Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Andressa Raniely

 

Natal, setembro de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Processo falimentar. In:_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 25, p. 312-327.

 

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Processo Falimentar

 

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 1. INTRODUÇÃO

O processo de falência compreende três etapas distintas: a) pe­dido de falência, também conhecido por etapa pré-falencial, que tem início com a petição inicial de falência e se conclui com a sentença declaratória da falência; b) etapa falencial propriamente dita, que se inicia com a sentença declaratória da falência e se conclui com a de encerramento da falência (objetiva o conhecimento judicial do ativo e passivo do devedor, a realização do ativo apurado e o pagamento do passivo admitido); e c) reabilitação, que compreende a declaração da extinção das responsabilidades civis do devedor falido.

O processo falimentar se desdobra em incidentes, ações, medidas e providências várias. Antes de examiná-los, cabe referência a três questões gerais: aplicação supletiva do CPC, competência jurisdi- cional e universalidade do juízo falimentar.

Supletividade do CPC. Por se tratar de um processo, aplica-se à falência, em caso de omissão da LF, as disposições comuns de direito processual, civil ou penal, conforme o caso. A legislação adjetiva geral é supletiva do direito falimentar em caso de omissão deste. Claro está que, em prevendo a LF determinada disciplina, o socorro ao processo geral é incabível. Desse modo, se o advogado quer definir, por exem­plo, o recurso contra certa decisão proferida no processo falimentar, ele deve primeiro consultar a LF. Se encontrar disposição expressa a respeito - por exemplo, o cabimento do agravo contra a sentença declaratória da falência -, guia-se por ela; não a encontrando, deve buscar no CPC a resposta à questão.

Competência. A competência para os processos de falência, de re­cuperação judicial e homologação de recuperação extrajudicial, bem como para seus incidentes, é do juízo do principal estabelecimento do devedor (LF, art. 3.°). Por principal estabelecimento se entende não a sede estatutária ou contratual, a que vem mencionada no ato consti­tutivo, nem o maior estabelecimento, física ou administrativamente falando.

 

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Principal estabelecimento é aquele em que se encontra concentrado j o maior volume de negócios da empresa; é o principal estabelecimento sob o ponto de vista econômico. O juiz do local onde se encontra tal estabelecimento é o competente para o processo falimentar. Nas comarcas em que há mais de um juízo cível, a distribuição do primeiro pedido de falência ou de recupera­ção judicial referente a determinado empresário previne a competência para * apreciação dos pedidos seguintes.

Universalidade. O juízo da falência é universal. Isto significa que todas as ações referentes aos bens, interesses e negócios da massa falida serão processa das e julgadas pelo juízo em que tramita o processo de execução concursal por falência (LF, art. 76). É a chamada aptidão atrativa do juízo falimentar, ao qual ' conferiu à lei a competência para conhecer e julgar todas as medidas judiciais de conteúdo patrimonial referentes ao falido ou a massa falida.               

Mas o direito contempla cinco exceções à universalidade do juízo falimentar:

a)         ações não reguladas pela lei falimentar em que a massa falida for autora

ou litisconsorte ativa (LF; art. 76);                                                   

b)         reclamações trabalhistas, para as quais é competente a Justiça do Trabalho (CF, art. 114; LF, art. 76);

c)         execuções tributárias (CTN, art. 187); a exceção alcança também a execução dos créditos não tributários inscritos na dívida ativa, inclusive os previdenciários;

d)         ações de conhecimento em que é parte ou interessada a União Federal, hipótese em que a competência é da Justiça Federal (CF, art. 109,1); claro está j que a competência para o processo da falência não se desloca para a Justiça | Federal, se a União tiver interesse na cobrança de um crédito. Não se encontra | sujeita à universalidade do juízo falimentar a ação de conhecimento referente j à obrigação ilíquida de que seja ré a massa falida e em que tenha interesse a j União ou entidade autárquica ou empresa pública federal;

e) ação que demanda obrigação ilíquida (LF; art. 6.°, § l.°).

Certa jurisprudência entende que a universalidade do juízo falimentar é | mais simples, de sorte a serem atraídas para ele todas as ações reguladas pela Lei 1 de Falências, continuando aquelas que não se regulam por este diploma a tramitar perante o juízo competente de acordo com as regras gerais do processo civil.

 

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2. PEDIDO DE FALÊNCIA

A lei falimentar impõe ao próprio empresário devedor o dever de requerer a autofalência quando não atender as condições legais para obter a recuperação judicial (LF, art. 105). O descumprimento desse dever não acarreta sanção ne­nhuma e, por isso, a previsão da lei é ineficaz. Raramente o empresário requer a autofalência, mesmo na presença dos pressupostos legais.

Além do próprio devedor, contudo, atribui à lei a legitimidade ativa concorrente ao cônjuge sobrevivente, aos herdeiros e ao inventariante. Cabe o pedido também ao sócio da sociedade devedora, mesmo que limitada ou anônima (art. 97).

Mas, regra geral, é o credor que tem mais interesse na instauração do processo de execução coletiva. Até porque o pedido de falência tem se revelado um eficaz instrumento de cobrança. A despeito do que afirma a maioria da doutrina e da jurisprudência, fato é que o credor, ao ajuizar o pedido de falên­cia, em função da impontualidade do devedor, quer mais o recebimento de seu crédito e menos - consideravelmente menos - a falência do devedor. A forma de entender esta ação judicial, esta etapa do processo falimentar, que melhor se ajusta à realidade, é, portanto, considerando-a uma espécie de cobrança judicial. Contudo, esta não é a forma que corresponde àquilo que o legislador deixou assente no texto legal. O credor, segundo o que imagina a lei, teria o interesse na instauração do processo de execução concursal. Este seria o seu objetivo, que o devedor, cumprindo em juízo a obrigação devida, acabaria por frustrar.

Em relação ao credor, estabelece a lei alguns requisitos para o exercício do direito de ação. A legitimidade ativa do credor, em dois casos, é condicionada ao atendimento desses requisitos. Assim, o credor empresário deve provar a regularidade do exercício da empresa, exibindo a inscrição individual ou o re­gistro dos atos constitutivos da sociedade empresária (art. 97, § l.°); e o credor não domiciliado no País deve prestar caução (art. 97, § 2.°).

Ressalvados estes casos, o credor possui a legitimidade ativa para o pedi­do de falência independentemente do atendimento de requisitos específicos. Assim, o credor civil não necessita demonstrar a regularidade no exercício de sua atividade econômica para legitimar-se no pedido, e o residente no Brasil está dispensado de caução.

O credor para legitimar-se ao pedido de falência deve exibir o seu título, mesmo que não vencido. De início, a hipótese parece referir-se somente ao pedido fundado em ato de falência, visto que a impontualidade e a execução frustrada pressupõem o vencimento.

 

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Contudo, ela também se aplica ao pedido de falência fundado no art. 94,1, da LF, quando o credor deve exibir o seu título não vencido e também a prova da impontualidade do devedor relativamente a obrigação de que terceiro seja credor, por meio de certidão de protesto. Não é necessário que o requerente da falência tenha o seu título vencido, mesmo quando o pedido se funda na impontualidade injustificada ou execução frus­trada, desde que estas tenham ocorrido em relação a outro título.

O pedido de falência segue rito diferente em função de seu autor. Quando pedido pelo próprio devedor, segue o rito da autofalência abrigado nos arts. 105 a 107; nos demais casos, o rito previsto no art. 98 da LF.

Quando se trata de autofalência, o pedido do devedor deve vir instruído com o balanço patrimonial, a relação dos credores e o contrato social ou, se inexistente, a relação dos sócios e outros indicados por lei (art. 105). O contrato social pode ou não encontrar-se registrado, resultando disto que a lei concede legitimidade ativa para a autofalência também aos empresários irregulares. Juntamente com o pedido, o devedor depositará em cartório os livros mercantis, que serão encerrados pelo juiz para serem oportunamente entregues ao admi­nistrador judicial da falência. Não estando o pedido adequadamente instruído, o juiz determinará sua emenda (art. 106) caso contrário, proferirá a sentença declaratória da falência, sem prévia oitiva do Ministério Público (art. 107).

Quando requerida a falência por terceiros (credor, sócio da sociedade devedora, inventariante etc.), o rito prevê a citação do empresário devedor para responder no prazo de 10 dias (LF; art. 98). Sua resposta só pode consistir na contestação, já que não prevê a lei a reconvenção ou o reconhecimento da procedência do pedido.

Se o pedido de falência baseia-se na impontualidade injustificada ou execução frustrada, o devedor pode elidi-lo depositando em juízo, no prazo da resposta, o valor correspondente ao total do crédito em atraso, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios.

Abrem-se, então, quatro alternativas;

à) o requerido só contesta. Nesse caso, se o juiz acolhe as razões da defesa, profere a sentença denegatória da falência e condena o requerente nas verbas de sucumbência (e, eventualmente, em indenização por perdas e danos - item 4); não as acolhendo, deve proferir a sentença declaratória da falência;

b)         o requerido contesta e deposita. Aqui, o juiz deve apreciar a contestação. Se acolher as razões da defesa, profere a sentença denegatória da falência, con­dena o requerente nas verbas de sucumbência e eventuais perdas e danos, bem como determina o levantamento do depósito pelo requerido.

 

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Se as desacolher, profere igualmente a sentença denegatória da falência, mas imputa ao requerido os ônus de sucumbência e autoriza o levantamento do depósito em favor do requerente. Quer dizer, não há reconhecimento da procedência do pedido em razão do depósito elisivo, quando acompanhado este da contestação;

c) o requerido só deposita. Agora, o juiz profere a sentença denegatória da falência, impõe ao requerido a sucumbência e determina o levantamento do depósito em favor do requerente. Como o depósito está desacompanhado de contestação, tem o mesmo efeito do reconhecimento da procedência do pedido;

d) o requerido deixa transcorrer o prazo sem contestar ou depositar. O juiz profere a sentença declaratória da falência, instaurando a execução concursal do patrimônio do devedor.

A lei não prevê o depósito elisivo se o fundamento do pedido diz respeito à prática de ato de falência. Mas deve ser admitido também nessa hipótese, porque com o depósito do valor do seu crédito, perde o requerente o interesse na instauração do concurso de credores.

 

3.         SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA

A declaração por sentença da falência é pressuposto inafastável da instauração do processo de execução concursal do devedor empresário.

Apesar do nome, a sentença declaratória da falência tem caráter predominantemente constitutivo. Após o juiz a prolatar, a pessoa, os bens, os atos jurídicos e os credores do empresário falido são submetidos a regime jurídico específico, diverso do regime geral do direito obrigacional. É a sentença de falência que introduz o falido e seus credores no regime jurídico-falimentar - isto demonstra o caráter constitutivo do ato judicial.

A sentença declaratória da falência tem o conteúdo genérico de qualquer sentença judicial e mais o específico que a LF prescreve. Assim, deverá o juiz, ao julgar procedente o pedido de falência, atentar-se tanto ao disposto no art. 489 do CPC quanto ao art. 99 da LE Pelo primeiro, a sentença declaratória da falência deverá conter o relatório, os fundamentos da decisão e o dispositivo legal que a embasa, como ocorre com qualquer sentença judicial. Pelo segundo, deverá conter a identificação do devedor, a localização de seu estabelecimento principal e, se for o caso, a designação dos sócios de responsabilidade ilimitada ou dos representantes legais da sociedade falida; o termo legal da falência, se possível; a nomeação do administrador judicial e outros elementos indicados na lei. Além disso, o juiz pode, na sentença que declara a falência, determinar medidas cautelares no interesse da massa, como o sequestro de bens.

 

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O termo legal da falência é o lapso temporal anterior à decretação da quebra que tem importância para a ineficácia de determinados atos do falido perante a massa. Este período é fixado pelo juiz, em regra, na sentença declaratória da falência, não podendo retrotrair por mais de 90 dias do primeiro protesto por falta de pagamento. Se o falido não foi protestado (autofalência ou pedido não fundado em impontualidade injustificada), o termo legal não poderá retrotrair por mais de 90 dias da petição inicial e se é o caso de convolação da recuperação judicial em falência, por mais de 90 dias do requerimento da recuperação. Caso o juiz, ao decretar a falência, não tenha ainda os elementos para a determinação do termo legal, poderá deixar a fixação deste para outra oportunidade.

A sentença declaratória da falência deve ser publicada no órgão oficial e, se a massa comportar, em jornal de grande circulação.

Da sentença declaratória da falência cabe o recurso de agravo. O prazo para interposição assim como o processamento do agravo são os previstos pela legislação comum (LF, art. 189).

4.         SENTENÇA DENEGATÓRIA DA FALÊNCIA

O juiz, ao julgar improcedente o pedido de falência, deve examinar o comportamento do requerente. Se ocorreu dolo manifesto de sua parte, quando do ajuizamento daquele, o juiz deve, na própria sentença denegatória da falência, condená-lo ao pagamento de indenização em favor do requerido (art. 101). Para garantir a eficácia da medida é que o credor domiciliado no exterior deve prestar caução como condição para legitimar-se ao pedido (art. 97, § 2.°).

Se não houver dolo manifesto no comportamento do requerente, o juiz não pode condená-lo. Mas mesmo nessa hipótese, o requerido prejudicado poderá demandar o requerente em ação própria. Idêntica ação cabe em caso de culpa ou abuso de direito pelo requerente (art. 101, § 2.°).

Qualquer que seja a hipótese, tenha o requerente agido ou não com dolo, culpa ou abuso, ele deve pagar as verbas de sucumbência, especificamente o reembolso das despesas e os honorários de advogado (CPC, art. 85).

Se, porém, a denegação da falência não tiver por fundamento a improcedência do pedido, mas a elisão provocada pelo depósito do valor da obrigação; em atraso, o juiz determinará o levantamento deste em favor do requerente condenará o requerido no reembolso das despesas e honorários de advogado Estas verbas serão apuradas em liquidação da sentença denegatória.

A sentença que denega o pedido de falência pode ser objeto de recurso apelação (art. 100), no prazo e segundo o processo previsto no CPC (art. 198).

 

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5.         ADMINISTRAÇÃO DA FALÊNCIA

Para a administração da massa falida, atribui a lei determinadas funções ao magistrado, ao representante do Ministério Público e aos órgãos da falência (administrador judicial, assembleia dos credores e comitê dos credores).

Ao juiz compete presidir a administração da falência, superintendendo as ações do administrador judicial. É o juiz, em última análise, o administrador da falência, cabendo-lhe autorizar a venda antecipada de bens (art. 113), o pagamento dos salários dos auxiliares do administrador judicial (art. 22, III, h), aprovar a prestação de contas do administrador judicial (art. 154) e outros atos definidos em lei, de conteúdo exclusivamente administrativo.

Já o representante do Ministério Público intervém no feito, no exercício de suas funções constitucionais de fiscal da lei. Em diversas oportunidades, no transcorrer dos vários procedimentos em que se desdobra a falência, prevê a LF a intervenção do representante do Ministério Público (arts. 8.°, 9.°, 30 e 132, p. ex.).

Embora, portanto, sejam agentes públicos inespecíficos do processo falimentar, o juiz e o representante do Ministério Público têm, nesse processo, fun­ções de cunho administrativo ao lado de suas funções próprias, institucionais.

Os órgãos da falência são três: administrador judicial, assembleia dos credores e comitê de credores.

O administrador judicial, como mencionado, é agente criado por lei para o desempenho de certas atribuições relacionadas exclusivamente com a ad­ministração da falência. O administrador judicial é o agente auxiliar do juiz, que, em nome próprio (portanto, com responsabilidade), deve cumprir as funções cometidas pela lei. Além de auxiliar do juiz, o administrador judicial é também o representante da comunhão de interesses dos credores (a massa falida “subjetiva”). Para fins penais, o administrador judicial é considerado funcionário público.

A escolha do administrador judicial na falência cabe ao juiz e deve recair sobre profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, adminis­trador de empresas ou contador ou, ainda, pessoa jurídica especializada (art. 21).

A função do administrador judicial é indelegável, mas ele poderá con­tratar profissionais para auxiliá-lo, solicitando prévia aprovação do juiz, inclusive quanto aos salários que a massa falida irã pagar. Quando se trata de advogado, deve-se distinguir entre o contratado para a defesa dos inte­resses da massa e o contratado para a representação processual do próprio administrador judicial, porque somente os honorários do primeiro podem ser pagos pela massa falida.

 

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O administrador judicial pode deixar suas funções por substituição ou destituição. No primeiro caso, não há sanção infligida ao administrador judicial, mas apenas uma providência destinada à melhor administração da falência. Já a destituição é sanção imposta ao administrador judicial que não cumpriu a contento com suas obrigações ou tem interesses conflitantes com os da massa. O administrador judicial substituído, em determinadas hipóteses, pode voltar a ser nomeado administrador judicial em outra falência; já a pessoa destituída do cargo de administrador judicial não poderá mais ser escolhida para a mesma função em qualquer outra falência nos 5 anos seguintes (LF, art. 30), São causas para a substituição a renúncia motivada, morte, incapacidade civil ou falência; são causas da destituição a inobservância de prazo legal ou o interesse conflitante com o da massa. Quando ocorre a recusa da nomeação ou a falta de assinatura do compromisso no prazo da lei, o juiz deve nomear outra pessoa para o cargo de administrador judicial. Não é, propriamente, o caso de substituição, embora o legislador o entenda como tal.

O administrador judicial responde civilmente por má administração ou por infração à lei. Até o encerramento do processo falimentar, somente a massa tem legitimidade ativa para responsabilizá-lo (após, evidentemente, sua substituição ou destituição). Durante este prazo, o credor não pode acionar o administrador judicial individualmente, cabendo-lhe apenas requerer a destituição dele. Mas, uma vez encerrado o processo de falência, qualquer credor prejudicado por má administração ou infração à lei poderá promover a responsabilização do antigo administrador judicial, desde que tenha requerido, no momento oportuno, a sua destituição.

Dentre os atos processuais de responsabilidade do administrador judicial, devem ser destacados quatro de importância para o desenvolvimento do pro­cesso falimentar. São eles:

a)         Verificação dos créditos - disciplinada nos arts. 7.° a 20 da LF, a verificação dos créditos na falência é feita pelo administrador judicial, cabendo ao juiz decidir apenas as impugnações apresentadas pelos credores ou interessados.

b)         Relatório inicial - previsto no art. 22, III, e, da LF, este ato deve examinar as causas e circunstâncias que acarretaram a falência, bem como apresentar uma análise do comportamento do falido com vistas a eventual caracterização de crime falimentar, por ele ou outra pessoa, antes ou depois da decretação da quebra. O relatório é apresentado nos 40 dias seguintes à assinatura do termo de compromisso.

 

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c)         Contas mensais - o administrador judicial deve, até o décimo dia de cada mês, apresentar ao juiz para juntar aos autos a prestação de contas relativa ao período mensal anterior. Nela deve estar especificada com clareza a receita e despesa da massa falida (art, 22, III, p).

d)         Relatório final - previsto no art. 155 da LF, deve ser elaborado pelo administrador judicial no prazo de 10 dias contados do término da liquidação e do julgamento de suas contas. Contém o valor do ativo e do produto de sua realização, bem como o do passivo e dos pagamentos feitos, e, se não foram totalmente extintas as obrigações do falido, o saldo cabível a cada credor, es­pecificando justificadamente as responsabilidades com que continua o falido. Este relatório final é o documento básico para a extração das certidões judiciais representativas do crédito remanescente perante o empresário falido.

O administrador judicial deve prestar contas de sua administração em três hipóteses: ordinariamente, a cada mês e ao término da liquidação, e, extraordinariamente, quando deixa as suas funções (substituição ou destituição). A prestação de contas será autuada em separado e julgada após aviso aos credores e ao falido, para eventual impugnação no prazo de 10 dias, e oitiva, em 5 dias, do Ministério Público. Havendo impugnação, ouve-se a respeito o administrador judicial. Em seguida, as contas são julgadas pelo juiz. Tendo ocorrido alcance, o juiz pode, na sentença que o reconhecer, decretar a indisponibilidade ou o sequestro dos bens do administrador judicial, para garantia da indenização da massa.

A assembleia de credores, na falência, tem competência para: a) aprovar a constituição do comitê de credores e eleger os seus membros; b) adotar mo­dalidades extraordinárias de realização do ativo do falido; e c) deliberar sobre assuntos de interesse geral dos credores (LF, art. 35, II). É órgão integrado por todos os credores do falido.

Finalmente, o comitê de credores é composto por um representante dos credores trabalhistas, dos titulares de direitos reais de garantia e privilégios especiais, dos quirografários e dos microempresãrios e empresários de pequeno porte (cada qual com dois suplentes) eleitos pela assembleia. Sua função mais importante é a de fiscalizar o administrador judicial (LF, art. 27,1, a).

 

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6.         APURAÇÃO DO ATIVO

Proferida a sentença declaratória da Falência, tem início o processo falimentar propriamente dito. Instaura-se, com esta decisão judicial, a execução coletiva do devedor empresário.

O objetivo inicial do processo falimentar é a definição do ativo e do passivo do devedor. Para o cumprimento deste objetivo, a LF prevê determinados atos ou medidas judiciais. A definição do ativo do empresário envolve atos como a arrecadação de todos os bens na posse do falido, bem como de seus docu­mentos e escrituração mercantil (art. 108), providência que auxilia também na definição do passivo; e medidas judiciais como o pedido de restituição (art. 85) ou os embargos de terceiros (art. 93). A definição do passivo do devedor falido se opera por medidas judiciais como as habilitações e impugnações de crédito (arts. 7.° a 20).

A arrecadação dos bens do falido e o pedido de restituição e embargos de terceiro serão tratados quando do exame do regime jurídico dos bens do falido (Cap. 26). Por ora, interessa cuidar da principal medida do processo falimentar, que é a verificação de crédito.

 

7.         VERIFICAÇÃO DE CRÉDITO

A verificação dos créditos é tarefa do administrador judicial. Para cumpri­da, deve levar em conta não só a escrituração e os documentos do falido como todos os elementos que lhe forem fornecidos pelos credores. Havendo diver­gência entre o administrador judicial e um ou mais credores acerca dos próprios créditos que titularizam, ou o de outros, cabe ao juiz decidir o conflito.

O ponto de partida da verificação dos créditos é a publicação da relação dos credores. Quando se trata de autofalência, entre os documentos que a lei determina sejam apresentados pelo devedor requerente encontra-se a lista dos credores com discriminação do valor do crédito e a classificação de cada um deles. Na falência decretada a pedido de credor ou sócio dissidente, ao falido é determinado que elabore e apresente a relação dos credores nos 5 dias seguintes, sob as penas do crime de desobediência. Se atendida a lei, portanto, os autos da falência, quando decretada esta ou alguns dias depois, devem conter uma relação dos credores. Se o falido não a tiver entregue (preferindo, por exemplo, responder pelo crime de desobediência a elaborá-la), a relação dos credores deve ser providenciada pelo administrador judicial.

Uma vez juntada aos autos a relação dos credores, providencia-se sua publicação no Diário Oficial. Aliás, se, no momento da publicação da sentença declaratôria, já se encontra a relação nos autos, ambas são publicadas simultaneamente por edital (quer dizer, na íntegra). Nos 15 dias seguintes à publicação da relação, os credores devem conferi-la.

 

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Os que não se encontram relacionados devem apresentar a habilitação de seus créditos perante o administrador judicial. Estão dispensados da habilitação apenas o credor fiscal (porque não participa de concurso) e, se foi o caso de convolação de recuperação judicial em falência, os titulares de créditos remanescentes daquela que tinham sido definitivamente incluídos no respectivo quadro geral de credores.

Os credores que se encontram na relação publicada, mas discordam da classificação ou do valor atribuído aos seus créditos, devem suscitar a diver­gência, também junto ao administrador judicial.

A apresentação da habilitação ou divergência deve ser feita por escrito e conter o nome e a qualificação do credor, a importância exata que atribui ao crédito, a atualização monetária até a data da decretação da falência, bem como sua origem, prova, classificação e eventual garantia.

O administrador judicial, diante das habilitações e divergências suscitadas, acolhe as que considerar pertinentes e promove a republicação do quadro de credores. Nos 10 dias seguintes à republicação, os sujeitos legitimados podem apresentar a impugnação da relação elaborada pelo administrador judicial. Estão legitimados para impugnar a relação qualquer credor, o comitê, o falido, sócio ou acionista da falida ou o promotor de justiça.

Cada impugnação apresentada à relação dos credores é autuada em sepa­rado. As autuações serão feitas em função dos objetos impugnados, de modo que se reúnam nos mesmos autos todas as impugnações referentes ao mesmo crédito, independentemente de quem seja o impugnante. Após autuar as im­pugnações, o cartório providencia a intimação dos credores impugnados. Eles terão 5 dias para contestarem a impugnação Juntarem documentos e indicarem as provas que pretendem produzir.

Em seguida à contestação da impugnação (ou ao decurso do respectivo prazo), intimam-se o falido ou o representante legal da sociedade falida e o comitê, se existente, para no prazo comum de 5 dias se manifestarem. Vencido o prazo de manifestação do devedor e do comitê, o administrador judicial deve exarar seu parecer em 5 dias contados da respectiva intimação.

Retornando os autos de impugnação de crédito com o parecer do administrador judicial, serão todos promovidos à conclusão. Aquelas impugnações em que não se impõe a dilação probatória são, então, julgadas desde logo. O juiz decide se a relação de credores republicada está correta ou se tem razão o impugnante.

 

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Em relação às demais, o juiz fixa os aspectos controvertidos, decide as questões processuais pendentes e determina as provas a serem produzidas (nomeia perito, designa audiência de instrução e julgamento etc.). Concluída a dilação probatória, o juiz julga a impugnação, acolhendo-a ou rejeitando-a.

Contra a sentença proferida na impugnação de crédito cabe agravo.

 

8.         LIQUIDAÇÃO DO PROCESSO FALIMENTAR

A liquidação tem início tão logo instaurado o processo falimentar.

São dois os seus objetivos: a realização do ativo (venda dos bens arrecada­dos e cobrança dos devedores do falido) e o pagamento do passivo (satisfação dos credores admitidos, de acordo com a natureza do seu crédito e as forças da massa).

A venda dos bens arrecadados pode ser feita englobada ou separadamente, em leilão, por propostas ou pregão, atendendo ao melhor interesse da massa. Se da venda do estabelecimento empresarial desarticulado resultar preço superior ao da venda conjunta, aquela deverá preferir a esta; se a feita em leilão deve produzir melhores frutos que a venda por proposta, deve-se optar por aquela modalidade de realização do ativo. É tudo uma questão de conveniência, com vistas à otimização dos recursos existentes.

Compete ao juiz decidir entre estas alternativas da lei, vendendo os bens englobada ou separadamente, em leilão ou por propostas. Trata-se de decisão discricionária de sua parte segundo o que ele entender mais favorável a massa,

A venda por leilão deve atender às normas específicas da Lei de Falências. Assim, a intimação do representante do Ministério Público é da essência do ato, sendo nula a hasta realizada sem a observância desta obrigação legal.

A venda por proposta deve ser amplamente divulgada, por publicações no Diário Oficial e em jornal de grande circulação. Os interessados apresentarão ao escrivão suas propostas em envelopes lacrados, que serão abertos pelo juiz em dia e hora previamente designados e constantes das publicações relativas à venda.

Finalmente, o pregão consiste numa combinação entre as duas modalidades anteriores. Se, ao abrir as propostas, verificar o juiz que é pequena a diferença entre as maiores propostas (até 10%), intimará os proponentes para um leilão, entre eles, de lances orais (art, 142, § 5.°).

 

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Estas são as modalidades de venda dos bens que a lei prevê. Em princípio, a venda dos bens do falido somente pode ser feita dentro do quadro de alternativas que a conjugação dessas modalidades oferece (todos os bens em leilão, alguns em leilão, outros por propostas etc.). Para que a realização do ativo se processe por forma diversa dessas (realização extraordinária), exige a lei a autorização do juiz, a pedido do administrador judicial ou comitê (art. 144) ou a concorrência da vontade de credores representantes de pelo menos 2/3 do passivo admitido presente em assembleia geral convocada para esse fim.

Poderá ser adotada como realização extraordinária, por exemplo, a constituição de sociedade para continuação do negócio do falido ou a cessão do ativo a terceiro por preço negociado. Qualquer que seja a solução pretendida pelos órgãos da falência, no entanto, se não estiver compreendida no quadro de alternativas oferecidas pela lei, será indispensável a autorização ou homo­logação do juiz (arts. 144 e 145). Essa homologação diz respeito à legalidade da solução deliberada e não ao seu mérito.

Nas sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada, os bens destes são arrecadados pelo administrador judicial juntamente com os sociais (arts. 81 e 190). Chegando, contudo, o momento da liquidação, deverão ser vendi­dos, em primeiro lugar, os bens da sociedade, para, somente no caso de ser o produto desta venda insuficiente ao pagamento dos credores, ser promovida, em seguida, a venda de tantos bens do patrimônio do sócio quantos bastem ao pagamento do saldo. Esta ordem deverá ser rigorosamente observada em decorrência da regra da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade falida.

Se o acionista ou o sócio da sociedade anônima ou limitada não houver integralizado totalmente o capital social, caberá ao administrador judicial promover a ação de integralização. Esta ação pode ser proposta independen­temente da prova de insuficiência dos bens sociais. Não se trata, contudo, de revogação da regra da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Também nesta hipótese, os bens da sociedade falida devem ser vendidos antes dos penhorados em execução da decisão da ação de integra­lização. Se acaso o produto apurado na venda daqueles bastar ao pagamento dos credores, não serão vendidos os bens dos sócios. A dispensabilidade da prova de insuficiência dos bens sociais é mera condição processual de antecipação da propositura da ação.

A realização do ativo não compreende apenas a venda dos bens. Também a cobrança, amigável ou judicial, dos créditos do falido deverá ser promovida pelo administrador judicial.

 

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Poderá, em relação àqueles que considere de difícil liquidação, oferecer um abatimento, desde que autorizado pelo juiz da falência, após oitiva do comitê de credores e do falido (art. 22, § 3.°).

O dinheiro resultante da venda dos bens do falido deverá ser depositado em conta bancária da massa falida pelo administrador judicial. As quantias assim depositadas serão movimentadas por meio de cheques assinados pelo administrador judicial ou por mandado expedido pelo juiz.

Com o apurado na venda dos bens da massa serão pagos tanto os credores do falido, admitidos de acordo com o procedimento já examinado, quanto os créditos extraconcursais que vêm elencados no art. 84 da LE Entre uns e outros, há uma ordem legal que será examinada oportunamente. Esta ordem deve ser rigorosamente observada pelo administrador judicial nos pagamentos.

Exaurido o produto da venda dos bens arrecadados, o administrador judicial deve apresentar a prestação de contas (art. 154) e, após o julgamento destas, o relatório final (art. 155). Deste relatório constará o valor do ativo e o do apurado com a sua venda, o do passivo e o dos pagamentos realizados, especificando-se em relação a cada credor o crédito residual, se houver. Este documento servirá de base à extração de certidões, caso algum credor queira cobrar o saldo do falido que recompuser o patrimônio ou de terceiro garante.

Se o administrador judicial não apresentar o relatório final em 10 dias do julgamento de suas contas, será feita a sua intimação pessoal para que o apre­sente, sob pena de crime de desobediência.

Em seguida à apresentação desta peça processual, o juiz profere sentença declarando o encerramento do processo de falência. Ela é publicada por edital e pode ser questionada por recurso de apelação (art. 156). Os livros do falido ser-lhe-ão devolvidos para a devida guarda no prazo regular.

9.         REABILITAÇÃO DO FALIDO

Após a sentença de encerramento da falência, termina o processo falimentar propriamente dito. Contudo, o falido poderá ter interesse em promover poste­riormente sua reabilitação. Aliás, para voltar a exercer atividade empresarial, o falido deve obtê-la necessariamente. A reabilitação compreende a extinção das responsabilidades civis e penais do falido.

No campo do direito civil, deverá o falido requerer a declaração, por sen­tença, da extinção das obrigações. Esta ocorre nas seguintes hipóteses:

 

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a)         pagamento dos créditos ou novação daqueles com garantia real (art. 158,1);

b)         rateio de mais de 50% do passivo quirográfico, após a realização de todo o ativo e o pagamento da totalidade do devido aos credores com preferência, sendo facultado o depósito da quantia necessária para atingir-se este percentual (art. 158,11);

c)         decurso do prazo de 5 anos após o encerramento da falência, se o falido ou o representante legal da sociedade falida não incorreu em crime falimentar

(art. 158, III);

d)         decurso do prazo de 10 anos após o encerramento da falência, se houve condenação do falido ou do representante legal da sociedade falida por crime

falimentar (art. 158, IV); ou

e)         prescrição das obrigações anteriormente ao decurso desses prazos decadenciais (art. 158), A declaração da falência suspende a fluência dos prazos prescricionais das obrigações do falido, os quais recomeçam a fluir do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Se antes de 5 ou 10 anos do encerramento (conforme o caso) ocorrer a prescrição, extingue-se a obri­gação correspondente.

O pagamento é causa de extinção das obrigações que pode ocorrer antes ou depois da sentença de encerramento da falência. O rateio de mais de 50% do passivo, após a realização de todo o ativo, por sua vez, é causa que se verifica necessariamente antes do encerramento da falência. Já as demais causas elencadas ocorrem sempre após o encerramento. Por levantamento da falência se compreende a ocorrência de causa extintiva de obrigação anteriormente ao encerramento da falência.

O falido deverá apresentar requerimento de declaração de extinção das obrigações, acompanhado da prova de quitação dos tributos relativos ao exer­cício da atividade empresarial (CTN, art. 191). Após, ouvidas as partes e, se for o caso, o representante do Ministério Público, o juiz proferirá sentença. Se for o caso de levantamento de falência, o juiz declarará encerrado o processo na mesma sentença que julgar extintas as obrigações do falido.

Se o falido não estiver sendo processado penalmente ou tiver sido absolvido por sentença definitiva, estará reabilitado com a simples extinção das obrigações, e poderá voltar a explorar atividade empresarial. Se, no entanto, for condenado por crime falimentar, deverá ainda requerer a reabilitação penal. Esta somente pode ser concedida após o transcurso de 2 anos contados do cumprimento da pena (CP, art. 94). A declaração por sentença da extinção das obrigações é condição da reabilitação penal.

 

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O falido reabilitado civil e criminalmente, na forma examinada, pode voltar a explorar atividade empresarial. Se não requereu sua reabilitação, os efeitos da inabilitação limitam-se a 5 anos contados da extinção da punibilidade (LF, art. 181, § l.°).