Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia e Andressa Raniely

 

Natal, setembro de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Regime jurídico dos atos e contratos do falido. In:_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 27, p. 338- 345.

 

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REGIME JURÍDICO DOS ATOS E CONTRATOS DO FALIDO

 

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1.         ATOS INEFICAZES

Um empresário, ao perceber que se encontra em situação pré-falencial, pode-se ver tentado a livrar-se da decretação da quebra ou de suas consequências por meios ilícitos, fraudando os credores ou a finalidade da execução coletiva (par conditio creditorum). Poderá simular atos de alienação de bens de seu patrimônio ou instituir em favor de credor quirografário uma garantia real em troca de alguma vantagem indevida. Para coibir estes comportamentos, a LF consi­dera determinados atos praticados pelo falido antes da quebra como ineficazes perante a massa falida.

Os atos ineficazes não produzem qualquer efeito jurídico pe­rante a massa. Não são atos nulos ou anuláveis, mas ineficazes. A sua validade não é comprometida. Por isso, os atos referidos pela LF são ineficazes diante da massa falida, mas produzem amplamente todos os efeitos perante os demais sujeitos de direito. Por exemplo: uma das hipóteses, que em seguida será examinada, é a ineficácia de renúncia de herança, em determinadas condições; uma vez arrecadados bens do acervo renunciado suficientes à integral satisfação dos débitos do falido, não poderá este reclamar o saldo de quem se beneficiou pela renúncia (o irmão do falido, por exemplo), porque a renúncia perma­nece válida e plenamente eficaz entre o renunciante e o beneficiário; apenas em relação à massa falida, o ato não produziu efeitos.

O termo legal da falência, fixado pelo juiz, tem utilidade na definição da ineficácia de alguns atos praticados pelo falido. Alguns autores costumam tomar a expressão “período suspeito” como sinô­nima de termo legal da falência; outros preferem chamar de suspeito todo o lapso temporal, relativo à ineficácia dos atos do falido, que for diferente do termo legal.

Outra questão preliminar é o emprego pela lei de duas expressões diferentes para designar os atos ineficazes perante a massa falida. Os atos do art. 129 da LF foram denominados “ineficazes”, enquanto os do art. 130, de “revogáveis”. Há diferenças substantivas entre um e outro conjunto de atos, mas não são pertinentes à ineficácia diante da massa falida.

 

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Tanto os atos que o legislador chamou de “ineficazes” quanto os que ele chamou de “revogáveis” não produzem qualquer efeito perante a massa falida.

O que diferencia um conjunto de atos do outro não é a suspensão da eficácia com preservação da validade (sanção comum a ambos), e, sim, as condições em que esta suspensão pode ocorrer e o meio processual adequado para a declarar.

Desta forma, pode-se dizer que tanto os atos ineficazes em sentido estrito (art. 129) quanto os revogáveis (art. 130) são ineficazes, em sentido largo, perante a massa falida.

Os atos do art. 129 têm, em regra, as seguintes marcas: a ineficácia é condicionada à prática do ato em certo lapso temporal, mas prescinde de fraude. Tenha ou não havido intuito fraudulento, o ato listado no art. 129 será ineficaz perante a massa falida se praticado dentro do prazo da lei. É irrelevante se o falido agiu ou não com fraude para que se suspenda a eficácia.

Há somente um ato que, independentemente da época em que ocorreu e da comprovação de fraude, será ineficaz: a alienação irregular de estabelecimento empresarial (inc. VIII).

Nas hipóteses do art. 129, é irrelevante a indagação acerca de qualquer elemento subjetivo, atinente às motivações das partes. Se houve ou não intuito fraudulento, é indiferente. Daí a noção de que o art. 129 lista os casos de ine­ficácia objetiva.

Encontram-se no art. 129 da LF os seguintes atos objetivamente ineficazes perante a massa falida:

a)         dentro do termo legal da falência, o pagamento de dívida não vencida, por qualquer meio extintivo do direito (exemplo: cessão, compensação etc.), inclusive o pactuado entre as partes quando da constituição da obrigação;

b)         dentro do termo legal da falência, o pagamento de dívida vencida, por qualquer meio extintivo do direito, salvo o pactuado entre as partes quando da constituição da obrigação;

c)         dentro do termo legal da falência, a constituição de direito real de garantia em relação a obrigação assumida antes daquele período. Sendo coincidentes o surgimento da obrigação e a constituição da garantia, não há ineficácia, mesmo se ocorrido o ato durante o termo legal da falência;

d)         desde 2 anos antes da declaração da falência, os atos a título gratuito, com exceção das gratificações pagas a empregados, por integrarem estas o salário;

 

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e)         desde 2 anos antes da declaração da falência, a renúncia de herança ou legado;

f)          registro de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, realizado posteriormente à decretação da falência, salvo prenotação anterior; neste caso, o credor beneficiário da garantia deve se habilitar como quirografário, e o adquirente terá direito a receber o preço pago ou o obtido na venda judicial (o que for menor) ;

g)         alienação do estabelecimento empresarial, sem a anuência expressa ou tácita de todos os credores, salvo se conservou o devedor, em seu patrimônio, bens suficientes para garantia do pagamento das dívidas.

Os atos referidos nos incs. I a III e VI do art. 129 da LF (letras a a c e f anteriores) não são ineficazes se tiverem sido praticados com base no plano de recuperação da empresa judicialmente aprovado (art. 131).

Há, na Lei das Sociedades por Ações, a previsão de uma hipótese específica de ineficácia objetiva. Trata-se do reembolso à conta do capital social, quando o acionista dissidente não foi substituído, em relação aos credores da sociedade falida anteriores à retirada (LSA, art. 45, § 8.°).

Já os atos do art. 130 se caracterizam diferentemente. Aqui não tem relevân­cia a época em que foi praticado, próxima ou distante da decretação da falência, mas é imprescindível o falido e o terceiro contratante tenham agido com fraude para ocorrer a suspensão da eficácia perante a massa. Independentemente da época em que o ato foi realizado, se ele objetivou fraudar credores ou a finalidade da execução coletiva, não produzirá seus efeitos perante a massa falida.

Assim, um ato referido no art. 129, mas praticado fora do prazo correspondente, será ineficaz caso provado que as partes agiram com fraude.

As hipóteses do art. 130 são de ineficácia subjetiva, porque se caracterizam pela motivação fraudulenta das partes.

 

2. DECLARAÇÃO JUDICIAL DA INEFICÁCIA

A declaração judicial de ineficácia objetiva faz-se por vários modos (LF, art. 129, parágrafo único).

Em primeiro lugar, pode resultar de simples despacho exarado no pro­cesso de falência. O juiz, diante de qualquer informação relevante contida nos autos (relatório do administrador judicial, petição de credor, manifestação do Ministério Público, documentos juntados etc.), profere o despacho declarando o negócio jurídico ineficaz perante a massa dos credores. Determinará também as providências decorrentes, como a arrecadação de bens. Essa decisão pode ser dada de ofício ou por provocação de órgão da falência ou interessado.

 

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A declaração da ineficácia objetiva pode resultar também de sentença acolhendo matéria de defesa suscitada pela massa falida. Imagine que o credor de obrigação constituída por negócio jurídico ineficaz demande a massa em juízo para cobrar o que pretende ser o seu direito. Na contestação, a massa poderá alegar a ineficácia objetiva. Uma vez acolhida a alegação pela sentença que julgar improcedente a ação, resta declarada a ineficácia.

Finalmente, a ineficácia objetiva pode resultar também do julgamento de qualquer ação, autônoma ou incidental, promovida pela massa falida, em que for pleiteada sua declaração. A massa falida pode, por exemplo, mover ação para reivindicar o bem indevidamente apartado do patrimônio do falido do sujeito que o titula, fundamentando seu pedido na ineficácia do negócio jurídico praticado.

Já a ineficácia subjetiva deve ser declarada judicialmente, numa ação pró­pria, chamada revocatória (LF, arts. 132 a 135). Trata-se de ação de conhecimento específica do processo falimentar.

O administrador judicial tem legitimidade ativa para a ação revocatória, concorrente com qualquer credor e com o representante do Ministério Públi­co. Por outro lado, tem legitimidade passiva todos os que figuraram no ato ou que, em decorrência deste, foram pagos, garantidos ou beneficiados. Também serão demandados terceiros contratantes, salvo se não tinham conhecimento da fraude. Os herdeiros e legatários dessas pessoas também estão legitimados como demandados para a ação revocatória (art. 133).

O juízo competente para a ação revocatória é o da falência.

A massa falida decai do direito à ação revocatória em 3 anos a contar da decretação da falência. O administrador judicial não responde pelas consequên­cias advindas da decadência do direito, em vista da legitimidade concorrente de qualquer credor e do Ministério Público.

Da decisão que julga a revocatória cabe o recurso de apelação (art. 135, parágrafo único).

 

3. EFEITOS DA FALÊNCIA QUANTO AOS CONTRATOS DO FALIDO

Com a sentença declaratória da falência, os contratos do falido passam a se submeter a regras específicas do direito falimentar. Em outros termos, o regime jurídico dos contratos de qualquer empresário muda segundo ele esteja falido, ou não.

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A falência autoriza a resolução dos contratos bilaterais (LF, art. 117). Por contratos bilaterais, para os fins falimentares, entendem-se aqueles que ne­nhuma das partes deu início ainda ao cumprimento das obrigações assumidas. Excluem-se deste conceito, portanto, e da possibilidade de serem resolvidos pela decretação da falência, aqueles contratos que, embora definidos como bi­laterais para os fins de direito obrigacional comum, já tiveram a sua execução iniciada por uma das partes.

Para o direito civil, a compra e venda é típico contrato bilateral. Se, porém, o vendedor já entregou as mercadorias vendidas (antes do prazo que autoriza a sua restituição), cumprindo assim integralmente as suas obrigações, mas o comprador não pagou ainda o preço delas, se este falir, o contrato de compra e venda não será considerado bilateral pelo direito falimentar. Não será bilateral, na falência, porque já teve seu cumprimento iniciado com a entrega das mer­cadorias pelo vendedor. Este contrato, portanto, não é suscetível de resolução pela massa falida. O vendedor deverá simplesmente habilitar o seu crédito e aguardar o pagamento.

O contrato unilateral também pode ser resolvido pelo administrador ju­dicial, nas mesmas condições (LF, art. 118).

Em suma, a falência do contratante pode provocar a resolução: a) do con­trato em que ambas as partes assumem obrigações, se a sua execução ainda não teve início por qualquer uma delas; e b) do contrato que importa obrigações para só um dos contratantes.

Se a falência não importar a resolução do contrato, as partes devem dar-lhe integral cumprimento. Compete ao administrador judicial e ao comitê de credores a decisão quanto ao cumprimento ou à resolução do contrato. Esses órgãos deverão decidir a partir do que entendem seja o mais conveniente para a massa.

Diz a lei que a resolução do contrato é cabível se puder reduzir ou evitar o aumento do passivo ou colaborar para a manutenção e preservação do ativo da massa falida (arts. 117 e 118). A decisão do administrador judicial autorizado pelo comitê é definitiva, não podendo os demais credores ou o contratante com o falido pleitearem a revisão do que eles decidiram.

Se o contratante desejar, pode interpelar o administrador judicial, nos 90 dias seguintes ao de sua investidura na função, para que este se posicione quanto ao cumprimento ou não do contrato. O silêncio do administrador judicial no prazo de 10 dias importará a resolução do contrato, assegurado ao contratante apurar, por ação própria, a indenização a que tem direito. Se vitorioso, a inde­nização constituirá crédito quirografário.

 

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A resolubilidade dos contratos do falido, nestas condições, é a regra geral. Ao lado dela, o legislador estabeleceu regras específicas pertinentes a determi­nadas categorias de contrato. São as seguintes:

a)         O vendedor poderá obstar a entrega de coisa vendida ao falido, ainda não pagas nem recebidas (desde que não tenha havido a revenda sem fraude por tradição simbólica, ou seja, feita com base em fatura ou conhecimento de transporte) (art. 119,1).

b)         Na venda pelo falido de coisa composta resolvida pelo administrador judicial, o comprador pode pleitear perdas e danos, desde que coloque à dis­posição da massa as partes já recebidas (art. 119, II).

c)         Na venda a prazo de coisa móvel pelo falido, o administrador judicial pode optar pela resolução do contrato, ficando obrigado a restituir ao comprador o valor das prestações pagas (art. 119, III).

d)         Na compra com reserva de domínio de bem móvel pelo falido, se o administrador judicial resolver o contrato, o vendedor pode reivindicar o bem (LF, art. 119, IV).

e)         Na compra e venda a termo que tenha cotação em Bolsa ou mercado, não se executando o contrato, prestará o contratante ou a massa a diferença entre as cotações do dia do contrato e o da liquidação (art. 119, V).

f)          O compromisso de compra e venda de bens imóveis não pode ser resolvido pelo administrador judicial; na falência do vendedor, o compromisso será cumprido e, na do adquirente, os seus direitos de promitente serão arrecadados e liquidados (LF, art. 119, VI; Lei 6.766/79, art. 30).

g)         Se o estabelecimento empresarial do falido encontra-se em imóvel locado, o administrador judicial pode resilir o contrato a qualquer tempo, sem pagar multa ou outro consectário. Se a falência é do locador, o contrato conti­nua. Neste caso, enquanto o bem não for alienado, o locatário paga o aluguel à massa falida (art. 119, VII).

h)        As contas-correntes do falido serão encerradas no momento da declaração da falência. Apurado o saldo credor da massa, será pago pelo contratante; se o saldo é credor do outro contratante, ele o habilita na falência (art. 121).

Em suma, a falência não provoca necessariamente a resolução dos contratos do falido. Quando se verifica, decorre de decisão do administrador judicial, autorizado pelo comitê, em vista do proveito para a massa falida (redução ou não aumento do passivo e preservação ou manutenção do ativo).

 

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Nas demais hipóteses, observadas as regras específicas que a Lei de Falências estabelece, o contrato deve ser cumprido pelo contratante nos mesmos termos em que seria caso não houvesse sido decretada a quebra.

Frise-se que, se as partes pactuaram cláusula de resolução por falência, esta será eficaz, não podendo o administrador judicial desrespeitá-la. Neste caso, o contrato se resolve, não por força da falência propriamente, mas pela vontade das partes contratantes que a elegeram como causa de resolução do vínculo contratual.

Os contratos de trabalho em que o falido figura como empregador não se resolvem com a falência, mas a cessação das atividades da empresa é causa de resolução desses contratos. Assim, salvo na hipótese de continuação provisó­ria da empresa pelo falido (Lfi art. 99, XI), a cessação da atividade econômica decorrente da quebra resolve a relação contratual empregatícia. Neste caso, o empregado pode reclamar as verbas indenizatórias pertinentes.

Os créditos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda nacional pelo câmbio do dia em que for declarada a falência (LF, art. 77), sendo que somente por este valor de conversão poderão ser eles reclamados. Trata-se de exceção à regra geral da conversão de valores entre diferentes moedas, que se faz pela cotação do dia do pagamento (como, por exemplo, no art. 75, § l.°, da LMC). O objetivo da exceção no caso de falência é possibilitar a definição precisa do passivo do falido.

Em outros termos, se o falido havia celebrado contrato de câmbio ou qualquer outro vinculado a moeda estrangeira, os riscos da oscilação cambial passam a ser do credor, que terá direito ao valor convertido em moeda nacional na data da decretação da quebra, sendo irrelevante o valor de conversão à época do pagamento.

Por fim, outro efeito da falência consiste na suspensão da prescrição das obrigações do falido, que voltam a fluir apenas com o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência (arts. 6.° e 157). Não se suspende, no entanto, a prescrição das obrigações de que era credor o falido. Prazos decaden- ciais, mesmo das obrigações devidas pelo falido, não se suspendem também.