Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia do Nascimento Pereira.

 

Natal, agosto de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Letra de câmbio. In:_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 17, p. 244-247.

 

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Capítulo 17

LETRA DE CÂMBIO

 

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1. INTRODUÇÃO

No estudo do direito cambiário, preferem os autores seguir uma linha didática que, por ser útil, será adotada também aqui. Trata-se de examinar inicialmente a letra de câmbio, esmiuçando as particu­laridades dos diversos atos cambiários com a devida profundidade, para, em seguida, apresentar os demais títulos de crédito, fazendo referência apenas àqueles aspectos que eles têm de específicos. As­sim, o estudo da letra de câmbio é feito concomitantemente com o das regras gerais relativas à constituição e exigibilidade do crédito cambiário. Tais regras, respeitadas as especificidades de cada título, aplicam-se à nota promissória, ao cheque, às duplicatas e aos demais títulos de crédito.

 

2. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

O Brasil é signatário de uma convenção internacional para a adoção de uma lei uniforme sobre letra de câmbio e nota promissória, a Convenção de Genebra, firmada em junho de 1930.

Com a adesão do Brasil a esta convenção, em agosto de 1942, criou-se, no direito cambiário nacional, uma séria controvérsia quan­to à legislação vigorante no País, posto que o assunto encontrava-se disciplinado por um diploma interno, o Decreto 2.044, de 1908. Tal diploma, de indiscutível qualidade técnica, não tinha sido revogado expressamente por nenhuma lei ordinária e, ademais, para integral cumprimento do convencionado em Genebra, seria necessário que se elaborasse um projeto de lei para apreciação do Poder Legislativo, o qual, se aprovado, introduziria no ordenamento jurídico nacional o regramento previsto pela mencionada convenção. Somente após a sanção dessa Lei, é que teria o Brasil dado cumprimento ao compro­misso internacional assumido em Genebra. Até lá, a letra de câmbio e a nota promissória continuariam a ser disciplinadas pela nossa antiga legislação cambial.

 

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Mas em vez de proceder conforme seria de rigor pela boa técnica jurídica, enviando ao Poder Legislativo um projeto de lei que incorporasse as regras da Lei Uniforme de Genebra, o Poder Executivo, em 1966, baixou um decreto determinando que se cumprisse a Convenção. A estranhíssima forma de criar direito recebeu a simpatia do STF, cuja jurisprudência pacificou-se, no início dos anos 1970, em torno da tese de que a Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória havia ingressado no direito interno, inobstante a falta de lei ordinária.

Contudo, nem todos os dispositivos da Lei Uniforme entraram em vigor no Brasil. Valendo-se de possibilidade oferecida pela própria convenção, o Brasil assinalou determinadas reservas. Isto quer dizer que o estado brasileiro havia-se reservado o direito de introduzir parcialmente o texto da Lei Uniforme em seu ordenamento interno. Em virtude destas reservas, o texto ficou lacunoso. Por outro lado, não houve lei qualquer que o revogasse expressamente o Decreto 2.044/1908. Teria, então, ocorrido uma revogação tácita com a superveniência de lei disciplinando a mesma matéria. Neste sentido, permanecem vigorantes as disposições do referido diploma interno pertinente a assunto omitido na Lei Uniforme, seja por ausência de regramento, seja em decorrência de reserva assinalada pelo Brasil.

Assim, entende-se em vigor a legislação acerca de letra de câmbio e nota promissória resultante de uma “colcha de retalhos” costurada com dispositivos da Lei Uniforme de Genebra (LU) e da legislação interna (Decreto 2.044/1908). Define-se a legislação aplicável à letra de câmbio e nota promissória a partir dos seguintes critérios:

a) Em princípio, vigora a Lei Uniforme que consta como Anexo 1 da Convenção de Genebra sobre Letra de Câmbio e Nota Promissória, de junho de 1930 (LU).

b) Em virtude de reservas assinaladas pelo Brasil, não vigoram no direito nacional os seguintes dispositivos da LU: art. 10 (reserva do art. 3.“ do Anexo II); terceira alínea do art. 41 (reserva do art. 7.° do Anexo II); números 2 e 3 do art. 43 (reserva do art. 10 do Anexo II); quinta e sexta alíneas do art. 44 (reserva do art. 10 do Anexo II).

c) Em virtude da reserva constante do art. 5.° do Anexo II, assinalada pelo Brasil, o art. 38 da LU deve ser completado nos termos da reserva, ou seja: as letras de câmbio pagáveis no Brasil devem ser apresentadas ao aceitante no próprio dia do vencimento.

 

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d) A taxa de juros por mora no pagamento de letra de câmbio ou nota pro­missória não é a constante dos arts. 48 e 49, mas a mesma devida em caso de mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406), por força da reserva do art. 13 do Anexo 11, assinalada pelo Brasil.

e) Permanecem vigorantes, por omissão originária ou derivada da LU, os seguintes dispositivos do Decreto 2.044/1908: art. 3.°, relativo aos títulos sacados incompletos; art. 10, sobre pluralidade de sacados; art. 14, quanto à possibilidade de aval antecipado; art. 19, II, em decorrência da reserva do art. 10 do Anexo II; art. 20, em virtude da reserva do art. 5.° do Anexo II, salvo quanto às consequências da inobservância do prazo nele consignado; art. 33, acerca da responsabilidade civil do oficial do cartório de protesto; art. 36, pertinente à ação de anulação de títulos; art. 48, quanto aos títulos prescritos; art. 54,1, referente à expressão “nota promissória”, em virtude da reserva do art. 19 do Anexo II.

As regras do Código Civil aplicam-se apenas se idênticas as da lei especí­fica do título de crédito, revestindo-se, assim, de caráter supletivo (art. 903).