Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia e Andressa Raniely

 

Natal, setembro de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Direito falimentar. In:_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, parte 4,  cap. 24. p. 300- 310.

 

QUARTA PARTE - DIREITO FALIMENTAR

 

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CAPÍTULO 24

TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR

 

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1.         PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À CRISE DA EMPRESA

Quando uma empresa entra em crise, é necessário sempre investigar a causa. Isto porque, há duas situações muito distintas a considerar, sob o ponto de vista jurídico. De um lado, há as crises causadas por fatores de ordem exclusivamente econômica, em tudo fora do controle da sociedade empresária, de seus administradores e sócios; de outro, há as desencadeadas ou mesmo amplificadas por atos ilícitos (fraudes e irregularidades de qualquer natureza) de ad­ministradores e sócios da sociedade empresária.

É importante ter presente essa distinção, porque a crise da em­presa nem sempre decorre de má administração ou ilicitudes. Muitas vezes ocorre de os sócios e administradores adotarem, com o máximo rigor, todas as medidas necessárias e recomendáveis para o desen­volvimento da empresa, agindo escrupulosamente dentro da lei e da ética - e, mesmo assim, o negócio simplesmente não dá certo. Nessa hipótese de crise da empresa causada por fatores exclusivamente econômicos, em tudo fora do controle de sócios e administradores, evidentemente nenhuma responsabilidade pode ser imputada a estes.

A crise pode ter afetado a economia como um todo ou dizer respeito apenas a uma empresa ou grupo empresarial em particular. No primeiro caso, não há dúvidas de que os fatores macroeconômicos fogem do controle de sócios e administradores das empresas atingidas. Mas, mesmo no segundo caso, evitar a crise também poderia estar além do alcance de sócios e administradores. Afinal, uma empresa pode não ter sucesso, mesmo quando todas ao seu redor prosperam, e muitas vezes não se consegue nem ao menos entender as razões desse descompasso. O risco empresarial por vezes desencadeia perdas supreendentes, ou seja, insuscetíveis de antecipação para economistas e administradores de empresa.

Os princípios aplicáveis à crise da empresa devem naturalmente atentar a essas situações, destacando aquelas em que não é racional, jurídico, nem moral atribuir aos sócios e administradores da sociedade empresária em crise, qualquer responsabilidade pelas suas consequências. Eles foram, tanto quanto os credores, vítimas do risco empresarial.

 

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São quatro os princípios aplicáveis à crise da empresa:

Princípio da inerência do risco. Não há como neutralizar ou mitigar o risco empresarial. Qualquer empresa pode se frustrar, mesmo aquela organizada a partir dos mais acurados preceitos da administração de empresas, alicerçada em projeções econômicas as mais precisas possíveis, que incorpora o conhecimento científico mais avançado, que está cercada de todas as cautelas éticas e cumpre a lei com exatidão. Fatores isolados ou macroeconômicos, conjunturais ou estruturais, sempre estão à espreita e podem arruinar os mais honestos e dedi­cados esforços de investidores, empreendedores e empresários. Desse princípio: segue-se ser necessária a investigação, a ser feita nos processos ligados à crise da empresa (falência e recuperação judicial) das razões desta, para, quando for o caso, responsabilizar quem a tiver causado.

Princípio do impacto social da crise da empresa. Em tomo da empresa gravitam variados interesses, muito além dos titulados pelos sócios da sociedade. ' empresária. Os trabalhadores, em geral, se interessam pelos postos de trabalho que ela oferece, e os empregados têm interesse na manutenção de seus empre­gos. Os consumidores estão interessados nos produtos ou serviços fornecidos, ao mercado. A geração de tributos é do interesse geral, assim como é a promo­ção de riqueza local, regional, nacional ou global. Quando a empresa entra em crise, todos esses interesses são ameaçados. Para tentar proteger tais interesses, que transcendem os dos sócios da sociedade empresária em crise, o direito cria instrumentos destinados à preservação da atividade econômica (recuperação : judicial, continuação do negócio do falido etc.).

Princípio da transparência. A crise da empresa não prejudica somente a sociedade empresária e seus sócios. Também os credores são inevitavelmente | atingidos em seus direitos. Assim, os processos judiciais relacionados à crise da empresa devem ser transparentes, para que todos possam controlar a ade­quada liquidação do ativo e satisfação do passivo (na falência) ou avaliar í pertinência do plano de recuperação e do sacrifício que ele impõe aos credores (na recuperação judicial).

Princípio do tratamento paritário dos credores. A crise certamente dificulta ou; impede que a sociedade empresária honre integralmente os seus compromissos com os credores. Deste modo, não podendo todos receberem a totalidade de;. seus créditos, o mais racional é que eles sejam classificados levando em conta a necessidade (trabalhadores têm grande preferência), as garantias concedidas (o credor hipotecário será atendido com o produto da venda do bem hipotecado) e outros critérios. Dividindo-se os credores em classes, os recursos disponíveis podem ter uma destinação mais justa.

 

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2.         INTRODUÇÃO À FALÊNCIA

Sabe-se que a garantia dos credores é representada pelos bens do patrimônio do devedor. Isto quer dizer que, em ocorrendo o inadimplemento de qualquer, o credor poderá promover, perante o Poder Judiciário, a execução de tantos bens do patrimônio do devedor quantos bastem à integral satisfação de seu crédito. A execução processar-se-á, em regra, individualmente, com um exequente se voltando contra o devedor para dele haver o cumprimento da obrigação devida.

Quando, porém, o devedor tem, em seu patrimônio, bens de valor inferior à totalidade de suas dívidas, quando ele deve mais do que possui, a regra da individualidade da execução toma-se injusta. Isto porque não dá aos credores de uma mesma categoria de crédito chances iguais de receberem seus créditos. Aquele que se antecipa na propositura da execução possivelmente receberá a totalidade do seu crédito, enquanto os que se demoram (até porque eventual­mente nem tinha ainda vencido a respectiva obrigação) muito provavelmente não receberão nada, porque encontrarão o patrimônio do devedor já totalmente exaurido.

Para se evitar essa injustiça, conferindo as mesmas chances de realiza­ção do crédito a todos os credores de uma mesma categoria, o direito afasta a regra da individualidade da execução e prevê, na hipótese, a obrigatoriedade da execução concursal, isto é, do concurso de credores (antigamente denominada execução “coletiva”). Se o devedor possui em seu patrimônio menos bens que os necessários ao integral cumprimento de suas obrigações, a execução destes não poderá ser feita de forma individual, mas terá que ser concursal. Ou seja, deve ser feita mediante uma execução que abranja a totalidade dos credores, a totalidade dos bens, todo o passivo e todo o ativo do devedor.

Isto é o que se entende por par conditio creditorum, princípio básico do direito falimentar. Os credores do devedor que não possui condições de sal­dar integralmente suas obrigações devem receber do direito um tratamento paritário, dando-se aos que integram uma mesma categoria iguais chances de efetivação de seus créditos.

Desta forma o direito tutela o crédito e especialmente o crédito comercial, possibilitando que melhor desempenhe sua função na economia e, consequen­temente, na sociedade. As pessoas se sentem menos inseguras em facilitar o crédito quando podem contar com esse tratamento paritário na hipótese de vir o devedor a encontrar-se em situação patrimonial que o impeça de honrar; totalmente seus compromissos.

 

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A falência é a execução concursal do devedor empresário. Quando o de­vedor com bens no patrimônio insuficientes para o pagamento das dívidas não exerce profissionalmente atividade empresária, a execução concursal chama-se execução contra credor insolvente e é, naturalmente, diversa da falência. O direito falimentar refere-se, assim, ao conjunto de regras jurídicas pertinentes  à execução concursal do devedor empresário, que são diferentes das aplicáveis ao devedor civil (não empresário).

A falência, como um regime diferenciado de execução concursal do empresário, importa liberar tratamento mais benéfico ao devedor exercente de atividade econômica sob a forma de empresa que o concedido as pessoas em geral. E isto se pode perceber pelas seguintes diferenças exemplificativas entre um e outro regime:

a) Recuperação da empresa - faculdade aberta pela lei exclusivamente aos devedores que se enquadram no conceito de empresário ou sociedade empresá­ria, a recuperação judicial possibilita a reorganização das empresas exploradas pelo devedor, com maior ou menor sacrifício dos credores, de acordo com plano aprovado ou homologado judicialmente. Por meio do plano de recuperação dá empresa, o devedor pode postergar o vencimento de obrigações, reduzir seu valor ou beneficiar-se de outros meios aptos a impedir a instauração da execução concursal. O devedor civil não tem nenhuma medida com esta extensão; Na melhor das hipóteses, a lei prevê a possibilidade de suspensão da execução concursal se o devedor obtiver a anuência de todos os credores (CPC/1973< j art. 783; CPC,art. 1.052).                                                                                                           

b) Extinção das obrigações - o devedor empresário em regime de execução concursal tem as suas obrigações julgadas extintas com o rateio entre os quiro- j gráficos de mais de 50% do devido após a realização de todo o ativo (LF, art. 158, II); ao passo que as obrigações do devedor civil, em regime de execução concur­sal, somente se extinguem com o pagamento integral do devido (CPC/1973, art. 774; CPC, art. 1.052). Um empresário que entra em falência com um patrimônio de valor suficiente para pagar 100% dos credores com preferência e mais de 50% dos quirografários poderá obter a declaração de extinção das obrigações; logo após a realização de seu ativo e rateio do produto apurado. Se, em seguida, adquirir novos bens, os credores existentes ao tempo da falência não terão direito de executar seus créditos no patrimônio recomposto; já o devedor civil na mesmíssima situação poderia ter o seu patrimônio reconstituído executado até o integral pagamento do passivo, salvo o decurso do prazo de 5 anos do encerramento do processo de insolvência (CPC/1973, art. 778; CPC, art. 1.052).

 

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Estas são duas das diferenças entre o regime de execução concursal civil (execução contra devedor insolvente) e o comercial (falência). Além delas, há diferenças no campo do direito das obrigações, processual e penal.

Para que se instaure o processo de execução concursal da falência, é ne­cessária a concorrência de três pressupostos: a) devedor empresário; b) insol­vência; c) sentença declaratória da falência. Os dois primeiros pressupostos são examinados neste capítulo, enquanto o último é objeto do capítulo seguinte.

3.         DEVEDOR SUJEITO À FALÊNCIA

Por ser o regime de execução concursal do devedor empresário, em princí­pio, estará sujeito à falência todo e qualquer exercente de atividade empresarial.

O profissional que o direito considera empresário, pessoa natural ou jurídica, é o executado no regime de execução concursal falimentar. Como visto anteriormente (Cap. 1), empresário é quem exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (CC, art. 966). Neste conceito, enquadram-se os que exploram atividade dos mais variados segmentos: supermercado, hotel, atacadista de gêneros alimentícios, varejista de roupas, fábrica de calçados, estacionamento, agência de publicidade, con­cessionária de automóveis, construtora, restaurante, editora, livraria, indústria química, farmácia etc. A lei não considera empresários os profissionais liberais, artistas e, quando não registrado no Registro de Empresas, o explorador de atividade rural (agricultura, pecuária, extrativismo etc.) (CC, arts. 966, pará­grafo único, e 971).

Sempre que o devedor é legalmente empresário, a execução concursal de seu patrimônio faz-se pela falência. Em outros termos, quando o devedor explora sua atividade econômica de forma empresarial - caracterizada pela conjugação dos fatores de produção: investimento de capital, contratação de mão de obra, aquisição de insumos, desenvolvimento ou compra de tecnolo­gia -, não sendo capaz de honrar suas obrigações no vencimento (ou estando presentes outros fatos tipificados em lei), o juiz deve instaurar um processo de execução concursal destinado à satisfação dos credores, no quanto for possível. Este processo é a falência.

Em determinados textos legais, está explícito o não cabimento do regime jurídico-falimentar por se tratar de devedor civil, não empresário. É o caso das cooperativas, em que a lei, ao fixar que ditas pessoas jurídicas não se sujeitam à falência, limita-se, a rigor, ao mero esclarecimento de algo que decorre já da própria inexistência de natureza empresarial nelas. Mesmo se a lei fosse silente acerca do assunto, não estariam as cooperativas sujeitas ao direito falimentar.

 

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Em situação bastante diferente se encontram, no entanto, algumas cate­gorias de empresários, que o legislador, por razões varias, determinou fossem excluídas total ou parcialmente do regime jurídico-falimentar.

Por exclusão total do regime falimentar entende-se a disposição de lei que reserva, para a hipótese em que o devedor empresário tem menos bens em seu patrimônio do que o necessário ao pagamento de seus débitos, um processo ou procedimento de execução concursal diverso do falimentar. E por exclusão parcial a disposição legal que estabelece um processo ou procedimento de exe­cução concursal do devedor empresário alternativos ao falimentar. O empresário excluído totalmente da falência não poderá, em nenhuma hipótese, submeter-se ao processo falimentar como forma de execução concursal. Já o empresário excluído parcialmente da falência, em determinados casos discriminados por lei, poderá ter a falência decretada.

Estão totalmente excluídos do regime falimentar: a) as empresas públicas e sociedades de economia mista (Lfi art. 2.°, 1), que são sociedades exercentes de atividade econômica controladas direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municípios); b) as câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação finan­ceira, sujeitos de direito cujas obrigações são sempre ultimadas e liquidadas de acordo com os respectivos regulamentos, aprovados pelo Banco Central (as garantias conferidas pelas câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira destinam-se, por lei, prioritariamente, à satisfação das obrigações assumidas no serviço típico dessas entidades) (Lfi art. 193); c) as entidades fechadas de previdência complementar (LC 109/2001, art. 47).

Entre os empresários parcialmente excluídos do regime falimentar, podem ser lembradas: a) as instituições financeiras, às quais destinou o legislador o processo de liquidação extrajudicial (Lei 6.024/74), sob a responsabilidade do Banco Central; b) as sociedades arrendadoras que tenham por objeto exclusivo a exploração de leasing, sujeitas ao mesmo regime de liquidação extrajudicial previsto para as instituições financeiras (Res. BC 2.309/96); c) as sociedades que se dediquem à administração de consórcios, fundos mútuos e outras atividades assemelhadas e se sujeitam a procedimento de liquidação extrajudicial idêntico ao das instituições financeiras (Lei 5.768/71, art. 10);

 

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 d) as seguradoras, que devem ter a falência requerida pelo liquidante nomeado pela SUSEP (Superin­tendência de Seguros Privados), quando frustrada a liquidação extrajudicial (isto é, se o ativo não for suficiente para o pagamento de pelo menos metade dos credores quirografários) ou se surgirem nesta indícios de crime falimentar (LS, art. 26);e) as entidades abertas de previdência complementar (LC109/2001,art. 73) e as de capitalização (Decreto-Lei 261/67, art. 4.°), nas mesmas condições que as seguradoras; f) as operadoras de planos privados de assistência à saúde, submetidas ao regime de liquidação extrajudicial pela ANS (Agência Nacional de Saúde), e que só podem falir nas mesmas condições das seguradoras (Lei 9.656/98, art. 23).

Todos os empresários parcialmente excluídos do regime falimentar podem ter a sua falência decretada, observadas as condições específicas legalmente previstas. Por exemplo: a falência de instituição financeira em regime de liqui­dação extrajudicial deve ser requerida pelo próprio liquidante, autorizado pelo Banco Central, se o ativo não alcançar metade do passivo quirografário ou se houver indícios de crime falimentar.

4.         INSOLVÊNCIA

O estado patrimonial em que se encontra o devedor que possui o ativo inferior ao passivo é denominado insolvência. O devedor em insolvência é que se encontra sujeito à execução concursal de seu patrimônio, como imperativo da par conditio creditorum. Mas é necessário atentar-se para o fato de que o se­gundo pressuposto da falência não é a insolvência entendida em sua acepção econômica, ou seja, como um estado patrimonial. É, isto sim, a insolvência entendida em um sentido jurídico preciso estabelecido na Lei de Falências (Lei 11.101/05-LF).

Desta forma, para que o devedor empresário seja submetido à execução por falência, é rigorosamente indiferente a inferioridade do ativo em relação ao passivo. Nem se faz necessário provar o estado patrimonial de insolvência do devedor, para que se instaure a execução concursal falimentar; nem, por outro lado, se livra da execução concursal o devedor empresário que lograr demons­trar eventual superioridade de seu ativo em relação ao passivo, ao contrário do que ocorre com o devedor civil (CPC/1973, art. 756, II; CPC, art. 1.052).

Para fins de instauração da execução por falência, a insolvência não se caracteriza por um determinado estado patrimonial, mas sim pela ocorrência de um dos fatos previstos em lei. Em outros termos, a insolvência se caracte­riza, para o direito falimentar, quando o empresário for injustificadamente impontual no cumprimento de obrigação líquida (LF, art. 94,1), incorrer em execução frustrada (art. 94, II) ou praticar ato de falência (art. 94,111).

 

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Se restar caracterizada a impontualidade injustificada, a execução frustrada ou o ato de falência, mesmo que o empresário tenha o seu ativo superior ao passivo, será decretada a falência; ao revés, se não ficar demonstrada nenhuma destas hipóteses, não será instaurada a falência ainda que o passivo do devedor seja  superior ao ativo. A insolvência que a lei considera pressuposto da execução por falência é meramente presumida. Os comportamentos discriminados pelo j art. 94 da LF são geralmente praticados por quem se encontra em insolvência,  e esta é a presunção legal que orienta a matéria.

A impontualidade injustificada deve se referir à obrigação líquida. Para  fins de decretação da falência, entende-se por “líquida” a obrigação representada por título executivo, judicial ou extrajudicial. Qualquer dos títulos que legitimem a execução individual, de acordo com a legislação processual, pode ; servir de base à obrigação a que se refere a impontualidade caracterizadora da insolvência. Trata-se de critério formal da lei: a impontualidade é considerada j de obrigação líquida quando documentada por título executivo.

Há, no entanto, algumas obrigações que, mesmo líquidas, não podem servir  de base à impontualidade injustificada. São as que não podem ser reclamadas  na falência, como as obrigações gratuitas, por exemplo (LF, art. 5.°, I).                                                        

Quando, por outro lado, se fala em impontualidade injustificada, tem-se  em mira a inexistência de relevante razão para o inadimplemento da obrigação líquida. Está claro que o devedor empresário não terá a sua falência decretada por sua impontualidade, se tiver fundados motivos para não pagar determinado ) título. Se a obrigação estava prescrita, se inexistente ou nula, o inadimplemento não importará em caracterização da impontualidade motivadora da falência. J A própria lei sugere uma lista de hipóteses de impontualidade justificada (LF, : art. 96).                                                  

A prova da impontualidade é o protesto do título. Qualquer que seja o  documento representativo da obrigação a que se refere a impontualidade injustificada, ele deve ser protestado. Se for título de crédito, o protesto cambial,  mesmo que extemporâneo, basta para a caracterização da impontualidade do devedor. Os demais títulos, caracterizados na lei como “documentos de dívida” (por exemplo: sentença judicial, certidão da dívida ativa etc.), também devem ser protestados. Nenhum outro meio de prova testemunhal ou documental é I apto a demonstrar a impontualidade de que cogita a LF.

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Só caracteriza a impontualidade injustificada, para fins de falência, se o valor dos títulos em atraso for de pelo menos 40 salários mínimos. Se o valor do débito do empresário é inferior a esse limite legal, o credor pode cobrá-lo ou executá-lo, mas não poderá pedir falência em razão do inadimplemento. Credores do mesmo empresário cujos créditos individualmente considerados não alcançam 40 salários mínimos, mas cuja soma alcança, podem se reunir em litisconsórcio para requererem a falência do devedor (LF; art. 94, § l.°).

Em suma, para que se encontre tipificado o comportamento descrito pelo art. 94,1, da LF, e, portanto, seja possível a instauração da execução concursal por falência, é necessário que o devedor empresário tenha sido impontual, sem relevante razão jurídica, no cumprimento de obrigação documentada em título executivo de valor superior a 40 salários mínimos. Dita impontualidade deverá ser provada necessariamente pelo protesto do título correspondente.

A frustração da execução (tríplice omissão) caracteriza-se, por sua vez, pela inexistência de pagamento, depósito ou nomeação de bens à penhora por parte do empresário, quando é ele executado individualmente por algum credor (LF, art. 94, II). Nesse caso, a execução deve ser encerrada e o credor, munido de certidão judicial que ateste a verificação da tríplice omissão, ingressa com o pedido de falência. O título, nesse caso, não precisa estar protestado e pode ter valor inferior a 40 salários mínimos.

Em relação aos atos de falência, de que trata o art. 94, III, da LF, deve-se considerar que são todos comportamentos que, pressupostamente, revelam a insolvência entendida como estado patrimonial do devedor empresário. São atos de falência:

a)         Liquidação precipitada - se o empresário promove a liquidação da em­presa de forma abrupta incorre no tipo legal; também estará praticando ato de falência o empresário que emprega meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos, como a contratação de empréstimos a juros excessivos ou a venda de instrumentos indispensáveis ao exercício de sua empresa (art. 94, III, a).

b)         Negócio simulado - se o empresário tenta retardar pagamentos ou fraudar credores por meio de negócio simulado, estará incorrendo em comportamento tipificado como ato de falência (art. 94, III, b).

c)         Alienação irregular de estabelecimento-o empresário que aliena estabele­cimento empresarial sem o consentimento de seus credores, salvo se conservar em seu patrimônio bens suficientes para responder pelo passivo, estará incurso no tipo legal de ato de falência (art. 94, III, c).

 

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d)         Simulação de transferência de estabelecimento - incorre em ato de falência o empresário que muda o local do estabelecimento com o intuito de fraudar a legislação, frustrar a fiscalização ou prejudicar credores (art. 94, III, d).

e)         Garantia real -para tipificação desta hipótese de ato de falência, elegeu o legislador a instituição de garantia real em favor de um credor. Necessário, contudo, que esta instituição se opere posteriormente à constituição do cré­dito. Não há ato de falência se obrigação e garantia real são concomitantes. A incoincidência entre um e outro é que revela o intuito de fraudar a par conditio creditorum (art. 94, III, e).

f)          Abandono do estabelecimento empresarial - sem que tenha o empresário constituído procurador bastante, com recursos suficientes, para a quitação de suas obrigações, o abandono do estabelecimento empresarial importa caracte­rização de ato de falência (art. 94, III,/).

g)         Descumprimento do plano de recuperação judicial - o empresário benefi­ciado com a recuperação judicial que não cumpre o estabelecido no respectivo plano pratica ato de falência e deve ver instaurada a execução concursal de seu patrimônio (art. 94, III, g).