Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia e Andressa Raniely

 

Natal, setembro de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Pessoa e bens do falido. In:_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 26, p. 331-336.

 

Página 330

CAPITULO 26

PESSOA E BENS DO FALIDO

 

Página 331

1. RESTRIÇÕES PESSOAIS E REGIME PATRIMONIAL DO FALIDO

O falido não é um incapaz. Apenas que a sua capacidade jurídica sofre restrição no tocante ao direito de propriedade. A partir da decre­tação da falência, o devedor perde o direito de administrar e dispor de seu patrimônio. Não perde a propriedade de seus bens, senão após a venda deles na liquidação, durante o processo falimentar.

A administração de seus bens compete aos órgãos da falência a partir da decretação da quebra.

Pessoalmente, fica o falido sujeito a determinadas restrições. Não sendo incapaz, poderá praticar todos os atos da vida civil não patri­moniais, como o casamento, a adoção, o reconhecimento de filhos etc. A validade desses atos não depende da cientificação, autorização ou assistência do juiz da falência ou do administrador judicial.

Não pode o falido ausentar-se do lugar da falência, sem razão justificadora e autorização do juiz. Quando for autorizado a ausentar- -se, deve constituir procurador com poderes para representá-lo nos atos processuais (LF, art. 104, III). Outra restrição pessoal diz respeito ao sigilo à correspondência relativa aos assuntos da empresa. A partir da decretação da quebra, são as agências postais cientificadas para que entreguem ao administrador judicial a correspondência ende­reçada ao falido. O administrador judicial deve entregar ao falido, de imediato, a correspondência de conteúdo estranho ao seu giro comercial (LF, art. 22, III, d).

Além das restrições ao direito de ir e vir e ao sigilo na correspon­dência empresarial, o falido fica também impedido de se reestabelecer como empresário, enquanto não for reabilitado (LF, art. 102).

Ao falido impõe a lei o dever de colaborar com a administração da falência, auxiliando o administrador judicial na arrecadação dos bens, informando as declarações de crédito, examinando e dando parecer nas contas do administrador judicial etc.

 

Página 332

Estas restrições do falido se estendem ao representante legal da sociedade falida.

Quanto aos bens do falido, eles serão arrecadados. A arrecadação é o ato judicial de constrição dos bens do patrimônio do devedor específico do processo falimentar (equivale a penhora, na execução individual).

O administrador judicial deve arrecadar todos os bens de propriedade do falido, mesmo que se achem na posse de terceiros (a titulo de locação ou co­modato, por exemplo). A arrecadação deve também abranger todos os bens na posse do falido, mesmo os que não são de sua propriedade. Claro, os bens que não pertencerem ao falido serão restituídos aos seus proprietários, que devem ingressar na falência com o pedido de restituição.

Não são arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis, segundo a definição da lei processual civil (CPC, art. 833), nem os gravados com cláusula de inalienabilidade. Também não poderão ser arrecadados os bens da meação do cônjuge, nem as substâncias entorpecentes ou que determinam dependência física ou psíquica, as quais deverão ser retiradas do estabelecimento empre­sarial do falido e depositadas pelas autoridades sanitárias competentes (Lei 11.343/2006, art. 69,1 a III).

A guarda e conservação dos bens arrecadados são da responsabilidade do administrador judicial (LF, art. 108, § l.°), podendo o falido ser nomeado depositário. As despesas decorrentes (seguro, conservação, armazenamento, impostos etc) são de responsabilidade da massa falida. Se, entre os bens arre­cadados, houver algum de fácil deterioração ou custosa ou arriscada guarda, poderá ser vendido antes da liquidação dos demais, devendo o administrador judicial representar ao juiz para este fim. Sobre o pedido de venda imediata se manifestarão o falido e o comitê de credores (LF, art. 113).

 

2.    CONTINUAÇÃO PROVISÓRIA DA EMPRESA DO FALIDO

Na sentença declaratória da falência, o juiz deve se pronunciar sobre a continuação provisória das atividades do falido ou a lacração do seu estabele­cimento (LF, arts. 99, VI e XI, e 109). Não são medidas de adoção obrigatória. Inexistindo razões tanto para autorizar a continuação provisória das atividades do falido como para a lacração do estabelecimento, o juiz pode simplesmente denegar as duas medidas.

A continuação provisória das atividades do falido se justifica em casos excepcionais, quando ao juiz parecer que a manutenção da empresa em funcionamento pode ser a solução mais interessante aos propósitos da falência.

 

Página 333

Se pela tradição da marca explorada, ou pela particular relevância social e econômica da empresa, parecer ao magistrado que o encerramento da atividade agravará não só o prejuízo dos credores como poderá produzir efeitos deletérios a economia regional, local ou nacional, convém que ele autorize a continuação provisória dos negócios.

Caberá ao administrador judicial a gerência da atividade durante a continu­ação provisória. Investe-se ele, nesse caso, de amplos poderes de administração da empresa explorada pelo falido.

A continuação provisória convém que seja breve, muito breve. Decretada a medida, devem-se acelerar os procedimentos de realização do ativo, para que logo se defina o novo titular da atividade. O provisório que tende a se eternizar não tem sentido lógico nem jurídico; falta-lhe base na lei.

 

3.      PEDIDO DE RESTITUIÇÃO E EMBARGOS DE TERCEIRO

Serão arrecadados pelo administrador judicial todos os bens de posse do falido. Dentre estes, poderá ser encontrado um bem que, embora possuído por ele, não seja de sua propriedade. Um bem do qual fosse comodatário ou locatário, por exemplo. É claro que este bem não poderá ser objeto de alienação judicial para satisfação dos credores do falido, porque não integra o seu patrimônio.

Para a defesa do direito do proprietário sobre o bem arrecadado, a LF pre­vê duas medidas judiciais: o pedido de restituição (art. 85) e os embargos de terceiro (art. 93). O locador ou o comodante do bem arrecadado deve pedir sua restituição, enquanto aquele que não possui nenhuma relação jurídica com o falido, mas tem bens de seu patrimônio arrecadados, deve oferecer embargos de terceiro. Julgada procedente a medida proposta, o bem indevidamente ar­recadado será destacado da massa.

Não há outra forma de o proprietário ser reintegrado na posse do bem. Pelo esquema legal, cabe exclusivamente ao juiz decidir se um bem encontrado na posse do falido é, ou não, da propriedade dele e deve ser vendido na falência. O pedido de restituição ou embargos de terceiro são, no entanto, meios de cognição sumária, em que a coisa julgada somente opera em relação a natureza da posse que a massa falida exerce sobre o bem. A decisão do pedido de restituição não compreende o conhecimento judicial da propriedade do referido bem, senão para os fins de se decidir se é justa ou não a posse exercida pela massa sobre a coisa arrecadada. Se restar apurado, posteriormente à concessão da restituição, que o bem era, na verdade, do domínio do falido, a massa poderá promover a competente ação (revocatória, possessória ou reivindicatória) para reavê-lo, sem que o reivindicante possa invocar coisa julgada.

 

Página 334

O art. 85, parágrafo único, da LF prevê uma hipótese de pedido de resti­tuição com fundamento diverso do referido no caput do mesmo dispositivo. Trata-se da reclamação de coisas vendidas a crédito e entregues ao falido nos 15 dias anteriores ao pedido de falência, se ainda não alienadas. O espírito da medida é a coibição do comportamento, no mínimo desleal, do empresário que, às vésperas da quebra, continua a assumir compromissos que, sabe, dificilmente poderá honrar. A propriedade do bem não se transmite porque a lei considera ineficaz a compra feita em tais circunstâncias, podendo, por isso, o vendedor reclamar a restituição.

Para que tenha este direito, contudo, o vendedor deve requerer a restituição antes da venda judicial do bem arrecadado. Uma vez feita a venda, desconstitui-se o direito a restituição, cabendo ao vendedor habilitar seu crédito e concorrer na massa.

O vendedor que requerer a restituição deverá também provar que as mercadorias foram entregues a partir do décimo quinto dia anterior ao da distribuição do pedido de falência acolhido. Discute-se se as mercadorias entregues entre a distribuição e o acolhimento do pedido de falência poderiam ser reclamadas. A admissão do pedido de restituição, nesse caso, é compatível com a finalidade do instituto, mas como o vendedor já tinha, naquele interregno, condições de saber da situação precária do comprador e podia ter obstado a entrega das mercadorias (LF, art. 119,1), nega-se com frequência a restituição.

Cabe igualmente a restituição em favor do terceiro de boa-fé alcançado pela declaração judicial de ineficácia de negócio jurídico praticado pelo falido (LF, art. 136).

Por disposição expressa de lei (Decreto-Lei 911, de 1969, art. 7.°), cabe o pedido de restituição da coisa alienada com garantia fiduciária por parte da instituição financeira proprietária fiduciária. Trata-se de simples especificação de comando normativo já encontrado no próprio art. 85, caput, da LF.

Deferido o pedido, o bem será restituído em espécie, ou seja, a própria coisa encontrada em posse do falido será entregue ao seu proprietário. A restituição será feita em dinheiro em duas situações: a) se o objeto a restituir é dinheiro; b) se o bem reclamado se perdeu. Como a restituição em dinheiro é desembolsa da massa, deverá ser feita em imediata execução do julgado no pedido restituitório, não concorrendo o crédito do reclamante com os credores do falido.

 

Página 335

Os titulares de direito a restituição, ainda que tenha esta de se realizar em dinheiro, não entram na classificação dos credores e titularizam crédito extraconcursal.

São exemplos de restituição de dinheiro: a) a contribuição à Seguridade Social devida pelo empregado do falido e por este retida (Lei 8.212/91, art. 51, parágrafo único); b) as importâncias antecipadas ao exportador pela instituição financeira com base em contrato de câmbio (LMC, art. 75, § 3.°).

Na Lei 9.514/97, sobre o sistema de financiamento imobiliário, encontra-se hipótese de pedido de restituição de título, na falência do cedente de direitos creditícios oriundos da alienação de imóveis (art. 20).

 

4.    PATRIMÔNIO SEPARADO

Cada vez mais, a lei tem previsto hipótese de patrimônio separado (tam­bém chamado de afetação ou segregado) para proteger interesses de credores na falência de alguns empresários. O patrimônio separado não integra a massa falida e continua a ser gerido e liquidado tendo em vista unicamente o objetivo que inspirou sua constituição.

O primeiro exemplo a considerar é o da incorporação de edifícios. A incorporação pode ser submetida ao regime de afetação, ficando o terreno, suas acessões, bens e direitos a ela vinculados apartados do patrimônio do incor- porador. A instituição do patrimônio separado, aqui, faz-se por averbação no Registro de Imóveis do termo firmado pelo incorporador, A falência do incor- porador não atinge o patrimônio de afetação das incorporações (Lei 4.591/64, arts. 31-Aa31-F).

Outro exemplo encontra-se na securitização de recebi ve is imobiliários. A companhia securitizadora pode instituir o regime fiduciário sobre os créditos imobiliários que lastreiam a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Tais créditos passam, então, a constituir um patrimônio separado, incon­fundível com o da companhia securitizadora (Lei 9.514/97, arts. 9.°a 16). Pelas obrigações desta, inclusive em caso de concurso de credores, não respondem os créditos que lastreiam os CRI em regime fiduciário, protegendo-se assim os interesses dos investidores que detêm esses títulos.

O terceiro exemplo é o das Câmaras de compensação e liquidação finan­ceira integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) (Lei 10.214/2001, art. 2.°, parágrafo único). Atuam como instrumentos de diluição do risco sis­têmico das entidades financeiras (bancos e outros agentes econômicos), que se encontrava altamente concentrado, antes da instituição do SPB, no Banco Central.

 

Página 336

Essas Câmaras são chamadas pelos operadores do mercado financeiro de clearings, e há diversas em operação: Clearings de Câmbio e de Derivativos da Bolsa de Mercadorias e Futuro, Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos - Visanet, Redecard S.A., Tecnologia Bancária S.A, - Tecban, Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos - Cetip (Comunicado BACEN n. 9.419) etc.

As Câmaras e os prestadores de serviços de compensação e de liquidação responsáveis por operações sistemicamente importantes (quem os define é o Banco Central) assumem a posição de parte contratante na liquidação das obrigações realizadas por seu intermédio, garantido assim o adimplemento destas e a liquidez do sistema que operam, e são obrigados a constituírem um patrimônio separado (“especial”) com os bens e direitos necessários ao cum­primento das obrigações correspondentes.

Os bens e direitos integrantes de patrimônios especiais de Câmaras ou prestadores de serviços de compensação e liquidação financeira não podem ser penhorados, arrestados, sequestrados, apreendidos ou objeto de nenhum outro ato de constrição judicial; a não ser para o cumprimento de obrigação assumida pela própria Câmara ou prestador de serviço enquanto parte contra­tante. Essa proteção contra a constrição judicial também alcança os bens dados em garantia pelos participantes.

Por outro lado, a falência de qualquer participante de operação no âmbito de clearing, inclusive desta, não afeta minimamente a compensação ou liqui­dação das obrigações nela albergadas. Continuarão essas obrigações a serem compensadas e liquidadas de acordo com o disposto no regulamento específico de cada sistema, também no que diz respeito a realização das garantias dadas. Somente se houver saldo resultante da efetiva compensação e liquidação, ele será entregue à massa falida ou poderá ser objeto de Plano de recuperação ju­dicial ou extrajudicial (LF, art. 194).

O derradeiro exemplo de patrimônio separado aqui recolhido é o das contribuições pagas às administradoras de consórcio pelos consorciados e destinadas ao lastreamento dos créditos dos contemplados. Esses recursos não pertencem à administradora do consórcio, mas aos integrantes do respectivo grupo. Tanto assim que, após o encerramento do grupo, os saldos devem ser restituídos aos antigos consorciados. Nenhuma obrigação da administradora pode ser exe­cutada com constrição dos recursos constituintes desse patrimônio separado.