ramos, homem de absoluta confiança de Sarney, que participou de ambas as “frituras”, espalhando pela imprensa indicações de que o presidente gostaria de mudar seus ministros. A fritura consistia em ir “queimando” o ministro até que, sem forças, pedisse demissão. A imprensa descobria o processo antes mesmo do fritado. Os repórteres com acesso a assessores do Palácio do Planalto acompanhavam cada lance do desgaste. No caso de Funaro, que transformou em bandeira a moratória da dívida externa, o sinal mais nítido de fritura veio quando Sarney determinou a criação de uma comissão para negociar com os banqueiros internacionais.

O primeiro a ser “fritado” por Sarney foi Francisco Dornelles, ministro da Fazenda indicado por Tancredo Neves. O assessor de imprensa do Palácio do Planalto, Fernando Cesar Mesquita, manifestou por várias vezes, em conversas reservadas com jornalista, restrições à política econômica de Dornelles. Como Fernando Cesar era íntimo do presidente e passava, calculadamente, recados, sabia-se que estava em andamento a derrubada do ministro. Rodeado por repórteres em seu gabinete no Palácio do Planalto, Fernando Cesar assistia ao Jornal Nacional, na TV Globo,


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quando apareceu uma entrevista de Dornelles. “Esse sujeito é uma besta”, disse o assessor. Num estilo mais polido, esta frase foi reproduzida nas colunas de jornal. Até que o ministro pediu demissão, sentindo-se desprestigiado.

 

8.            Deslizes

 

Se as brigas dentro do governo ajudam na garimpagem de boas informações, elas também são campo fértil para deslizes dos jornalistas. A rede de intrigas acaba gerando fantasias e “notícias” destinadas apenas a atrapalhar a vida dos adversários. Delfim Netto ouviu dezenas de boatos de que iria cair durante o governo Figueiredo — saiu, como se sabe, no último dia de mandato. Os boatos ocorriam com mais freqüência nas sextas-feiras, dia em que Brasília está mais vazia e com menos notícias. Quanto mais vazia a cidade, mais chance de boatos. Os períodos de recesso, carentes de notícia, são propícios para as chamadas “cascatas”, especulações travestidas de informação.

Uma guerra de bastidores dentro do governo Collor, mostrou o campo movediço para os jornalistas, vítimas das intrigas e, em especial, das informações em off. O governo lançou, em julho de 1990, um programa de recuperação das estradas federais batizado de S.O.S. Rodovias, inaugurando efervescente polêmica. As empreiteiras seriam contratadas, de acordo com decreto elaborado pelo então secretário dos Transportes, Marcelo Ribeiro, sem licitação.

Quando o decreto saiu no Diário Oficial, logo de manhã começaram os telefonemas de jornalistas e parlamentares comentando que a dispensa de licitação era absurda e seria uma fonte inesgotável de suspeita — Marcelo Ribeiro exercia cargo de direção numa empreiteira antes de se tornar secretário. De resto, fora indicado pelo empresário Paulo Cesar Cavalcanti Farias, tesoureiro da campanha de Collor, duto por onde escoavam recursos de origem suspeita.


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O ministro da Infra-estrutura, Ozires Silva, superior de Ribeiro, foi ao Palácio do Planalto e, em audiência com Collor, pediu e conseguiu a revogação do decreto. Mas, em off, o porta-voz da Presidência, Cláudio Humberto Rosa e Silva, disse a repórteres que Ozires Silva fora ao Palácio do Planalto pedir não a revogação do decreto, mas sua manutenção — alguns jornais sustentaram essa versão, que isentava de qualquer responsabilidade Collor e Marcelo Ribeiro.

Dias depois, Ozires Silva voltou ao Palácio para pedir a demissão de Ribeiro, mas não a conseguiu imediatamente. Collor queria deixar o assunto esfriar no noticiário, oferecendo uma saída honrosa ao secretário, que pediria demissão. Mas o porta-voz Cláudio Humberto insistia, em off, que o episódio estava superado e Ribeiro prestigiado — essa versão aparecia nas colunas e nas reportagens da imprensa. Foi montada uma encenação para dar aparência de que tudo estava bem. Do Palácio do Planalto saíam especulações de que Ozires poderia cair e não o secretário dos Transportes. Especulações também publicadas e estimuladas por Paulo Cesar Cavalcanti Farias.

Publicamente, Ozires e Ribeiro negavam qualquer desentendimento. “É um episódio superado”, diziam. Na frente das câmaras, eles se abraçavam, distribuindo sorrisos. O resultado é que no início de agosto Ribeiro pediu mesmo demissão e, mais uma vez, a vítima foi parte da imprensa, que confiou demais e checou de menos. O fato é que, logo depois de Ozires pedir sua “cabeça”, Ribeiro confidenciava a amigos que sairia do governo “inapelavelmente”.

O episódio S.O.S. Rodovias traz mais ensinamentos sobre o jogo da informação. O decreto de dispensa da licitação foi baseado num parecer do jurista Hely Lopes Meirelles, apresentado como resposta à consulta do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). O parecer foi produzido depois que a consultoria jurídica do Ministério da Infra-estrutura negou aprovação à dispensa de concorrência.

Decidi investigar o parecer porque o dirigente do DNER, José Amorin, depois indicado para o lugar de Marcelo Ribeiro, disse-me em on não ter feito nenhuma consulta ao jurista. Telefonei


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para este, que mesmo adoentado, se dispôs a dar informações. Perguntei-Ihe detalhes sobre o parecer e, em determinado momento, ele revelou que o estudo fora encomendado por empreiteiras “interessadas na obra”. Fiquei espantado com a revelação, mas supus ter entendido mal. Perguntei de novo e veio a confirmação. Cheguei a dizer como iria redigir a informação, e não houve nenhum reparo. Aproveitei para tentar saber o nome das empreiteiras “interessadas” e Meirelles alegou “memória fraca”.

A Folha estampou a revelação, atribuída ao jurista, aumentando a polêmica. Logo no dia seguinte, Ozires foi ao Palácio pedir a demissão de Ribeiro. Neste mesmo dia, de manhã, fontes confiáveis informaram ao jornal que Ribeiro estava preparando um modo de apresentar o parecer como encomenda do Geipot, órgão de planejamento subordinado à Secretaria dos Transportes. Ribeiro obteve de Meirelles uma carta onde afirmava não ter dito o que, efetivamente, disse. Ao mesmo tempo, foi divulgado pela imprensa um ofício do Geipot encomendando o texto. Recebi, de um assessor de Ozires Silva, a informação de que o ofício tinha data retroativa.

Entrei em contato com a direção do Geipot, que se comprometeu a mostrar todos os documentos, em especial a nota de empenho que autorizava o pagamento. O Geipot não mostrou nenhum documento, apesar da promessa. Para complicar, semanas depois do episódio, morreria o jurista Hely Lopes MeirelIes, tornando ainda mais difícil a obtenção de detalhes sobre o nebuloso decreto de dispensa de concorrência.

 

9.            Habilidade e manipulação

 

Há diferentes modalidades de manipulação. Não se pode colocar no mesmo saco a defesa esfarrapada de funcionários corruptos ou desleixados, responsáveis pelo desvio ou má aplicação dos recursos, e uma declaração sinuosa de um político sobre suas pretensões, quando negacear faz parte da essência do jogo. O fol-


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clore político é recheado de histórias e lendas enaltecendo, no fundo, a capacidade de ludibriar — e, portanto, de manipular a informação.

Jânio Quadros notabilizou-se pela paixão de encenações grandiloqüentes, a fim de obter dividendos eleitorais. Nos comícios, ele tirava do bolso um sanduíche de mortadela, algo que não comeria em sua casa. Espalhava imitações de caspa nos ombros do paletó. Sempre buscando o papel de vítima, inventava doenças. No seu último mandato de prefeito, ele estava no carro acompanhado de seu antigo amigo, o deputado Roberto Cardoso Alves, dirigindo-se a uma solenidade. À saída do carro, Jânio pediu ao amigo que lhe desse o braço para se apoiar. Cardoso Alves estranhou. O prefeito parecia bem de saúde, não precisava de ajuda para andar. Jânio explicou: “O povo adora sentir pena dos governantes”.

A condição de vítima é apreciada pelos políticos brasileiros por render simpatias populares. Quando Jânio renunciou, acusou “forças poderosas” de se unirem para derrotá-lo e manter privilégios. Durante sua campanha, Collor também apreciava o roteiro do perseguido e, ao final dos comícios, esbravejava “Não me deixem só”.

A cena mais dramática e famosa foi protagonizada por Getúlio Vargas, que vinha sofrendo um violento cerco a seu governo em 1954, intensificado depois de um atentado contra o jornalista e líder da UDN, Carlos Lacerda, no qual morreu um oficial da Aeronáutica — Lacerda teve ferimentos leves. O atentado foi tramado por um auxiliar de Getúlio, Gregorio Fortunato.

O apoio a Getúlio caía vertiginosamente, o que favoreceu perda de sustentação na cúpula das Forças Armadas. Getúlio Vargas suicidou-se deixando carta-testamento, um dos textos mais importantes da história do Brasil, acusando um monumental complô. No rastro da carta-testamento, deixou uma infinidade de discípulos, dos quais o mais conhecido da atualidade é o ex-governador Leonel Brizola. O ex-governador também gosta de se assemelhar com o seu ídolo político e, freqüentemente, se apresenta como perseguido dos “opressores”, patrocinados pelo “capital estrangeiro”.


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Inventar inimigos é um conhecido truque para angariar apoio popular. Os ditadores argentinos conseguiram reunir as massas quando invadiram as ilhas Malvinas, pertencentes à Grã-Bretanha, transformando os ingleses em inimigos. O ditador cubano Fidel Castro manipula com maestria a ameaça “imperialista”, a fim de auxiliar sua condição de líder. Os militares brasileiros viam comunistas escondidos em todos os cantos, justificando-se pelo fato do não-restabelecimento da democracia. Estabelecida a democracia, ficou nítido que os comunistas eram um monstro de papel.

Em política, são incontáveis os truques, renovados a cada dia. Conta o folclore que o falecido presidente Tancredo Neves, considerado um dos gênios da manipulação política, encontrou-se no aeroporto de Brasília com o ex-governador e ex-chanceler Magalhães Pinto, seu rival durante o regime militar — ambos tinham interesses divergentes em Minas Gerais. Extremamente polidos, eles se cumprimentaram, elogiaram-se mutuamente. Tancredo perguntou: “Para onde você vai?”. Magalhães, sem titubear, respondeu: “Vou ao Rio de Janeiro”.

Eles se despediram. Tancredo, sorrindo, comentou com o jornalista João Emílio Falcão, que o acompanhara ao aeroporto: “O Magalhães disse que iria para o Rio para eu pensar que ele vai para Belo Horizonte. Mas acho que ele vai para o Rio mesmo”.

As lendas mineiras atribuem também a Tancredo um “fato” saboroso. Eleito governador, começaram as inevitáveis brigas para a escolha do secretariado. O deputado Juarez Batista sonhava em tornar-se secretário da Agricultura, certamente imaginando vôos mais altos no futuro. O deputado disse a jornalistas, em off, que Tancredo já o sondara para o cargo. A “notícia” circulou pelos jornais e o deputado entrou nas costumeiras listas de “secretariáveis”. Oficialmente, Juarez mantinha-se numa posição dúbia, dando a entender ter sido possível a tal sondagem. Quando o boato cresceu, o deputado pediu audiência ao governador eleito: “Dr. Tancredo, a imprensa está falando no meu nome para secretário. Meus eleitores estão curiosos. O que digo a eles?”. “Olha Juarez, diz que você foi mesmo convidado e não aceitou”, respondeu Tancredo.


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Esse caso foi divulgado pelos jornais. Mais tarde descobriu-se que fora espalhado por inimigos de Juarez Batista, estes também de olho na secretaria e querendo desmoralizar o adversário. Esse mesmo roteiro já teve como personagens outros políticos mineiros, como José Maria Alckimin e Juscelino Kubitschek.

Estudar história serve como mais uma arma do arsenal para se enfrentar o dia-a-dia da cobertura política. Os leitores ficariam espantados se pudessem constatar que não poucos repórteres atuando no Congresso são desprovidos de conhecimentos básicos sobre a história recente do Brasil. Tal carência coloca-os ainda mais vulneráveis diante da sofisticação do jogo político, já que é fundamental conhecer a biografia dos personagens e a evolução de idéias e instituições.

 

10.         Cotações

 

A lenda sobre o caso Juarez Batista não se limita ao humor. Um dos momentos mais propícios ao lançamento de “balões de ensaio” é durante a época de escolha e substituição de auxiliares de presidentes ou governadores. A imprensa dá espaço às mais variadas especulações sobre os ministeriáveis ou Secretariáveis. Fazem-se profundas análises a respeito das cotações de cada um, dissertam-se sobre as forças políticas ou atributos técnicos dos pretendentes. É comum que as “cotações” sejam vazadas por assessores próximos do presidente ou do governador para medir a reação em torno dos nomes.

Tancredo Neves tinha o hábito de criar confusão para a escolha de seus auxiliares. Eleito presidente, viajou à Europa e aos Estados Unidos. Antes, porém, espalhou através de seus amigos os nomes dos possíveis ministeriáveis. Ele confidenciaria que se tratava de uma estratégia para medir as reações políticas. “Vamos deixar as ondas baterem e depois analisar a espuma”, justificava.

Os pretendentes ao cargo conhecem as regras do jogo. É normal que eles se auto-candidatem para algum cargo executivo, uti-


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Iizando os jornais. Basta uma nota numa coluna prestigiada da imprensa para o nome entrar na cobiçada lista de cotações. De repente, o candidato “bicão” ganha adeptos, arregimenta aliados e passa, efetivamente, a entrar nas especulações do presidente.

O deputado Roberto Cardoso Alves sonhava em ser ministro da Agricultura de Tancredo Neves. Apareceu nas cotações, apenas da imprensa. Ele dizia em off, para jornalistas, apoiado por seus amigos próximos ao presidente eleito, ter chance — mas não tinha. Tancredo Neves, seguindo a lógica de sua costura, unindo retalhos das forças que o apoiaram, achava Cardoso “inadequado” por ser proprietário de fazendas, o que irritaria as esquerdas.

A assessoria do presidente Fernando Collor fez vazar, logo depois de sua vitória nas urnas, o balão de ensaio chamado José Serra. Ele tinha interesse, de fato, em colocar Serra, parlamentar do PSDB, em seu governo — e deixou o nome flutuando. Houve resultados: importantes empresários paulistas aderiram à idéia, patrocinando a indicação. Mas uma ala do PSDB, notadamente o senador Mário Covas, disse que não, ameaçou até mesmo sair do partido, alegando que acabara de subir no palanque do candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva. A incoerência, segundo ele, mancharia sua imagem. Acabou, como todos sabem, dando Zélia Cardoso de Mello.

Houve tantas especulações em torno de quem seria ministro de Collor que se produziu uma cena tão insólita quanto engraçada. Em fevereiro de 1990, chegou ao “Bolo de Noiva”, o prédio anexo ao Itamaraty onde o presidente preparava seu plano de governo, o ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Eliseu Alves. Era um dos cotados para assumir o Ministério da Agricultura. Sua presença, ali, já acompanhado de assessores, para conversar com Collor movimentou os repórteres — certamente estava escolhido. Se alguém lhe perguntasse, ele negaria, mas tinha certeza de que fora indicado para o cargo. Ele fora chamado pelo embaixador Marcos Coimbra, depois feito secretário-geral da Presidência, e, imediatamente, tomou um avião de Belo Horizonte, onde estava.


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Dirigiu-se para a sala de Marcos Coimbra e, para sua surpresa, descobriu que não havia nenhuma audiência marcada com o presidente — e nem Coimbra sabia quem o convidara para ir ao “Bolo de Noiva”. Era um trote. Uma voz se apresentara como sendo a do embaixador e ele simplesmente acreditou. Esse mesmo trote foi passado no deputado Alysson Paulinelli que, desconfiado, checou e evitou o vexame.

O ex-presidente da OAB, Bernardo Cabral, passou por situação parecida. Cauteloso, Tancredo fazia convites indiretos para, numa eventualidade, poder voltar atrás. Ele fez saber ao então governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho, seu aliado na campanha presidencial, que estava firmemente propenso a escolher Bernardo Cabral para o Ministério da Reforma Agrária.

Foi uma cotação alta. Tão alta que Adolfo Bloch, dono da rede Manchete, preparou em Brasília um solene jantar com os “futuros” ministros da chamada “Nova República”. Via-se, sentado à cabeceira de uma imensa mesa, Bernardo Cabral. Mas, ao contrário dos demais, não parecia feliz. Estava carrancudo, visivelmente deprimido. Horas antes do jantar houve mudança de rota. Fora escolhido para seu lugar o advogado Nelson Ribeiro. Em compensação, Cabral foi escolhido, cinco anos depois dessa cena constrangedora, ministro da Justiça.

 

11.         Mentiras e inflação

 

A manipulação é tão comum na cobertura da área econômica do governo quanto ouvir declarações de que a inflação vai cair. O economista José Serra gosta de repetir um antigo ensinamento de profissão: “É importante estudar economia, no mínimo para não ser enganado pelos economistas”. Os ministros acreditam que, por “patriotismo”, não podem ser totalmente transparentes — o que, até certo ponto, é correto.

O ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, se recusava sistematicamente a fazer projeções sobre a taxa de inflação, ape-


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sar de ter em mãos índices seguros sobre qual seria o índice ao final do mês. “A previsão se transforma em piso mínimo dos preços”, argumentava. Ou seja, se o ministro fala que a inflação do próximo mês será 20%, os empresários reajustam seus preços com base na estimativa oficial. O ministro se torna um estimulador da inflação, que deve, como missão primeira, combater. Por isso a vocação de ministros da área econômica de esbanjarem otimismo em público.

A inflação tem inegáveis ingredientes psicológicos. Os empresários suspeitam por algum motivo de que os preços vão subir. Para se prevenirem contra perdas, sobem o preço de seus produtos — e, aí, a inflação sobe mesmo. Muitos ministros ficam irritados ao ler previsões sombrias nos jornais, culpando a imprensa pelas expectativas pessimistas e, portanto, pelo crescimento da crise. Essa acusação não é integralmente errada. A questão é que se os governos não gastassem mais do que recebem, emitindo moeda, a inflação teria bem menos motivos para subir.

Mas o otimismo exacerbado também faz mal. Durante o Plano Cruzado, o país vivenciou uma extraordinária euforia. Os índices de aprovação do presidente Sarney ultrapassaram os 90%, de acordo com pesquisas de opinião. O salário aumentava, o crescimento da economia era vertiginoso, mas os preços estavam congelados.

Boa parte da imprensa se encantou com a euforia, deixando de dar ênfase a discussões de bastidores indicando que o sonho iria logo acabar e viria o pesadelo de quem esbanjou demais. Terminadas as eleições de novembro, quando se elegeram governadores e parlamentares federais, a inflação retornou em alta velocidade. Algo que talvez fosse evitado se o governo realizasse como deveria os devidos reajustes no plano. O mais importante trabalho jornalístico sobre os bastidores do Plano Cruzado foi escrito em livro por Carlos Alberto Sardenberg, na época assessor de imprensa do ministro do Planejamento, João Sayad. Ali, ele conta com riqueza de detalhes que os técnicos vislumbravam a crise futura devido à falta de ajustes, como o descongelamento paulatino dos preços.

Os congelamentos serviram para criar graves problemas às equipes econômicas — entre eles o de irradiar boatos. Basta um


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leve sinal, uma tênue suspeita, surgem boatos de congelamento de preços. Apavorados, os empresários correm para reajustar seus produtos à espera da medida — e, como é óbvio, a inflação sobe. De pouco adiantam as negativas das autoridades, porque a regra do jogo manda que nunca se devem confirmar antecipadamente medidas drásticas.

Também é verdade que o contato de décadas e mais décadas com a subida contínua de preços tornou o brasileiro mais propenso a acreditar sempre no pior. Tal sentimento foi estimulado por três sucessivos fracassos evidenciados desde a gestão de Figueiredo, chegando à chamada “Nova República”, através dos planos Cruzado, Bresser e Verão, que impuseram congelamento. Depois do alívio temporário, o ritmo da carestia voltava a pleno vapor.

Quando assumiu o Ministério da Fazenda, Mailson da Nóbrega pegou a economia tumultuada. Passou a maior parte do tempo de suas entrevistas atacando o congelamento, classificando-o de ineficaz. Tanto falou que acabou convencendo. O próprio Ministério espalhou o boato de que se o presidente Sarney tentasse um choque, Mailson pediria demissão.

Conversava freqüentemente com o ministro Mailson e sempre ele enfatizava que o choque seria um desastre. Não parecia dissimulado, olhava fixo no olho, passando a impressão de extrema sinceridade. Eu saía dos encontros impressionado, duvidando das informações que recebia de outras fontes, de que viria mesmo o congelamento. Mas desde que Mailson entrou no Ministério, deslanchou a preparação em segredo do congelamento, que seria, no seu entender, a única saída para tirar a inflação de um patamar elevado.

O despiste faz parte da regra do jogo. Os assessores de Bresser Pereira divulgavam pelos bastidores documentos aos jornalistas indicando, através de números, por que um congelamento daria errado. Eu mesmo recebia esses documentos. Eram números convincentes. Mas veio o choque e um assessor que liberava esses documentos me chamou em sua sala e, num rasgo de sinceridade, confirmou a contra-informação. Mostrou, então, todos os números com os quais a equipe econômica trabalhava.


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A ministra Zélia Cardoso de Mello seguiu o mesmo roteiro. Negou o quanto pôde que seria decretado congelamento de preços. Conseguiu até mesmo convencer alguns repórteres, que se dispunham a fazer vazar informações de assessores para embaralhar convicções. Veio mesmo o congelamento, apresentado com o pomposo nome de prefixação zero. “A sociedade rejeita esse tipo de mecanismo. Nunca pensamos em aplicá-lo. É invenção da imprensa”, repetia Zélia. Também era “invenção da imprensa” a decretação de feriado bancário, preparatório para o choque, nos últimos dias do governo Sarney.

Dias antes do choque, a ministra Zélia deu entrevista coletiva e os repórteres queriam saber se haveria mexida nas aplicações financeiras. Foi-lhe perguntado onde deixava seu dinheiro. A resposta foi rápida e direta: “No over”. Muita gente raciocinou que o over, aplicação por um dia realizada pelos bancos, estava garantido. Não estava. Evidente que se a ministra viesse a público dizendo que mexeria no over, na poupança e conta-corrente os bancos não suportariam a corrida e faliriam.

Não é fácil manter segredos como esses por muito tempo, por envolverem poderosos interesses. Os jornais percebem estranhas movimentações e ficam de antenas ligadas. Para se aplicar um choque é preciso chamar cada vez mais gente a fim de detalhar os decretos, portarias, projetos. Os assessores têm namoradas, esposas, filhos, amigos, e são capazes de inconfidências. Pelas salas de reuniões passam secretárias e contínuos. De resto, depois que se inventou a máquina xerox, manter segredos tornou-se ainda mais difícil. É atribuída a Golbery a suposição de que sempre alguém tem um grande amigo, numa cadeia interminável de confiança — portanto, o sigilo mais cedo ou mais tarde acaba se desfazendo.

Existe uma ilustrativa história entronizada na lenda política. Um correligionário aproximou-se de Tancredo Neves, a fim de contar uma inconfidência, ressalvando: “Dr. Tancredo, vou-lhe contar um segredo mas, pelo amor de Deus, não conte para mais ninguém”. Tancredo ponderou: “Meu filho, é melhor não contar. Se você, que é dono do segredo não consegue guardá-lo, imagine eu”.


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O governo Collor conseguiu entrar na história do despiste aos jornalistas. Quando foi eleito, ele apressou seu plano econômico contra a inflação, que ultrapassava os 80% ao mês. A imprensa tentava descobrir os detalhes do plano numa feroz disputa pelo furo. A cada dia saíam especulações sobre as prováveis medidas, dividindo-as em três categorias: idéias totalmente aceitas, parcialmente aceitas ou em estudo. Para o futuro governo era vital que se mantivesse o segredo. Num jogo de contra-informação, espalhavam-se pistas erradas, muitas delas publicadas pela imprensa. Um lance, em particular, foi contundente.

Recrudesceram notícias sobre o que viria no Plano Collor. Zélia Cardoso de Mello, ainda não escolhida oficialmente ministra, mostrou-se abatida diante dos repórteres. Chegou a dizer que não seria indicada para o Ministério devido ao vazamento de importantes informações, o que atestaria incompetência para guardar segredos. O sinal parecia nítido: acertara-se em cheio nas descobertas das informações sobre o pacote. Esse abatimento, porém, foi programado com o próprio Collor, a fim de dar a impressão de que aquelas notícias estavam corretas.

Conclusão: ninguém publicou que o governo iria confiscar as cadernetas de poupança, os saldos em conta-corrente, as aplicações no overnight. Se essa notícia fosse estampada, a correria aos bancos seria inevitável. O despiste funcionou plenamente, embora se diga que um grupo seleto sabia do que viria e sacou dinheiro na boca do caixa, o que motivou uma investigação comandada pelo senador Jamil Haddad, do PSB do Rio de Janeiro. Há suspeitas de que um seleto grupo de amigos de Collor, reforçando a máxima atribuída a Golbery, sabia da essência do pacote, e salvou suas economias. Tal assunto rende versões, fofocas e desconfianças — boatos ou não, comprovou-se através de documentos que o governador de Alagoas, Moacir Andrade, amigo de Collor, tirou uma boa quantia de um banco.


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12.         Fofocas

 

Brasília é uma cidade propícia à rápida propagação de versões, fofocas e boatos. A escala social é demarcada a partir de uma linha divisória: quem manda ou quem não manda. E, em seguida, quem manda pouco ou quem manda muito. A informação é uma das formas de ostentar posição privilegiada. Presume-se que quanto mais poder alguém desfruta, mais informações tem. É esperado que o presidente tenha mais dados do que o ministro da Economia, que, por sua vez, deve dispor de mais informações do que seus assessores.

E um dos motivos que faziam do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) um ser quase mitológico, admirado e temido por seu suposto incomparável grau de manipulação, sobretudo por ter o hábito de escutar, grampear telefones, abrir cartas indevidamente ou captar mensagens de telex. O chefe do SNI estava em invejável posição na escala social de Brasília. A busca de aparentar prestígio impulsiona algumas pessoas a se mostrarem bem informadas e aí é preciso mostrar que se está “por dentro” dos detalhes da Corte.

Qualquer jornalista de Brasília conhece dezenas de fofocas sobre a vida privada dos governantes, marcadas por lances de aventura e arrebatamento. Quando a ministra Zélia Cardoso de Mello anunciou que estava apaixonada, sem, porém, revelar o nome, acendeu a curiosidade do país. Não faltaram, em Brasília, fontes “confiáveis”, jurando saber quem era o namorado misterioso. E davam detalhes sobre os encontros sigilosos, as tramóias armadas pelos namorados para fugir da imprensa. Vazou-se por colunas da imprensa que a paixão da ministra chamava-se Bernardo Cabral, ministro da Justiça. A suspeita surgiu depois que ambos foram vistos jantando num restaurante em Nova York. Casado, Cabral via-se forçado a dar constrangedoras explicações a seus amigos e familiares.

A vida particular de Collor também despertou um vendaval de fofocas — isso porque ele passou sua adolescência em Brasília, onde teve namoradas e amigos. Não era um adolescente reca-


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tado: ao contrário, adorava farras e festas. E suas predileções notórias serviram como usina de “informações” sobre particularidades sexuais do adolescente Collor. Os comentários vinham salpicados por insinuações sobre drogas, vazadas sutilmente pela imprensa durante a campanha eleitoral.

Fisgados pelas insinuações, assessores do PDT e PT buscavam, sigilosamente, provas que mostrassem envolvimento com drogas do então candidato do PRN, para utilizar durante a campanha. Era uma das bombas imaginadas para tentar detonar o crescimento de Collor nas pesquisas de opinião pública. O PDT, de Leonel Brizola, conseguiu apenas mostrar um vídeo exibindo que Collor foi padrinho de casamento de um empresário de Alagoas, preso por consumo e tráfico de drogas — o que, a rigor, nada indica. Ninguém pode ser culpado pelas suas amizades.

Collor tinha pleno conhecimento de todas essas insinuações, considerando-as negativas para sua imagem. Pouco tempo depois de assumir a Presidência, ele lançou uma campanha de combate às drogas. Nas suas corridas dominicais, ostentava na camiseta slogans contra o vício. Os repórteres sabiam o que estava por trás, mas não se podia fazer uma notícia calcada numa suspeita.

A maior vítima da invasão de vida privada não foi Collor, mas seu rival, Luis Inácio Lula da Silva. A assessoria de Collor estava espantada com a queda nas pesquisas no segundo turno eleitoral. A equipe “collorida” decidiu levar ao vídeo um contundente depoimento de uma ex-companheira de Lula. Mirian Cordeiro contou detalhes de sua vida íntima com o candidato do PT, afirmando que fora forçada, sem sucesso, a fazer um aborto. O depoimento indignou as pessoas mais esclarecidas, que o consideraram de “baixo nível”, mas, a julgar pelo crescimento da candidatura do PRN, teve efeito positivo.

O jornalismo sério não deve invadir a vida privada. A rigor, é irrelevante saber se o ministro é homossexual, se o chanceler tem caso com suas secretárias ou se o presidente namora atrizes de televisão. A vida particular, entretanto, ganha importância caso o namoro do presidente com a atriz interfira na administração pública. Ou porque ele esqueça seus afazeres ou por empregar parentes e amigos de sua amante. Foi o caso do ex-presidente João

 

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Figueiredo, que mantinha encontros, desde os tempos em que era chefe do SNI, com uma jovem — esse relacionamento tinha co­mo comprovação fitas gravadas. Por conta desse namoro, ela ga­nhou um emprego no SNI, apesar de não ter qualificação. Tem­pos depois, o affair veio à tona: Edine Macedo, a ex‑amante, processou Figueiredo, exigindo pensão para o filho.

É difícil, entretanto, delimitar com precisão onde acaba e co­meça a vida particular de um homem público. E notório que o ex-presidente Jânio Quadros cultivou por anos e anos uma pai­xão etílica — ou seja, o prazer pela bebida. A imprensa sempre escancarou esse prazer. No caso, é relevante, já que uma pessoa tomada pelo álcool é capaz de agir longe do bom senso. Não são poucos analistas que viram na renúncia de Jânio Quadros à Pre­sidência o efeito de possíveis bebedeiras. Até hoje, aliás, ele não explicou direito por que deixou o governo.

O problema é que, muitas vezes, a atividade das pessoas na horizontal é capaz de explicar o que fazem na vertical. O relacio­namento pessoal dos homens públicos é, em várias ocasiões, ca­paz de desvendar enigmas políticos ou administrativos, como pro­moções ou ferozes inimizades passadas. O problema também é que dificilmente se consegue provar contatos travados em alcovas. Nessa área é ainda mais difícil diferenciar o que é informa­ção e pura intriga, capaz de levar uma suposta notícia a provocar estragos irreparáveis numa família, vazada com objetivos incon­fessáveis, motivados pelas brigas do poder.

Em junho de 1989, publiquei na Folha uma série de reporta­gens sobre desvios de recursos no Ministério das Relações Exte­riores, depois transformada em livro intitulado Conexão Cabo Frio. As falcatruas eram cometidas pela Fundação Visconde de Cabo Frio, subordinada ao Ministério, envolvendo a cúpula da diplomacia brasileira. Sentia-me diante de um hermético quebra-cabeça — as peças pareciam não se encaixar. Eu era municiado de dados e documentos por uma fonte que não se identificava, temia que o telefone estivesse grampeado. Nem ele sabia como encaixar as peças.

Passadas várias semanas de investigação, esbarrei na vida pes­soal de personagens da reportagem, descobrindo detalhes explo-


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sivos. Essas descobertas, confirmadas por fontes confiáveis, mas impossíveis de serem provadas, davam nexo a partes nebulosas da “Conexão Cabo Frio” — era então possível levantar pelo me­nos suspeitas sobre por que determinada pessoa conseguira ocu­par determinada posição. Nada escrevi nas reportagens nem no livro, embora me sentisse sonegando dados que supunha relevan­tes.

Reportagens que implicam abalos em carreiras são pântanos de contra‑informação, deixando seus autores próximos de risco de processos por calúnia, injúria ou difamação. Quando a pri­meira reportagem é publicada, os desafetos da pessoa apontada por deslizes telefonam para o jornal, dando pistas, a fim de se vingarem. Recebi cartas anônimas, durante a investigação sobre o caso Cabo Frio, que serviríam de matéria-prima para emocio­nantes obras de ficção, a maioria delas movidas a pura intriga e invencionice. O repórter corre sério risco de se tornar vítima de manipulações e, quem sabe, de processos na Justiça.

Os jornalistas que se envolvem nesse tipo de cobertura, onde os personagens são obrigados a usar o segredo a fim de não se­rem presos ou processados, tendem a obter um número conside­rável de dados impublicáveis, apesar do convencimento de sua ve­racidade. A prova é indispensável. Sempre saí insatisfeito de mi­nhas reportagens sobre corrupção por não ter angariado documen­tos ou testemunhos oficiais capazes de esgotar a investigação.

Ao transformar em livro alguns desses trabalhos, como Co­nexão Cabo Frio e A República dos Padrinhos queria aprofun­dar o papel de cada personagem, detalhando seu perfil psicológi­co, agora livre da pressão do tempo, ou seja, do “fechamento” diário de cada edição do jornal, e do espaço reduzido das maté­rias. Os textos publicados durante os meses de investigação se pres­tavam como matéria‑prima para uma nova escultura, adaptando-se à linguagem do livro‑reportagem. Tinha mais tempo disponível para conversar com as fontes, aproveitando certo distanciamen­to dos fatos, o que me propiciaria mais frieza e clareza na evolu­ção das descobertas.

O livro-reportagem aperfeiçoa a linguagem jornalística, víti­ma da pressa, ingrediente inexorável na apuração e publicação


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diária ou mesmo semanal das notícias. Mesmo assim, os livros amenizavam, mas não eliminavam a minha insatisfação, já que perduravam informações não publicáveis pela falta de confirma­ção, só possível se o personagem confessasse culpa.

Esse limite chegou ao extremo numa reportagem que reali­zei sobre o assassinato de crianças no Brasil, por grupos de ex­termínio, como “justiceiros” ou “esquadrões da morte”. Iniciada na Folha, a investigação transformou-se num livro intitulado A Guerra dos Meninos, lançado em abril de 1990. Os grupos de extermínio têm vinculações diretas ou indiretas com a polícia, o que lhes garante cobertura e impunidade. As testemunhas de assassinatos têm medo de falar. Com razão: a represália é mais do que previsível. A “queima de arquivo”, ou seja, eliminar quem fizer inconfidências, é algo corriqueiro nesse ambiente devasta­do pela violência. Não pude publicar o envolvimento de vários policiais ou de assassinos porque as testemunhas não assumiram a acusação.

Realizada em viagens por várias cidades brasileiras, a inves­tigação para a produção de A Guerra dos Meninos deu-me mais uma lição. Ao embrenhar-me nos ambientes contaminados por uma guerra civil não declarada, percebi como estava distante da realidade brasileira, acostumado aos gabinetes refrigerados de Bra­sília e às intrigas da Corte. Não é um mal apenas de Brasília, ape­lidada de “ilha da fantasia”.

O distanciamento da realidade ataca todos os jornalistas que, forçados pela setorização, acabam criando viseiras na cabeça. O setorismo é um dos vícios da capital federal. Repórteres dedicam-se a coberturas localizadas, passando seus dias de trabalho nos pré­dios da Câmara dos Deputados, do Senado, do Palácio do Planalto, do Ministério da Economia ou Banco Central, tendendo a perder a noção do conjunto. De resto, estão ainda mais vulne­ráveis ao fontismo, já que dependem dos humores de assessores que fazem a triagem de quem merece ou não receber informações em on ou off.

Quando tinha funções executivas na direção da sucursal de Brasília, tentei acabar com o chamado “setorismo”. Foi uma vi­tória parcial. É impossível extingui-lo, já que se precisa estar


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sempre em determinados prédios. Do contrário, o jornal vai dei­xar de dar informações valiosas. O repórter precisa também ter um conhecimento mínimo dos assessores, ministros, parlamenta­res. O rodízio periódico é uma saída que, apesar de insatisfató­ria, aproxima-se do meio-termo.

 

13.         Negociatas

 

A corrupção também passa pela rota do boato e da intriga. Brasília é cenário de abundantes e sofisticadas negociatas. São co­nhecidas dezenas e mais dezenas de modalidades de como usar os recursos públicos para enriquecimento ilícito — entre elas, a venda de informação. Saber que o governo vai desvalorizar a moe­da pode enriquecer o depositário da informação do dia para noi­te. Se tiver dados mostrando a descoberta de novos poços, vai fa­zer um bom negócio aquele que comprar ações da Petrobrás. Não faltam concorrências fraudadas e distribuição de propinas para a compra de produtos ou escolha de fornecedores pelo governo. Não menos sabido é que empresários, principalmente empreitei­ras, colaboram em campanhas políticas aguardando retorno do investimento.

Em tom de ironia, o ex-ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen chegou a propor a criação do Fundo Nacio­nal de Corrupção para ajudar o país. O orçamento da União preveria uma verba destinada apenas a pagar comissões. Quando um funcionário público propusesse uma obra ou projeto desnecessá­rio e suspeito, o responsável pelo “Fundo” lhe perguntaria: “Quanto você vai ganhar nessa obra?”. Assim, seria paga a co­missão e o país ficaria livre da obra, o que sairia mais em conta para os cofres públicos.

O ex-ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, gostava de contar uma piada que ilustra bem como a corrupção, de tão cor­riqueira, se incorporou ao folclore nacional. Deus e o Diabo de­cidiram fazer uma ponte entre o céu e o inferno, num prazo de


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trinta dias. Cada qual faria um trecho. No prazo marcado, Deus não cumpriu sua parte e o Diabo perguntou, perplexo: “O que aconteceu?”. A resposta de Deus: “Não consegui encontrar no céu nenhum empreiteiro”.

Diante deste tipo de reportagem, o repórter tem de tomar uma cautela básica e óbvia. É obrigatório tentar ouvir sempre o acu­sado, a fim de lhe garantir o direito de resposta. É fácil manchar a honra de uma pessoa. Suponha-se que alguém publique insinua­ções, sem fundamento, de que determinado ministro comete estelionato, sem ouvir sua versão. No dia seguinte, ele dá sua res­posta, mas já em desvantagem, pois vai ter que rebater uma afir­mação apresentada como verdadeira.

Quando se tenta demolir um adversário, a acusação de “la­drão” é das mais eficazes. O estigma de “corrupto” acompanha Paulo Maluf, a tal ponto, que “malufar” era, em tom de brinca­deira, empregado como sinônimo de roubar. O fato, entretanto, é que jamais foram apresentadas provas de que o ex-deputado se apropriou de recursos públicos — não significa que não tenha co­metido ou sustentado falcatruas. Seu sucessor no governo de São Paulo, Franco Montoro, prometeu uma devassa e nada compro­vou. Mesmo assim o estigma acompanhou Maluf em suas cam­panhas eleitorais, influindo nas sucessivas derrotas nas duas dis­putas presidenciais, na tentativa de reeleição para governador e, depois, prefeito de São Paulo.

A última eleição indireta para presidente serviu como mais um exemplo da força das versões e do poder devastador das sus­peitas de corrupção. A maioria dos jornais e, em especial, dos jor­nalistas, entusiasmou-se com a candidatura Tancredo Neves — ele era visto como uma reação ao regime militar. A principal acu­sação contra Maluf, largamente difundida, era de que estava “com­prando” os delegados do Colégio Eleitoral, oferecendo-lhes van­tagens e cargos no seu governo. Essa troca era rigorosamente ver­dadeira. Mas Tancredo Neves agia do mesmo jeito, barganhando favores, ministérios, embaixadas, diretorias de bancos, estatais. Chegou ao ponto de oferecer um único cargo a mais de cinco pre­tendentes. Mas o grosso da imprensa fechou os olhos. Maluf fa­zia negociatas, Tancredo, “costura política”.


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14.         Investigação

 

A comprovação de desvios de recursos e corrupção é dos tra­balhos jornalísticos mais delicados. Se um político ou ministro for flagrado numa mentira ou contradição, sua carreira pode até so­frer abalos, mas não termina. Provado que desviou recursos para seu enriquecimento, ele pode até não ser punido pela polícia ou julgado pela Justiça, mas sua carreira estará seriamente compro­metida. Por isso as falcatruas são, em geral, sofisticadas, e seus mentores não costumam deixar rastros.

Suponha-se que um funcionário público auxilie na aprova­ção de uma obra desnecessária. O dinheiro clandestino recebido pela “ajuda” não será depositado em sua conta-corrente, mas será usado como fachada um parente ou amigo. Ou até mesmo, como é freqüente, o depósito vai para conta no exterior. Quem pagou a propina não confessa, pois também estaria incorrendo em cri­me. Denunciar a obra supostamente desnecessária significa entrar numa discussão não penal, mas administrativa, e os acusados sem­pre disporão de bons argumentos técnicos para justificar um des­perdício com dinheiro público, capaz até mesmo de embaralhar a convicção dos jornalistas. Os picaretas costumam ser muito con­vincentes e fluentes.

É um nítido absurdo dispensar de licitação a escolha de em­preiteiras, como ocorreu no projeto S.O.S. Rodovias, com o cus­to calculado em US$ 500 milhões — as suspeitas são tão inevitá­veis como imediatas. Mas o então secretário dos Transportes, Mar­celo Ribeiro, sustentou a medida, alegando que as estradas brasileiras estavam em péssima condição, provocando inclusive mor­tes, o que é verdade. Assim, as obras de melhoria eram urgentes — foi a base da argumentação do parecer de Hely Lopes Meirelles.

O encadeamento dos fatos provoca, por si só, as suspeitas. Antes de assumir a secretaria dos Transportes, Marcelo Ribeiro era diretor de uma empreiteira, a Tratex. Chegou ao cargo pelas mãos do caixa da campanha à Presidência, o empresário Paulo Cesar Cavalcanti Farias, que arrecadava dinheiro às escondidas


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durante a campanha. Detalhe: Paulo Cesar é um ilustre integran­te da “lista negra’’ do Banco Central, apontado como envolvido em fraudes com incentivos fiscais.

O ilícito da dispensa de licitação estaria de fato comprovado se documentos ou testemunhas indicassem que as empreiteiras de­ram dinheiro para a campanha e, agora, estavam cobrando, atra­vés de obras como a melhoria das estradas federais. Nada fácil — mesmo porque dinheiro em campanha ia para fundos ao por­tador, que não exigem identificação.

Quem acompanha os bastidores do poder sabe que as em­preiteiras fazem acertos antecipados, fraudando concorrências. Reúnem-se as empresas e distribuem as obras públicas que vão realizar pelo país — a partir daí, estabelecem os preços que vão apresentar nas licitações. Tarefa árdua provar esse acerto, proibido por lei. Mas a imprensa tem conseguido superar as dificul­dades.

Uma das reportagens de maior impacto sobre negociatas de empreiteiras foi feita pelo jornalista Jânio de Freitas, na Folha de S. Paulo, em 1987. Ele recebeu informação de que empresas se acertaram para a construção da ferrovia Norte-Sul, em 1986. Antecipou o resultado publicando-o na seção de classificados do jornal. Quando saiu o resultado oficial, conferindo com a infor­mação obtida, o jornal estampou a fraude na primeira página, gerando a anulação da concorrência. Desde então, tem sido co­mum denúncias de fraudes de concorrências públicas, com a publicação prévia dos resultados.

Nas reportagens de corrupção, a melhor saída é municiar-se de documentos — eles não precisam ser publicados, mas serão o escudo do repórter em caso de investidas dos envolvidos em irre­gularidades. Mesmo com documentos cristalinos, porém, os en­volvidos reagem, numa tática — correta, aliás — de embaralhar a discussão e dar margem aos advogados de defesa, que costu­mam desencavar argumentos convincentes para mostrar que o ne­gócio realizado era regular ou legal.

Daí ser imprescindível o repórter manter uma azeitada agen­da com nomes de especialistas em Contabilidade, Direito e Eco­nomia, capazes de ajudá-lo a enfrentar os articulados argumentos


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da defesa do envolvido em falcatruas. Nenhum jornalista pode ter profundos conhecimentos sobre áreas tão diferentes como le­gislação do mercado financeiro, das concorrências públicas, pas­sando pelos truques de contabilidade.

A série de reportagens sobre os desvios no Ministério do Pla­nejamento, ocupado por Aníbal Teixeira, batizada de “A lista da fisiologia”, transformada depois no livro A República dos Pa­drinhos, foi essencialmente apoiada em documentos — a come­çar pela lista de favores feitos a parlamentares favoráveis ao man­dato de cinco anos do presidente. Eram transferidos recursos a fundo perdido (sem volta) para prefeituras, governos estaduais, municipais e entidades de assistência privada. A lista era oficial, extraída dos computadores do Ministério do Planejamento.

No decorrer da investigação, obtive documentos mostran­do que um primo de Aníbal Teixeira beneficiava-se da liberação dos recursos. Ele propunha obras às cidades interessadas nos re­cursos a fundo perdido. O prefeito interessado deveria contra­tar a sua empresa de projetos, para ter o dinheiro em mãos. Do­cumentos mostraram que o tal primo era funcionário público, lotado no gabinete de Aníbal. Obtive sua ficha funcional. Mas Aníbal Teixeira insistia que seu primo nunca trabalhara no Mi­nistério.

Em 1990, descobri documentos que mostravam desfalques fei­tos na Vasp, a partir de seu escritório de Brasília. O então gerente financeiro do escritório, Donizete dos Santos, recebia pagamen­tos e, ao invés de mandá-los imediatamente para a matriz em São Paulo, depositava-os em contas particulares, rendendo juros e correção monetária. Depois de várias semanas, Donizete mandava o dinheiro à matriz. Os documentos eram cristalinos. Donizete foi indiciado pela polícia por estelionato, mas continuou alegan­do inocência.

Assim foi com o caso do rombo no Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), dirigido pelo ex-deputado Gustavo Fa­ria, do Rio de Janeiro. Coletei pilhas de documentos mostrando que o deputado patrocinou a aplicação lesiva dos recursos do IPC, que administra a pensão dos deputados e senadores. Tais docu­mentos serviram para que auditorias do Congresso e do Tribunal


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de Contas da União também apontassem irregularidades. Formou-se uma comissão de deputados para apreciar as acusações e che­garam à conclusão de que Gustavo Faria era responsável pelos desvios, sugerindo a cassação de seu mandato por falta de decoro parlamentar. Antes da cassação, ele renunciou, mas continuou ale­gando que era vítima de uma conspiração.

 

15.         Off

 

A tarefa do jornalista é distinguir entre as versões e os fa­tos reais, separar denúncias de calúnias, notícias de invencionices. Não existe um único jornalista, por mais experiente, que não tenha escorregado em “plantações” — informações falsas destinadas a gerar efeitos favoráveis ou negativos a pessoas ou grupos.

Os jornalistas que foram espectadores privilegiados dos bas­tidores do governo também se atrapalham com a multiplicidade de versões. Assessor de imprensa do presidente Arthur da Costa e Silva, o jornalista Carlos Chagas produziu uma das reportagens mais importantes sobre brigas durante o regime militar. Na con­dição de assessor, ele acompanhou em profundidade a guerra nos quartéis pela sucessão de Arthur da Costa e Silva, que sofreu um derrame e ficou paralisado. Chagas admite que, apesar de estar no centro dos acontecimentos, sua reportagem, depois transfor­mada em livro, era uma visão parcial — imagine-se, então, a dificuldade de quem está distante dos bastidores, obrigado a consu­mir informações através de terceiros, muitos deles com interesses em jogo, ou apenas amigos das testemunhas dos fatos.

Uma modalidade te off é utilizada para reduzir a taxa de desnorteamento do jornalista. A fonte pede mais do que a omissão de seu nome. Exige, como condição para a conversa, que o as­sunto não seja publicado. Ela está, portanto, partilhando um se­gredo. Se, de um lado, o jornalista está sonegando dados aos lei­tores, de outro, obtém dados que o ajudam a se orientar no ti­-


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roteio das contra-informações. A fonte pode revelar a estratégia final de um presidente, que, se publicada, o atrapalharia. Saben­do até onde o presidente quer chegar, torna-se mais difícil cair em armadilhas e plantações, conseqüência do jogo de esconde-esconde da política.

Quando Ernesto Geisel tornou-se presidente, ele começou a preparar as condições para escolha de seu sucessor. No caso, João Figueiredo, seu chefe do SNI. Geisel e seu chefe do Gabinete Ci­vil, Golbery do Couto e Silva, aprenderam a lição depois da der­rota na sucessão de Castello Branco, quando acabou dando Costa e Silva. A avaliação de Golbery é de que eles não prepararam o sucessor de Castello e abriram espaço às articulações dos ad­versários.

O repórter que soubesse que Figueiredo era o objetivo de Gei­sel teria mais condições de entender os labirintos da política de abertura, marcada por idas e vindas ligadas por uma lógica. Há um velho ditado, sempre citado pelo senador e ex‑ministro do Pla­nejamento, Roberto Campos, segundo o qual quem não sabe pa­ra onde vai, os ventos nunca ajudam.

As fontes capazes de dar orientações não sobre táticas mas estratégias, ou seja, os objetivos finais, são as melhores, cultiva­das com extremo zelo pelo jornalista, a fim de manter sua con­fiança. O princípio da confiança é decisivo para se manter qual­quer fonte de valor. Alguém que passa informações, resguardando- se no off para evitar constrangimentos e punições, supõe que o jornalista saberá manter segredo. Do contrário, vai preferir o si­lêncio ou outro repórter para liberar inconfidências.

Os erros não são provocados apenas por plantações. A to­mada de uma decisão exige várias fases de consulta dentro do Exe­cutivo. O processo passa por várias instâncias, recebendo suges­tões e críticas de assessores e ministros de diferentes áreas. Cada um deles terá um fragmento da informação, capaz de ser elimi­nado na reta final da tomada de decisão. É normal que a impren­sa receba estudos preliminares sobre projetos, divulgando-os com ênfase e, depois, se constate que eram apenas um rascunho.

Em Brasília há assessores de terceiro ou segundo escalão com acesso a fragmentos das decisões, por acompanhar apenas um


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trecho da evolução de um projeto de governo. Os repórteres são municiados com dados parciais, e ao aprofundarem a checagem desvendam contradições. Os ministros têm o costume de traba­lhar com diferentes hipóteses, prevendo diferentes opções, resul­tando uma multiplicação de estudos.

Na preparação do plano Collor, sua equipe trabalhou com um leque de opções, baseado nas mais diversas premissas. Para cada premissa, uma saída diversa. Os repórteres ficavam — e com razão — desnorteados, já que vazavam medidas contraditórias en­tre si. O resultado é um tiroteio de pistas furadas.

A administração pública federal é um universo amplo. Na­tural que mesmo assessores íntimos do presidente estejam desinformados e induzam repórteres a erro. Em 1986 a Folha realizou um de seus mais importantes trabalhos de investigação jornalísti­ca, com ampla repercussão nacional e internacional. A sucursal do Rio de Janeiro recebeu a pista de que foram construídos pro­fundos buracos na inacessível Base Aérea de Cachimbo, no sul do Pará. Mais repórteres — eu entre eles — engajando-se na pis­ta dos buracos misteriosos, obtiveram a revelação de que esses bu­racos se prestavam a testes nucleares.

A decisão de publicar a reportagem foi tensa, administrada pessoalmente pelo diretor de Redação, Otávio Frias, que reuniu em sua sala os envolvidos no levantamento de dados. Havia cer­teza na informação, checada em fontes as mais diversas. Mas a reportagem implicava sérias conseqüências e um erro comprometeria a credibilidade do jornal. O então secretário de Redação, Car­los Eduardo Lins da Silva, telefonou da sala para o porta-voz do presidente José Sarney, Fernando Cesar Mesquita, de quem era amigo. O assessor desestimulou a publicação, advertindo que o jornal corria o risco de publicar informação mentirosa.

O governo negou sistematicamente a existência dos buracos da Base Aérea de Cachimbo. O presidente Sarney chegava a iro­nizar, dizendo que o jornal deveria mudar o nome, chamando-se “Falha” de S. Paulo. A confirmação veio, porém, tempos depois, quando o governo revelou que na Base de Cachimbo havia locais apropriados para tratamento de artefatos nucleares. A confirma­ção oficial surgiu depois do desastre do vazamento de césio em


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Goiânia, que atingiu a população da cidade. Anunciou-se que uma das alternativas seria mesmo Cachimbo, para abrigar o material radiativo.

Na busca de maior segurança, os jornalistas procuram sem­pre que possível apresentar os nomes dos responsáveis pela infor­mação. Tentam, assim, transferir para quem deu a informação a eventual responsabilidade pelo erro. O noticiário político é im­pregnado pelo off, mecanismo pelo qual se atribui a informação a uma fonte não identificada. É um instrumento valioso, já que, sem aparecer, a fonte pode fornecer uma notícia ou dica ao re­pórter, evitando punição ou qualquer constrangimento.

Não fica bem um funcionário criticar seu superior, apontan­do uma falha — se a crítica fosse assumida publicamente ele perderia o cargo. Militares são proibidos de fazer pronunciamentos políticos, mas, desde que em off, se dispõem a falar. É hábito um homem público indagar ao repórter: “Você quer uma declaração ou informação?”. Também é comum essa frase ser acrescentada com uma advertência: “Se você publicar dizendo que fui eu quem falou, desminto”. O problema é que o off dá um imenso espaço para “balões de ensaio” e “plantações”. Isso porque a fonte es­tá protegida pelo anonimato e a culpa pelo erro cai nas costas do repórter e do jornal. O repórter torna-se um joguete das intrigas.

No entanto, divulgar o nome de quem fornece a informação ou faz a afirmação não garante notícia correta. É rotineiro ho­mens públicos não usarem as palavras precisas e, ao vê-las publi­cadas, voltarem atrás. Não menos rotineiro é uma autoridade fa­zer uma afirmação sem perceber sua conseqüência, depositando a culpa na “deturpação” da imprensa — por conta disso, repór­teres sentem-se mais à vontade levando gravador às entrevistas. O problema é que esse instrumento, apesar de auxiliar na repro­dução fiel das frases, inibe o entrevistado, dificultando a obten­ção de inconfidências — até mesmo redigir o que se está ouvindo serve como fator de inibição.

Há abundantes exemplos de homens públicos que escorrega­ram nas palavras e depois ficaram irritados com a imprensa. O presidente João Figueiredo, ex-integrante da cavalaria, passou a vida em quartéis e palácios. Logo no início do seu mandato es


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tava numa solenidade, rodeado por populares. Um repórter perguntou-lhe o que achava desse contato e ele respondeu, para o desespero de seus assessores: “Prefiro o cheiro de cavalo”. In­dagaram do presidente da Fiesp, Mário Amato, sua opinião so­bre a então ministra do Trabalho, Dorothea Werneck. Rápido, respondeu: “Apesar de ser mulher, é inteligente’’.

Presidentes, ministros, parlamentares, governadores já pro­duziram toneladas de papel impresso e horas de gravações em ví­deo com afirmações erradas ou mentirosas, todas apresentadas com objetividade. Homens públicos acusados de falcatruas ou incompetências raramente admitem as falhas e, na maioria das vezes, culpam uma suposta conspiração de inimigos ou má-fé da im­prensa.

A maioria dos chefes militares jurou que não havia tortura a presos políticos no Brasil; ministros negaram, às vésperas do congelamento de preços, olhos fixos na câmara de televisão, que não haveria congelamento. O presidente Fernando Collor jurou que jamais mexeria na caderneta de poupança. Ele chegou a di­zer, em debate na TV durante a campanha, que não tinha condi­ções de ter um aparelho de som igual ao de seu oponente, o can­didato do PT, Luis Inácio Lula da Silva.

Nos períodos eleitorais, os ânimos se acirram. Os candida­tos não poupam sequer a vida pessoal de seus inimigos políticos. Chamam os oponentes de corruptos, incompetentes — muitas vezes sem provas ou sequer indícios. Apesar de impresso o nome do res­ponsável pela informação, não se podem classificar de verdadei­ras as afirmações.

As falsificações fazem parte da lógica do poder e são justifi­cadas como razões de Estado, sobrevivência política e até mesmo “patriotismo’’. O jornal, quando publica uma declaração, mes­mo se assumida pelo seu autor, acaba servindo como avalista, ca­so não a apresente criticamente. O leitor passa a desconfiar tam­bém de quem veicula a informação errada. E este é um dos moti­vos para a baixa taxa de credibilidade da imprensa, atestada em várias pesquisas de opinião pública.

Eleição é tempo de promessas e os candidatos têm plena cons­ciência de que não podem ser realistas, precisam acenar com uma


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situação melhor imediatamente. Precisam convencer seus ouvin­tes de que, se eleitos, o país vai mudar, os salários subirão, have­rá menos desemprego, mais escolas, mais saúde etc. Muitos des­ses candidatos apresentam saídas fáceis, a fim de serem compreen­didos: Luis Inácio Lula da Silva, durante sua campanha a presidente, dizia nos palanques que tudo melhoraria caso não se pa­gasse mais a dívida externa. Mas os economistas do PT, como Aloísio Mercadante, sabiam que o problema da dívida externa era ape­nas um aspecto da crise brasileira.

Numa conversa em off, Aloísio comentou, justificando a ne­cessidade eleitoral de ostentar uma bandeira de simples entendi­mento, embora de solução simplista: “Precisamos canalizar o des­contentamento e a frustração do povo para uma bandeira. Não adianta fazer um discurso complexo”. O combate aos “marajás”, os funcionários públicos cercados de generosas regalias, foi o gran­de achado de Collor. Era uma bandeira simples de imediata ab­sorção popular. Qualquer pessoa de bom senso sabe que comba­ter um punhado de funcionários públicos avantajados não resolveria nada. Numa conversa em off com jornalistas, logo no iní­cio da disputa presidencial, foi-lhe perguntado sobre sua estraté­gia eleitoral, já que seriam exigidas respostas para outros proble­mas nacionais. “Dou uma rápida pincelada e volto para os mara­jás”, respondeu sem titubear.

Tempo de eleição também é tempo de tensão nas redações de jornais como a Folha, preocupados em produzir um noticiário íntegro. O entusiasmo ou ojeriza por esse ou aquele candidato tende a provocar estragos na capacidade de encarar com um mínimo de frieza e imparcialidade a disputa. Coloca-se, por cima da mis­são de informar bem, a missão de “salvar” o país.

Impossível, porém, que o jornalista se mantenha impassível diante da paixão do jogo político, cultivando a distância de um computador. Não se pode impedir que o jornalista, como cida­dão, tenha suas preferências. Mas o engajamento na campanha, utilizando o espaço do jornal, coloca-se no nível das modalida­des de “suborno” apresentadas pelo ex-ministro Antônio Carlos Magalhães. O resultado, apesar das intenções diferentes, é que o leitor pode deglutir uma informação falsa ou deturpada.


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16.         Marketing

 

A universal arte de ludibriar, que acompanha pela história da humanidade o jogo político, tornou-se no Brasil mais sofisti­cada, aumentando as armadilhas da imprensa. Os candidatos mais modernos já não se baseiam apenas na intuição, mas em pesqui­sas sobre as preferências do eleitorado. As promessas vão varian­do de acordo com a oscilação dessas preferências, captadas pelos levantamentos. Isso significa que a convicção de determinado can­didato dura enquanto dura a sensibilidade da opinião pública pa­ra determinado problema.

Fernando Collor sabia desde o início que o tema da morali­dade tinha ampla aceitação, reforçando os ataques aos marajás. Tinha números mostrando que havia rejeição aos políticos. Nos seus discursos, enfatizava não ter ligações com partidos e se apre­sentava como alguém fora da política tradicional, apesar de seu passado como prefeito, deputado e governador — uma trajetória meteórica sempre à sombra de quem tinha poder, passando da Arena ao PDS e PMDB, até chegar ao obscuro PRN.

Na campanha, os candidatos apresentam mirabolantes pla­nos, mas não sabem dizer de onde vai sair o dinheiro e nem quan­to tempo demorariam para ser executados. O senador Mário Co­vas prometeu durante a campanha presidencial acabar com o anal­fabetismo em cinco anos, prazo do mandato. Como há um estoque de 20 milhões de analfabetos, além da massa que surge anual­mente, estimando-se gastos, número de professores e escolas dis­poníveis, era impossível a realização de tal meta.

Esse tipo de comportamento não é concebível na esfera pri­vada. Se alguém vai construir uma casa, dificilmente deixará de calcular quanto custa o material, quantos operários vai precisar — e, claro, se tudo isso é sustentado por seu salário ou econo­mias. Ninguém razoável compra um produto sem examiná-lo com atenção. Imagine-se um vendedor anunciando as excelências de um produto sem, entretanto, querer mostrá-lo ao comprador. Mas o que se vê com freqüência nos meios de comunicação, em espe­cial nas televisões, é a reprodução das propostas de governo sem


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qualquer consideração crítica. Vale dizer que o vendedor não pre­cisa mostrar o produto ao consumidor-eleitor ou consumidor-cidadão.

O jogo de esconde-esconde prossegue com o candidato elei­to. Aqueles que ocupam cargos executivos tentam mostrar supre­ma eficiência, manipulando números e informações — e, com freqüência, conseguem fazer passar à opinião pública que este ou aquele plano é excepcional. É comum a divulgação de mirabolantes projetos sem a especificação dos custos ou com as despesas subestimadas. Sucessivos governos têm apresentado fantásticos e definitivos projetos para resolver a seca do Nordeste — e o Nor­deste, como se sabe, continua preso pela indigência.

Os governos gastam fortunas em publicidade porque não con­seguem transformar toda a imprensa num depositário servil de press-releases (informação oficial distribuída por governos ou em­presas.) Mas seu sonho dourado é serem aplaudidos pela impren­sa independente, o que lhes daria um passaporte para a credibili­dade. Ao final de qualquer mandato é possível, porém, constatar facilmente que muitas promessas ficaram apenas no papel ou nos discursos de palanque. Outras foram executadas, mas não atingi­ram seu objetivo plenamente. Há ainda aquelas que foram mal realizadas por descaso ou incompetência. A propaganda oficial visa mostrar apenas as excelências, escondendo os fracassos.

Daí a constatação óbvia de que o jornalismo independente significa permanente incômodo, sempre enfrentando atritos com quem manipula a informação, esteja esse manipulador no gover­no ou na oposição. Quando o poder e a imprensa se dão muito bem, o leitor se dá mal.

Brasília, agosto de 1990


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NO OLHO DA RUA

(Do Golpe de 64 à Campanha Lula)

 

Ricardo Kotscho

 


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Nem sempre isso é possível, mas ontem mesmo cheguei em casa contente.

Depois de algum tempo de paradeira no chamado “Brasil No­vo”, sem poder fazer o de que mais gosto — reportagem —, fui avisado pelo chefe que o jornal topou minha proposta de reabrir­mos o Caso Boquira — um dos maiores escândalos deste país, de­nunciado no JB, pela primeira vez, em 1976.

Trata-se de uma emblemática reportagem sobre mortes, cor­rupção e falência das instituições, envolvendo um padre safado, advogados vendidos, juízes coniventes e políticos sem escrúpu­los.

Até aí, nada de muito original. Por quase quatro décadas, no entanto, esta nada santa aliança permitiu que nos domínios de humildes lavradores expulsos de suas terras no oeste da Bahia fosse perpetrado um inominável assalto às riquezas nacionais.

A bandalheira era tamanha que foi tema até de uma Comis­são Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional. Na época, fins dos anos 70, dizia-se que com o que se roubou daria para pa­gar a dívida externa brasileira, então montada em módicos US$ 18


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bilhões, apenas. O assunto era tão escabroso que todo mundo achou melhor esquecer.

Foi assim: a pretexto de construir uma nova igreja num vila­rejo chamado Vila dos Macacos, depois Assunção e, finalmente, Boquira, a 650 quilômetros de Salvador, um certo padre Macário fez com que os lavradores assinassem papéis em branco, que mais tarde usaria para tomar suas terras, instalar uma mineradora e vendê-la à Penarroya, multinacional do grupo Rotschild, o len­dário barão francês.

Além de sonegar impostos, registrando apenas a extração de chumbo e zinco, minerais menos nobres, a multinacional dedica­va-se placidamente ao contrabando de ouro e prata, carregando para fora do país fortunas em aviões que decolavam de uma pista clandestina construída junto ao túmulo de Joaquim “Macuco”, o antigo dono daquelas terras, que “morreu apaixonado, pedin­do justiça”, como conta seu filho, Manuel Cursino dos Santos.

Herdeiro de um tesouro, Manuel sobrevive hoje vendendo fru­tas e doces numa banquinha no centro de São Paulo, e foi por um desses acasos da vida de repórter que a história veio parar nas minhas mãos. Num almoço de domingo na casa de meu irmão, o fotógrafo Ronaldo Kotscho, seu vizinho, o repórter Murilo Carvalho, entregou-me de bandeja o Caso Boquira.

Murilo já tinha feito matérias sobre Boquira, e foi achado no final de 1989 por Manuel, que não se conformava com o silên­cio da imprensa, depois de tantos anos de injustiça, impunidade, omissão. Naquela época, eu estava envolvido até o pescoço com a campanha de Lula, de quem era assessor de imprensa, e o Mu­rilo tinha outros projetos profissionais, sem nenhum jornal para escrever.

Só no final de maio de 90, o drama de Manuel, em busca de um repórter, e o meu, em busca de uma reportagem, acabariam se cruzando. Contei tudo isso quando cheguei em casa naquela noite, mas a família não se entusiasmou muito. Carolina, a filha mais nova, está com 14 anos, idade em que comecei a trabalhar em jornal, e já não alimenta tantas ilusões de que descobrir e re­velar uma história dessas possa mudar a ordem natural das coisas nessa terra de ninguém chamada Brasil.


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Como quem diz “e daí?”, ela me olha com cara de quem não acredita em mais nada, antes mesmo de tentar e, igualzinho mi­nha mãe sempre dizia quando eu estava começando, Carolina limita-se a repetir num muxoxo: “Pra que você vai se meter nis­so?”.

Mariana, a mais velha, que tem 17 anos, vai na mesma toa­da, sem ver muita graça em querer cavoucar um caso aparente­mente perdido.

“Será que vale a pena?”, começo a pensar, sentindo o lom­bo castigado de tanto tomar porrada, vendo minha calvície cres­cendo a cada manhã em que me olho no espelho e constatando que, bem feitas as contas, nas histórias que escrevi os bandidos quase sempre acabam ganhando.

 

1.            De jornaleiro a jornalista

 

Estranho destino, esse meu. Filho de bem sucedidos imigran­tes, criado numa casa com motorista, mordomo, babá e profes­sora particular, gostava mesmo era de brincar com os moleques da rua e os filhos dos empregados. Com 12 anos, quando meu pai morreu, depois de gastar tudo que tinha com o tratamento do câncer, descobri que não tínhamos mais nada: meu primeiro contato com o jornalismo foi trabalhando como empregado nu­ma banca de jornal.

Lia, de graça, todos os jornais. Naquele tempo, começo dos anos 60, toda hora chegava jornal novo na banca. Era como cheiro de pão quente na hora da fome. O cheiro — nunca vou esquecer do cheiro dos vespertinos. Tinham cheiro de coisa nova, quente. Nunca sobrava tempo para ler gibi — e poderia ler todos, de gra­ça. Gostava mesmo era de jornal, coisa de paixão mesmo, assim como uma bola nova de futebol todo dia.

“Pra que você vai se meter nisso?”, desgostou-se minha mãe, filha de jornalista, no dia em que lhe contei, com a maior alegria do mundo, que tinha arrumado um emprego, o primeiro de ver-


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dade, na Folha Santamarense, jornal de bairro de São Paulo, que fecharia pouco tempo depois.

A velha tinha trauma de jornal. Quase não havia convivido com o pai, que morreu numa redação de Saarbrücken, no sul da Alemanha, perto da fronteira com a França, e não queria perder, já viúva, o filho mais velho. Foi tudo muito rápido e, quando fui ver, já estava na redação do “Estadão”, o jornal mais importante e respeitado do país, naqueles anos 60, que jo­garam o Brasil da Brasília de JK, da Bossa Nova, do Cinema Novo, do Pelé e do Garrincha no fundo do poço do AI-5 dos milicos, abrindo o caminho para o Barão de Rotschild fazer um dos melhores negócios da sua vida com a mineradora do padre Macário.

Minha aventura na chamada grande imprensa, como todas as boas aventuras, começou por acaso. No início de 1967, o “Es­tadão”, ainda nos tempos do Dr. Julinho, parecia uma grande repartição pública. Repórteres e redatores, em sua maioria, tinham outras ocupações e, como se dizia, exerciam o jornalismo nas ho­ras vagas, mais por hobby ou necessidade do que por vocação. Uma exceção à regra era um tal de Clóvis Rossi, um grandalhão de 20 e poucos anos, ex-jogador de basquete e diplomata frustra­do, que por um acaso foi parar na chefia de reportagem do maior jornal do país.

Pois este irresponsável, talvez por falta de opção, teve a ou­sadia de me mandar fazer a cobertura de uma grande tragédia, a de Caraguatatuba, onde mais de 400 pessoas morreram soterra­das sob as terras da Serra do Mar que deslizaram sobre a cidade. Quando cheguei lá, encontrei um outro repórter, Luiz Roberto de Souza Queiroz, na época um grande nome do jornal, que ti­nha ido por conta própria.

Sem tempo para muita conversa, acabamos fazendo uma divisão natural de trabalho: o Bebeto, como é chamado até hoje no “Estadão”, onde continua trabalhando, dedicou-se à cober­tura da parte oficial — prejuízos, providências de autoridades, números de mortos e feridos — e eu fui contar as histórias dos sobreviventes, aquela gente anônima que só entra nas estatísti­cas.


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Sem saber, estava começando ali minha grande aventura. Na­quela época, como até hoje, os jornalões eram divididos em de­partamentos estanques — política, economia, polícia, variedades, esportes e tal. Cada vez mais, os jornais foram montando editorias especializadas, de tal forma que as notícias e reportagens tinham que se encaixar numa delas, sob o risco de não saírem em lugar nenhum. Da mesma forma, os profissionais foram-se espe­cializando nas diferentes áreas, procurando garantir um espaço na grande floresta loteada — mais ou menos como aconteceu na Medicina, em que a especialização foi tanta que o doente primei­ro precisava fazer seu próprio diagnóstico para saber qual médi­co deveria procurar. Assim como na Medicina, também no Jor­nalismo acabaria sobrando uma terra de ninguém — o pronto-socorro, a clínica geral, aquele terreno nebuloso em que as circunstâncias se antepõem à especialização e alguém tem que to­mar uma providência.

Na compartimentação dos jornais e dos hospitais — duas ati­vidades com mais coisas em comum do que se possa imaginar — sempre se viveu uma luta surda entre a burocracia estabelecida, formada pela grande maioria, e um punhado de sonhadores, poetas e malucos que encontravam ali, no limite da vida e da morte, um terreno fértil para refazer a vida, arriscar novas formas de cura e de caminhar, gente que não se conformava com o preestabeleci- do, a rotina, a impotência diante do destino.

 

2.            O repórter do pipoqueiro

 

Num desses fins-de-semana sem nenhuma esperança de pin­tar alguma coisa capaz de fazer do trabalho algo que não fosse chata obrigação de principiante, mandaram-me cobrir uma visita do presidente Costa e Silva a São Paulo. Como o “Estadão” não sai às segundas-feiras, seria bobagem cobrir simplesmente o que ele fez ou deixou de fazer. Os outros jornais dariam isso antes da gente e fiquei pensando no ridículo de escrever coisa velha,


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já sabida, enquanto andava pelo Horto Florestal naquela manhã de domingo. O presidente — o todo-poderoso general-presidente — estava ali. Ninguém podia chegar perto do palácio e os repór­teres todos ficavam conversando uns com os outros, tentando des­cobrir que diabo de notícia podia sair dali. Como era um homem velho, meio doente, provavelmente ele estava apenas dormindo, o que, convenhamos, não dá nenhuma boa manchete, o objetivo de qualquer repórter.

Meio por necessidade de fazer algo diferente, meio por sacação, já que a imprensa sempre se ocupava dos mesmos persona­gens, civis ou militares, oficiais sempre, fui falar com o povo que estava no Horto Florestal. A melhor história era a de um velho pipoqueiro e resolvi centrar a matéria nele. Publicaram, gostaram, e a partir daí virei o “repórter do pipoqueiro”, uma forma sutil de me esculhambar, assim como quem diz: esse é o cara que nós temos para escrever sobre coisas sem importância. Chamava-se a isso de side story, história paralela, um canto que achei para não bater de frente com os outros repórteres, todos preocupados com o “sério”, o “importante”, o “oficial” das histórias. Isso valia tanto para visitas de presidentes e rainhas como para jogos de futebol ou tragédias: enquanto todo mundo corria para um la­do, em cima dos protagonistas das matérias, eu caminhava para o lado oposto, pegando o lado dos coadjuvantes, dos figurantes, dos anônimos que só ajudam a compor o cenário. Em resumo: enquanto todos cobriam o palco, eu ficava pela platéia, dando uma espiada nos bastidores.

Fernando Paixão, jovem e competente editor da Ática, ape­sar de ter quase a minha idade, me perguntou ainda outro dia du­rante um almoço num restaurante japonês — numa mesa de sushi que tinha até um yuppie japonês, coisa que não existia naquele tempo, nem aqui nem no Japão —, de onde tirei esse “estilo” de escrever. Contei a ele, e não tenho vergonha de contar aos mi­lhares de jornalistas e estudantes de Jornalismo nas palestras que faço por tudo quanto é lugar — antes, durante e depois do AI-5 que marcaria a minha geração — que isso não foi uma escolha consciente, mas mera conseqüência de um tempo. É como acon­tece todo ano nas festas juninas nas pequenas cidades do inte-


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rior: de repente, conforme a moda, está todo mundo vendendo a mesma coisa e, para garantir seu público na praça, é preciso que você ofereça alguma coisa diferente. Claro, não descobri isso de­pois de fazer uma pesquisa de mercado nem pelo gosto de pintar a casa de azul numa rua em que todas as casas são pintadas de branco.

Seria preciso recuar alguns anos para saber como essa histó­ria começou, porque qualquer história para ser boa tem que ser contada como foi desde o começo. Vou tentar lembrar. Meus pais vieram para o Brasil depois que a guerra acabou com a Europa no fim dos anos 40. Quase nasci no navio, que era de bandeira francesa, e aí se completaria a confusão de nacionalidades de on­de fui parido. Meu pai, filho de russos e bisneto de italianos, nas­ceu na Romênia e foi criado na Iugoslávia, numa região de mi­neiros briguentos, boêmios e bons de copo chamada Montenegro. Já a mãe, filha de alemães, foi nascer em Pils, na Checoslováquia, a região da melhor cerveja do mundo, e foi pequena com os pais de volta para a Alemanha, onde sobreviveu às duas guer­ras mundiais e conheceu meu pai. Se tivesse nascido no navio, hoje eu seria francês e ficaria mais difícil explicar ao Fernando Paixão que só fui aprender português com sete anos, na escola, porque em casa só se falava alemão por causa da minha avó materna, que não sabia falar outra língua.

Aprendi, portanto, a falar e a escrever português no primá­rio, na escola Nossa Senhora de Lourdes, um reduto de filhinhos de papai no Jardim América. O quintal da minha casa, na rua Taiarana, dava fundos para a escola. Uma das poucas lembranças que tenho de meu pai foi a surra de cinta que levei no dia em que pulei o muro, antes da aula acabar, depois de uma briga que arrumei porque me chamavam de “Alemão” ou de “Cabeção”, por razões mais do que justas, mas que me ofendiam.

Engenheiro civil, o velho Nikolaus trabalhou em muitas obras importantes, como a refinaria de Cubatão, ganhou bom dinhei­ro, mas vivia sempre longe de casa, para desgosto da minha ve­lha, que já tinha passado a experiência de ser filha de jornalista, quer dizer, crescer sem pai. Embora fosse o que se pode chamar


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de homem rico, o pai sempre gostou mais de conviver com os peões de obra do que com gente do seu meio social, empreiteiros, gente do governo, a elite brasileira da época, enfim.

Depois que perdeu tudo, quando deixou de ser alto executi­vo de uma empresa de construção para tocar sua própria firma em sociedade com um amigo, e ficou doente de câncer no meio do caminho, fomos morar numa chácara que ele tinha comprado em Cotia. Passamos, então, a conviver com o Brasil real, o Brasil da gente que trabalha de manhã para comer de noite, mas sempre tem um prato para dividir com quem está com fome. Para ir à escola, no Alto de Pinheiros, ser aluno do Colégio Santa Cruz, outro reduto da elite paulistana, eu tinha que andar quatro quilômetros a pé, pegar ônibus e trem, mas o velho não deixava por menos. Tinha que estudar na melhor escola e ser o melhor aluno, coisa que nunca fui. Só terminei o ginasial no Santa Cruz graças à ajuda de um padrinho, tio-avô da minha mãe, e à bolsa de estu­dos que os padres me deram.

 

3.            Os alienados “comunistas”

 

A esta altura, já conhecia os dois lados da moeda, a vida boa da burguesia dos tempos em que meu pai era um profissional li­beral bem sucedido, e a vida dura do povo que descobri quando ele ficou na pior, morreu e nós tivemos que batalhar a sobrevi­vência. Nós, que digo, é minha mãe, que sem falar português di­reito foi trabalhar como telexista da DKW-Vemag (mais tarde, incorporada pela Volkswagen), meu irmão, dois anos mais novo, que não gostava de estudar (mais tarde, fotógrafo dos bons) e mi­nha vó, que de tão esclerosada a gente não sabia se ria ou se chorava com ela (era apaixonada pelo Cid Moreira e só gostava de cigarro sem filtro).

De Pinheiros fomos para Santo Amaro, graças a uma inde­nização de guerra que a vó recebeu e deu para comprar novamen­te uma casa própria. A esta altura, de tanto ouvir as histórias


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do meu avô em casa, já queria deixar de ser jornaleiro para ser jornalista. Catei alguns contos e poemas, que tinha escrito para impressionar menininhas da vizinhança, sem nenhum sucesso, e, no começo de 1964, fui batalhar um emprego na Folha Santamarense, um jornal de bairro recém-lançado. Como não tinham ninguém, o falecido Treme e o Fausto Eduardo, que faziam o jornal sozinhos, me aceitaram na hora. Só que para poder ser repórter tinha que vender anúncios. O jornal não durou muito e o Fausto foi para a Gazeta de Santo Amaro, o mais forte e antigo da re­gião. A indicação do Fausto não bastou. O Armando, dono do jornal, me deu um teste dos mais cavilosos. “Traduz esse negó­cio para o português”, ordenou, entregando-me o manuscrito da “Coluna do Marin”, um advogado de Santo Amaro que mais tarde se tornaria cupincha de Paulo Maluf e chegaria a governador de São Paulo, no começo dos anos 80. “Traduzi” e lá fiquei quase três anos, enquanto o Brasil se afundava na ditadura, fazendo de tudo na redação, da reportagem à revisão, vendendo anúncios nas horas vagas, até que um dia, meu único primo no Brasil foi ven­der Enciclopédia Britânica na Editora Abril. Já tinha me acostu­mado a receber o salário até em sapatos, porque alguns anunciantes pagavam o jornal em espécie, quando este primo, o Klaus, tele­fonou dizendo que tinha arrumado um emprego para mim na Rea­lidade, a maior revista de reportagem já produzida no país até hoje.

Pensei que o primo tinha tomado umas cervejas a mais mas fui lá, na acanhada redação da rua João Adolfo, levando o biIhetinho assinado pelo Luiz Fernando Mercadante, uma das es­trelas da revista, que tinha comprado uma coleção da Britânica. Era uma segunda-feira, bem cedo, e só havia uma alma viva lá, o Milton Severiano da Silva, que bem mais tarde ficaria sa­bendo ser o famoso “Miltainho”, dono de um dos melhores textos deste país. Pois o tal do “Miltainho” me olhou bem (eu tinha 18 anos, estava com a cabeça raspada de calouro da pri­meira turma da Escola de Comunicação da USP e da Faculdade de Economia do Mackenzie), olhou para o simpático “abre- portas” do Mercadante e foi definitivo: “Aqui, meu filho, tra­balham os melhores repórteres do país. Se você quiser vir


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para cá, tem que trabalhar antes num jornal, fazer grandes re­portagens e depois...”

Antes de terminar a frase, o “Miltainho” começou a escre­ver um outro bilhete, endereçado a Aloísio de Toledo Cesar, sub­chefe de reportagem do “Estadão”, que ficava pertinho da Abril, na Major Quedinho. O “Estadão”, já naquela época, sentia uma falta danada de repórteres e o Aloísio, antes de terminar de ouvir minha história, me deu uma pauta e me mandou para a rua, onde estou até hoje. Em fevereiro de 1967, o grande personagem da cidade era o chefe do trânsito, um certo coronel Fontenelle, que tinha virado São Paulo de pernas para o ar. Os repórteres do “Es­tadão” eram todos bem mais velhos, chegavam à redação depois do almoço e o coronel começava a aprontar cedo.

Como as notícias não tinham hora para acontecer, e eu só saía do jornal para comer e dormir, os assuntos mais quentes fo­ram caindo na minha mão. A tragédia de Caraguatatuba foi a pri­meira, mas logo em seguida veio a morte do ex-presidente Castello Branco, num acidente de avião no Ceará, e aí não parou mais. Em Fortaleza, na cobertura da morte de Castello, tive a oportu­nidade de concorrer com Rolf Kuntz e Sandro Vaia, dois repórte­res especiais do Jornal da Tarde, que tinha a melhor equipe de profissionais daquele tempo e, embora pertencesse à mesma empresa, era nossa principal concorrente.

A Realidade estava agonizando, ferida de morte pela dita­dura do AI-5 de dezembro de 1968, quando vi a censura de perto pela primeira vez: oficiais do Exército, empunhando metralhado­ras, querendo falar com “o responsável”. O chefe da redação era Oliveiros Ferreira, um professor da USP, doutor em Ciência Po­lítica, que abominava tanto aqueles repórteres temerários chefia­dos pelo ex-jogador de basquete Rossi quanto a estupidez dos mi­litares avançando sobre a Nação até chegar à sua mesa. Oliveiros, me lembro, ficou num silêncio patético, mas o “Bebeto”, que era assumidamente um homem de direita a favor do golpe, resol­veu reagir, querendo chutar e xingar os invasores armados.

Meu ídolo naquele tempo era Moacir Franco, a gente ganha­va um belo salário, a maioria dos repórteres não era de esquerda nem de direita e o maior sonho, depois de comprar um carro, era


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viajar para a Europa — saber de perto como era o mundo, aque­le que meus pais deixaram para viver a aventura brasileira. Além das peripécias do coronel do trânsito, minha experiência política e profissional se resumia a essas tragédias de enchentes, secas, aci­dentes, festivais de música na TV Record, vestibulares, movimento estudantil, greves. Quase ninguém era filiado a partido político, poucos sabiam onde ficava o sindicato e essa violência do dia 13 de dezembro, na nossa cara, acabou sendo um despertar de cons­ciência. Ao contrário do que muitos imaginavam, até os donos do jornal, que jornalista era tudo comunista, nós éramos uns alie­nados.

 

4.            Uma questão de caráter

 

O que me formou profissionalmente naquela redação não foi a ideologia, mas o caráter de algumas pessoas. No começo, como estagiário, eu tinha tanto medo de escrever para o “Estadão” que fazia um rascunho antes, até o dia em que me pegaram em flagrante, manuscrevendo o texto, e me jogaram direto na máquina de escre­ver. Só havia uma vaga na redação, vários candidatos, um deles cunhado do chefe Rossi, e eu achava que não teria a menor chan­ce. Pois esse tal de Rossi, que formou toda uma geração de repór­teres, redatores e editores, teve o desplante de dispensar o cunha­do dele, bom profissional que faria carreira em outras empresas, e me contratar seis meses depois daquela segunda-feira que come­çou na Realidade e teminou no “Estadão”, onde fiquei 11 anos.

A censura já havia acabado em 1976. Por muitos anos, sete ou oito nem me lembro mais, nos habituamos com a presença diária dos censores nas oficinas do jornal, mas continuamos trabalhando como se eles não existissem. Nossa função era escrever e a deles, cortar — cada um no seu papel. É verdade que muitos repórteres abandonavam a pauta no meio do caminho, já sabendo que aquela matéria não passaria pela censura; outros iam até o fim e desciam até a oficina para defender pessoalmente seu texto, tentar salvar


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pelo menos uma parte. Quando terminei de escrever o texto da série de reportagens sobre mordomias, a primeira denúncia con­tra os privilégios e abusos praticados pelos “superfuncionários” do regime militar, após dois meses de trabalho, um colega foi em casa, deu uma olhada e parou na segunda lauda: “E você acha que o jornal vai publicar isso”?

Mesmo sem a censura prévia fisicamente instalada no jor­nal, ela permanecia na cabeça de muitos profissionais. A maté­ria seria publicada, na íntegra, e me daria o Prêmio Esso, graças à dedicação e ajuda da rede de sucursais e correspondentes mon­tada no jornal pelo Raul Martins Bastos. No mesmo ano, 1976, outra matéria minha chegaria às finais do Esso — a denúncia da tortura e morte do operário Manoel Fiel Filho nas celas do DOI-CODI, poucos meses após o assassinato, nas mesmas cir­cunstâncias, do jornalista Vladimir Herzog. Tinha chegado ao jornal uma vaga informação sobre um “novo caso Herzog”. O Rossi mandou ir atrás da história. Na fábrica onde Fiel Filho trabalhava, todo mundo tinha medo de falar, mas consegui pelo menos seu endereço. A casa estava fechada, os vizinhos não sa­biam de nada. Numa padaria próxima, informaram-me que a família tinha parentes num outro bairro. Sem muitas esperan­ças, já fim de tarde, mandei-me para lá e comecei a assuntar num boteco, enquanto tomava uma cerveja. Aí passa na rua um sujeito com cara de padre, que eu já conhecia de algum lugar. Os padres, naquele tempo, costumavam ser bem informados, prin­cipalmente sobre as violências praticadas pelo Estado. Não cus­tava arriscar: apresentei-me, ele me reconheceu e, falando baixi­nho, contou que estava acabando de sair da casa da irmã da viúva do operário. Voltamos para lá e levantei a história toda, que saiu na edição do dia seguinte com grande destaque — e assinada. Assinar este tipo de matéria, naqueles anos 70, não era bem um motivo de satisfação profissional, mas de preocupa­ção. Vários colegas tinham sido presos e torturados antes da morte do “Vlado” Herzog. Minha mulher estava grávida da segunda filha, a barra pesou. Um colega que cobria a área do II Exército — nos dias seguintes, o presidente Geisel destituiu o comandan­te Ednardo D’Ávila Mello — me transmitiu vários recados as-


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sustadores, recomendando que seria melhor eu tirar o time de cam­po porque “os homens” estavam putos comigo.

Fazer o quê? Mudar de ramo, voltar a trabalhar no esporte (Rossi e eu já tínhamos ficado “exilados” alguns anos na editoria de Esportes), pedir desculpas por ter escrito o que aconteceu? Repórter é como goleiro: se não tiver sorte, dança. Caiu do céu um convite para ser correspondente do Jornal do Brasil na Ale­manha Federal. Dorrit Harazim, chefe dos correspondentes in­ternacionais do JB e José Roberto Guzzo, então redator-chefe da Veja, nem precisaram gastar muitos argumentos na conversa que tivemos no café do hotel Eldorado, na avenida São Luiz. Saí de lado convencido de que estava na hora de mudar de vida, fazer uma coisa nova e comuniquei a decisão à mulher, avisando que iríamos embora para a Alemanha com a mesma tranqüilidade de quem convida a família para passar um fim de semana na praia. As crianças eram pequenas, a mulher não falava uma palavra de alemão, estávamos começando a construir nossa casa no Butantã, mas não pensamos duas vezes. Antes de ir embora, ainda pas­sei um mês no vale do Jequitinhonha, um antigo projeto para con­tar como era a vida na região mais pobre do país, conhecida co­mo o “Vale da Fome”. Já tinha feito tudo que queria no “Estadão”. Faltava essa reportagem, que foi publicada durante uma semana inteira, enquanto a gente arrumava as coisas para a viagem.

Tudo certo, precisava fazer o exame médico na sede do JB, no Rio, mas fui reprovado. Parece brincadeira: descobriram que eu tinha hérnia e o médico falou que, se não operasse, não poderia ser contratado pelo jornal. Assim, recém-operado, arrastan­do a perna e sem poder carregar peso, aportamos em Bonn no outono alemão de 1977. A Alemanha estava abalada por uma su­cessão de atos terroristas. Antes que pudesse instalar a família num hotel — estavam todos lotados — O William Waack, que era cor­respondente do “Estadão”, me passou uma pauta enviada pela Dorrit. Tinha que mandar matéria naquele dia mesmo: um avião da Lufthansa fora seqüestrado. Sem conhecer a cidade, sem sa­ber por onde começar, preocupado em alojar a família nalguma pensão pelo menos, com a ajuda do William deu para cumprir a pauta e ainda descolar outras matérias.


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Em poucas semanas, mesmo com o pau comendo — quase todo dia linha prisão e morte de terroristas, novos seqüestros, o diabo —, deu para organizar um esquema de trabalho como se estivesse no Brasil. A primeira bronca que recebi foi por estar es­crevendo demais. É que, por incrível que pareça, é muito mais fácil ser correspondente internacional num país onde tudo fun­ciona do que repórter de geral no Brasil. Para começar, prestar informações corretas é uma obrigação dos homens públicos, não um favor que fazem ao repórter. Duas ou três vezes por semana, ministros de todas as áreas — em momentos de crise, o próprio primeiro-ministro, que era o Helmut Schmidt — vão ao centro de imprensa para atender a todos os jornalistas, alemães ou es­trangeiros. Se não dão respostas consideradas satisfatórias, comprometem-se a, ainda no mesmo dia, apresentar as informa­ções solicitadas pelos repórteres. Tudo é organizado para que a sociedade tenha acesso à informação — e isso facilita a vida dos profissionais.

Um mês depois, consegui alugar uma boa casa e, quando fui ver, já me sentia como se tivesse sempre trabalhado na Alema­nha, um repórter de geral em plena Bonn convulsionada pelo ter­rorismo. Instalei minha pequena redação no sótão da casa, com telex e tudo. O jornal fornecia todos os meios para se fazer um bom trabalho e o aproveitamento do material era excelente. Ne­nhum jornal cuida com mais carinho da edição das matérias do que o JB — seja uma reportagem sobre o árido tema do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, sobre o carnaval em Colônia ou a his­tória das velhinhas contrabandistas que levavam quinquilharias ocidentais debaixo das saias para Berlim Oriental.

 

5.            Velhinhas de Berlim

 

Tinha ido de Bonn para Berlim Ocidental fazer um frila pa­ra uma nova revista que estava sendo lançada no Brasil (nem me lembro o nome, mas era alguma coisa como Repórter Três, uma


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tentativa logo frustrada de reeditar a velha Realidade). O pessoal da revista me ligou para casa e pediu uma matéria/perfil sobre Luiz Travassos, um dos principais líderes do movimento estudantil no Brasil de 68, que estava exilado na Alemanha Federal. 1968, “o ano que não terminou”, como escreveu o grande Zuenir Ven­tura sobre uma das épocas mais ricas da nossa geração, estava com­pletando dez anos. Como não sei dizer não, topei na hora e peguei o trem, sem avisar o jornal, e levaria uma tremenda bronca na volta, que seria ainda maior se não tivesse descolado a história das velhinhas contrabandistas.

Quase todos os repórteres que conheço fazem frilas para com­plementar o salário, mas não era meu caso (os correspondentes internacionais, pelo menos naquela época, ganhavam para viver decentemente apenas com o trabalho no jornal). Topei porque gos­tava do Travassos, de quem me considerava amigo, tantas as ma­térias que fiz com ele na época brava das manifestações estudan­tis que ele liderava a partir do quartel-general da rua Maria Antonia.

O conhecimento profundo do personagem me dispensou de fazer uma coisa hoje muito em desuso nas redações tupiniquins: ler, antes de sair para fazer a matéria, tudo sobre a pessoa a ser perfilada, não só para saber de quem se trata, como para evitar contar novamente uma história já sabida. Não foi difícil locali­zar Travassos num cortição de Berlim, pois uma providência pri­mária de qualquer repórter é saber pelo menos para onde está in­do, com o mínimo de risco de se perder. Difícil foi não revelar espanto ao ver a figura esquelética, amargurada de Travassos, sem nenhum sinal do líder combativo que arrastava multidões no Brasil de 1968. Mas ele deve ter percebido meu susto e, sem que lhe fi­zesse pergunta, foi desfiando as lembranças e o sofrimento do exílio — certamente, o sentimento mais doloroso de qualquer pessoa em qualquer época, dor tão grande que acabou antecipando o meu desejo de voltar ao Brasil, já que ninguém estava me obrigando a ficar fora.

Fim de tarde, trabalho garantido, peguei o trem de volta e comecei a puxar papo com umas velhinhas que estavam na cabi­ne e acharam fantástico conversar com um jovem brasileiro que


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falava alemão correntemente. Mais uma vez, o velho anjo da guar­da estava do meu lado. Sem nenhum esforço, elas foram contan­do a viagem toda, umas seis ou sete horas, como era a vida do “lado de lá”, que eu ainda não conhecia. A história era boa de­mais: os alemães orientais estavam encantados com a televisão oci­dental que captavam do “lado de lá” — não com os programas em si, mas com os anúncios, oferecendo produtos que eles nem imaginavam existir. Como lá não havia esses produtos à venda, isso gerou uma danada insatisfação social e o meio que o gover­no oriental encontrou de resolver o problema foi destruir os equi­pamentos de quem sintonizava a TV ocidental. Aí entram as ve­lhinhas: como havia uma lei permitindo o livre trânsito, entre as duas Alemanhas, de pessoas com mais de 65 anos, elas aproveita­vam a mordomia para contrabandear bugigangas eletrônicas que os brasileiros vão comprar no Paraguai, e, principalmente peças para antenas destruídas pela polícia.

A febre do consumo já estava latente naquela época, mas o Muro só seria derrubado muitos anos depois, da noite para o dia. Muitas vezes, o repórter consegue antecipar o futuro assim, meio sem querer, conversando com pessoas comuns que costumam sa­ber mais da alma do povo do que o mais tirano dos governantes. O pessoal do “Caderno B” caprichou na ilustração e meu único trabalho nesse caso foi ter sacado que o papo das velhinhas ren­dia matéria, com a ajuda da memória que, naquele tempo, era muito boa (se eu puxasse um caderno de anotações, elas certa­mente ficariam com medo de abrir o jogo e sofrer represálias).

 

6.            Sem cara feia, com prazer

 

Antes de ser correspondente em Bonn, raramente parava na editoria internacional dos jornais. Meus conhecimentos históri­cos, geográficos e políticos eram precários. Mas, como falava bem alemão, pude arriscar o que geralmente os correspondentes não fazem: descolar personagens, cenas, tendências, histórias da vida real que ficam de fora da cobertura das agências internacionais.


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Concorrer com elas, logo vi, era inútil e redundante. Fora do no­ticiário oficial do dia-a-dia, restam duas opções: ou você vira co­mentarista e “analisa” os acontecimentos, dando alguns palpi­tes, ou você vai à luta como repórter e garimpa boas histórias pa­ra contar. Sem vocação para palpiteiro e sem formação cultural suficiente para perpetrar teses e pensatas, tão ao gosto do jorna­lismo nativo que prefere os gabinetes às ruas, a reportagem aca­bou, mais uma vez, sendo uma saída natural.

Alguns teóricos chamam a isso de “reportagem humana” ou “matéria leve”, categorias secundárias do “alto jornalismo”, como se pudessem existir reportagens desumanas e o texto tenha que ser, necessariamente, duro, pesado, complicado, para parecer pro­fundo, definitivo. Confunde-se muito na nossa terra cara feia com seriedade. Mesmo na Alemanha, é possível escrever com bom hu­mor e fazer da leitura de um texto algo agradável, não um maçante exercício de erudição. Tive certeza disso no meu retorno ao Brasil: as matérias lembradas eram aquelas que me tinham dado mais prazer ao fazê-las.

Quando estão em outro país, os jornalistas, seja qual for sua origem, parecem-se muito com diplomatas. Freqüentam sempre os mesmos círculos, quer dizer, o poder, esquecendo-se que fora dos gabinetes existe um povo, absolutamente sempre original, fonte inesgotável de boas matérias. Um encontro de cúpula para discu­tir bomba de nêutrons pode ser importantíssimo para os destinos da humanidade. Se não formos capazes, porém, de trazer a dis­cussão para o dia-a-dia do homem comum, será que ele vai per­der seu precioso tempo na praia de domingo para ler um tijolaço sobre o assunto, recheado de declarações de autoridades e espe­cialistas? Aprendi a não me preocupar quando tropeço num assunto muito complicado: se eu não entendo, o leitor também não vai entender e será melhor buscar um atalho para contar algo de seu interesse. Jornal tem espaço para todo mundo. Se todo mun­do se preocupasse com os mesmos temas e escrevesse do mesmo jeito, ficaria muito chato.


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7.            Cai o governo, morre o papa

 

Melhor é deixar a vida fluir e ficar sempre atento, mesmo quando se está de folga. Certa vez, me deram três dias de folga e resolvi ir de carro com a família para Portugal, que não conhe­cia. Com aquela história de que na Europa tudo é perto, pensei que daria um belo passeio. Só que estava começando a tempora­da de verão, parecia que todos os europeus do Norte estavam des­cendo juntos para as praias do Sul e levamos três dias só para che­gar a Lisboa. Que dizer ao jornal? Resolvi “caçar” alguma ma­téria para fazer e assim justificar minha ausência prolongada da base em Bonn. E fui atrás do Miguel Urbano Rodrigues, jorna­lista português com quem trabalhei muitos anos no “Estadão” e que tinha voltado para a terrinha, com a “Revolução dos Cravos”.

“O governo está caindo... Você quer assunto melhor do que esse?”, acalmou-me o Miguel. No dia seguinte, mandei pau, con­tando a crise do gabinete Mario Soares e prevendo sua queda. Mas os dias se passaram, e o governo não caía. Dessa vez, pensei, dan­cei. Pois não é que, no sexto ou sétimo dia, o governo caiu mes­mo e pude comemorar minha incrível capacidade de antecipar fa­tos, com exclusividade? Bendito Miguel, que assim me garantiu mais alguns dias de folga. Resolvemos voltar por outro caminho, a Riviera Francesa, entrando depois pela Itália. Mulher pelada nas praias, todo mundo em festa permanente e, de repente, acho que a gente estava em Nápoles, ruas desertas em pleno dia de sema­na, silêncio, tristeza. Que será? Nos quiosques, manchetes garra­fais anunciavam a morte do papa Paulo VI. Liguei para o jornal, sugeri seguir para Roma e ajudar o Araújo Neto, eterno corres­pondente do JB na Itália. Quem atendeu disse que não poderia decidir sobre isso e me recomendou voltar para Bonn. Fui cor­rendo ao telex assim que cheguei em casa e já tinha um recado da Dorrit: siga imediatamente para Roma e ajude o Araújo na cobertura do papa.

Modéstia à parte, com a ajuda de um cardeal brasileiro que nos passava informações em off sobre a sucessão papal, Araújo e eu demos um banho nos vaticanólogos italianos. De novo, o ve-


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lho esquema: Araújo ficou com o lado mais oficial e eu fiquei solto nas ruas e nos bastidores para contar histórias. Assim que saiu a fumacinha com o nome de João Paulo I, mandei-me para um vilarejo perto de Veneza, Canale D’Agordo, onde o novo papa tinha nascido, para contar quem era essa figura. Um irmão dele, com um monte de filhos, velho boêmio, contou tudo sobre a fa­mília e revelou uma estranha premonição: “meu irmão é um su­jeito muito bom, pacato, nasceu para ser padre, mas acho que não vai agüentar essa política do Vaticano...”

Semanas depois, telex passado, fui abrir uma cervejinha, já tarde da noite em Bonn. Toca o telefone: “Te manda para a Itá­lia. O papa morreu”. “Sei... Morreu de novo? Quem tá falando?”

Tinha morrido João Paulo I, não era trote. A esta altura, já morrendo de saudades do Brasil, estava desmontando a casa para voltar e este pequeno imprevisto obrigou-me a levar a famí­lia toda para a Itália, ficar esperando de novo a fumacinha sair do Vaticano para poder voltar. Mariana, a filha mais velha, comemorou como se fosse um gol do Brasil quando anunciaram a eleição de João Paulo II, que está lá até hoje.

 

8.            Enfim a liberdade

 

O Brasil fervilhava com a volta dos exilados, o processo de abertura política, os últimos exteriores da ditadura. Não queria per­der esse trem. Em São Bernardo do Campo aparecia um tal de Lu­la, desafiando o regime e comandando dezenas de milhares de ope­rários em greves e assembléias que prenunciavam um novo tempo. Na Isto É do Mino Carta, fui reencontrar Clóvis Rossi e Raul Mar­tins Bastos, os mesmos que me tinham dado toda força quando co­mecei na grande imprensa. Respirava-se liberdade. A empolgação era tanta que, em meio a um dos copiosos jantares no velho Giovanni, o Mino resolveu que estava na hora de fazermos um jornal. Poucas semanas depois, estava nas bancas o Jornal da República, fantástica experiência, que durou pouco tempo, mas valeu por to­da uma vida de repórter. A sorte continuava ajudando.


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Logo no primeiro número, demos um furo de estourar a bo­ca do balão. Mino tinha me mandado entrevistar Garrincha, que estava internado, esquecido numa pequena clínica do interior do Estado do Rio. No final do papo, garantindo que estava bom, Garrincha me disse que, no domingo, iria participar de um jogo de veteranos em Presidente Prudente, no interior paulista. Pen­sei: ou ele endoidou de vez ou essa é a grande matéria do ano. Todo mundo dando Garrincha como condenado e o homem fa­lando que ia jogar. Foi. Solano José, o fotógrafo, e eu fomos junto com ele no ônibus dos veteranos, mais de 10 horas de viagem. Cobrimos o jogo sozinhos, com telefoto e tudo — transmitida da casa do prefeito —, e lá estava o manchetão no n. º 1 do novo jornal.

 

9.            A grande mancada

 

Quem lê essas histórias contadas assim, muitos anos depois, tomando uma cervejinha na varanda do sítio, e só lutando contra o vento, que ameaça levar as laudas já escritas embora, pode ima­ginar que tudo sempre dá certo quando se tem sorte e vontade de contar uma história — porque repórter, no fundo, é isso, um contador de histórias da vida presente. Nem sempre. Poucas se­manas depois do “furo” do Garrincha voltando a jogar bola, o Mino Carta me mandou numa segunda-feira a Nova York, para acompanhar o Brizola na volta ao Brasil, marcada para a quarta-feira da mesma semana, depois de 15 anos de exílio.

Já foi uma batalha conseguir o visto assim em cima da hora — era feriado americano na segunda e tive que ir a Brasília im­plorar uma ajuda na embaixada dos EUA — e eu só teria 24 ho­ras para contar 15 anos de exílio antes que o homem embarcasse de volta. Como já o conhecia da Alemanha — ele participou de um congresso da Internacional Socialista em Hamburgo, onde mais o ajudei com informações do que entrevistei, pois o Brizola tinha ficado muito tempo enfurnado no interior do Uruguai fui muito bem tratado, deu para fazer uma bela matéria, que rendeu toda a última página. Até aí, tudo bem, só faltava pegar o avião de volta.


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O roteiro do retorno do Brizola era um negócio maluco: de Nova York, ele ia para Assunção, no Paraguai; de lá, pegaria outro avião até o Uruguai e, finalmente, retornaria ao Brasil, entrando pela fron­teira gaúcha. Só que o avião fazia uma escala em Washington — e, ali, eu daria, junto com alguns colegas, parentes e correligionários do Brizola, a maior mancada profissional da minha vida. Co­mo todo mundo desceu, desci também, sem reparar que o Brizola tinha ficado, porque sua mulher, dona Neuza, não estava passan­do bem. Eram mais de 30 pessoas, entre jornalistas, familiares e amigos, acompanhando a volta dele ao Brasil. E lá ficamos todos, esperando a chamada para embarcar, que nunca vinha.

“Larga mão de ser caipira. Você acha que o avião vai embo­ra sem a gente?’’, censurou-me um colega, ao perceber que eu já estava me impacientando com a demora. Afinal, tinha viajado tan­to só para estar com o homem no avião — e não estava. Não deu outra: quando finalmente resolvi perguntar o que estava acontecendo, informaram-me candidamente que nosso vôo já havia par­tido. Se fosse um jatinho, ainda vá lá, mas como era um Jumbo da Braniff, ficava meio difícil pedir para o avião voltar. Bem que o Brizola ainda tentou, explicando ao comandante do que se tra­tava. Até sua filha, Neuzinha, tinha ficado para trás.

Lá ficamos nós no aeroporto de Washington: sem roupa, que seguiu no avião, sem dinheiro, que já tinha acabado e, pior, sem o Brizola, que voltava solitário para seu Rio Grande do Sul. Ri­cardo Giraldez, o fotógrafo que me acompanhava, fazia sua pri­meira viagem como enviado especial ao exterior e entrou, literal­mente, em desespero. Ainda tentei dar uma de colega mais velho, mais experiente: “essas coisas acontecem com os melhores jorna­listas...” — mas não teve jeito. O Giraldez tinha certeza de que seríamos demitidos.

“Se o problema é esse, velho, só tem um jeito: antes do Mi­no falar qualquer coisa, a gente já vai logo pedindo demissão pa­ra evitar o vexame”, tentei consolá-lo. Só conseguimos chegar no Brasil dois dias depois do Brizola — todos os vôos estavam lota­dos — e fomos direto para a redação. Quem não esperou a gente falar foi o Mino.

“Muito bem, senhor Kotscho (quando ele ficava puto cha-


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mava a gente assim, de senhor e pelo sobrenome), diante do que aconteceu não vou demiti-lo nem quero que o senhor se demita. Na próxima semana, volta o Miguel Arraes e o senhor está esca­lado para a cobertura. Mas não vai a Paris para voltar com ele, porque pode perder o avião de novo. Vai direto para o Crato e espera o Arraes chegar lá. E vai de ônibus, senhor Kotscho.”

Foi a maior esculhambação que levei na vida, mas foi ele­gante, e valeu: nunca mais perdi um avião, e pude fazer no Cra­to, a região do sertão cearense onde Arraes nasceu e sua família ainda vivia, uma das mais emocionantes e gratificantes cobertu­ras da minha carreira. O fotógrafo João Bittar e eu viajamos umas 12 horas de ônibus do Recife até o Crato. De tão apavorado, não descia nem para ir ao banheiro nas intermináveis e incontáveis pa­radas ao longo da estrada. Se perdesse o ônibus, depois daquela de Washington, também já seria demais. Quando chegamos lá, já tinha um batalhão de jornalistas e não sobrava muita novida­de para contar. Resolvi, então, num raro acesso de inteligência, reunir as lembranças da família Arraes, a começar pela sua mãe, que já era bem velhinha, mas muito lúcida, e escrever uma repor­tagem em forma de carta ao Arraes, como se eu fosse da família.

Mino abriu a carta na última página — a página nobre de reportagem — e para sorte minha o JR foi parar na mão do Ar­raes na escala do Rio (ele saiu direto do jato que o trouxe de Pa­ris para o jatinho que o levaria ao Crato). Ao chegar em casa, quis saber quem era o repórter com nome de japonês, levou-me para o quarto de sua mãe e deu um depoimento de lavar a alma depois da tragédia de Washington. Perdi o Brizola, mas ganhei o Arraes — e aprendi que a vida é assim mesmo, um jogo, nada como um dia depois do outro.

 

10.         No “Bico do Papagaio”

 

Todo mundo fazia de tudo no JR, da pauta à edição, e trabalhava-se de manhã cedo até tarde da noite. Não existia autocensura. A alegria de se trabalhar numa redação dessas, po-


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rém, tinha seu preço: a linha editorial, nem digo progressista, mas independente, afugentava anunciantes. Era precário o esquema de impressão e distribuição do jornal, entregue aos Diários Asso­ciados já na sua fase agonizante. Desta forma, a utopia de um jornal de jornalistas durou pouco e, com o fim da experiência, no começo de 1980, Cláudio Abramo, que tinha sido secretário de redação do JR, recomendou ao Otávio Frias, dono da Folha, a contratação de alguns dos seus profissionais, entre eles o Rossi e eu.

A Folha, sob a direção de Abramo, tornara-se no final dos anos 70 uma espécie de porta-voz da emergente sociedade civil, abrindo suas páginas aos que empurravam o processo de abertu­ra política contra os resquícios do autoritarismo. Era, basicamente, um “jornal de autor”, quer dizer, seus profissionais tinham autonomia plena para escrever e se responsabilizavam por isso, já que a maioria das matérias era assinada. A diversidade de estilos e enfoques da realidade brasileira podia dar ao jornal uma apa­rência de “saco de gatos”, mas isso era, na verdade, apenas o re­flexo das perplexidades nacionais, entre o fim da ditadura e o iní­cio de um novo ciclo, que ninguém ainda imaginava como seria.

Ao contrário dos seus concorrentes, que pareciam anestesia­dos pela liberdade recém-conquistada, a Folha investiria fundo na reportagem, dando aos seus profissionais todos os recursos para executarem um vigoroso trabalho de resgate da realidade nacio­nal. Alguns temas, no entanto, ainda eram considerados tabus. Um deles era o do conflito de terras no norte do país, que a cada ano matava mais gente, mas merecia apenas breves registros no estilo “boletim de ocorrência” nos nossos jornalões. Batalhei bas­tante tempo por esta pauta até que, talvez vencido pelo cansaço da minha aporrinhação, o Boris Casoy autorizou a viagem até o sul do Pará, na região conhecida por “Bico do Papagaio”, o co­ração dos conflitos.

Saímos do pátio da Folha, o fotógrafo Ubirajara Dettmar (hoje fotógrafo oficial da Presidência da República, vejam que chique), o motorista Sebastião Ferreira e eu, numa velha Caravan, com destino a Conceição do Araguaia, no Pará. O dinheiro que nos deram, mesmo dormindo quase sempre em casas de


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amigos e paróquias, só deu para chegar a Conceição, e o jornal não queria mandar mais porque a verba do mês tinha acabado. Assim, só nos restava uma saída, expliquei ao Boris: vender o carro do jornal para a gente poder voltar. Dias depois, chegou a ordem de pagamento e pudemos seguir em frente na nossa aventura, a mais perigosa e cansativa com que já topei pela frente.

Os grandes fazendeiros, que mais tarde criariam a UDR, seus pistoleiros e toda a parafernália policial e jurídica colocada pelos militares a serviço do latifúndio não gostavam de jornalistas. Donos da vida e da morte, consideravam nossa presença uma invasão dos seus domínios. Com nossa Caravan pintada de amarelo e “Re­portagem” escrito bem grande nas portas abaixo do logotipo do jornal, era impossível passar despercebido. Perdemos a conta de quantas vezes nos ameaçaram sutilmente de morte, se não puxás­semos logo o carro. Mas o maior medo não foi nem provocado por homens armados. O primeiro grande susto foi numa noite em que chovia muito na Transamazônica e eu achava melhor parar. Parar onde? Ferreira cismou de seguir em frente, sem enxergar nada, e eu, de co-piloto, só ia avisando das armadilhas do cami­nho. “Pára, que não tem mais ponte”, berrei a poucos metros da margem de um rio, onde antes da chuva havia uma ponte. O jeito era passar por dentro do rio antes que alguma onça nos car­regasse com carro e tudo, mas era primeiro preciso ver a fundura. Descalço, calças arregaçadas, encarreguei-me da missão, dei o sinal de OK e, quando o Ferreira apontou os faróis para onde estava, vi uma imensa cobra capaz de engolir dois Dettmar. Pou­co adiante, achamos uma pousada que estava lotada. O dono re­solveu quebrar um galho diante dos nossos apelos e nos instalou num quarto onde os hóspedes não tinham voltado ainda naquela noite. A gente já estava dormindo quando os donos do quarto apareceram, furiosos, batendo com o revólver na porta. Fingi-me de morto. Ferreira teve o estalo: “Dettmar, pega a arma”. A gente não tinha arma nenhuma, mas os caras desistiram. Para chegar a um antigo quilombo, na viagem de volta, tivemos que atraves­sar o Tocantins numa precaríssima canoa, num lugar onde o rio tem mais de 800 metros de largura e muita correnteza. Com toda tralha fotográfica do Dettmar, a canoa só ficava dois dedos pa-


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ra fora da água e qualquer descuido poderia ser o último. Só dessa viagem ficamos com histórias para contar por muito tempo. Entramos na redação vitoriosos, correndo para o abraço, já que tínhamos feito tudo previsto na pauta, e muito mais, recolhendo material suficiente para encher mais de dez páginas de reportagens. Tudo no papel, levei o material com fotos para o Bóris, que só deu uma espiada na primeira lauda.

“Aqui, ó, que vou publicar isso”, comunicou-me o chefe, dando uma banana. Faltava, segundo o Bóris, ouvir o governo. Bem que tentei. Como esta era uma área de segurança nacional, o máximo que consegui foi deixar um questionário por escrito no Palácio do Planalto, em cujo bunker funcionava um certo Getat — Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins, o órgão do Conselho de Segurança Nacional responsável pela área do “Bico do Papagaio”. Passaram-se semanas e nada deles responderem. Vai assim mesmo, pensei, azar deles. Não foi. O pacote de matérias dormiu mais de oito meses em alguma gaveta do jornal, até que o Otávio Frias Filho, então apenas o filho do Frias velho, perguntou ao Dettmar por que não fazíamos mais “aquelas reportagens”. O Dettmar, então, contou a história toda e, no dia seguinte, começou a publicação da série de reportagens, por ordem da direção.

Mais tarde transformada em livro, editado pela Brasiliense, a história do Massacre de Posseiros acabou sendo publicada também na França e na Itália. Foi até engraçado. Na mesma época da publicação da série na Folha, o jornal me mandou cobrir um quebra-quebra em Salvador, e todo dia saíam matérias assinadas minhas da Bahia e do Pará ou do Maranhão, o que me dava um certo sentimento de onipresença, mas os leitores não devem ter entendido nada.

Justiça lhe seja feita, a não ser nesse episódio, o Bóris deu toda retaguarda para quem queria fazer reportagem e respeitava o texto de cada um. O movimento popular encontrava espaço no jornal e foi nas andanças pela periferia, em contato com líderes comunitários e religiosos, a maioria ligados ao PT (o movimento dos operários do ABC já tinha se tornado um partido), que descobri em gestação alguma coisa vaga, forte, crescente. Era ainda



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um movimento meio difuso, que misturava no mesmo ato público, marcado para a praça Charles Muller, no Pacaembu, em fins de 1983, manifestações de solidariedade ao povo da Nicarágua e por eleições diretas no Brasil.

 

11.         O sonho das Diretas

 

Uma tarde, voltando da chácara onde ainda moram minha mãe e meu irmão, em Cotia, fiquei pensando se aquilo não poderia ser a grande bandeira que faltava à Folha para se firmar como o jornal da redemocratização do país. Na segunda-feira, logo cedo, botei as idéias no papel e levei ao Adilson Laranjeira, como sugestão de pauta. O Adilson explicou que não poderia decidir sozinho e prometeu levar a proposta à reunião que tinha todos os dias, no começo da tarde, com o Frias. A partir daí, por ordem do dono do jornal, que leu a sugestão em voz alta, a Folha resolveu bancar aquilo que em pouco tempo se tornaria o maior movimento de massas da história política do país, a Campanha das Diretas.

Tínhamos todo o espaço do mundo, podíamos viajar para onde fosse, o importante era manter o assunto todo dia no jornal. Pela primeira vez, senti-me participante, e não apenas testemunha profissional. Como só a Folha cobria todos os comícios, os apresentadores começaram a anunciar a presença do repórter do jornal junto com a dos líderes políticos. No avião, entre uma cidade e outra, conversando com Ulysses Guimarães, Lula, Brizola, não me limitava a fazer matérias mas a dar palpites e, junto com eles, pude ver o povo tomando conta das praças e ruas do Brasil. O jornal era disputado, literalmente, a tapas. Em Rio Branco, num domingo, o governador do Acre deu ordens ao chefe da Casa Militar para “requisitar” um exemplar da Folha, onde fosse, para o Dr. Ulysses. Matérias das Diretas publicadas na Folha eram multiplicadas em xerox. Se tivesse que largar a profissão naqueles dias, já teria valido a pena.



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A Emenda das Diretas acabaria sendo derrotada, contra a vontade nacional, por um grupo de parlamentares que apoiaram a ditadura, deram sustentação a Sarney e agora dão a Collor, conhecido por “centrão”, a turma do “é dando que se recebe”, sempre os mesmos. Chorei de raiva naquela noite, xinguei deputados que se esconderam na hora da votação e ainda armamos uma briga com a direção do jornal. Eles queriam que a gente mandasse a última matéria até as 23 horas, mas a votação estava apenas começando e era impossível escrever qualquer coisa sem saber o resultado — afinal, estava sendo decidido ali o destino do país.

Por azar nosso, a votação acabou de madrugada, deu um crepe nas comunicações e acho que só passamos a última matéria lá pelas três da manhã. Poderíamos ir todos para a rua, mas ninguém estava preocupado com isso. O país todo tinha sido derrotado, que importância tinha nosso emprego? Não deu outra: mesmo sendo o último jornal a chegar às bancas, a Folha foi o primeiro a se esgotar em todo o país. O concorrente “Estadão”, que fechou no horário de costume com a impagável manchete “Faltam votos para a aprovação das diretas”, teve um monumental encalhe. A direção da Folha ainda tentou rodar uma segunda edição, mas não foi possível porque o pessoal das oficinas já não podia ser convocado e os caminhões estavam longe nas estradas.

Enquanto Tancredo era “eleito” pelo Colégio Eleitoral, o jornal dava início à implantação do chamado “Projeto Folha”, com a substituição de Bóris Casoy por Otávio Frias Filho. Em poucos meses, quase toda a redação foi mudada — e o seria várias vezes nos anos seguintes — e, no lugar do “jornal de autor” foi criado o “jornal do manual”, com a padronização dos textos num estilo semelhante ao de boletins de ocorrência ou formulários do imposto de renda. A nova postura editorial, no entanto, não afetou o estrondoso sucesso de marketing da cobertura das Diretas, a marca registrada do jornal. A empresa investiu pesado numa área em que era fraca, o departamento comercial. Promoções, grandes campanhas publicitárias criadas por algumas das mais competentes agências do país, a Folha foi ampliando seu mercado, mas era outro jornal. Resolvi aceitar um convite feito pela turma do Globo Rural para trabalhar em televisão.



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12.         A eterna busca

 

É mais ou menos como você pegar um violeiro já beirando os 40 e colocar para cantar numa ópera. Apesar de todo apoio que recebi do Humberto Pereira e sua equipe, talvez a melhor do jornalismo de televisão, e do salário, o dobro do que ganhava no jornal, poucas semanas e algumas viagens bastaram para me mostrar como eram diferentes esses dois mundos. Seria preciso começar tudo de novo. Lá encontrei o Zé Hamilton Ribeiro, o melhor repórter da minha geração, veterano de redações de jornais e revistas (ele era um dos papas da reportagem quando fui tentar emprego na Realidade). O Zé se deu muito bem com o novo veículo e isso poderia servir de estímulo para mim, mas, ao final de três meses de experiência, decidi que era melhor voltar ao jornal, pois o que gosto mesmo é de escrever e, na TV, esta é uma atividade, digamos, acessória.

Como tinha saído de licença, voltei a fazer o mesmo de antes na Folha. Tudo tinha mudado, porém: em vez de passar dois ou três dias levantando uma matéria para esgotar o assunto, a ordem agora era fazer duas ou três matérias por dia. Horários rigidamente controlados — às vezes, tinha que escrever sobre um evento antes que começasse ou sobre um jogo de futebol antes que terminasse — e espaços milimetricamente limitados, já não se dava muita importância à qualidade do texto ou da informação, mas apenas ao cumprimento das normas industriais do manual. Num seminário promovido pelo jornal, no auditório do jornal, para um grupo de recém-formados em Jornalismo, fiz todas as críticas que costumava fazer ao “Projeto Folha” na redação, e um deles me perguntou: “Falando essas coisas, você não tem medo de ser demitido?”.

Nunca tinha pensado nisso e fiquei triste ao constatar que um jovem, antes mesmo de começar, já alimentava essas preocupações. Disse-lhe que sempre falei e escrevi o que pensava e nunca fiquei um dia desempregado. Ao contrário, sempre procurei sair das empresas antes que saíssem comigo. Um dia, ao voltar da cobertura da Copa do México, em 1986, junto com o Carlos



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Brickmann, que já estava na Folha da Tarde, cheguei de manhã na redação, fiquei olhando as pessoas — não conhecia mais quase ninguém — e descobri que tinha encerrado o ciclo da Folha — certamente, o mais rico da minha carreira, tanto do ponto de vista pessoal como profissional. Por mais uma dessas felizes coincidências do destino, o Augusto Nunes, que tinha sido meu “foca” no “Estadão”, estava saindo da Editora Abril para assumir a direção do JB em São Paulo, e fomos juntos para lá.

Embora fosse uma sucursal, o Augusto trabalhava em pique de matriz, batalhando espaços e animando a tropa. Por essa época, muita gente dizia que para saber o que se passava em São Paulo era preciso ler um jornal do Rio — no caso, o JB. Emplacamos belas reportagens, furos e manchetes — como a Califórnia Paulista, a febre dos rodeios, a construção do submarino nuclear nas instalações secretas de Iperó, as inconfidências do general Figueiredo num jantar com empresários, a explosão da música sertaneja —, temas que os concorrentes só descobriram meses e até anos depois.

 

13.         Com Lula, a aventura humana

 

Estava ali sossegado, tocando meu barquinho sem fazer alarde, quando o velho amigo Lula me chamou, no final de 1988, para trabalhar com ele na campanha presidencial. “Nunca fui assessor, não sei como faz isso”, tentei explicar a ele, mas o Lula cortou logo: “Não enche o saco, eu também nunca fui candidato a presidente da República...”. E lá embarquei eu na mais fantástica aventura humana que um jornalista brasileiro poderia querer na vida. Cruzamos esse país várias vezes durante todo o ano de 1989, primeiro em aviões de carreira e no final num jatinho sem banheiro, o que levou o Chico Buarque, durante uma viagem de Maceió para São Paulo, a improvisar um pinico numa garrafa plástica de água mineral. Vimos o Brasil ficar de pé, de novo, mas, como na Campanha das Diretas, só chegamos perto. Faltou pouco.



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Ninguém deveria dar um tostão furado se nos visse, no começo da campanha, acordando de madrugada para falar com a turma que entra cedo na fábrica — a origem do PT e ainda hoje sua principal razão de ser. Poucos eram os repórteres que se dispunham a acompanhar a maratona, que compensava a absoluta falta de recursos materiais com o esforço físico. Ao ver o resultado desse trabalho nos meios de comunicação, dava até vontade de desistir: ou não saía nada ou vinha pau puro em cima das administrações petistas.

De tão pobre que era a campanha, às vezes achava mesmo melhor que a imprensa não a cobrisse porque, como diz o Joãozinho Trinta, pobre não gosta de pobreza. Mas era impossível não se empolgar ao ver o Lula se multiplicando em muitos, atendendo cada etapa da agenda como se fosse a única ou a última da longa corrida de obstáculos. Quase sempre junto com a mulher, Marisa, e dois ou três companheiros, Lula gastava a garganta para pregar, basicamente, sempre a mesma coisa: a luta por justiça social, por uma mais humana distribuição de renda para que todos possam ter as mesmas oportunidades de uma vida digna. Enquanto os outros candidatos prometiam, eles próprios, levar o povo ao paraíso e transformar água em vinho, Lula propunha a luta de todos para o resgate da cidadania e da soberania nacional.

O candidato do establishment era apontado como um fenômeno de marketing. Com três programas seguidos, de uma hora, em cadeia nacional de rádio e televisão, com todos os recursos do mundo e o apoio descarado dos principais veículos de comunicação do país, até eu. Mesmo assim, quando faltava uma semana para as eleições e as projeções indicavam a irreversível ascensão de Lula, que o levaria à vitória se um fato novo não acontecesse, Collor jogou para o espaço todos os seus marqueteiros, dispensou os estrategistas e comunicólogos, chamou o irmão com seus “encanadores” e partiu para a ignorância.

Em qualquer país civilizado, quem assim age, sem respeitar mais nada, no desespero, acaba topando com um Watergate pela cara e, se não vai para a cadeia, ao menos não fica no governo. Aqui, Ferreira Netto vira candidato ao Senado pelo PRN e o responsável pela Justiça Eleitoral, Francisco Rezek, vai para o Minis-



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tério do candidato vitorioso. Aquela que foi a mais bela das aventuras acabou se transformando, em mim, na mais funda amargura, não pelo resultado eleitoral em si e pela forma como foi alcançado, mas pelo comportamento da imprensa durante e depois da campanha — implacável com os candidatos populares e servil diante do poder econômico e político que se mantém desde Cabral.

Está certo, seria surpreendente se assim não fosse. Para quem começou a trabalhar em 1964, quando todos aplaudiram o golpe militar contra um governo legitimamente eleito, nada mais parece capaz de surpreender ou indignar. Mas sou de um tempo em que os jornalistas acreditavam na utopia. Sonhavam que, com seu trabalho, poderiam mudar o mundo, criar uma sociedade melhor para se viver. Fica difícil mudar depois de velho. Por isso, não vejo a hora de voltar a ser correspondente no exterior. Lá fora, pelo menos, não tenho nada a ver com o que acontece, posso me limitar a contar o que se passa, com a maior neutralidade do mundo. Num país como o nosso, com tantos contrastes e injustiças, fica mesmo difícil não chorar e rir junto com o povo que luta por sua libertação contra uma das elites mais retrógradas, arbitrárias e desumanas que esse mundo já criou. A vida, aprendi, é feita de ciclos e, com a campanha do Lula, mais um deles se fechou. Está na hora de recomeçar, em algum outro lugar do mundo, de preferência onde possa dar um final feliz às minhas histórias, porque a vida, afinal, apesar de todo gosto pela aventura, é uma só, e a utopia não tem endereço fixo.

 

14.         A agonia dos sem-terra

 

Numa profissão como essa, se a gente perder a capacidade de sonhar e ser um agente da utopia, é melhor mudar de ramo. A cada dia, a cada semana, tenho mais provas disso. Estava voltando de Minas, onde fui participar de um seminário de “marketing político” (no Brasil, em dois tempos, basta você participar de uma única aventura, como foi a da campanha do Lula, que



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já vira logo “especialista”), já vencendo o prazo para entregar este texto, quando aconteceu mais uma. No Pontal do Paranapanema, a 800 e tantos quilômetros de São Paulo — li no avião —, umas três mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças sem-terra, tinham invadido uma fazenda e a Polícia Militar, a pedido da Justiça, estava ameaçando tirá-las de lá na porrada.

“Quem está no Pontal do Paranapanema?”, perguntei, assim que cheguei no jornal, e fiquei sabendo que ninguém tinha ido. A invasão já durava uma semana, os outros jornais estavam dando primeira página com a história, e a gente cobrindo tudo por telefone. Não tinha mais lugar no avião para Presidente Prudente, o aeroporto mais próximo do local do confronto. Já eram mais de três da tarde quando pegamos a estrada, o Faustino, fotógrafo, e o Isaías, piloto dos bons. Chegamos lá já de madrugada, dormimos umas três horas numa espelunca e caímos de páraquedas no meio da guerra, mais de mil homens da PM cercando a área.

Sonado, morrendo de frio, sentindo-me o próprio Raul Solnado, aquele comediante português que fez muito sucesso no Brasil contando histórias semelhantes, procurei saber quem mandava do “lado de cá”, o da polícia. Encaminharam-me a um mal-encarado capitão, cheio de autoridade, que já foi logo avisando que não podia dar entrevistas. Expliquei-lhe que não estava interessado em entrevistas àquela altura do campeonato, mas apenas queria saber por onde entrava na fazenda ocupada para conversar com a turma do “lado de lá”, quer dizer, os sem-terra. Nos jornais que li no caminho, já sabia tudo sobre o que a PM ia fazer, o que o juiz achava, a opinião do delegado e do governo do Estado, só não sabia o que estava acontecendo no acampamento — era o que faltava contar, imaginei, chegando com uma semana de atraso.

O juiz tinha dado prazo até o meio-dia para o pessoal deixar a área “pacificamente”. Já tinha chegado polícia da capital e de outras regiões, cavalaria, tropa de choque e tudo, para tomar as providências de praxe caso a ordem não fosse cumprida. Mas assim que o dia amanheceu, quando a gente estava entrando na fazenda ocupada, já tinha nego saindo com suas tranqueiras. Numa assembléia, pouco antes, eles decidiram que não havia con-



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dições de resistência — seria um suicídio coletivo de fazer inveja ao Jim Jones. Comecei a fazer a matéria ali mesmo no portão, com os primeiros sem-terra que estavam debandando e fui falando com quem encontrava pelo caminho (a gente nunca pode esperar a hora certa de começar a fazer a matéria, o negócio é não arriscar). Os líderes da ocupação, com todos os motivos do mundo, pois tinha até repórter passando informações para a polícia, estavam putos com a imprensa em geral e não queriam papo. Sem pressa, fui-me enturmando numa barraca quando começou a chover é descobrindo aos poucos o que estava acontecendo. Não demorou, pintou um peão com cara de bravo e interpelou o “Zumbi”, um dos líderes com quem estava puxando conversa: “E esse aí quem é?”. O “Zumbi” tentou acalmá-lo, mas não teve jeito: “Esse aí tem cara de fazendeiro, cuidado com ele”, disparou, apontando para mim.

Se ter um sítio de seis alqueires que só me dá prejuízo há dez anos é ser fazendeiro, ele não deixava de ter razão. A chuva apertou, mas o pessoal ia desmontando as barracas. Os caminhões dos fazendeiros da UDR, gentilmente servidos à Polícia e à Justiça para transportar os invasores, encalhavam na estrada de barro. Mesmo assim, quase todo mundo já tinha debandado quando venceu o prazo fatídico do meio-dia. Ficaram para trás os mais fracos, os mais velhos, os que tinham mulher e crianças para carregar. A polícia não quis nem saber. Como já estavam havia dias prontos para atacar — os oficiais alojados num confortável hotel da CESP (Centrais Elétricas de São Paulo) e o restante da tropa nos alojamentos dos canteiros de obras da Camargo Correia, a empreiteira de Sebastião Camargo, o homem mais rico do país, que tem muitas léguas de terras na região — eles não quiseram nem saber: avançaram sobre as poucas barracas ainda de pé e os raros retardatários como se estivessem resgatando a terra brasileira tomada por inimigos estrangeiros. Para completar a cena grotesca, atrabiliária e absolutamente desnecessária, ainda hastearam a Bandeira Nacional.

Umas poucas famílias, que não tinham para onde ir, os deserdados do lumpezinato rural que grassa pelo país, ficaram mesmo pela beira da estrada, tentando remontar suas barracas co-



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bertas de plástico preto, o adereço certo para este espetáculo fúnebre do trabalhador rural sem terra no Pontal do Paranapanema, Corri para o hotel — a gente vive sempre correndo contra o relógio, embora eu nunca tenha usado esse importante instrumento de trabalho e, até hoje, não tenha uma agenda — e fui estrear minha “marmita”, o apelido carinhoso do computador portátil Tandy, a última palavra do jornalismo cibernético. Não sabia nem onde ligar aquela porra, mas acabei conseguindo parir a matéria com a ajuda da minha amiga Júlia, enviada especial do concorrente O Globo (espero que Roberto Marinho não saiba disso).

Tudo pronto, preparei-me garbosamente para transmitir minha primeira matéria diretamente de computador para computador, via telefone. Na primeira tentativa, nada. Na segunda, nada. “O nosso computador está pifado”, comunicou-me Gilberto, o chefão da informática da sucursal do JB em São Paulo. “Manda direto para o Rio”. Demorou um pouco para explicar à telefonista da CESP que eu precisava falar com o computador do Rio. Quando o computador atende, dá um sinal igual ao de ocupado, e ela desligava. Para resumir a história, acabei levando mais tempo para fazer a matéria chegar ao destino do que nos heróicos tempos da cobertura da morte do presidente Castello Branco em Fortaleza, no Ceará de 1967, quando os textos seguiam por telegrama, via Western, e as fotos por um mastodôntico aparelho de rádio (Faustino levou três horas para transmitir suas fotos, quer dizer, telefotos, porque vivemos num país que ainda não conseguiu se entender nem com a telefonia, quanto mais com a informática). Pela primeira vez, ao fazer a primeira refeição do dia, já lá pela meia-noite, sujo, fedido, molhado, humilhado por ter escrito mais uma história trágica de final absolutamente infeliz, achei que tinha passado minha hora, reportagem é coisa para pessoas mais jovens, de preferência absolutamente insensíveis. Bobagem. No dia seguinte, ainda quebrados, pegamos a estrada de novo, mas antes passamos pelo acampamento da beira da estrada para deixar um pouco de comida para aquela gente que passou a noite na chuva, gemendo sob um frio europeu — a única coisa de útil que pudemos fazer depois que tudo acabou e a história já estava impressa no jornal. Na estrada, ainda cruzamos com as



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tropas, bem agasalhadas, voltando para seus quartéis em ônibus gentilmente cedidos pela Viação Andorinha. Vale a pena?

Valeu, mas quero mais, antes de ir-me embora para Porangaba escrever livros para crianças, meu projeto para a velhice que vem chegando (no Brasil, repórter com mais de 40 já é ancião). Ando obcecado ultimamente por histórias com final feliz — e o jeito é esse, partir para longe ou para a ficção, na esperança de que um dia ela se torne real, aqui mesmo no Brasil, a terra da utopia dos meus pais. Quase meio século depois, quem diria, a utopia da sociedade ideal do ano 2.000 ressurge no ponto que eles deixaram, arrasado pela guerra. Quero acompanhar de perto esta aventura, quem sabe minha última, bem ali onde esta história começou.

 

Porangaba, inverno de 1990



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OS AUTORES

 

Nascido em 28 de agosto de 1956, em São Paulo, Gilberto Dimenstein, diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília, é reconhecido na imprensa como um dos principais jornalistas investigativos do país, autor de reportagens com repercussão nacional e internacional. Ganhou vários prêmios de jornalismo nos últimos anos, entre eles dois prêmios Esso e dois prêmios Libero Badaró de Imprensa, em 1989 e 1990. Suas reportagens transformaram-se em best-sellers como A República dos Padrinhos e A Guerra dos Meninos, além de O Complô que elegeu Tancredo, este realizado em conjunto com outros jornalistas. O livro-reportagem Conexão Cabo Frio permaneceu por oito meses na lista dos mais vendidos de Brasília. Iniciou sua carreira em 1977, na revista Shalom e, até se mudar para a Folha, passou pelo O Globo, Jornal do Brasil, Correio Brasiliense, revistas Veja e Visão.

Ricardo Kotscho nasceu no dia 16 de março de 1948 em São Paulo e é repórter da sucursal paulista do Jornal do Brasil. É um dos mais importantes jornalistas de sua geração, ganhador de três prêmios Esso e dois Vladimir Herzog. Começou sua carreira na Folha Santamarense, em 1964, passando pela Gazeta de Santo Amaro, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Isto É, Jornal da República, Folha de S. Paulo, TV Globo. Foi assessor de imprensa da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989. É autor de 13 livros, entre os quais destacam-se O Massacre dos Posseiros, Explode um Novo Brasil, Uma Ferida de Ouro na Selva, Essa Escola chamada Vida, A Prática da Reportagem e Cuba, que Linda és Cuba.



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NOVAS BUSCAS EM COMUNICAÇÃO

VOLUMES PUBLICADOS

 

1.    Comunicação: Teoria e Política — José Marques de Meio.

2.    Releasemania — uma contribuição para o estudo do release no Brasil — Gerson Moreira Lima.

3.    A Informação no Rádio — os grupos de poder e a determinação dos conteúdos — Gisela Swetlana Ortriwano.

4.    Política e Imaginário nos Meios de Comunicação para Massas no Brasil — Ciro Marcondes (organizador).

5.    Marketing Político Governamental — um roteiro para campanhas políticas e estratégias de comunicação — Francisco Gaudêncio Torquato do Rego.

6.    Muito Além do Jardim Botânico — Carlos Eduardo Lins da Silva.

7.    Diagramação — o planejamento visual gráfico na comunicação impressa — Rafael Souza Silva.

8.    Mídia: O segundo Deus — Tony Schwartz.

9.    Relações Públicas no Modo de Produção Capitalista — Cicilia Krohling Peruzzo.

10. Comunicação de Massa sem Massa — Sérgio Caparelli.

11. Comunicação Empresarial/Comunicação Institucional — Francisco Gaudêmio Torquato do Rego.

12. O Processo de Relações Públicas — Hebe Wey.

13. Subsídios para uma Teoria da Comunicação de Massa — Luiz Beltrão e Newton de Oliveira Quirino.

14. Técnica de Reportagem — notas sobre a narrativa jornalística — Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari.

15. O Papel do Jornal — uma releitura — Alberto Dines.

16. Novas Tecnologias de Comunicação — impactos políticos, culturais e socio- econômicos — Anamaria Fadul (coordenadora).

17. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada — Margarida Maria Krohling Kunsch.

18. Do outro Lado do Muro — propaganda para quem paga a conta — Plinio Cabral.

19. Do Jornalismo Político à Indústria Cultural — Gisela Taschner Goldenstein.

20. Projeto Gráfico — teoria e prática da diagramação — Antonio Celso Collaro.

21. A Retórica das Multinacionais — a legitimação das organizações pela palavra — Tereza Lúcia Halliday.

22. Jornalismo Empresarial — teoria e prática — Francisco Gaudêncio Torquato do Rego.

23. O Jornalismo na Nova República — Organização: Cremilda Medina.

24. Notícia: Um Produto à Venda — jornalismo na sociedade urbana e industrial — Cremilda Medina.


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25. Estratégias Eleitorais — marketing político — Carlos Augusto Manhanelli.

26. Imprensa e Liberdade — os princípios constitucionais e a nova legislação — Freitas Nobre.

27. Atos Retóricos — mensagens estratégicas de políticos e igrejas — Tereza Lúcia Halliday.

28. As Telenovelas da Globo — produção e exportação — José Marques de Melo.

29. Atrás das Câmeras — relações entre cultura, Estado e televisão — Laurindo Lalo Leal Filho.

30. Uma Nova Ordem Audiovisual — comunicação e novas tecnologias — Cândido José Mendes de Almeida.

31. Estrutura da Informação Radiofônica — Emilio Prado.

32. Jomal-Laboratório — do exercício escolar ao compromisso com o público leitor — Dirceu Fernandes Lopes.

33. A Imagem nas Mãos — o vídeo popular no Brasil — Luiz Fernando Santoro.

34. Espanha: Sociedade e Comunicação de Massa — José Marques de Melo.

35. Propaganda Institucional — usos e funções da propaganda em relações públicas — J. B. Pinho.

36. On Camera — o curso de produção de filme e vídeo da BBC — Harris Watts.

37. Mais do que Palavras — uma introdução à teoria da comunicação — R. Dimbleby e Graeme Burton.

38. A Aventura da Reportagem — Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho.

39. O Adiantado da Hora — a influência americana sobre o jornalismo brasileiro — Carlos Eduardo Lins da Silva.

40. Consumidor versus Propaganda — Gino Giacomini Filho.

41. Complexo de Clark Kent — são super-homens os jornalistas? — Geraldinho Vieira.

42. Propaganda Subliminar Multimídia — Flávio Calazans.

43. O Mundo dos Jornalistas — Isabel Travancas.

44. Pragmática do Jornalismo — buscas práticas para uma teoria da ação jornalística — Manuel Carlos Chaparro.

45. A Bola no Ar — o rádio esportivo em São Paulo — Edileuza Soares.

46. Relações Públicas — Função Política — Roberto Porto Simões.

47. Espreme que sai Sangue — um estudo do sensacionalismo na imprensa — Danilo Angrimani.

48. O Século Dourado — a comunicação eletrônica nos EUA — Sebastião Carlos de Moraes Squirra.

49. Comunicação Dirigida na Empresa — Cleusa G. Gimenez Cesca.

50. Informação Eletrônica e Novas Tecnologias — María-José Recorder, Emest Abadai e Lluís Codina.

51. É Pagar para Ver — a TV por assinatura em foco — Luiz Guilherme Duarte.

52. O Estilo Magazine: O texto em revista — Sérgio Vilas Boas.

53. O Poder das Marcas — J. B. Pinho.

54. Jornalismo, Ética e Liberdade — Francisco José C. Karam.

55. A Melhor TV do Mundo — Laurindo Lalo Leal Filho.

56. Relações Públicas e Modernidade — novos paradigmas em comunicação organizacional — Margarida Maria Krohling Kunsch.

57. Radiojomalismo — Paul Chantler e Sim Harris.

58. Jornalismo Diante das Câmeras — um guia para repórteres e apresentadores de telejornais — Ivor Yorke.

59. A Rede — como nossas vidas serão transformadas pelos novos meios de comunicação — Juan Luis Cebrián.

60. Transmarketing — estratégias avançadas de relações públicas no campo do marketing — Waldir Gutierrez Fortes.

61. Publicidade e Vendas na Internet — técnicas e estratégias — J. B. Pinho.

62. Produção de rádio — um guia abrangente da produção radiofônica — Robert McLeish.


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A AVENTURA DA REPORTAGEM

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P. Contracapa

 

Como bem acentua Clóvis Rossi na apresentação deste livro, a reportagem não é uma coisa única, feita de uma só face. Cada vez mais o mundo do jornalismo exige especialização e o repórter é uma figura fundamental, ao contrário do que se poderia supor. Isto porque (e ainda parafraseando Rossi) a história ocorre na rua e não em uma redação de jornal. E rua aqui deve ser entendida no sentido mais amplo do termo: das favelas às ante-salas do poder, das passeatas aos gabinetes dos políticos.

É desta rua que Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho — dois dos mais importantes repórteres brasileiros — partiram para esta aventura. Não se trata de apresentar um “manual do bom jornalismo” porque para eles não existem fórmulas prontas. Mas de demonstrar que por trás do talento individual de cada jornalista podem existir princípios e técnicas que permitem chegar ao que Carl Bernstein (do “caso Watergate”) chamou de “a melhor versão da verdade”. Dimenstein e Kotscho se complementam na cobertura das duas faces da história: a do poder e a do contra-poder. Neste livro você conhecerá os bastidores da reportagem, o modo de produção e de funcionamento destes dois trabalhos aparentemente díspares mas que possuem em comum a seriedade, a busca incansável desta “verdade”, a criatividade e, sobretudo, um profissionalismo acima de qualquer suspeita.

 

[Descrição da imagem]: Print do código de barras, com as informação na margem superior: "ISBN 85-323-0073-1"; e na margem inferior: "9 788532 300737". [Final da descrição].