Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia do Nascimento Pereira.

 

Natal, agosto de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Teoria geral do direito comercial. In:______. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 3, p. 72-80.

 

Página 72

REGISTRO DE EMPRESA

 

Página 73

■ 1. ÓRGÃOS DO REGISTRO DE EMPRESA

            Uma das obrigações do empresário é a de inscrever-se no Re­gistro das Empresas antes de dar início à exploração de seu negócio (CC, art. 967).

            O Registro das Empresas está estruturado de acordo com a Lei 8.934, de 1994 (LRE). Trata-se de um sistema integrado por órgàos de dois níveis diferentes de governo: no âmbito federal, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei); e no âmbito estadual, ajunta Comercial. Essa peculiaridade do sistema repercute no tocante à vinculação hierárquica de seus órgãos, que varia em função da matéria.

            O Drei integra a Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Pre­sidência da República (Decreto 8.001/2013) e é o órgão máximo do sistema. Entre as suas atribuições, destacam-se as seguintes:

a)    supervisionar e coordenar a execução do registro de empresa, expedindo, para esse fim, as normas e instruções necessárias, dirigidas às Juntas Comerciais de todo o País;

b)    orientar e fiscalizar as Juntas Comerciais, zelando pela regula­ridade na execução do registro de empresa. Caso suas instruções não sejam satisfatoriamente atendidas, caberá, na forma da lei, promover a representação às autoridades administrativas competentes, como o Secretário de Estado a que esteja vinculada ajunta ou mesmo ao Governador;

c)    promover ou providenciar medidas correicionais do Registro de Empresa. Dessa competência não deriva o poder para intervir unilateralmente nos serviços da Junta Comercial, quando necessário à correção de falhas ou deficiências. Como a competência do Drei tem natureza exclusivamente supletiva, conforme esclarece a própria lei, em obediência ao principio constitucional federativo, só poderá ocorrer a intervenção se resultar frutífera a representação endereçada à autoridade estadual hierarquicamente superior à Junta e essa autoridade, então, concordar que a correção se faça pelo órgão federal;

 

            Página 74

d)    organizar e manter atualizado o Cadastro Nacional das Empresas Mercantis. Esse cadastro não tem efeitos registrários, ou seja, a inscrição do empresário nele efetuada não supre o registro na Junta Comercial, para fins de regularidade do exercício do comércio; cuida-se, isto sim, de um simples banco de dados de natureza essencialmente estatística, que serve de subsídio à política econômica federal.

Por esse rol das principais atribuições do Drei, pode-se ter uma ideia do perfil que o legislador lhe conferiu. Trata-se de órgão do sistema de registro de empresas sem função executiva, isto é, ele não realiza qualquer ato de registro de empresa. Compete-lhe, todavia, fixar as diretrizes gerais para a prática dos atos registrários, pelas Juntas Comerciais, acompanhando a sua aplicação e corrigindo distorções.

Já às juntas Comerciais, órgãos da administração estadual, cabe a execução do registro de empresa, além de outras atribuições legalmente estabelecidas. Destacam-se as seguintes competências:

a)    assentamento dos usos e práticas mercantis. O comércio rege-se também por normas consuetudinárias, cuja compilação é da incumbência da junta Comercial. Na forma de seu regimento interno, o assentamento deve ser precedido de ampla discussão no meio empresarial e análise de sua adequação à ordem jurídica vigente, pela Procuradoria. Uma vez deliberado o assentamento, a Junta pode expedir aos interessados as correspondentes certidões, que servem em juízo como início de prova;

b)    habilitação e nomeação de tradutores públicos e intérpretes comerciais. Ajunta funciona, nesse caso, como órgão profissional dessas categorias para comerciais, cabendo-lhe exercer o poder disciplinar, bem como estabelecer o código de ética da atividade e controlar o exercício da profissão;

c)    expedição da carteira de exercício profissional de empresário e demais pessoas legalmente inscritas no registro de empresa.

A subordinação hierárquica da junta Comercial é híbrida. Deve esse órgão, de acordo com a matéria em pauta, reportar-se ou ao Drei ou ao governo esta­dual a que pertença, segundo se trate, respectivamente, de matéria técnica de registro de empresa ou de matéria administrativa. Assim, não pode o governador do Estado expedir decreto referente a registro de sociedade empresária, assim como o Drei não pode interferir com as questões específicas do funcionalismo ou da dotação orçamentária do órgão estadual. Em se tratando, portanto, de questões de direito comercial, a subordinação hierárquica da Junta diz respeito ao Drei; já em termos de direito administrativo e financeiro, diz respeito ao Poder Executivo estadual de que faça parte.

 

            Página 75

            Ajunta Comercial, no exercício de suas funções registrárias, está adstrita aos aspectos exclusivamente formais dos documentos que lhe são dirigidos. Não lhe compete negar o registro senão com fundamento em vício de forma, sempre sanável. E, mesmo nesta seara, a sua atuação deve orientar-se pelas pres­crições legais, sendo-lhe defeso exigir o atendimento de requisito formal não estabelecido no ordenamento jurídico em vigor. O prejudicado por ilegalidade da junta poderá, evidentemente, socorrer-se do Poder Judiciário. A propósito, a Justiça competente para conhecer a validade dos atos da junta Comercial é a Estadual, a menos que se trate de mandado de segurança contra ato pertinente ao registro das empresas, hipótese em que o órgão estadual age por orientação do Drei e, por essa razão, é da justiça Federal a competência (CF, art. 109, VIII).

2.      ATOS DO REGISTRO DE EMPRESA

A lei de 1994, simplificando bastante a sistemática anterior, reduziu para três os atos do registro de empresa: a matrícula, o arquivamento e a autenticação.

A matrícula é o nome do ato de inscrição dos tradutores públicos, intérpre­tes comerciais, leiloeiros, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais. Trata-se de profissionais que desenvolvem atividades definidas como “auxiliares do comércio”. Os dois primeiros, além de matriculados, são também habilita­dos e nomeados pela Junta, enquanto os três últimos são apenas matriculados.

O arquivamento é pertinente ao registro do empresário, seja pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, arquiva-se a inscrição na Junta do empresário individual. No segundo, arquivam-se a constituição, dissolução e alteração con­tratual das sociedades empresárias. As cooperativas, embora sejam sociedades simples, continuam a ter os seus atos arquivados no registro de empresa (em razão de questionável entendimento do DNRC, órgão que antecedeu o Drei no Registro Público de Empresas). São igualmente arquivados os atos relacionados aos consórcios de empresas e aos grupos de sociedades, assim como os con­cernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil. Arquivam-se, finalmente, as declarações de microempresa e, analogicamente, também as de empresa de pequeno porte, além de quaisquer outros documen­tos ou atos de interesse de empresários. O Código Civil determina que os atos modificativos da inscrição do empresário sejam averbados à margem desta (art. 968, § l.°). A averbação deve ser considerada uma espécie de arquivamento.

    

            Página 76

            Já a autenticação está ligada aos instrumentos de escrituração, que são os livros comerciais. Nesse caso, a autenticação é condição de regularidade do documento, já que configura requisito extrínseco de validade da escrituração mercantil. Ela pode revestir-se, contudo, também de outra natureza, isto é, a de mero ato confirmatório da correspondência material entre cópia e original do mesmo documento, desde que esteja registrado na Junta (LRE, art. 39,11).

3. PROCESSO DECISÓRIO DO REGISTRO DE EMPRESA

            Prevê a lei dois regimes de execução do registro de empresa: decisão colegiada ou singular (LRE, arts. 41 e 42).

Processa-se pelo regime de decisão colegiada o arquivamento de atos relacionados à sociedade anônima, tais como os estatutos, as atas de assembleias gerais, do conselho de administração etc. Nesse mesmo regime se enquadra o arquivamento da transformação societária, incorporação, fusão e cisão de sociedade empresária de qualquer tipo, além dos relacionados a consórcio de empresas ou grupo de sociedade.

As Juntas Comerciais possuem dois órgãos colegiados: o Plenário e as Turmas. No primeiro, têm assento os vogais (no mínimo 11 e no máximo 23), que, excluídos o Presidente e o Vice-Presidente, serão distribuídos, na sessão inaugural do órgão, em Turmas de 3 membros cada. As decisões colegiadas competem às Turmas (LRE, art. 21), que deliberam por maioria. O prazo para a decisão colegiada é de 5 dias, findos os quais poderão os interessados requerer o arquivamento independentemente de deliberação.

Já o regime de decisão singular compreende a matrícula, a autenticação e todos os demais arquivamentos. Assim, o contrato social de uma sociedade limitada, sua alteração contratual e a inscrição do empresário individual são, por exemplo, arquivados por decisão singular. Quem determina a prática do ato registrai sujeito ao regime de decisão singular é o Presidente da Junta ou o vogal por ele designado. Possibilita a lei também que a designação recaia sobre funcionário público do órgão, que possua conhecimentos comprovados de direito comercial e de registro de empresa. O prazo para a decisão singular é de 2 dias.

O julgamento de recurso dos atos praticados pela Junta sempre se faz pelo regime de decisão colegiada, ainda que o ato recorrido tenha sido praticado em outro regime. A instância competente para julgar o recurso é o Plenário (LRE, art. 19).

 

            Página 77

4. INATIVIDADE DA EMPRESA

O empresário individual e a sociedade empresária que não procederem a qualquer arquivamento no período de dez anos deve comunicar à Junta que ainda se encontram em atividade (LRE, art. 60). Se não o fizerem, serão considerados inativos. A inatividade da empresa autoriza ajunta a proceder ao cancelamento do registro, com a consequente perda da proteção do nome empresarial pelo titular inativo.

Exige a lei que ajunta comunique, previamente, o empresário acerca da possibilidade do cancelamento, podendo fazê-lo por edital. Se atendida a comunicação, desfaz-se a inatividade; no caso de não atendimento, efetua-se o cancelamento do registro, informando-se o fisco. Se, no futuro, o empresário pretender reativar o registro, deverá obedecer aos mesmos procedimentos relacionados com a constituição de uma nova empresa, não tendo o direito de reivindicar o mesmo nome empresarial anteriormente adotado, caso este tenha sido registrado por outro empresário.

No caso de sociedade empresária, do cancelamento do registro por inati­vidade não decorre a sua dissolução, mas apenas a irregularidade na hipótese de ela continuar funcionando. Quer dizer, a sociedade com arquivamento cancelado não deve necessariamente entrar em liquidação; mas sobrevêm as consequências do exercício irregular da atividade empresarial, caso os sócios não a encerrem (Cap. 9, item4).

5. EMPRESÁRIO IRREGULAR

O registro no órgão próprio não é da essência do conceito de empresário. Será empresário o exercente profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, esteja ou não inscrito no re­gistro das empresas. Entretanto, o empresário não registrado não pode desfrutar dos benefícios que o direito comercial libera em seu favor. Ele é considerado empresário mesmo sem registro; mas, será um empresário “irregular”, ao qual se aplicam as seguintes restrições:

a)    o empresário irregular não tem legitimidade ativa para o pedido de falência de seu devedor, consoante prescreve o art. 97, § l.°, da LE Por este dispositivo, somente o empresário inscrito na Junta Comercial e que exiba o comprovante desta inscrição está em condições de postular a falência de outro empresário. O irregular, embora não possa requerer a falência de outro exer­cente de empresa, pode ter a sua própria falência requerida e decretada e pode requerer a própria falência (autofalência);

 

            Página 78

            a) o empresário irregular não tem legitimidade ativa para requerer a recupe-ração judicial, na medida em que a lei elege a inscrição no Registro de Empresa como condição para ter acesso ao favor legal (LF, art. 51, V);

b) o empresário irregular não pode ter os seus livros autenticados no Registro de Empresa, em virtude da falta de inscrição (CC, art. 1.181). Desta maneira, não poderá se valer da eficácia probatória que a legislação processual atribui a esses instrumentos, no art. 418 do CPC; ademais, se for decretada a sua falência, esta será necessariamente fraudulenta, incorrendo o empresário no crime falimentar previsto no art. 178 da LF.

            Essas são as consequências que advêm do exercício de atividade empresarial por pessoa natural sem regular inscrição no Registro de Empresa. Quando se tratar de sociedade empresária, como se verá no momento oportuno, além dessas consequências, deve-se acrescentar mais a do art. 990do CC (“sociedade em comum”), vale dizer, a responsabilidade pelas obrigações sociais solidária e ilimitada dos sócios, respondendo diretamente aquele que, dentre estes, administrou a sociedade.

Além das consequências acima referidas, verdadeiras sanções reservadas pelo direito comercial aos empresários irregulares, podem ser divisados os seguintes efeitos secundários do exercício da empresa sem o necessário registro na Junta Comercial: a) impossibilidade de participar de licitações, nas modalidades de concorrência pública e tomada de preço (Lei 8.666/93, art. 28, II e III); b) impossibilidade de inscrição em cadastros fiscais (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas-CNPJ, Cadastro de Contribuintes Mobiliários-CCM, e outros), com as decorrentes sanções pelo descumprimento dessa obrigação tributária acessória; c) ausência de matrícula junto ao INSS, processada simultaneamente à inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ); na hipótese de sociedade empresária, a falta da matricula no INSS também acarreta a proibição de contratar com o Poder Público (CF, art. 195, § 3.°).

6. REVISÃO DO REGISTRO DE EMPRESA EM 2017

Como resultado de um processo altamente técnico e democrático, em que a comunidade acadêmica dos comercialistas foi consultada, o Departamento de Registro de Empresas e Integração (DREI) da Presidência da República, em março de 2017, editou cinco Instruções Normativas, disciplinando diversos aspectos do Registro de Empresa. Por sua importância e alcance, essas Instruções representam uma verdadeira revisão do Registro de Empresas, dando-lhe maior tecnicidade e clareza, para segurança das empresas.

 

            Página 79

1) Instrução Normativa n. 34: diz respeito ao arquivamento de atos de sociedades de que participem, como sócios ou administradores, estrangeiros residentes no Brasil, pessoas naturais de qualquer nacionalidade não residentes e pessoas jurídicas sediadas no exterior. Entre as principais inovações está a dispensa da consularização de documentos públicos emitidos por país signatário da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, firmada em Haia em 1961. Também cabe destacar a admissibilidade desses documentos por meio eletrônico, com certificação das assinaturas na infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

2) Instrução Normativa n. 35: disciplina as operações societárias, a transformação de registro e a conversão de sociedade.

As operações societárias compreendem a transformação societária, incorporação, fusão e cisão (Cap. 15, item 16). Esses arquivamentos dependem de decisão colegiada.

A transformação de registro, por sua vez, visa a manutenção da empresa nos casos de: (i) a sociedade empresária tornar-se empresário individual, ou vice-versa; (ii) a sociedade empresária tornar-se EIRELI, ou vice-versa; ou (iii) o empresário individual tomar-se EIRELI, ou vice-versa. Importante aclaramento decorrente da revisão de 2017 consistiu na definição de que a transformação de registro, ao contrário da societária, sujeita-se, em regra, ao regime de decisão singular. Somente nas hipóteses i e ii, se envolver sociedade empresária do tipo anônima, é que a decisão será colegiada.

A conversão de sociedade simples em empresária cabe quando a atividade econômica explorada passa a se revestir de características empresariais (“elemento de empresa”). Se a clínica mantida por uma sociedade simples de médicos, registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ), cresce a ponto de se tornar um pequeno hospital, para cumprimento do art. 966, parágrafo único, do CC, deve ser providenciada a conversão e a migração para o Registro de Empresas. Quando se verifica o inverso, isto é, a atividade econômica perde suas características empresariais, também o registro deve migrar, desta vez da Junta Comercial para o RCPJ.

3) Instrução Normativa n. 36: trata do enquadramento, reenquadramento e desenquadramento da microempresa e empresa de pequeno porte. Como visto (Cap. 2, item 4), para desfrutar do tratamento benéfico que a lei, em cumprimento à Constituição Federal, libera ao microempresário e ao empresário de pequeno porte, estes devem gerar até um determinado patamar de receita bruta anual. Se é esse o caso, o empresário deve ser enquadrado no regime, mediante declaração que presta à Junta Comercial. Mas, se, uma vez enquadrado, ele ultrapassar o limite legal de receita, tem que se desenquadrar; e se, em ano posterior, voltar a gerar receita dentro do limite, deve se reenquadrar.

 

            Página 80

             4) Instrução Normativa n. 37: Dispõe sobre as formalidades relativas aos grupos de sociedade e consórcios. A principal medida adotada 6 a dispensa de registro na Junta Comercial dos atos de constituição, alteração e extinção de consórcios públicos, que são os estabelecidos entre entes governamentais na forma da Lei n. 11.107/05.

             5) Instrução Normativa n.38: a mais importante das instruções de revisão do Registro de Empresas aprovou os novos manuais de registro de empresário indi­vidual, sociedade limitada, EIRELI, cooperativa e sociedade anônima. A ampla e consistente atualização desses instrumentos de orientação dos empresários, contadores e advogados, eliminou algumas impropriedades técnicas (como, por exemplo, a proibição de pessoa jurídica constituir EIRELI) e tomou mais claras as normas de arquivamento dos atos de interesse das empresas e empresarial.