Este material foi adaptado pelo Laboratório de
Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade
com a Lei 9.610 de 19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo o uso apenas
para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser
reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Revisado por: Paulo Henrique.
Natal, julho de 2020.
KREIN, José Dari;
GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, A. L. Dos. Flexibilização das relações de trabalho:
insegurança para trabalhadores. In:
KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, A.
L. Dos. Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas,
São Paulo: Editora Curt Nimuendajú, 2018. cap. 3. p.
95-122.
[Todas a notas de rodapé encontram-se presentes no final do texto]
Página
95
Capítulo 3
Flexibilização das relações de trabalho:
insegurança para trabalhadores
Página
96
Página
em branco
Página
97
Flexibilização
das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores
José Dari Krein
Ludmila Abílio
Paula Freitas
Pietro Borsari
Reginaldo Cruz [nota 1]
Introdução
O
presente texto tem o propósito de fazer um diagnóstico de como os principais
elementos da relação de emprego - modalidades de contratação, jornada de
trabalho e remuneração - se expressam para além do
marco legal que lhes serve de referência e qual a sua evolução nos últimos anos
no Brasil. Ocorre que o mundo do trabalho passa por profundas modificações, que
poderiam reduzir as desigualdades, promover a vida digna, melhorar as condições
de trabalho, ampliar a proteção social e repartir melhor os ganhos de
produtividade em contexto de grande inovação tecnológica e economizadora de
horas de trabalho. Porém, a reforma 2017 - inserida em um contexto mundial de
ataque aos direitos dos trabalhadores - amplia a liberdade das empresas no
manejo do trabalho de acordo com os seus interesses, de modo que as alterações
buscam reduzir o custo das empresas e ampliar a sua liberdade em determinar as
condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho. E, ainda,
reduzem a proteção social aos assalariados como estratégia de redefinição do
papel do Estado e de estímulo aos indivíduos a se sujeitarem às necessidades do
capital.
A
agenda da reforma teve início nos anos 1990, com a introdução de novos
mecanismos no arcabouço legal institucional, que se seguiu, nos anos 2000, com
expressões mais pontuais na regulação dos principais elementos da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição Federal de 1988 (CE/88), sem
implicar na sua desconstrução.
Página
98
No
primeiro momento, ocorreu um processo de aprofundamento da flexibilidade do
mercado de trabalho, sendo este já marcadamente flexível, como pode ser
observado, por exemplo, por sua alta rotatividade, sua variação dos rendimentos
do trabalho conforme os ciclos econômicos, sua ilegalidade e informalidade. Na
década seguinte, a dinâmica se inverteu com o avanço da formalização, da queda
do desemprego e melhora do rendimento dos trabalhadores, especialmente dos que
se encontravam na base da pirâmide social, através da política de valorização
do salário mínimo Mas as melhoras não foram suficientes para alterar a
estrutura do mercado de trabalho brasileiro, marcado por baixos salários, alta
desigualdade, forte heterogeneidade e expressiva informalidade; apesar das melhoras,
o avanço da flexibilização do trabalho se manteve.
Na
sequência, este texto está dividido em três partes. Na primeira, discute-se a
evolução das modalidades de contratação previstas na CLT a partir dos dados da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), realizando uma comparação entre os contratos por prazo indeterminado e
determinado, corroborando a tese de que a flexibilidade na despedida é uma
característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro. A análise é
complementada com a evolução da terceirização e de outras formas de relação de
emprego disfarçada, tais como, a pejotização e, mais
recentemente, a "uberização". Na segunda
parte são tratadas as tendências sobre a evolução da extensão e distribuição da
jornada de trabalho na perspectiva do processo de flexibilização do tempo de
trabalho e seus impactos sobre o trabalhador. Na última parte, analisa-se, por
um lado, a composição da remuneração do trabalho, comparando o salário, os
benefícios (salário indireto) e a remuneração variável; e, por outro, a
política de valorização do salário mínimo e seus efeitos sobre o mundo do
trabalho e a proteção social.
1. Modalidades
de contratação: flexibilidade da contratação não implica geração de emprego
O
mercado de trabalho formal brasileiro tem, como vínculos de emprego
predominantes, o contrato por tempo indeterminado e o estatutário efetivo. Em
2016 [nota 2], o primeiro representava 79,3% dos vínculos (36,2 milhões) e o
segundo 16,72% (7,6 milhões), totalizando 96% dos vínculos naquele ano. Entre
2014 e 2016 houve uma queda muito expressiva de empregos formais (-2,95
milhões), sugerindo que o mercado de trabalho está muito flexível e varia de
acordo com o nível de atividade econômica. A queda foi geral, mas proporcionalmente
mais expressiva nos contratos atípicos.
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99
Por
exemplo, o servidor público demissível (estatutário não efetivo, na
terminologia da RAIS) apresentou uma redução de 23%, e o temporário, de 18% no
mesmo período.
Examinando-se
os vínculos de emprego apresentados na RAIS, pode-se destacar que: (1) no
período 2002-2014, o forte crescimento do emprego assalariado formal (contrato
de trabalho típico), que passou de 21,7 mi para 39,1 mi de vínculos (80% de
variação), significa que a elevada geração de empregos formais foi realizada
tendo por base a legislação anterior à reforma trabalhista, ou seja, aquele
quadro legal esteve associado a um desempenho mais positivo no mercado de
trabalho. Na crise, as empresas realizaram muitas demissões, dada a
possibilidade de romper o vínculo sem precisar de justificativa; (2) entre 2002
e 2016, a forma predominante de contratação foi através do contrato por prazo
indeterminado, que ampliou a sua participação relativa no total dos empregos
formais de 75,9% para 79,3%. Em suma, o que se constata é que o contrato por
prazo indeterminado já é suficientemente flexível no Brasil, visto que as
empresas têm liberdade de romper o vínculo, o que explica, em parte, a baixa
expressão das formas atípicas de contratação.
TABELA
1. VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS ATIVOS EM 31/DEZ, POR TIPO DE VÍNCULO
Tipo de
vínculo empregatício |
2002 |
2014 |
2016 |
|||
N° |
Partic. |
N° |
Partic. |
N° |
Partic. |
|
CLT |
21.758.316 |
75,89% |
39.186.985 |
79,48% |
36.232.407 |
79,30% |
Estatutário |
5.263.383 |
18,36% |
7.768.118 |
15,68% |
7.641.533 |
16,72% |
Estatutário não efetivo |
1.099.116 |
3,83% |
1.241.009 |
2,76% |
949.913 |
2,08% |
Temporário |
114.092 |
0,40% |
7L454 |
0,16% |
58.022 |
0,13% |
Avulso |
183.737 |
0,64% |
156.502 |
0,39% |
109.409 |
0,24% |
CLT
Determinado |
195.044 |
0,68% |
380.920 |
0,78% |
348.201 |
0,76 % |
Diretor |
11.535 |
0,04% |
18.496 |
0,05% |
16.123 |
0,04% |
Contrato esp. setor público |
44.981 |
0,16% |
386.736 |
0,70% |
335.772 |
0,73% |
Total |
28.670.204 |
100,00% |
49.210.220 |
100,00% |
45.691.380 |
100,00% |
Fonte: RAIS/MTE, exclusive contrato aprendiz. Elaboração própria.
Dentre
as modalidades atípicas de contratação (temporário, avulso, estatutário não
efetivo, por tempo determinado e contratos especiais no setor público) a mais
representativa é a que se refere ao vínculo de estatutário não efetivo (950 mil
vínculos em 2016). Em termos relativos, as formas atípicas que mais cresceram
no período 2002-2016 foram as modalidades de contrato por tempo determinado
(79%) e contratos especiais no setor público (646%, saltando de 45 mil para 335
mil contratos).
Página
100
No
entanto, como exposto, são contratos com uma pequena incidência no Brasil,
correspondendo a 4% do total dos empregados formais ao final de 2016.
A
natureza pró-cíclica das modalidades de contratação atípica faz com que esses
contratos oscilem acentuadamente de acordo com o nível de atividade econômica.
Na crise, por exemplo, há uma queda mais acentuada dos contratos flexíveis.
Como a reforma tem a finalidade de estimulá-los, serão analisadas suas
características para evidenciar que a sua difusão pode significar uma piora nas
condições de contratação para os trabalhadores em comparação ao contrato por
prazo indeterminado.
1.1. Contratos atípicos: pouco tempo de
permanência, menor rendimento do trabalho e maior presença de mulheres, jovens
e pessoas com baixa escolaridade
Os
contratos atípicos de trabalho constituem vínculos mais frágeis quando
comparados com os contratos por tempo indeterminado. Essa característica pode
ser observada, por exemplo, na comparação do tempo total de serviço até o seu
encerramento, de acordo com cada tipo de vínculo. No ano de 2016 foram
registrados pouco mais de 66 milhões de contratos de trabalho (ativos e
inativos em 31/dez). Quando se comparam os vínculos do contrato por tempo
indeterminado com seus atípicos correspondentes [nota 3] em relação ao tempo
(de permanência) no emprego, constata-se que 21% dos primeiros estão na faixa
de 0 a 5,9 meses, frente 70% dos atípicos. Na comparação entre os vínculos
estatutário efetivo com seus atípicos correspondentes [nota 4], o resultado é
uma diferença brutal, evidenciando a maior estabilidade do estatutário efetivo
em detrimento da fluidez do vínculo de estatutário não efetivo. Com efeito, na
faixa 60 meses ou mais, localizam-se 72% dos vínculos
estatutários efetivos e apenas 14% dos atípicos.
Em
termos de rendimento do trabalho, tomando a RAIS 2015 como fonte, os dados
mostram que os vínculos atípicos de emprego acompanham, em geral, as piores
remunerações do trabalho quando comparado com os contratos típicos.
Comparando-se o vínculo do contrato por tempo indeterminado com seus
correspondentes atípicos, nota-se que nas faixas salariais inferiores [nota 5]
a participação dos trabalhadores em vínculos atípicos é relativamente maior que
aqueles contratados por tempo indeterminado.
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101
Somando-se
as três primeiras faixas salariais, obtém-se que a distribuição é de 43% dos
trabalhadores com contrato por tempo indeterminado e 50,8% daqueles com
vínculos atípicos. Na mesma direção e mais acentuadamente, ao se comparar o
vínculo estatutário efetivo com seus correspondentes atípicos, observa-se que
nas faixas salariais inferiores a participação dos trabalhadores em vínculos
atípicos é relativamente maior que aqueles contratados com contrato por tempo
indeterminado. Somando-se as quatro primeiras faixas salariais, obtém-se que a
distribuição é de 30,8% dos trabalhadores estatutários efetivos e 59,1%
daqueles com vínculos atípicos nessas faixas.
No
perfil dos contratados por modalidade atípica, destacam-se os mais jovens e os
que têm menor escolaridade, em comparação ao perfil dos contratados por prazo
indeterminado. Em relação ao sexo, nota-se que a presença das mulheres nos
vínculos flexíveis do setor público é maior do que a dos homens -
proporcionalmente (o dobro do percentual) e em valores absolutos. Saúde,
educação e assistência social costumam ser setores com forte presença feminina,
explicando assim, em grande parte, a informação supracitada. Em segundo lugar,
observa-se que o trabalho com contrato por tempo indeterminado é 60% masculino.
Em termos relativos, 86% dos vínculos formais masculinos são desse tipo,
enquanto os femininos são 76%. Vale ressaltar que o vínculo “diretor” também
apresenta uma marca masculina: 14.658 homens versus 5.257 mulheres.
Em
síntese, a modalidade atípica é pouco expressiva no assalariado formal e
apresenta uma situação de trabalho pior do que a dos trabalhadores contratados
por tempo indeterminado. A reforma trabalhista, ao estimular a contratação
atípica, pode contribuir para precarizar o mercado de trabalho, gerando ocupações
mais inseguras e deixando os trabalhadores em uma condição de maior
vulnerabilidade.
1.2. Rotatividade no mercado de trabalho
brasileiro
A
flexibilidade do mercado de trabalho pode ser observada por outros dois
indicadores: 1) a taxa de informalidade [nota 6], que em muitos casos significa
simplesmente uma ilegalidade, ao permitir que as empresas optem por deixar os
trabalhadores sem carteira de trabalho durante um período de ajuste ou como
estratégia de competitividade espúria no mercado de trabalho; e 2) a taxa de
rotatividade, que tende a ser pró-cíclica, capta o fluxo entre os despedidos e
os admitidos no mercado de trabalho.
Página
102
Aqui,
a expressão e características da rotatividade estão baseadas em estudo
realizado pelo DIEESE (2016).
Conforme
dados apresentados pelo DIEESE, entre 2002 e 2013, cerca de 45% dos
desligamentos [nota 7] aconteceram com menos de seis meses de contrato de
trabalho e em cerca de 65% não atingiram um ano completo de contrato. É
importante notar que o período referido corresponde ao de uma dinâmica positiva
no mercado de trabalho, com expansão da oferta de vagas. Em 2014, a taxa de
rotatividade alcançou 62,8%, sendo que, entre 2003 e 2007, a média registrada
no segmento celetista foi de 54%. Ao longo de 2014 foram registrados 65,8
milhões de vínculos de trabalho celetistas e chegou-se ao final do ano com 40,6
milhões de postos de trabalhos formais ativos, sendo que no período foram
registrados 25,3 milhões de desligamentos, conforme dados apurados pela RAIS.
No
período de melhora dos indicadores do mercado de trabalho, existe um
crescimento do número de trabalhadores que tomam a iniciativa de solicitar o
desligamento. Em 2003, a taxa de rotatividade total era de 52,4% e, deste
percentual, 11,5 pontos percentuais correspondiam a demissões por iniciativa do
empregado. O pico de rotatividade foi registrado em 2011, com um índice de
64,5%, sendo que as demissões a pedido do empregado corresponderam a,
aproximadamente, um terço deste total. Com o mercado de trabalho mais dinâmico
e favorável, cresceu o número de trabalhadores que buscam uma melhor ocupação.
No entanto, observando os dados historicamente, grande parte dos desligamentos
é por iniciativa do empregador, sendo essa, fundamentalmente, uma estratégia de
gestão da força de trabalho das empresas.
Pelo
gráfico abaixo é possível perceber que a taxa caiu na atual crise, pois há mais
despedidas e menos contratações, mostrando o seu caráter cíclico. A taxa global
apresentou uma queda de 63% (2011 a 2013) para 52% em 2016, uma taxa muito
alta. A taxa descontada (que exclui os desligamentos por falecimento,
aposentadoria, transferência e iniciativa do empregado) caiu um pouco, mas
continua sendo muito elevada. Ela permanece estável entre 2009 e 2014, em tomo
de 43% e cai para 39% em 2016.
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103
Gráfico
1. Taxa de rotatividade (total e descontada) dos vínculos celetistas, 2009 -
2016
Fonte:
RAIS/MTE. Elaboração própria.
Nota:
a taxa total leva em consideração tanto os pedidos de demissão por parte dos
empregados quanto o desligamento por decisão unilateral do empregador A taxa
descontada exclui os desligamentos por falecimento, aposentadoria,
transferência e demissão a pedido do trabalhador.
[Descrição da
imagem] Gráfico de barras verticais com as taxas de rotatividade descontadas e
taxa de rotatividade totais respectivamente. No eixo horizontal os anos de 2009
a 2016. No eixo vertical as porcentagens de 0% a 70%, marcadas de 10 em 10%. Em
2009 42% e 58%; em 2010 43% e 61%; em 2011 43% e 63%; em 2012 42% e 63%; em
2013 43% e 63%; em 2014 43% e 62%; em 2015 42% e 58% e em 2016 39% e 52%.
[Final da descrição]
A
alta rotatividade da mão-de-obra é uma característica estrutural do mercado de
trabalho brasileiro e não pode ser explicada por situações conjunturais. De
acordo com Moretto (2015), os trabalhadores mais atingidos pela rotatividade
são os que possuem baixa escolaridade e que tem menos de um ano de permanência
no emprego. Os setores da construção civil e do comércio são os que registraram
maior taxa de rotatividade. A reforma trabalhista não traz perspectiva de
resolver esse problema estrutural, mas tende a agravá-lo ao difundir formas de
contratação atípicas, institucionalizar formas precárias de contratação
baratear os custos da despedida com os “acordos" diretos e a não realização
da homologação nos sindicatos.
Nos
anos 2000 também ocorreram outras tendências de flexibilização nas formas de
contratação da mão-de-obra, que estão sendo estimuladas na reforma trabalhista,
dentre as quais se destacam: a) liberalização da terceirização; b) o autônomo
permanente - que pode ser uma proxy da pejotização
(processo de transformar o assalariado em PJ = pessoa jurídica), que se
constitui como uma relação de emprego disfarçada; c) outras novidades da
relação de emprego - para além das acima citadas - que foram se desenvolvendo,
para as quais a reforma busca proporcionar algum respaldo jurídico, tais como o
trabalho a domicílio e a “uberização". [nota 8]
Página
104
1.3. Pejotização
Pejotização, como o próprio termo revela, refere-se ao processo de mascaramento e
eliminação legal de relações de emprego, consolidando-se pela transfarmação do empregado em um prestador de serviços
legalizado como pessoa jurídica. Trata-se, portanto, de eliminar o vínculo de
emprego para reconhecer e estabelecer relações de trabalho com o agora
trabalhador autônomo, então desprovido de direitos, proteções e garantias
associadas ao assalariamento.
O
processo de pejotização [nota 9] envolve uma série de
elementos associados às transformações do trabalho observadas nas últimas
décadas, em uma perspectiva global; dentre eles: 1) as ameaças do desemprego e
as consequentes pressões sobre o trabalhador, que minam as possibilidades de
resistência; 2) a possibilidade de transferir para o trabalhador o próprio
gerenciamento sobre seu trabalho, sem que isto signifique eliminar a relação de
subordinação ou a perda de controle sobre o trabalho; 3) as pressões por
desregulamentação da jornada de trabalho combinada com a crescente indistinção
entre o que é e o que não é tempo de trabalho.
Dessa
forma, a transformação do trabalhador em pessoa jurídica atende à um dos
elementos centrais da flexibilização do trabalho para as empresas, ao mesmo
tempo em que significa uma eliminação de direitos, proteções e garantias ao
trabalhador. Além disso, se por um lado, a pejotização
promove a perda de direitos, como horas extras remuneradas, intervalos e
descanso remunerados, décimo terceiro salário, direitos e benefícios
previdenciários; por outro, o não reconhecimento do vínculo empregatício e a
transfiguração do trabalhador em uma empresa introduz a possibilidade de sua
sobrevivência ser inteiramente atrelada às demandas do capital, em uma espécie
de remuneração baseada no “salário por peça" (nos termos contemporâneos,
“por metas" ou “por produto”), tomando, assim, a força de trabalho
utilizável de acordo com as exatas necessidades do contratante no setor privado
e também público. Em outras palavras, o trabalhador é obrigado a gerir a vida
como um negócio, em que todas as energias estarão voltadas para tomar-se
comerciável.
Para
os trabalhadores de mais baixa qualificação e rendimento, surge, na década de
2000, um instrumento de formalização do trabalho que trouxe consigo uma
exponencial forma de simular a relação de emprego, deixando os trabalhadores
formais em situação de ainda mais elevada vulnerabilidade social.
Página
105
Implementado como
meio de retirar da informalidade trabalhadores autônomos de baixo rendimento, a
figura do Microempreendedor Individual (MEI [nota 10]) mostrou-se, ao mesmo
tempo, um vetor eficaz da transfiguração de trabalhadores celetistas em
microempreendedores individuais. De acordo com estudo do IPEA (OLIVEIRA, 2013),
49,7% dos MEIs são trabalhadores que foram demitidos
ou desistiram de seus empregos em busca de oportunidades. O estudo também
constatou que, quanto menor o tempo de emprego, maior a probabilidade de o
empregado migrar para o empreendedorismo individual.
Analisando
os dados da RAIS é possível apurar - ainda que de forma imprecisa - a dimensão
da pejotização ao longo das décadas de 2000 e 2010 e
sua acentuação com a implementação do MEI. A declaração anual feita por pessoa
jurídica na “RAIS Negativa” significa que, naquele ano, o estabelecimento não
fez uso de empregados ou esteve inativo (doravante “PJ zero”). Essa variável
pode ser interpretada como um proxy da pejotização,
descontando o caso em que o estabelecimento esteve inativo. Considerando-se,
portanto, os índices de empresa “PJ zero" como índices de trabalhadores
que se transfiguram em pessoa jurídica, constata-se que ao longo de todos os
anos do período analisado mais da metade dos estabelecimentos eram de empresas
de uma pessoa só. Em 2002, mais de 58% das empresas eram PJ zero; em uma curva
descendente, verifica-se que em 2016 eram em tomo de 52%, deixando de crescer
em razão da implementação e difusão do MEI.
A
implementação da figura do MEI se deu em 2009 e seu crescimento é exponencial.
Em dezembro de 2010, os cadastrados no MEI eram 760 mil, ao passo que em
dezembro de 2017, saltou para 7,8 milhões. É razoável supor que, ao menos em
parte, o fenômeno da pejotização passou a contar com
o cadastro de MEI, na medida em que esse estatuto foi utilizado para disfarçar
uma possível relação de emprego existente.
A
inclusão da figura do autônomo exclusivo na reforma trabalhista pode ser
compreendida como uma forma de estimular ainda mais o processo de pejotização descrito, especialmente por meio do MEI, como
já apontado no texto de Galvão et al. (2017) no dossiê sobre reforma
trabalhista. E, ainda,
[Início de citação] a regulação do trabalho autônomo, tal como se
apresenta na reforma, gera uma contradição com o discurso do próprio governo
sobre o imperativo da reforma da previdência, na medida em que a legalização
irrestrita do trabalho autônomo obviamente acarretará queda na arrecadação das
contribuições previdenciárias (GALVÃO ET AL., 2017, p. 39). [nota
11] [Final de citação]
Página
106
Gráfico
2. Total de "PJ zero”, estabelecimentos com um ou mais empregados
(“outros”) e MEI, 2002 - 201
Fonte:
RAIS/MTE e Portal do Empreendedor, disponível: "httpV/www.portaldoempreende-dor.gov.br>.
Elaboração própria.
[Descrição da
imagem] Gráfico de pontos traçados horizontais. pontos
representam: PJ sem empregados, outros e MEI respectivamente. No eixo horizontal
os anos de 2004 a 2017. No eixo vertical 0 a 9.000.000, com marcações de milhão
em milhão. PJ sem empregados parte do 0 em 2009 e forma uma linha ascendente
até 2017 com 7.800.000; Outros, parte de 2004 com
menos de 3.000.000, atinge 3.000.000 em 2008, atinge 4.000.000 em 2014, mantém
4.000.000 em 2015, e tem uma queda para 3.921.448 em 2016. MEI, parte de 2004
com menos de 4.000.000, atinge 4.000.000 em 2006, mantém uma linha ascendente
até 2009, oscila em 4.500.000 e 4.300.000 até 2014, mantém os 4.300.000 até
2015 e tem uma queda para 4.284.527 em 2016. [Final da descrição]
1.3.1 Uberização:
tendências nas relações de trabalho em nível global
O
reconhecimento da uberização como uma tendência nas
relações de trabalho vem ganhando corpo em nível mundial (SLEE, 2017; SRNICEK,
2017; ABÍLIO, 2017; ABÍLIO E MACHADO, 2017). Apesar de ganhar visibilidade a
partir da relação entre a empresa Uber e seus milhões de motoristas em todo
mundo, a uberização resulta de processos em curso no
mundo do trabalho há décadas, associados ao crescimento do desemprego, às
iniciativas de empreendedorismo, às desregulamentações do trabalho e, também,
às inovações tecnológicas.
A
uberização apresenta uma nova forma de organização do
trabalho, que possibilita eliminação de vínculos empregatícios e transforma o
trabalhador em um “nanoempreendedor de si"
(ABÍLIO, 2017), ao mesmo tempo em que o controle e a subordinação do trabalho
são mantidos nas mãos da empresa. Trabalhadores tomam-se trabalhadores
autônomos que oferecem seus serviços de acordo com as demandas do mercado.
Página
107
Simultaneamente,
fazem o gerenciamento sobre o seu próprio tempo de trabalho, a intensidade e
duração que dedicam à atividade. Ou seja, trata-se de uma forma de subordinação
obscurecida, na qual o trabalhador parece ter total liberdade sobre seu
trabalho. Trata-se de uma nova configuração, na qual as empresas aparecem como
meras mediadoras entre a oferta de trabalho e a procura de serviços, ao mesmo
tempo em que reorganizam ou até mesmo criam nichos nos mercados de trabalho e
de bens de consumo ou serviços. Em uma perspectiva mais ampla, a uberização pode ser enquadrada como parte de um novo passo
da flexibilização do trabalho, sendo vetor de informalização e de relação de
assalariamento disfarçada.
Desde
a perspectiva da empresa (ou plataforma), a uberização
é viabilizada pelo desenvolvimento tecnológico e de plataformas digitais, as
quais permitem combinar a mediação entre oferta e procura e um gerenciamento do
trabalho eficaz e onipresente sobre o trabalhador. A produtividade do
trabalhador é constantemente mapeada e seu desempenho medido pela empresa, que
define unilateralmente os critérios de avaliação. Realiza-se uma espécie de
terceirização sobre a execução deste gerenciamento para uma multidão de consumidores
vigilantes (ABÍLIO, 2017; ABÍLIO & MACHADO, 2017; SLEE, 2017) que alimentam
os dados sobre a produtividade e zelo dos motoristas. Tem-se, por um lado, uma
multidão de trabalhadores disponíveis e, por outro, uma multidão de
consumidores. A empresa realiza a mediação, define os ganhos dos motoristas,
recebe porcentagem sobre seu trabalho, assim como detém os meios para que esse
encontro aconteça.
Entretanto,
é importante centrar menos a análise na questão do desenvolvimento tecnológico
e mais nas condições de trabalho, que são estruturantes para que o processo de uberização se tome significativo nas relações de trabalho.
No caso brasileiro é preciso atentar para elementos já destacados, como a alta
taxa de informalidade e rotatividade. Ou seja, grande parte da população
brasileira transita pelo mercado de trabalho de forma instável, precária,
alternando e combinando diferentes ocupações, bicos e participação em
empreendimentos familiares. O termo que melhor parece definir este movimento é
o da viração (TELLES, 2006; ABÍLIO, 2014; 2017).
Por
esta perspectiva. as plataformas digitais funcionam
como uma espécie de catalisadoras desse autogerenciamento e tendem a aderir às
formas precárias e pouco reguladas de trabalho. Não obstante, essa condição
instável e precária pode se estender para segmentos da população de rendimento
mais alto e maior qualificação, dado o contexto de alto desemprego e de
flexibilização do trabalho.
Página
108
1.3.2. O contrato de trabalho intermitente:
transformação em trabalhador just-in-time
A
regulamentação do trabalho intermitente segue na esteira da conformação do
trabalhador just-in-time.
Ainda que a remuneração associada a direitos do trabalho seja embutida na
determinação do valor hora de trabalho, o contrato intermitente coloca o
trabalhador em uma condição de alta instabilidade, incerteza e insegurança
sobre sua própria reprodução social. É possível que o trabalho intermitente
resulte em formas pouco mapeáveis, mas eficazes de intensificação e extensão do
tempo de trabalho e de rebaixamento do valor da força de trabalho (podendo ser
remunerada abaixo do salário mínimo). No contexto da uberização
do trabalho, associado aos altos índices de informalidade e a predominância dos
empregos de baixa qualificação e rendimento, os trabalhadores intermitentes
tendem a ser empurrados para um autogerenciamento e engajamento em diferentes
ocupações e atividades, visando garantir uma segurança e previsibilidade dentro
da precariedade.
O
contrato zero hora na Inglaterra é um bom ponto de partida para se visualizar
possíveis tendências para o mercado de trabalho brasileiro. Apesar de
apresentar baixa participação no mercado de trabalho, esta forma de contrato
vem crescendo exponencialmente, tornando-se tema de debate e interesse público.
[nota 12]
1.4. Terceirização: estratégia empresarial de
gestão da força de trabalho
A
terceirização é mais uma expressão da estratégia de gestão da força de trabalho
da empresa, pois a contratante continua tendo controle e influência na
determinação do produto ou serviço sobre a contratada. Druck
(2016) afirma que a terceirização e a precarização são indissociáveis,
resultando na “precarização social do trabalhador”. [nota
13] Essa realidade se expande e, como alertam Teixeira e Krein
(2015), avança por todos os segmentos econômicos, inclusive pelo setor público
[nota 14], ainda que mais intensamente no setor de serviços.
Página
109
O
Dieese (2014) mostra que, entre 1994 e 2014, o número de trabalhadores em
atividades “terceirizáveis" saltou de 5,6% para 25% do total de empregos
formais. Não resta dúvida que a terceirização é um fenômeno em expansão e
cresce em todos os segmentos econômicos. Por exemplo, nos serviços de
arquitetura e engenharia, o incremento no período analisado foi de 270%.
Analisando
a atividade florestal, no setor de celulose e papel, Baltar e Biavaschi (2013), enumeram os elevados percentuais de
terceirização por estado brasileiro, destacando o Pará, com 96%; os estados do
Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul com 90%; e a Bahia, com 89%.
Quando a terceirização é observada por atividade, o menor percentual está na
atividade administrativa (31%), seguida por viveiros (67%); as demais se
encontram acima dos 85%, chegando a 89% nos transportes, 93% na manutenção e
94% no preparo do solo. No período de 1999-2010, a maior variação anual foi de
2004 para 2005, quando o total de terceirizados no setor passou de 38,4% para
42,5%.
Biavaschi e Teixeira (2015), indicam que, em 2014, os dados apresentados pela CNI
apontam que 70% das empresas industriais de transformação - as extrativistas e
as de construção - fazem uso da terceirização, sendo que 84% delas pretendem
manter ou aumentar a participação desse mecanismo em suas contratações. As
motivações para a terceirização são enumeradas pelas autoras como a
"redução de custos, ganho de tempo e aumento da qualidade do
serviço", ainda que apareçam custos maiores e qualidade menor entre as
dificuldades enfrentadas. Teixeira e Andrade (2017) destacam que ampliar a
terceirização para as atividades-fim das empresas se configura como instrumento
de redução de custo, compartilhamento de riscos e aumento da flexibilidade
organizacional das empresas. A reforma trabalhista estimula a terceirização ao
(1) estabelecer maior distanciamento entre as responsabilidades legais do
tomador do serviço e do contratante e (2) permitir que ocorra em qualquer nível
de atividade. Com isso, a terceirização, dada a forma de organização das
cadeias globais de produção, pode ganhar vestes de “quarteirização",
"quinteirização" etc., e ainda manter a
subordinação estrutural das empresas intermediárias que estarão sob o seu jugo.
A
terceirização se expressa de forma muito distinta nos segmentos econômicos -
desde os setores mais complexos articulados em cadeias globais de valor até a
organização de serviços menores - mas toda a lógica resulta em transferir
responsabilidades e reduzir custos. No setor público, apesar de nem sempre a
redução de custos ser alcançada, a terceirização é parte integrante de um
projeto que tem a finalidade de esvaziar o conteúdo social do Estado e
fortalecer a lógica privada de gestão e prestação dos serviços essenciais para
toda a sociedade (DRUCK, 2016).
Página
110
Como
apontam Teixeira e Krein (2015), a pior condição do
terceirizado ganha expressão concreta em diversas formas: i) rebaixamento da
remuneração e das demais contraprestações pelo trabalho prestado, ainda que com
observância da lei; ii) por contratações
intermediadas que fogem ao padrão do contrato por tempo indeterminado; e, iii) pela utilização de relações informais e até ilícitas.
O rebaixamento salarial pode ser observado na brutal diferença entre um
trabalhador bancário e um terceirizado. Em 2014, o terceirizado recebeu somente
43% do bancário direto, o vale refeição correspondeu a 23% e o vale-alimentação
estava ausente. A jornada mensal do terceirizado superou em 24 horas a do
empregado direto e o valor recebido em forma de PLR foi, no mínimo, 16 vezes
menor. É uma situação que, de alguma forma, se reproduz em outros setores [nota
15]. Na comparação entre os setores tipicamente terceirizáveis e o conjunto dos
ocupados, o DIEESE identificou que os terceirizados receberam em torno de 25%
menos que a média geral dos assalariados e trabalharam 3 horas a mais por
semana em média, em 2015. Em síntese, a redução de custos por intermédio da
terceirização é realizada com rebaixamento do padrão de remuneração e do número
de direitos que deveriam compor o patrimônio jurídico do trabalhador.
Diferentemente
daquilo que â proposto, a terceirização tem mascarado situações intensas de
exploração, rompendo vínculos empregatícios diretos, ao mesmo tempo em que se
apropria de trabalho com menor qualificação, em categorias mal organizadas
coletivamente e mais vulneráveis. Com efeito, a terceirização também se materializa
na reprodução da escravidão nas suas formas contemporâneas, como mostra Filgueiras (2014): grande parte dos trabalhadores
resgatados em condição análoga de trabalho escravo era de empresas
terceirizadas e muitos estavam com carteira de trabalho assinada. Diversas
atividades estão na informalidade, sendo que no setor têxtil é possível mapear
as redes de subcontratação que nos levam às corporações transnacionais. Como
narram Teixeira e Krein (2016, p.158), na cadeia do
vestuário, setor de confecção,
[Início de citação] normalmente uma grande varejista contrata pequenas
oficinas que, por sua vez, contratam uma rede de fornecedores subcontratados,
chegando até o trabalho em domicílio, que emprega no Brasil mais de 1,5 milhão
de mulheres. Trata-se de um trabalho terceirizado que se esconde sob o manto da
informalidade, essas trabalhadoras não têm acesso a nenhum direito, expostas a
jornadas de 14-16 horas diárias, não contam com proteção social não estão
representadas sindicalmente. [Final de citação]
Página
111
Na
mesma perspectiva, outra possível expressão da terceirização é o home-office,
cuja essência pode ser captada na colocação de Neves e Pedrosa (2007, p. 21):
“o espaço do trabalho é o espaço da família, está disperso por toda a cidade,
fora dos limites da empresa e dentro dos limites da casa". A terceirização
se apropria dessa “confusão” dos tempos de vida e trabalho e faz uso dessa
força de trabalho em home-office para reorganizar a produção. Esse mecanismo de
descentralização da produção impacta na formação das cadeias globais de
produção, de modo que parte da produção é deslocada para fora do espaço físico
daquele que se beneficia do trabalho.
Em
todas essas formas de terceirização a precariedade não é enfrentada pelos
mecanismos institucionais. Há uma expectativa de que essa flexibilidade
outorgue ao trabalhador maior autonomia quanto à organização da sua vida em
geral. Como apresentaram Teixeira e Krein (2016),
“essa forma de contratação cria uma ilusão entre os trabalhadores de maior
autonomia no exercício da atividade laboral e maior controle sobre o seu tempo".
Ao contrário disso, há pressão continuada do processo de trabalho sobre o
trabalhador, por meio das metas a serem cumpridas. O ritmo da vida é ditado a
partir da centralidade do trabalho e da intensidade da sua cobrança. O trabalho
pouco qualificado e pulverizado em múltiplas unidades (por vezes pequenas
oficinas) pressiona o trabalhador para se manter inserido no mercado e, até
mesmo pela dificuldade de fiscalização dos órgãos competentes, fomenta-se o
descumprimento dos direitos trabalhistas e outras relações como o trabalho por
conta própria que, ausente do radar institucional, não é beneficiário da
proteção social própria do trabalho formal.
2. Tempo
de trabalho: despadronização da Jornada
Nessa
parte do texto, discutem-se as características da extensão, distribuição e
concentração do tempo de trabalho, assim como os institutos voltados à
ampliação do poder de gestão unilateral do empregador sobre o tempo de trabalho
do trabalhador que, em conjunto, somatizam a despadronização
da jornada e a desorganização da vida do trabalhador. Sucintamente, destaca-se
o grande poder do empregador sobre os modos de dispor do tempo do trabalhador,
em que se utilizam institutos de compensação de horas extraordinárias – que
alteram a própria natureza destas – e outros modos de trabalho que fazem o
tempo de trabalho avançar sobre o tempo de não-trabalho.
A
jornada é definida por dois elementos principais: de um lado, o horário em que
as horas de trabalho são praticadas, de outro, a quantidade de horas
realizadas.
Página
112
Esses
dois aspectos ainda podem ganhar dimensões distintas quanto à qualidade e
intensidade [nota 16] com que o trabalho é realizado. Sobre o volume de horas
trabalhadas, a jornada padrão brasileira está compreendida entre 40 a 44 horas,
conforme as referências internacionais, o que ainda expressa a sua
concentração. Para Dal Rosso (2017) - baseado nos censos brasileiros de 2000 e
2010 -, com respeito às horas habitualmente trabalhadas por semana na atividade
principal (por pessoa com mais de 10 anos) é possível identificar o aumento do
percentual de empregados com trabalho integral, com redução daqueles que
trabalham com jornada acima das 44 horas. As jornadas habituais de 45 a 48 horas
caíram de 17% para 12,7%, enquanto as jornadas de 49 horas ou mais caíram de
25% para 15,4% no período. Por conseguinte, aumentou o percentual de
trabalhadores com jornadas até 39 horas, com destaque para quem trabalha até 19
horas, cuja expressão foi de 4,7% para 9,6%, implicando em redução da
participação de trabalhadores nas demais faixas.
A
diminuição das jornadas habituais que excedem 44 horas de trabalho não reflete
uma mudança estrutural no mercado de trabalho; expressa, antes, uma melhoria
conjuntural do mercado em um período economicamente favorável ao trabalho
regulado. Por outro lado, o aumento dos trabalhadores com jornadas até 19 horas
merece destaque na análise, pois expressam “um tipo de trabalho temporário
reduzidíssimo, durante o qual dificilmente se pode retirar um sustento adequado
para a vida" (DAL ROSSO, 2017, p. 177). A reforma trabalhista passa a
fomentar esse modo de contratação quando institui, por exemplo, o trabalho
intermitente.
Ainda
que haja no Brasil previsão legal para a contratação
fracionada do tempo de trabalho (acompanhada da remuneração fracionada), o que
se verifica é que ainda há preferência pela contratação de altas jornadas por
trabalhador. Os dados da OCDE referente ao período de 2001 a 2015, sobre
trabalho full-time e part-time,
mostram que a tendência à jornada part-time variou no
período entre 16% e 19,2%, ficando na marca dos 17,9% em 2015, enquanto a
contratação full-time se manteve acima dos 80%. [nota
17] Resultados semelhantes são encontrados no CAGED [nota 18], inclusive quando
observados os dados que seguiram à reforma trabalhista. Considerando os
vínculos formais ativos em 31/12/17, 82% das contratações se encontravam na
faixa de 41 a 44 horas, sendo que, destes, 43% ainda estava nos primeiros 30
dias de trabalho, 60,5% recebendo entre 1,01 e 1,5 salário mínimo (e 85%
ganhava até 2,0 salários). Também é na faixa “hora de contratação mais alta”
que se encontra 87,2% da força de trabalho masculina e 74,7% da força de
trabalho feminina.
Página
113
Segundo
análise de dados da PNAD contínua apresentada em Galvão et al. (2017), 20,7%
dos trabalhadores brasileiros concentra-se nas faixas de 45 a 48 horas e
superior a 49 horas, sobretudo quando somadas as horas de trabalho em todas as
atividades de pessoas com mais de 14 anos. Para ilustrar, há forte concentração
de jornada nas atividades de transportes e outros serviços coletivos, sociais e
de pessoais - acima dos 30% com tempo de trabalho semanal superior às 45 horas
(GALVÃO ET AL., 2017).
Nesse
cenário, verifica-se que o baixo padrão remuneratório e a elevada rotatividade
são características estruturais do mercado de trabalho brasileiro e continuam
promovendo a concentração do volume de trabalho. Não há, por parte do
empregador, interesse em fracionar a contratação das horas de trabalho por mais
trabalhadores, mesmo com o estímulo institucional do fracionamento da
remuneração. Em grande parte, o movimento de flexibilização e a contínua
ampliação do poder de gestão do empregador são elementos que motivam a concentração
da jornada de trabalho em mais horas por menos trabalhadores, com ampla
disponibilidade da força de trabalho para atender aos interesses do empregador,
por meio de variados modos de distribuição do tempo de trabalho. A ampliação do
poder de disposição do empregador sobre o tempo de trabalho do trabalhador pode
ser concretamente observada ao se examinar os mecanismos que conformam a
jornada de trabalho, como as horas extraordinárias, o banco de horas, o
trabalho aos sábados, domingos e feriados, os turnos ininterruptos de
revezamento e, numa dimensão mais ampliada, os tempos de férias.
Em
relação às horas extraordinárias, a dinâmica do mercado de trabalho, a
flexibilização e a reforma trabalhista têm alterado a sua natureza por sua
banalização. As jornadas normais podem ser acrescidas de até 2 horas diárias, o
que impacta em até 12 horas semanais, muitas vezes sem o pagamento do adicional
remuneratório que lhe é correspondente e, mesmo quando negociado coletivamente,
vem sofrendo reduções, como ocorreu com os comerciários de São Paulo (KREIN
& TEIXEIRA, 2014). As jornadas que avançam para além das 45 horas ainda
estão sujeitas a uma ampla gama de opções de compensação de horas, que visam
burlar a remuneração adicional; as jornadas são correntemente prolongadas,
muitas vezes sem aviso prévio ou negociação sindical que autorize e, ainda
assim, não são percebidas como horas extraordinárias.
Com
a reforma trabalhista, o banco de horas, que é um dos mecanismos de compensação
que levam à desnaturação das horas extraordinárias, teve sua utilização
intensificada como instrumento de gestão unilateral do tempo de trabalho. A
reforma passou a prever novos prazos para compensação com dispensa da
negociação coletiva.
Página
114
Se
a compensação ocorrer em até seis meses, é necessário acordo individual
escrito; se ocorrer no mesmo mês, basta o “acordo tácito", aquele cujo
aceite é dado com a realização do sobre labor (CLT, art. 59, §5). Nos
instrumentos coletivos registrados no SACC-DIEESE, no período de 2000 a 2010,
notam-se que: i) a sua quase totalidade autoriza a prática do banco de horas,
sem criar os parâmetros para isso, ou transfere para negociação própria (perda
de força da categoria); ii) em média, menos de 30%
desses instrumentos negociaram prazo menor para compensação, sendo que 48%
destes não previam qualquer penalidade para o seu descumprimento; iii) em média, 20% previu algum adicional de folga pela
realização do banco de horas (OLIVEIRA & ALMEIDA, 2015). Ou seja, uma vez
autorizado o banco de horas, cabe ao empregador dizer como ele vai ser
estabelecido, sem que seja concedido um adicional de folga pela hora de
trabalho prorrogada.
A
oposição dos trabalhadores aparece como uma realidade nas grandes e médias
empresas. Com efeito,
[Início de citação] nos acordos analisados percebem-se diferenciações em
relação a critérios para a adoção do banco de horas, que significam condições
mais flexíveis ou não para as empresas. Em geral tendem a prevalecer poucos
limites para as empresas organizarem a modulação da jornada de acordo com suas
necessidades. Em muitos acordos os critérios são muito fluidos, deixando grande
liberdade para a empresa determinar a forma de utilização do banco de horas
(KREIN & TEIXEIRA, 2014, p. 231). [Final de citação]
Nas
pequenas empresas, a interpretação judicial predominante permite uma
compensação individual. Não há dados para avaliar a sua extensão, mas tudo
indica que seja uma prática recorrente, pois as relações são mais
individualizadas e não passam pela negociação coletiva.
O
trabalho aos sábados, domingos e feriados foi tolerado inicialmente para as
atividades cuja natureza demandava sua continuidade, mas também adquire uma
nova roupagem e tem seus efeitos precários potencializados quando seu uso é
combinado com as horas extraordinárias e com o banco de horas. Nas atividades
contínuas - algumas indústrias, serviços de segurança e vigilância -, esse
trabalho foi acompanhado das jornadas de turnos ininterruptos de revezamento,
limitada constitucionalmente a 6 horas diárias. Porém, na dinâmica das relações
de trabalho tem ocorrido uma versão de alongamento da jornada, passando a 8
horas diárias na grande maioria das indústrias de processo contínuo, como
mostra estudo do Dieese (2013). De 36h36min semanais, a jornada passou para
42h00 em muitas indústrias de processo contínuo, via negociações coletivas,
como por exemplo, no setor siderúrgico.
Página
115
O
turno ininterrupto de revezamento perde a sua natureza e passa a ser jornada
normal de trabalho com alternância de horário [nota 19], além de se fazer
diversas “montagens" nas escalas, adaptadas por setor de atividade
econômica, tais como 12 por 12,12 por 36, 5 por 1, 8 por 2 etc., que ampliam a
liberdade da empresa organizar a jornada de acordo com as suas necessidades Gibb (2017).
Por
fim, o trabalho em home-office ou em teletrabalho apresenta duas dimensões. Por
um lado, são assalariados, especialmente do setor administrativo, que cumprem
parte de sua jornada em casa. São trabalhos marcadamente femininos que reforçam
a divisão sexual do trabalho, aproximando os trabalhos em domicílio das
atividades profissionais. De outro lado, os assalariados que se tornam PJ, são
acompanhados do surgimento do coworking, que são
centros fornecedores de espaços e estrutura de trabalho que podem ser alugados
por um determinado período. O site Coworking Brasil
apresenta esses espaços como “a revolução que está alterando para sempre a
forma que trabalhadores com relação de emprego disfarçada, profissionais
freelancers e autônomos se relacionam entre si, com seus fornecedores e
clientes”. [nota 20] Breila Zanon (2018) analisa o coworking a partir de duas possibilidades distintas; (1)
como uma dinâmica decorrente da necessidade dos próprios trabalhadores, ao
criar alternativas diante das incertezas do mercado de trabalho e (2) como
espaços interessantes às grandes empresas, que pode representar uma nova forma
de precarização disfarçada em um novo perfil de trabalhador transformado em
empreendedor. Quando esses espaços colaborativos se tornam opressores pela competitividade
do mercado sobre o sujeito e da ausência de vínculos duradouros, seus efeitos
alcançam a saúde emocional e psíquica dos trabalhadores - é o estar sozinho em
meio a muitas pessoas.
3. Remuneração
variável e rebaixamento dos salários
O
mercado de trabalho brasileiro é historicamente caracterizado por baixos
salários. Os salários no Brasil são muito desiguais e grande parte dos ocupados
recebe baixos rendimentos do trabalho (72,5% recebem menos que a média, que é
de aproximadamente R$ 2.200,00 em 2017). Em comparação internacional, a hora em
dólar é muito mais baixa. No setor industrial, por exemplo, a hora de trabalho
na indústria no Brasil é U$ 11,20, a dos Estados Unidos é U$ 35,67, da Alemanha
U$ 45,79, da Argentina U$ 18,87 (Bureau Labor Statistics,
EUA, 2012). O valor da hora está acima de países como México, que enfrenta um
claro processo de desintegração social.
Página
116
Ou
seja, o custo total do trabalho no setor industrial é relativamente baixo em
relação a outros países e o valor do salário é um importante componente para
determinar a qualidade de vida dos assalariados. Portanto, não há razão para
justificar uma reforma que rebaixe ainda mais o preço da força de trabalho, em
um país que já apresenta salários insuficientes para a reprodução de grande
parte das famílias de forma digna.
A
questão da produtividade é influenciada por muitos fatores, tais como a
infraestrutura física, o preço da moeda (câmbio), a política econômica, a
qualificação da força de trabalho, o desenvolvimento tecnológico etc. O valor
salário é cada vez menos importante para os setores com alto conteúdo
tecnológico e baixa produtividade. Nos setores econômicos mais complexos, o
peso dos salários no produto final é pouco expressivo, tanto que a Alemanha tem
um dos salário-hora mais elevados do mundo e apresenta grande competitividade
em diversos segmentos industriais.
Nem
mesmo a alegada diferença entre o crescimento da produtividade e dos salários
nos anos recentes é uma justificativa que sustentaria a mudança de regras responsáveis
pela definição da remuneração do trabalho:
[Início de citação] Quanto ao descompasso entre
salários e produtividade, os dados das contas nacionais publicados pelo IBGE
indicam que a maior discrepância ocorreu na indústria de transformação. Enquanto
os salários, entre 2009 e 2014, expandiram-se 9,3% ao ano, a produtividade
média deste mesmo trabalhador cresceu em torno de 4,7% ao ano. Entretanto, em
artigo publicado no jornal Valor Econômico, o economista Thiago Moreira
decompõe o valor total da produção chegando ao seguinte resultado: os salários
respondem apenas por 25% do incremento dos custos e 75% se refere ao consumo
intermediário. Portanto, o encolhimento nas margens de lucro foi motivado
principalmente pelo consumo intermediário e não pela expansão dos custos
salariais. As pressões por competitividade indicam que as empresas vêm
reduzindo os custos do trabalho de forma sistemática como forma de administrar
outros custos, como insumos e matérias primas, além dos custos financeiros. São
despesas sobre as quais as empresas integradas em cadeias globais não têm
nenhuma governabilidade. O setor aéreo é um bom exemplo disso em 1992 os
encargos com pessoal representavam 28,6% do custo total do setor, valor que
caiu para 9,6% em 2014. Mesmo assim, o total de pessoal ocupado praticamente
dobrou nesse período, revelando um processo de precarização intensa e mudanças
nas condições de trabalho para se ajustar a um novo cenário. Ao mesmo tempo, os
custos com combustível saltaram de 14,6% para 36,5% nesse período (GALVÃO ET
AL., 2017, p. 26-27). [Final de citação]
Página
117
Nos
últimos anos, estimulados pela política de valorização do salário mínimo e pelo
reajuste dos salários acima da inflação a partir das negociações coletivas,
houve uma recuperação dos salários em termos reais. No entanto, nada garante a
continuidade deste processo, pois (1) a crise econômica e a deterioração do
mercado de trabalho estão indicando uma queda da remuneração do trabalho; (2) a
política de valorização do salário não foi discutida na reforma, mas sua atual
fórmula está prevista para acabar formalmente em 2019; (3) as negociações
coletivas, no atual contexto econômico e político – combinado com o
enfraquecimento dos sindicatos provocado pela reforma trabalhista – terão maiores
dificuldades de conseguir assegurar o poder de compra dos salários.
A
redução de custo do trabalho tem como contra efeito piorar a condição de vida
dos assalariados em uma sociedade já marcada por grandes desigualdades e por
remuneração insuficiente para as pessoas poderem viver dignamente. A tendência
é ocorrer algo bastante similar às experiências internacionais, em que reformas
com conteúdos similares provocaram redução dos salários e precarização das
condições de trabalho.
A
forte dispersão salarial, é resultado também da ausência de regulação do
trabalho, como mostra a experiência histórica, em que a elevação da remuneração
foi resultado de uma ação coordenada dos atores sociais, junto com o Estado, e
não simplesmente como determinação do mercado autorregulado. Ou seja, mesmo
dentro de um setor de atividade econômica, tal como o metalúrgico, a
diferenciação de rendimento é muito acentuada no âmbito nacional, o que
evidencia a ausência de uma regulação pública no processo de conformação do
assalariamento brasileiro. Assim, a história mostra que o país não conseguiu
homogeneizar a remuneração do trabalho no território nacional, mesmo para
setores similares, o que nos leva a concluir que a existência de regras
(especialmente o salário mínimo) é muito básica e, ainda assim, insuficiente
para estruturar o mercado de trabalho (Baltar et al., 2017). A reforma tende a
contribuir para continuidade da heterogeneidade e segmentação, o que afeta a
possibilidade de construir uma nação com menor desigualdade social.
Ainda,
os salários variaram historicamente conforme os ciclos econômicos no país,
mostrando que apresentam flexibilidade. Por exemplo, em 2016, segundo o CAGED,
quando se comparam os salários médios dos admitidos e desligados no ano para um
conjunto de atividades econômicas, houve uma redução de 13% na remuneração
média do trabalhador contratado em relação ao desligado.
[Início de citação] Isso indica que, ou as
contratações estão ocorrendo em setores e ocupações que remuneram menos, ou os
efetivos estão sendo simplesmente substituídos por trabalhadores que recebem
salários menores para desempenhar as mesmas funções. [Continua]
Página
118
[Continuação de citação] A diferença pode alcançar até 35% nas
atividades financeiras e 20% na indústria de transformação. As menores
diferenças estão justamente naquelas ocupações em que a média salarial já está
bem próxima do salário mínimo, os serviços domésticos (GALVÃO ET AL., 2017, p.
26). [Final de citação]
Além
de objetivar reduzir os custos do trabalho, a reforma estimula a remuneração
variável, especialmente por meio da PLR e de pagamento de prêmios, com a
finalidade de vincular a remuneração às oscilações da atividade econômica e ao
desempenho dos trabalhadores e da empresa. É utilizada, ainda, para implementar
as políticas de recursos humanos das empresas na perspectiva de pressionar o
trabalhador a alcançar novas metas. É uma tendência que começou a ganhar
expressão desde a segunda metade dos anos 1990. Por exemplo, em uma amostra de
217 médias e grandes empresas, a remuneração variável compõe, para os
trabalhadores no chão de fábrica, em torno de 10% da remuneração anual
(PEROSSI, 2017). No caso dos bancários e metalúrgicas das montadoras, o bônus
recebido corresponde a 15% aproximadamente do total que o trabalhador ganha no
ano [nota 21]. Nos setores menos estruturados, como no caso dos comerciários, a
PLR tem menor centralidade, pois o seu valor é, em geral, baixo (KREIN &
TEIXEIRA, 2014).
A
PLR é considerada como um bônus e, portanto, o seu valor não é incorporado aos
salários. Logo, essa verba indenizatória não integra a parcela sobre a qual
incidem encargos e os direitos previdenciários e trabalhistas. Ou seja, a
remuneração variável fragiliza as fontes de financiamento da seguridade social
e de políticas sociais que são vinculadas à folha de pagamento. Além do que,
apresenta efeitos negativos sobre a saúde dos trabalhadores, dada a pressão por
resultados, e tende a gerar concorrência entre os trabalhadores e quebra de
solidariedade (KREIN, 2013). Do ponto de vista do trabalhador há incentivos,
pois sobre salário de até 6 mil reais não incide Imposto de Renda de Pessoa
Física. Não obstante, os estudos mostram que o seu valor varia ao longo do
tempo, de acordo com o desempenho da economia (da empresa em particular), o que
torna a perspectiva da remuneração do trabalhador ainda mais instável.
Adicionalmente
a reforma também incentiva a remuneração por bens e serviços. Por exemplo, Perossi (2017) mostra o crescimento do pagamento em
benefícios, entre os quais se destacam; auxílio alimentação e refeição, auxílio
transporte, plano médico odontológico. Em uma amostra de 217 médias e grandes
empresas, os benefícios significam quase 20% do total da remuneração de um
trabalhador no ano.
Página
119
São
formas de pagamento até legítimas e buscadas pelos trabalhadores, mas o seu
crescimento na participação do rendimento total anual do trabalhador pode
significar estratégias de substituição de salários por outras verbas
indenizatórias, que não apresentam incidência nos direitos trabalhistas (valor
das férias, descanso semanal remunerado, 13° salário, etc.) e nos encargos
sociais responsáveis por financiamento da previdência e outras políticas
sociais (educação e reforma agrária).
Em
síntese, o valor recebido em forma de salário, em 2016, pelos trabalhadores das
empresas investigadas, corresponde em média a 71% do total dos rendimentos. Por
isso, apesar de ser uma proposta que ganhou a adesão de parte importante dos
trabalhadores, ao possibilitar o aumento de “dinheiro no bolso” no curto prazo,
compromete a solidariedade, afeta negativamente a constituição de fundos
públicos e a possibilidade de distribuir de maneira um pouco menos desigual a
riqueza nacional gerada. Portanto, a reforma, ao estimular a remuneração
variável e o pagamento por bens e serviços, pode estar contribuindo para
desestruturar ainda mais as políticas de proteção social.
Em
síntese, os argumentos utilizados para justificar a reforma no item da
remuneração não se sustentam, pois (1) os salários são baixos no Brasil; (2) a
redução dos custos do trabalho não resolve o problema da competitividade e
indica a opção por uma inserção internacional em setores de baixa
produtividade, o que dificulta um desenvolvimento de uma economia mais complexa
e cria ocupações de baixos salários e qualidade; (3) a questão fica ainda mais
complicada, pois a reforma vem em um contexto de desestruturação do mercado de
trabalho, de fim da política de valorização do salário mínimo e de
enfraquecimento dos sindicatos; (4) a substituição do salário por outras verbas
indenizatórias compromete o acesso a diversos direitos e as fontes de
financiamento da seguridade; e 5) o avanço da remuneração variável traz consigo
seus efeitos perversos sobre a vida social e das condições de trabalho.
Considerações finais
É
preciso destacar que o padrão das relações de trabalho é resultado de uma
construção histórica. No caso brasileiro, apesar da extensa legislação, não é
possível afirmar que ele apresenta rigidez, pois as empresas têm liberdade de
despedir, o que se manifesta no alto fluxo de desligamentos e admissões anuais,
segundo a RAIS. É um mercado de trabalho altamente heterogêneo e com grande
desigualdade social, expressando a fluidez da regulação existente no país. No
mesmo sentido, as jornadas também apresentam variação e, no período recente,
foram introduzidas múltiplas formas de se organizar as escalas, adaptando-as
para cada segmento econômico (e até por empresa).
Página
120
Além
da prevalência de jornadas longas, apesar de sua pequena redução nos anos 2000,
há diversas formas de distribuição mais flexível do tempo de trabalho.
Em
outras palavras, os elementos centrais da relação de emprego apresentam uma
flexibilidade histórica, que está expressa em um mercado de trabalho pouco
estruturado. A reforma procura ampliar a liberdade das empresas manejar o
trabalho de acordo com as suas necessidades, fundamentalmente buscando eliminar
eventuais entraves ou obstáculos oriundos das instituições públicas. Assim, ela
tem a finalidade de “legalizar” práticas de flexibilização e de redução de
custos e ampliar ainda mais o cardápio de opções de manejo da força de
trabalho. Entre os inúmeros problemas deste processo, estão: (1) a noção de que
uma simples redução do custo do trabalho possa ser suficiente para aumentar a
competitividade da economia, que é muita mais complexa e deve ser vista como
sistêmica, na qual há inúmeros fatores que incidem sobre a capacidade de gerar
desenvolvimento; (2) a redução de custos de trabalho, além de não resolver o
problema econômico do país, traz imensas dificuldades para construir um país
com inclusão social e proporcionar a todos os membros da sociedade a
possibilidade de usufruir dos resultados do progresso técnico.
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Acesso em 02/02/2018.
Início das notas
de rodapé:
Nota
1, página 97: Pesquisadores e membros do GT Reforma Trabalhista do CESIT.
Nota
2, página 98: RAIS, vínculos ativos em 31/12.
Nota
3, página 100: Contrato por tempo
determinado, avulso e temporário.
Nota
4, página 100: Estatutário não efetivo e contratos especiais do setor público.
Nota
5, página 100: Até 0,5 salário mínimo, de 0,5 a 1 salário minimo
e de 1 a 1,5 salário mínimo.
Nota
6, página 101: Conferir a sua evolução e expressão no texto Dinâmica recente do
mercado de trabalho brasileiro, em Reforma Trabalhista - Textos para Discussão,
disponível em:
<http=//www.cesit.netbr/apresentacao-dos-textos-de-discussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-reforma-trabalhista-no-brasil/>.
Nota
7, página 102: É
importante ressaltar que os desligamentos são na maioria dos casos por
motivação patronal - caracterizadas por despedidas sem justa causa, com justa
causa e término de contrato. O curto tempo de duração desses vínculos não se
justifica pelo suposto interesse dos empregados no recebimento do Seguro Desemprego,
do FGTS e da multa fundiária. Ocorre que, desde 2015, o recebimento do seguro
desemprego requer 12 meses de vínculo (65% dos que são desempregados estão
aquém disso). Em relação ao FGTS, os valores regularmente depositados já são de
propriedade do empregado e não somam grande monta quando considerados os
períodos da taxa de rotatividade, o mesmo se aplicando quanto à multa de 40%,
que não é suficiente à sustentação do empregador - haja vista os períodos de
rotatividade que caracterizam o mercado de trabalho brasileiro.
Nota
8, página 103: A uberização é aqui compreendida como
ocupações estabelecidas a partir de plataformas digitais que tentam escapar de
uma relação de emprego, o que também é uma nova expressão de uma relação de
emprego disfarçada ou encoberta.
Nota
9, página 104: A pejotização já é um fenômeno mundial
reconhecido e emblemático da precarização/flexibilização do trabalho e com
vários estudos, tanto no setor público quanto privado (CARVALHO, 2010; CASTRO,
2013; MICK ET AL., 2012; SILVA 2014).
Nota
10, página 105: O MEI é destinado ao micro-empreendedor
que aufira renda anual de até 60 mil reais e tenha não mais do que um
empregado. O MEI emite nota fiscal, tem CNPJ, tendo baixo custo mensal em
tributos (INSS, ISS ou ICMS), definidos em valores fixos. O cadastrado tem
acesso a direitos e benefícios previdenciários tais como aposentadoria,
auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte.
Nota
11, página 105: O tema também se encontra desenvolvido nos Textos para
Discussão, do CESIT, disponível em: <http://
www.cesit.netbr/apresentacao-dos-textos-de-discussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-teforma-trabalhista-no-brasil/>.
Nota
12, página 108: CESIT. Textos para Discussões, disponível em:
<http://www.cesit.net.br/apresentacao-dos-textos-de-dis-cussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-reforma-trabalhista-no-brasil>.
Nota
13, página 108: Druck (2016) identifica quatro
elementos que caracterizam a "precarização social do trabalhador": i)
uso da terceirização como instrumento de dominação do trabalho pelo capital; ii) seu uso é generalizado (ainda que hierarquizado); iii) atinge todas as dimensões da vida social; e, iv) expressa-se em todos os campos das relações de
trabalho. De igual modo, apresenta seis indicadores/dimensões dessa
precarização: i) mercantilização da força de trabalho, ii)
padrões de gestão e organização do trabalho, iii)
condições de "(in)segurança e saúde no
trabalho", iv) identidade de classe, v)
expressão da representação sindical, e, vi) "crise" e ataque ao
direito do trabalho.
Nota
14, página 108: Teixeira e Andrade (2017), também apresentam a terceirização no
serviço público como forma de burla à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nota
15, página 110: Segundo a RAIS, 2013, há diferença média de 64% do salário de
um analista de desenvolvimento de sistemas terceirizado em comparação ao não
terceirizado na mesma área (TEIXEIRA & KREIN, 2016).
Nota
16, página 112: O presente estudo não considerou os aspectos relativos à intensificação
da jornada.
Nota
17, página 112: OCDE, FTPT employment based on a common defínition.
Nota
18, página 112: MTE, base estatística CAGED, disponível em
<http://bi.mte.gov.br/bgcaged/inicial.php>.
Nota
19, página 115: Os estudos mostram que há prejuízo na sociabilidade e na saúde
de quem trabalha à noite, levando uma parte dos trabalhadores a ficar exposta a
situações mais precárias de vida. Em geral, o movimento dos trabalhadores
defende a jornada francesa, em que os trabalhadores ficam no máximo 2 vezes na
semana no trabalho noturno (DIEESE, 2013).
Nota
20, página 115: O texto pode ser encontrado em
<https://coworkingbrasil.org/como-funciona-coworking/>.
Nota
21, página 118: Outro exemplo: entre 2004 e 2013 o setor farmacêutico acumulou
ganhos de 145,1% nas empresas maiores e de 76,6% nas menores, no valor pago em
forma de PLR.
Final das notas
de rodapé.