Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Paulo Henrique.

Natal, julho de 2020.

 

KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, A. L. Dos. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para trabalhadores. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, A. L. Dos. Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas, São Paulo: Editora Curt Nimuendajú, 2018. cap. 3. p. 95-122.

 

[Todas a notas de rodapé encontram-se presentes no final do texto]

 

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Capítulo 3

Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para trabalhadores

 

Página 96

Página em branco

 

Página 97

Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores

 

José Dari Krein

Ludmila Abílio

Paula Freitas

Pietro Borsari

Reginaldo Cruz [nota 1]

 

Introdução

O presente texto tem o propósito de fazer um diagnóstico de como os principais elementos da relação de emprego - modalidades de contratação, jornada de trabalho e remuneração - se expressam para além do marco legal que lhes serve de referência e qual a sua evolução nos últimos anos no Brasil. Ocorre que o mundo do trabalho passa por profundas modificações, que poderiam reduzir as desigualdades, promover a vida digna, melhorar as condições de trabalho, ampliar a proteção social e repartir melhor os ganhos de produtividade em contexto de grande inovação tecnológica e economizadora de horas de trabalho. Porém, a reforma 2017 - inserida em um contexto mundial de ataque aos direitos dos trabalhadores - amplia a liberdade das empresas no manejo do trabalho de acordo com os seus interesses, de modo que as alterações buscam reduzir o custo das empresas e ampliar a sua liberdade em determinar as condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho. E, ainda, reduzem a proteção social aos assalariados como estratégia de redefinição do papel do Estado e de estímulo aos indivíduos a se sujeitarem às necessidades do capital.

A agenda da reforma teve início nos anos 1990, com a introdução de novos mecanismos no arcabouço legal institucional, que se seguiu, nos anos 2000, com expressões mais pontuais na regulação dos principais elementos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição Federal de 1988 (CE/88), sem implicar na sua desconstrução.

 

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No primeiro momento, ocorreu um processo de aprofundamento da flexibilidade do mercado de trabalho, sendo este já marcadamente flexível, como pode ser observado, por exemplo, por sua alta rotatividade, sua variação dos rendimentos do trabalho conforme os ciclos econômicos, sua ilegalidade e informalidade. Na década seguinte, a dinâmica se inverteu com o avanço da formalização, da queda do desemprego e melhora do rendimento dos trabalhadores, especialmente dos que se encontravam na base da pirâmide social, através da política de valorização do salário mínimo Mas as melhoras não foram suficientes para alterar a estrutura do mercado de trabalho brasileiro, marcado por baixos salários, alta desigualdade, forte heterogeneidade e expressiva informalidade; apesar das melhoras, o avanço da flexibilização do trabalho se manteve.

Na sequência, este texto está dividido em três partes. Na primeira, discute-se a evolução das modalidades de contratação previstas na CLT a partir dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), realizando uma comparação entre os contratos por prazo indeterminado e determinado, corroborando a tese de que a flexibilidade na despedida é uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro. A análise é complementada com a evolução da terceirização e de outras formas de relação de emprego disfarçada, tais como, a pejotização e, mais recentemente, a "uberização". Na segunda parte são tratadas as tendências sobre a evolução da extensão e distribuição da jornada de trabalho na perspectiva do processo de flexibilização do tempo de trabalho e seus impactos sobre o trabalhador. Na última parte, analisa-se, por um lado, a composição da remuneração do trabalho, comparando o salário, os benefícios (salário indireto) e a remuneração variável; e, por outro, a política de valorização do salário mínimo e seus efeitos sobre o mundo do trabalho e a proteção social.

 

1.         Modalidades de contratação: flexibilidade da contratação não implica geração de emprego

O mercado de trabalho formal brasileiro tem, como vínculos de emprego predominantes, o contrato por tempo indeterminado e o estatutário efetivo. Em 2016 [nota 2], o primeiro representava 79,3% dos vínculos (36,2 milhões) e o segundo 16,72% (7,6 milhões), totalizando 96% dos vínculos naquele ano. Entre 2014 e 2016 houve uma queda muito expressiva de empregos formais (-2,95 milhões), sugerindo que o mercado de trabalho está muito flexível e varia de acordo com o nível de atividade econômica. A queda foi geral, mas proporcionalmente mais expressiva nos contratos atípicos.

 

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Por exemplo, o servidor público demissível (estatutário não efetivo, na terminologia da RAIS) apresentou uma redução de 23%, e o temporário, de 18% no mesmo período.

Examinando-se os vínculos de emprego apresentados na RAIS, pode-se destacar que: (1) no período 2002-2014, o forte crescimento do emprego assalariado formal (contrato de trabalho típico), que passou de 21,7 mi para 39,1 mi de vínculos (80% de variação), significa que a elevada geração de empregos formais foi realizada tendo por base a legislação anterior à reforma trabalhista, ou seja, aquele quadro legal esteve associado a um desempenho mais positivo no mercado de trabalho. Na crise, as empresas realizaram muitas demissões, dada a possibilidade de romper o vínculo sem precisar de justificativa; (2) entre 2002 e 2016, a forma predominante de contratação foi através do contrato por prazo indeterminado, que ampliou a sua participação relativa no total dos empregos formais de 75,9% para 79,3%. Em suma, o que se constata é que o contrato por prazo indeterminado já é suficientemente flexível no Brasil, visto que as empresas têm liberdade de romper o vínculo, o que explica, em parte, a baixa expressão das formas atípicas de contratação.

 

TABELA 1. VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS ATIVOS EM 31/DEZ, POR TIPO DE VÍNCULO

Tipo de vínculo

empregatício

2002

2014

2016

Partic.

Partic.

Partic.

CLT

21.758.316

75,89%

39.186.985

79,48%

36.232.407

79,30%

Estatutário

5.263.383

18,36%

7.768.118

15,68%

7.641.533

16,72%

Estatutário não efetivo

1.099.116

3,83%

1.241.009

2,76%

949.913

2,08%

Temporário

114.092

0,40%

7L454

0,16%

58.022

0,13%

Avulso

183.737

0,64%

156.502

0,39%

109.409

0,24%

CLT  Determinado

195.044

0,68%

380.920

0,78%

348.201

0,76 %

Diretor

11.535

0,04%

18.496

0,05%

16.123

0,04%

Contrato esp. setor público

44.981

0,16%

386.736

0,70%

335.772

0,73%

Total

28.670.204

100,00%

49.210.220

100,00%

45.691.380

100,00%

Fonte: RAIS/MTE, exclusive contrato aprendiz. Elaboração própria.

 

Dentre as modalidades atípicas de contratação (temporário, avulso, estatutário não efetivo, por tempo determinado e contratos especiais no setor público) a mais representativa é a que se refere ao vínculo de estatutário não efetivo (950 mil vínculos em 2016). Em termos relativos, as formas atípicas que mais cresceram no período 2002-2016 foram as modalidades de contrato por tempo determinado (79%) e contratos especiais no setor público (646%, saltando de 45 mil para 335 mil contratos).

 

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No entanto, como exposto, são contratos com uma pequena incidência no Brasil, correspondendo a 4% do total dos empregados formais ao final de 2016.

A natureza pró-cíclica das modalidades de contratação atípica faz com que esses contratos oscilem acentuadamente de acordo com o nível de atividade econômica. Na crise, por exemplo, há uma queda mais acentuada dos contratos flexíveis. Como a reforma tem a finalidade de estimulá-los, serão analisadas suas características para evidenciar que a sua difusão pode significar uma piora nas condições de contratação para os trabalhadores em comparação ao contrato por prazo indeterminado.

 

1.1. Contratos atípicos: pouco tempo de permanência, menor rendimento do trabalho e maior presença de mulheres, jovens e pessoas com baixa escolaridade

Os contratos atípicos de trabalho constituem vínculos mais frágeis quando comparados com os contratos por tempo indeterminado. Essa característica pode ser observada, por exemplo, na comparação do tempo total de serviço até o seu encerramento, de acordo com cada tipo de vínculo. No ano de 2016 foram registrados pouco mais de 66 milhões de contratos de trabalho (ativos e inativos em 31/dez). Quando se comparam os vínculos do contrato por tempo indeterminado com seus atípicos correspondentes [nota 3] em relação ao tempo (de permanência) no emprego, constata-se que 21% dos primeiros estão na faixa de 0 a 5,9 meses, frente 70% dos atípicos. Na comparação entre os vínculos estatutário efetivo com seus atípicos correspondentes [nota 4], o resultado é uma diferença brutal, evidenciando a maior estabilidade do estatutário efetivo em detrimento da fluidez do vínculo de estatutário não efetivo. Com efeito, na faixa 60 meses ou mais,  localizam-se 72% dos vínculos estatutários efetivos e apenas 14% dos atípicos.

Em termos de rendimento do trabalho, tomando a RAIS 2015 como fonte, os dados mostram que os vínculos atípicos de emprego acompanham, em geral, as piores remunerações do trabalho quando comparado com os contratos típicos. Comparando-se o vínculo do contrato por tempo indeterminado com seus correspondentes atípicos, nota-se que nas faixas salariais inferiores [nota 5] a participação dos trabalhadores em vínculos atípicos é relativamente maior que aqueles contratados por tempo indeterminado.

 

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Somando-se as três primeiras faixas salariais, obtém-se que a distribuição é de 43% dos trabalhadores com contrato por tempo indeterminado e 50,8% daqueles com vínculos atípicos. Na mesma direção e mais acentuadamente, ao se comparar o vínculo estatutário efetivo com seus correspondentes atípicos, observa-se que nas faixas salariais inferiores a participação dos trabalhadores em vínculos atípicos é relativamente maior que aqueles contratados com contrato por tempo indeterminado. Somando-se as quatro primeiras faixas salariais, obtém-se que a distribuição é de 30,8% dos trabalhadores estatutários efetivos e 59,1% daqueles com vínculos atípicos nessas faixas.

No perfil dos contratados por modalidade atípica, destacam-se os mais jovens e os que têm menor escolaridade, em comparação ao perfil dos contratados por prazo indeterminado. Em relação ao sexo, nota-se que a presença das mulheres nos vínculos flexíveis do setor público é maior do que a dos homens - proporcionalmente (o dobro do percentual) e em valores absolutos. Saúde, educação e assistência social costumam ser setores com forte presença feminina, explicando assim, em grande parte, a informação supracitada. Em segundo lugar, observa-se que o trabalho com contrato por tempo indeterminado é 60% masculino. Em termos relativos, 86% dos vínculos formais masculinos são desse tipo, enquanto os femininos são 76%. Vale ressaltar que o vínculo “diretor” também apresenta uma marca masculina: 14.658 homens versus 5.257 mulheres.

Em síntese, a modalidade atípica é pouco expressiva no assalariado formal e apresenta uma situação de trabalho pior do que a dos trabalhadores contratados por tempo indeterminado. A reforma trabalhista, ao estimular a contratação atípica, pode contribuir para precarizar o mercado de trabalho, gerando ocupações mais inseguras e deixando os trabalhadores em uma condição de maior vulnerabilidade.

 

1.2. Rotatividade no mercado de trabalho brasileiro

A flexibilidade do mercado de trabalho pode ser observada por outros dois indicadores: 1) a taxa de informalidade [nota 6], que em muitos casos significa simplesmente uma ilegalidade, ao permitir que as empresas optem por deixar os trabalhadores sem carteira de trabalho durante um período de ajuste ou como estratégia de competitividade espúria no mercado de trabalho; e 2) a taxa de rotatividade, que tende a ser pró-cíclica, capta o fluxo entre os despedidos e os admitidos no mercado de trabalho.

 

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Aqui, a expressão e características da rotatividade estão baseadas em estudo realizado pelo DIEESE (2016).

Conforme dados apresentados pelo DIEESE, entre 2002 e 2013, cerca de 45% dos desligamentos [nota 7] aconteceram com menos de seis meses de contrato de trabalho e em cerca de 65% não atingiram um ano completo de contrato. É importante notar que o período referido corresponde ao de uma dinâmica positiva no mercado de trabalho, com expansão da oferta de vagas. Em 2014, a taxa de rotatividade alcançou 62,8%, sendo que, entre 2003 e 2007, a média registrada no segmento celetista foi de 54%. Ao longo de 2014 foram registrados 65,8 milhões de vínculos de trabalho celetistas e chegou-se ao final do ano com 40,6 milhões de postos de trabalhos formais ativos, sendo que no período foram registrados 25,3 milhões de desligamentos, conforme dados apurados pela RAIS.

No período de melhora dos indicadores do mercado de trabalho, existe um crescimento do número de trabalhadores que tomam a iniciativa de solicitar o desligamento. Em 2003, a taxa de rotatividade total era de 52,4% e, deste percentual, 11,5 pontos percentuais correspondiam a demissões por iniciativa do empregado. O pico de rotatividade foi registrado em 2011, com um índice de 64,5%, sendo que as demissões a pedido do empregado corresponderam a, aproximadamente, um terço deste total. Com o mercado de trabalho mais dinâmico e favorável, cresceu o número de trabalhadores que buscam uma melhor ocupação. No entanto, observando os dados historicamente, grande parte dos desligamentos é por iniciativa do empregador, sendo essa, fundamentalmente, uma estratégia de gestão da força de trabalho das empresas.

Pelo gráfico abaixo é possível perceber que a taxa caiu na atual crise, pois há mais despedidas e menos contratações, mostrando o seu caráter cíclico. A taxa global apresentou uma queda de 63% (2011 a 2013) para 52% em 2016, uma taxa muito alta. A taxa descontada (que exclui os desligamentos por falecimento, aposentadoria, transferência e iniciativa do empregado) caiu um pouco, mas continua sendo muito elevada. Ela permanece estável entre 2009 e 2014, em tomo de 43% e cai para 39% em 2016.

 

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Gráfico 1. Taxa de rotatividade (total e descontada) dos vínculos celetistas, 2009 - 2016

Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.

Nota: a taxa total leva em consideração tanto os pedidos de demissão por parte dos empregados quanto o desligamento por decisão unilateral do empregador A taxa descontada exclui os desligamentos por falecimento, aposentadoria, transferência e demissão a pedido do trabalhador.

[Descrição da imagem] Gráfico de barras verticais com as taxas de rotatividade descontadas e taxa de rotatividade totais respectivamente. No eixo horizontal os anos de 2009 a 2016. No eixo vertical as porcentagens de 0% a 70%, marcadas de 10 em 10%. Em 2009 42% e 58%; em 2010 43% e 61%; em 2011 43% e 63%; em 2012 42% e 63%; em 2013 43% e 63%; em 2014 43% e 62%; em 2015 42% e 58% e em 2016 39% e 52%. [Final da descrição]

 

A alta rotatividade da mão-de-obra é uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro e não pode ser explicada por situações conjunturais. De acordo com Moretto (2015), os trabalhadores mais atingidos pela rotatividade são os que possuem baixa escolaridade e que tem menos de um ano de permanência no emprego. Os setores da construção civil e do comércio são os que registraram maior taxa de rotatividade. A reforma trabalhista não traz perspectiva de resolver esse problema estrutural, mas tende a agravá-lo ao difundir formas de contratação atípicas, institucionalizar formas precárias de contratação baratear os custos da despedida com os “acordos" diretos e a não realização da homologação nos sindicatos.

Nos anos 2000 também ocorreram outras tendências de flexibilização nas formas de contratação da mão-de-obra, que estão sendo estimuladas na reforma trabalhista, dentre as quais se destacam: a) liberalização da terceirização; b) o autônomo permanente - que pode ser uma proxy da pejotização (processo de transformar o assalariado em PJ = pessoa jurídica), que se constitui como uma relação de emprego disfarçada; c) outras novidades da relação de emprego - para além das acima citadas - que foram se desenvolvendo, para as quais a reforma busca proporcionar algum respaldo jurídico, tais como o trabalho a domicílio e a “uberização". [nota 8]

 

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1.3. Pejotização

Pejotização, como o próprio termo revela, refere-se ao processo de mascaramento e eliminação legal de relações de emprego, consolidando-se pela transfarmação do empregado em um prestador de serviços legalizado como pessoa jurídica. Trata-se, portanto, de eliminar o vínculo de emprego para reconhecer e estabelecer relações de trabalho com o agora trabalhador autônomo, então desprovido de direitos, proteções e garantias associadas ao assalariamento.

O processo de pejotização [nota 9] envolve uma série de elementos associados às transformações do trabalho observadas nas últimas décadas, em uma perspectiva global; dentre eles: 1) as ameaças do desemprego e as consequentes pressões sobre o trabalhador, que minam as possibilidades de resistência; 2) a possibilidade de transferir para o trabalhador o próprio gerenciamento sobre seu trabalho, sem que isto signifique eliminar a relação de subordinação ou a perda de controle sobre o trabalho; 3) as pressões por desregulamentação da jornada de trabalho combinada com a crescente indistinção entre o que é e o que não é tempo de trabalho.

Dessa forma, a transformação do trabalhador em pessoa jurídica atende à um dos elementos centrais da flexibilização do trabalho para as empresas, ao mesmo tempo em que significa uma eliminação de direitos, proteções e garantias ao trabalhador. Além disso, se por um lado, a pejotização promove a perda de direitos, como horas extras remuneradas, intervalos e descanso remunerados, décimo terceiro salário, direitos e benefícios previdenciários; por outro, o não reconhecimento do vínculo empregatício e a transfiguração do trabalhador em uma empresa introduz a possibilidade de sua sobrevivência ser inteiramente atrelada às demandas do capital, em uma espécie de remuneração baseada no “salário por peça" (nos termos contemporâneos, “por metas" ou “por produto”), tomando, assim, a força de trabalho utilizável de acordo com as exatas necessidades do contratante no setor privado e também público. Em outras palavras, o trabalhador é obrigado a gerir a vida como um negócio, em que todas as energias estarão voltadas para tomar-se comerciável.

Para os trabalhadores de mais baixa qualificação e rendimento, surge, na década de 2000, um instrumento de formalização do trabalho que trouxe consigo uma exponencial forma de simular a relação de emprego, deixando os trabalhadores formais em situação de ainda mais elevada vulnerabilidade social.

 

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Implementado como meio de retirar da informalidade trabalhadores autônomos de baixo rendimento, a figura do Microempreendedor Individual (MEI [nota 10]) mostrou-se, ao mesmo tempo, um vetor eficaz da transfiguração de trabalhadores celetistas em microempreendedores individuais. De acordo com estudo do IPEA (OLIVEIRA, 2013), 49,7% dos MEIs são trabalhadores que foram demitidos ou desistiram de seus empregos em busca de oportunidades. O estudo também constatou que, quanto menor o tempo de emprego, maior a probabilidade de o empregado migrar para o empreendedorismo individual.

Analisando os dados da RAIS é possível apurar - ainda que de forma imprecisa - a dimensão da pejotização ao longo das décadas de 2000 e 2010 e sua acentuação com a implementação do MEI. A declaração anual feita por pessoa jurídica na “RAIS Negativa” significa que, naquele ano, o estabelecimento não fez uso de empregados ou esteve inativo (doravante “PJ zero”). Essa variável pode ser interpretada como um proxy da pejotização, descontando o caso em que o estabelecimento esteve inativo. Considerando-se, portanto, os índices de empresa “PJ zero" como índices de trabalhadores que se transfiguram em pessoa jurídica, constata-se que ao longo de todos os anos do período analisado mais da metade dos estabelecimentos eram de empresas de uma pessoa só. Em 2002, mais de 58% das empresas eram PJ zero; em uma curva descendente, verifica-se que em 2016 eram em tomo de 52%, deixando de crescer em razão da implementação e difusão do MEI.

A implementação da figura do MEI se deu em 2009 e seu crescimento é exponencial. Em dezembro de 2010, os cadastrados no MEI eram 760 mil, ao passo que em dezembro de 2017, saltou para 7,8 milhões. É razoável supor que, ao menos em parte, o fenômeno da pejotização passou a contar com o cadastro de MEI, na medida em que esse estatuto foi utilizado para disfarçar uma possível relação de emprego existente.

A inclusão da figura do autônomo exclusivo na reforma trabalhista pode ser compreendida como uma forma de estimular ainda mais o processo de pejotização descrito, especialmente por meio do MEI, como já apontado no texto de Galvão et al. (2017) no dossiê sobre reforma trabalhista. E, ainda,

 

[Início de citação] a regulação do trabalho autônomo, tal como se apresenta na reforma, gera uma contradição com o discurso do próprio governo sobre o imperativo da reforma da previdência, na medida em que a legalização irrestrita do trabalho autônomo obviamente acarretará queda na arrecadação das contribuições previdenciárias (GALVÃO ET AL., 2017, p. 39). [nota 11] [Final de citação]

 

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Gráfico 2. Total de "PJ zero”, estabelecimentos com um ou mais empregados (“outros”) e MEI, 2002 - 201

Fonte: RAIS/MTE e Portal do Empreendedor, disponível: "httpV/www.portaldoempreende-dor.gov.br>. Elaboração própria.

[Descrição da imagem] Gráfico de pontos traçados horizontais. pontos representam: PJ sem empregados, outros e MEI respectivamente. No eixo horizontal os anos de 2004 a 2017. No eixo vertical 0 a 9.000.000, com marcações de milhão em milhão. PJ sem empregados parte do 0 em 2009 e forma uma linha ascendente até 2017 com 7.800.000; Outros, parte de 2004 com menos de 3.000.000, atinge 3.000.000 em 2008, atinge 4.000.000 em 2014, mantém 4.000.000 em 2015, e tem uma queda para 3.921.448 em 2016. MEI, parte de 2004 com menos de 4.000.000, atinge 4.000.000 em 2006, mantém uma linha ascendente até 2009, oscila em 4.500.000 e 4.300.000 até 2014, mantém os 4.300.000 até 2015 e tem uma queda para 4.284.527 em 2016. [Final da descrição]

 

1.3.1 Uberização: tendências nas relações de trabalho em nível global

O reconhecimento da uberização como uma tendência nas relações de trabalho vem ganhando corpo em nível mundial (SLEE, 2017; SRNICEK, 2017; ABÍLIO, 2017; ABÍLIO E MACHADO, 2017). Apesar de ganhar visibilidade a partir da relação entre a empresa Uber e seus milhões de motoristas em todo mundo, a uberização resulta de processos em curso no mundo do trabalho há décadas, associados ao crescimento do desemprego, às iniciativas de empreendedorismo, às desregulamentações do trabalho e, também, às inovações tecnológicas.

A uberização apresenta uma nova forma de organização do trabalho, que possibilita eliminação de vínculos empregatícios e transforma o trabalhador em um “nanoempreendedor de si" (ABÍLIO, 2017), ao mesmo tempo em que o controle e a subordinação do trabalho são mantidos nas mãos da empresa. Trabalhadores tomam-se trabalhadores autônomos que oferecem seus serviços de acordo com as demandas do mercado.

 

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Simultaneamente, fazem o gerenciamento sobre o seu próprio tempo de trabalho, a intensidade e duração que dedicam à atividade. Ou seja, trata-se de uma forma de subordinação obscurecida, na qual o trabalhador parece ter total liberdade sobre seu trabalho. Trata-se de uma nova configuração, na qual as empresas aparecem como meras mediadoras entre a oferta de trabalho e a procura de serviços, ao mesmo tempo em que reorganizam ou até mesmo criam nichos nos mercados de trabalho e de bens de consumo ou serviços. Em uma perspectiva mais ampla, a uberização pode ser enquadrada como parte de um novo passo da flexibilização do trabalho, sendo vetor de informalização e de relação de assalariamento disfarçada.

Desde a perspectiva da empresa (ou plataforma), a uberização é viabilizada pelo desenvolvimento tecnológico e de plataformas digitais, as quais permitem combinar a mediação entre oferta e procura e um gerenciamento do trabalho eficaz e onipresente sobre o trabalhador. A produtividade do trabalhador é constantemente mapeada e seu desempenho medido pela empresa, que define unilateralmente os critérios de avaliação. Realiza-se uma espécie de terceirização sobre a execução deste gerenciamento para uma multidão de consumidores vigilantes (ABÍLIO, 2017; ABÍLIO & MACHADO, 2017; SLEE, 2017) que alimentam os dados sobre a produtividade e zelo dos motoristas. Tem-se, por um lado, uma multidão de trabalhadores disponíveis e, por outro, uma multidão de consumidores. A empresa realiza a mediação, define os ganhos dos motoristas, recebe porcentagem sobre seu trabalho, assim como detém os meios para que esse encontro aconteça.

Entretanto, é importante centrar menos a análise na questão do desenvolvimento tecnológico e mais nas condições de trabalho, que são estruturantes para que o processo de uberização se tome significativo nas relações de trabalho. No caso brasileiro é preciso atentar para elementos já destacados, como a alta taxa de informalidade e rotatividade. Ou seja, grande parte da população brasileira transita pelo mercado de trabalho de forma instável, precária, alternando e combinando diferentes ocupações, bicos e participação em empreendimentos familiares. O termo que melhor parece definir este movimento é o da viração (TELLES, 2006; ABÍLIO, 2014; 2017).

Por esta perspectiva. as plataformas digitais funcionam como uma espécie de catalisadoras desse autogerenciamento e tendem a aderir às formas precárias e pouco reguladas de trabalho. Não obstante, essa condição instável e precária pode se estender para segmentos da população de rendimento mais alto e maior qualificação, dado o contexto de alto desemprego e de flexibilização do trabalho.

 

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1.3.2. O contrato de trabalho intermitente: transformação em trabalhador just-in-time

A regulamentação do trabalho intermitente segue na esteira da conformação do trabalhador just-in-time. Ainda que a remuneração associada a direitos do trabalho seja embutida na determinação do valor hora de trabalho, o contrato intermitente coloca o trabalhador em uma condição de alta instabilidade, incerteza e insegurança sobre sua própria reprodução social. É possível que o trabalho intermitente resulte em formas pouco mapeáveis, mas eficazes de intensificação e extensão do tempo de trabalho e de rebaixamento do valor da força de trabalho (podendo ser remunerada abaixo do salário mínimo). No contexto da uberização do trabalho, associado aos altos índices de informalidade e a predominância dos empregos de baixa qualificação e rendimento, os trabalhadores intermitentes tendem a ser empurrados para um autogerenciamento e engajamento em diferentes ocupações e atividades, visando garantir uma segurança e previsibilidade dentro da precariedade.

O contrato zero hora na Inglaterra é um bom ponto de partida para se visualizar possíveis tendências para o mercado de trabalho brasileiro. Apesar de apresentar baixa participação no mercado de trabalho, esta forma de contrato vem crescendo exponencialmente, tornando-se tema de debate e interesse público. [nota 12]

 

1.4. Terceirização: estratégia empresarial de gestão da força de trabalho

A terceirização é mais uma expressão da estratégia de gestão da força de trabalho da empresa, pois a contratante continua tendo controle e influência na determinação do produto ou serviço sobre a contratada. Druck (2016) afirma que a terceirização e a precarização são indissociáveis, resultando na “precarização social do trabalhador”. [nota 13] Essa realidade se expande e, como alertam Teixeira e Krein (2015), avança por todos os segmentos econômicos, inclusive pelo setor público [nota 14], ainda que mais intensamente no setor de serviços.

 

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O Dieese (2014) mostra que, entre 1994 e 2014, o número de trabalhadores em atividades “terceirizáveis" saltou de 5,6% para 25% do total de empregos formais. Não resta dúvida que a terceirização é um fenômeno em expansão e cresce em todos os segmentos econômicos. Por exemplo, nos serviços de arquitetura e engenharia, o incremento no período analisado foi de 270%.

Analisando a atividade florestal, no setor de celulose e papel, Baltar e Biavaschi (2013), enumeram os elevados percentuais de terceirização por estado brasileiro, destacando o Pará, com 96%; os estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul com 90%; e a Bahia, com 89%. Quando a terceirização é observada por atividade, o menor percentual está na atividade administrativa (31%), seguida por viveiros (67%); as demais se encontram acima dos 85%, chegando a 89% nos transportes, 93% na manutenção e 94% no preparo do solo. No período de 1999-2010, a maior variação anual foi de 2004 para 2005, quando o total de terceirizados no setor passou de 38,4% para 42,5%.

Biavaschi e Teixeira (2015), indicam que, em 2014, os dados apresentados pela CNI apontam que 70% das empresas industriais de transformação - as extrativistas e as de construção - fazem uso da terceirização, sendo que 84% delas pretendem manter ou aumentar a participação desse mecanismo em suas contratações. As motivações para a terceirização são enumeradas pelas autoras como a "redução de custos, ganho de tempo e aumento da qualidade do serviço", ainda que apareçam custos maiores e qualidade menor entre as dificuldades enfrentadas. Teixeira e Andrade (2017) destacam que ampliar a terceirização para as atividades-fim das empresas se configura como instrumento de redução de custo, compartilhamento de riscos e aumento da flexibilidade organizacional das empresas. A reforma trabalhista estimula a terceirização ao (1) estabelecer maior distanciamento entre as responsabilidades legais do tomador do serviço e do contratante e (2) permitir que ocorra em qualquer nível de atividade. Com isso, a terceirização, dada a forma de organização das cadeias globais de produção, pode ganhar vestes de “quarteirização", "quinteirização" etc., e ainda manter a subordinação estrutural das empresas intermediárias que estarão sob o seu jugo.

A terceirização se expressa de forma muito distinta nos segmentos econômicos - desde os setores mais complexos articulados em cadeias globais de valor até a organização de serviços menores - mas toda a lógica resulta em transferir responsabilidades e reduzir custos. No setor público, apesar de nem sempre a redução de custos ser alcançada, a terceirização é parte integrante de um projeto que tem a finalidade de esvaziar o conteúdo social do Estado e fortalecer a lógica privada de gestão e prestação dos serviços essenciais para toda a sociedade (DRUCK, 2016).

 

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Como apontam Teixeira e Krein (2015), a pior condição do terceirizado ganha expressão concreta em diversas formas: i) rebaixamento da remuneração e das demais contraprestações pelo trabalho prestado, ainda que com observância da lei; ii) por contratações intermediadas que fogem ao padrão do contrato por tempo indeterminado; e, iii) pela utilização de relações informais e até ilícitas. O rebaixamento salarial pode ser observado na brutal diferença entre um trabalhador bancário e um terceirizado. Em 2014, o terceirizado recebeu somente 43% do bancário direto, o vale refeição correspondeu a 23% e o vale-alimentação estava ausente. A jornada mensal do terceirizado superou em 24 horas a do empregado direto e o valor recebido em forma de PLR foi, no mínimo, 16 vezes menor. É uma situação que, de alguma forma, se reproduz em outros setores [nota 15]. Na comparação entre os setores tipicamente terceirizáveis e o conjunto dos ocupados, o DIEESE identificou que os terceirizados receberam em torno de 25% menos que a média geral dos assalariados e trabalharam 3 horas a mais por semana em média, em 2015. Em síntese, a redução de custos por intermédio da terceirização é realizada com rebaixamento do padrão de remuneração e do número de direitos que deveriam compor o patrimônio jurídico do trabalhador.

Diferentemente daquilo que â proposto, a terceirização tem mascarado situações intensas de exploração, rompendo vínculos empregatícios diretos, ao mesmo tempo em que se apropria de trabalho com menor qualificação, em categorias mal organizadas coletivamente e mais vulneráveis. Com efeito, a terceirização também se materializa na reprodução da escravidão nas suas formas contemporâneas, como mostra Filgueiras (2014): grande parte dos trabalhadores resgatados em condição análoga de trabalho escravo era de empresas terceirizadas e muitos estavam com carteira de trabalho assinada. Diversas atividades estão na informalidade, sendo que no setor têxtil é possível mapear as redes de subcontratação que nos levam às corporações transnacionais. Como narram Teixeira e Krein (2016, p.158), na cadeia do vestuário, setor de confecção,

 

[Início de citação] normalmente uma grande varejista contrata pequenas oficinas que, por sua vez, contratam uma rede de fornecedores subcontratados, chegando até o trabalho em domicílio, que emprega no Brasil mais de 1,5 milhão de mulheres. Trata-se de um trabalho terceirizado que se esconde sob o manto da informalidade, essas trabalhadoras não têm acesso a nenhum direito, expostas a jornadas de 14-16 horas diárias, não contam com proteção social não estão representadas sindicalmente. [Final de citação]

 

 

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Na mesma perspectiva, outra possível expressão da terceirização é o home-office, cuja essência pode ser captada na colocação de Neves e Pedrosa (2007, p. 21): “o espaço do trabalho é o espaço da família, está disperso por toda a cidade, fora dos limites da empresa e dentro dos limites da casa". A terceirização se apropria dessa “confusão” dos tempos de vida e trabalho e faz uso dessa força de trabalho em home-office para reorganizar a produção. Esse mecanismo de descentralização da produção impacta na formação das cadeias globais de produção, de modo que parte da produção é deslocada para fora do espaço físico daquele que se beneficia do trabalho.

Em todas essas formas de terceirização a precariedade não é enfrentada pelos mecanismos institucionais. Há uma expectativa de que essa flexibilidade outorgue ao trabalhador maior autonomia quanto à organização da sua vida em geral. Como apresentaram Teixeira e Krein (2016), “essa forma de contratação cria uma ilusão entre os trabalhadores de maior autonomia no exercício da atividade laboral e maior controle sobre o seu tempo". Ao contrário disso, há pressão continuada do processo de trabalho sobre o trabalhador, por meio das metas a serem cumpridas. O ritmo da vida é ditado a partir da centralidade do trabalho e da intensidade da sua cobrança. O trabalho pouco qualificado e pulverizado em múltiplas unidades (por vezes pequenas oficinas) pressiona o trabalhador para se manter inserido no mercado e, até mesmo pela dificuldade de fiscalização dos órgãos competentes, fomenta-se o descumprimento dos direitos trabalhistas e outras relações como o trabalho por conta própria que, ausente do radar institucional, não é beneficiário da proteção social própria do trabalho formal.

 

2.         Tempo de trabalho: despadronização da Jornada

Nessa parte do texto, discutem-se as características da extensão, distribuição e concentração do tempo de trabalho, assim como os institutos voltados à ampliação do poder de gestão unilateral do empregador sobre o tempo de trabalho do trabalhador que, em conjunto, somatizam a despadronização da jornada e a desorganização da vida do trabalhador. Sucintamente, destaca-se o grande poder do empregador sobre os modos de dispor do tempo do trabalhador, em que se utilizam institutos de compensação de horas extraordinárias – que alteram a própria natureza destas – e outros modos de trabalho que fazem o tempo de trabalho avançar sobre o tempo de não-trabalho.

A jornada é definida por dois elementos principais: de um lado, o horário em que as horas de trabalho são praticadas, de outro, a quantidade de horas realizadas.

 

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Esses dois aspectos ainda podem ganhar dimensões distintas quanto à qualidade e intensidade [nota 16] com que o trabalho é realizado. Sobre o volume de horas trabalhadas, a jornada padrão brasileira está compreendida entre 40 a 44 horas, conforme as referências internacionais, o que ainda expressa a sua concentração. Para Dal Rosso (2017) - baseado nos censos brasileiros de 2000 e 2010 -, com respeito às horas habitualmente trabalhadas por semana na atividade principal (por pessoa com mais de 10 anos) é possível identificar o aumento do percentual de empregados com trabalho integral, com redução daqueles que trabalham com jornada acima das 44 horas. As jornadas habituais de 45 a 48 horas caíram de 17% para 12,7%, enquanto as jornadas de 49 horas ou mais caíram de 25% para 15,4% no período. Por conseguinte, aumentou o percentual de trabalhadores com jornadas até 39 horas, com destaque para quem trabalha até 19 horas, cuja expressão foi de 4,7% para 9,6%, implicando em redução da participação de trabalhadores nas demais faixas.

A diminuição das jornadas habituais que excedem 44 horas de trabalho não reflete uma mudança estrutural no mercado de trabalho; expressa, antes, uma melhoria conjuntural do mercado em um período economicamente favorável ao trabalho regulado. Por outro lado, o aumento dos trabalhadores com jornadas até 19 horas merece destaque na análise, pois expressam “um tipo de trabalho temporário reduzidíssimo, durante o qual dificilmente se pode retirar um sustento adequado para a vida" (DAL ROSSO, 2017, p. 177). A reforma trabalhista passa a fomentar esse modo de contratação quando institui, por exemplo, o trabalho intermitente.

Ainda que haja no Brasil previsão legal para a contratação fracionada do tempo de trabalho (acompanhada da remuneração fracionada), o que se verifica é que ainda há preferência pela contratação de altas jornadas por trabalhador. Os dados da OCDE referente ao período de 2001 a 2015, sobre trabalho full-time e part-time, mostram que a tendência à jornada part-time variou no período entre 16% e 19,2%, ficando na marca dos 17,9% em 2015, enquanto a contratação full-time se manteve acima dos 80%. [nota 17] Resultados semelhantes são encontrados no CAGED [nota 18], inclusive quando observados os dados que seguiram à reforma trabalhista. Considerando os vínculos formais ativos em 31/12/17, 82% das contratações se encontravam na faixa de 41 a 44 horas, sendo que, destes, 43% ainda estava nos primeiros 30 dias de trabalho, 60,5% recebendo entre 1,01 e 1,5 salário mínimo (e 85% ganhava até 2,0 salários). Também é na faixa “hora de contratação mais alta” que se encontra 87,2% da força de trabalho masculina e 74,7% da força de trabalho feminina.

 

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Segundo análise de dados da PNAD contínua apresentada em Galvão et al. (2017), 20,7% dos trabalhadores brasileiros concentra-se nas faixas de 45 a 48 horas e superior a 49 horas, sobretudo quando somadas as horas de trabalho em todas as atividades de pessoas com mais de 14 anos. Para ilustrar, há forte concentração de jornada nas atividades de transportes e outros serviços coletivos, sociais e de pessoais - acima dos 30% com tempo de trabalho semanal superior às 45 horas (GALVÃO ET AL., 2017).

Nesse cenário, verifica-se que o baixo padrão remuneratório e a elevada rotatividade são características estruturais do mercado de trabalho brasileiro e continuam promovendo a concentração do volume de trabalho. Não há, por parte do empregador, interesse em fracionar a contratação das horas de trabalho por mais trabalhadores, mesmo com o estímulo institucional do fracionamento da remuneração. Em grande parte, o movimento de flexibilização e a contínua ampliação do poder de gestão do empregador são elementos que motivam a concentração da jornada de trabalho em mais horas por menos trabalhadores, com ampla disponibilidade da força de trabalho para atender aos interesses do empregador, por meio de variados modos de distribuição do tempo de trabalho. A ampliação do poder de disposição do empregador sobre o tempo de trabalho do trabalhador pode ser concretamente observada ao se examinar os mecanismos que conformam a jornada de trabalho, como as horas extraordinárias, o banco de horas, o trabalho aos sábados, domingos e feriados, os turnos ininterruptos de revezamento e, numa dimensão mais ampliada, os tempos de férias.

Em relação às horas extraordinárias, a dinâmica do mercado de trabalho, a flexibilização e a reforma trabalhista têm alterado a sua natureza por sua banalização. As jornadas normais podem ser acrescidas de até 2 horas diárias, o que impacta em até 12 horas semanais, muitas vezes sem o pagamento do adicional remuneratório que lhe é correspondente e, mesmo quando negociado coletivamente, vem sofrendo reduções, como ocorreu com os comerciários de São Paulo (KREIN & TEIXEIRA, 2014). As jornadas que avançam para além das 45 horas ainda estão sujeitas a uma ampla gama de opções de compensação de horas, que visam burlar a remuneração adicional; as jornadas são correntemente prolongadas, muitas vezes sem aviso prévio ou negociação sindical que autorize e, ainda assim, não são percebidas como horas extraordinárias.

Com a reforma trabalhista, o banco de horas, que é um dos mecanismos de compensação que levam à desnaturação das horas extraordinárias, teve sua utilização intensificada como instrumento de gestão unilateral do tempo de trabalho. A reforma passou a prever novos prazos para compensação com dispensa da negociação coletiva.

 

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Se a compensação ocorrer em até seis meses, é necessário acordo individual escrito; se ocorrer no mesmo mês, basta o “acordo tácito", aquele cujo aceite é dado com a realização do sobre labor (CLT, art. 59, §5). Nos instrumentos coletivos registrados no SACC-DIEESE, no período de 2000 a 2010, notam-se que: i) a sua quase totalidade autoriza a prática do banco de horas, sem criar os parâmetros para isso, ou transfere para negociação própria (perda de força da categoria); ii) em média, menos de 30% desses instrumentos negociaram prazo menor para compensação, sendo que 48% destes não previam qualquer penalidade para o seu descumprimento; iii) em média, 20% previu algum adicional de folga pela realização do banco de horas (OLIVEIRA & ALMEIDA, 2015). Ou seja, uma vez autorizado o banco de horas, cabe ao empregador dizer como ele vai ser estabelecido, sem que seja concedido um adicional de folga pela hora de trabalho prorrogada.

A oposição dos trabalhadores aparece como uma realidade nas grandes e médias empresas. Com efeito,

 

[Início de citação] nos acordos analisados percebem-se diferenciações em relação a critérios para a adoção do banco de horas, que significam condições mais flexíveis ou não para as empresas. Em geral tendem a prevalecer poucos limites para as empresas organizarem a modulação da jornada de acordo com suas necessidades. Em muitos acordos os critérios são muito fluidos, deixando grande liberdade para a empresa determinar a forma de utilização do banco de horas (KREIN & TEIXEIRA, 2014, p. 231). [Final de citação]

 

Nas pequenas empresas, a interpretação judicial predominante permite uma compensação individual. Não há dados para avaliar a sua extensão, mas tudo indica que seja uma prática recorrente, pois as relações são mais individualizadas e não passam pela negociação coletiva.

O trabalho aos sábados, domingos e feriados foi tolerado inicialmente para as atividades cuja natureza demandava sua continuidade, mas também adquire uma nova roupagem e tem seus efeitos precários potencializados quando seu uso é combinado com as horas extraordinárias e com o banco de horas. Nas atividades contínuas - algumas indústrias, serviços de segurança e vigilância -, esse trabalho foi acompanhado das jornadas de turnos ininterruptos de revezamento, limitada constitucionalmente a 6 horas diárias. Porém, na dinâmica das relações de trabalho tem ocorrido uma versão de alongamento da jornada, passando a 8 horas diárias na grande maioria das indústrias de processo contínuo, como mostra estudo do Dieese (2013). De 36h36min semanais, a jornada passou para 42h00 em muitas indústrias de processo contínuo, via negociações coletivas, como por exemplo, no setor siderúrgico.

 

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O turno ininterrupto de revezamento perde a sua natureza e passa a ser jornada normal de trabalho com alternância de horário [nota 19], além de se fazer diversas “montagens" nas escalas, adaptadas por setor de atividade econômica, tais como 12 por 12,12 por 36, 5 por 1, 8 por 2 etc., que ampliam a liberdade da empresa organizar a jornada de acordo com as suas necessidades Gibb (2017).

Por fim, o trabalho em home-office ou em teletrabalho apresenta duas dimensões. Por um lado, são assalariados, especialmente do setor administrativo, que cumprem parte de sua jornada em casa. São trabalhos marcadamente femininos que reforçam a divisão sexual do trabalho, aproximando os trabalhos em domicílio das atividades profissionais. De outro lado, os assalariados que se tornam PJ, são acompanhados do surgimento do coworking, que são centros fornecedores de espaços e estrutura de trabalho que podem ser alugados por um determinado período. O site Coworking Brasil apresenta esses espaços como “a revolução que está alterando para sempre a forma que trabalhadores com relação de emprego disfarçada, profissionais freelancers e autônomos se relacionam entre si, com seus fornecedores e clientes”. [nota 20] Breila Zanon (2018) analisa o coworking a partir de duas possibilidades distintas; (1) como uma dinâmica decorrente da necessidade dos próprios trabalhadores, ao criar alternativas diante das incertezas do mercado de trabalho e (2) como espaços interessantes às grandes empresas, que pode representar uma nova forma de precarização disfarçada em um novo perfil de trabalhador transformado em empreendedor. Quando esses espaços colaborativos se tornam opressores pela competitividade do mercado sobre o sujeito e da ausência de vínculos duradouros, seus efeitos alcançam a saúde emocional e psíquica dos trabalhadores - é o estar sozinho em meio a muitas pessoas.

 

3.         Remuneração variável e rebaixamento dos salários

O mercado de trabalho brasileiro é historicamente caracterizado por baixos salários. Os salários no Brasil são muito desiguais e grande parte dos ocupados recebe baixos rendimentos do trabalho (72,5% recebem menos que a média, que é de aproximadamente R$ 2.200,00 em 2017). Em comparação internacional, a hora em dólar é muito mais baixa. No setor industrial, por exemplo, a hora de trabalho na indústria no Brasil é U$ 11,20, a dos Estados Unidos é U$ 35,67, da Alemanha U$ 45,79, da Argentina U$ 18,87 (Bureau Labor Statistics, EUA, 2012). O valor da hora está acima de países como México, que enfrenta um claro processo de desintegração social.

 

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Ou seja, o custo total do trabalho no setor industrial é relativamente baixo em relação a outros países e o valor do salário é um importante componente para determinar a qualidade de vida dos assalariados. Portanto, não há razão para justificar uma reforma que rebaixe ainda mais o preço da força de trabalho, em um país que já apresenta salários insuficientes para a reprodução de grande parte das famílias de forma digna.

A questão da produtividade é influenciada por muitos fatores, tais como a infraestrutura física, o preço da moeda (câmbio), a política econômica, a qualificação da força de trabalho, o desenvolvimento tecnológico etc. O valor salário é cada vez menos importante para os setores com alto conteúdo tecnológico e baixa produtividade. Nos setores econômicos mais complexos, o peso dos salários no produto final é pouco expressivo, tanto que a Alemanha tem um dos salário-hora mais elevados do mundo e apresenta grande competitividade em diversos segmentos industriais.

Nem mesmo a alegada diferença entre o crescimento da produtividade e dos salários nos anos recentes é uma justificativa que sustentaria a mudança de regras responsáveis pela definição da remuneração do trabalho:

 

[Início de citação] Quanto ao descompasso entre salários e produtividade, os dados das contas nacionais publicados pelo IBGE indicam que a maior discrepância ocorreu na indústria de transformação. Enquanto os salários, entre 2009 e 2014, expandiram-se 9,3% ao ano, a produtividade média deste mesmo trabalhador cresceu em torno de 4,7% ao ano. Entretanto, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o economista Thiago Moreira decompõe o valor total da produção chegando ao seguinte resultado: os salários respondem apenas por 25% do incremento dos custos e 75% se refere ao consumo intermediário. Portanto, o encolhimento nas margens de lucro foi motivado principalmente pelo consumo intermediário e não pela expansão dos custos salariais. As pressões por competitividade indicam que as empresas vêm reduzindo os custos do trabalho de forma sistemática como forma de administrar outros custos, como insumos e matérias primas, além dos custos financeiros. São despesas sobre as quais as empresas integradas em cadeias globais não têm nenhuma governabilidade. O setor aéreo é um bom exemplo disso em 1992 os encargos com pessoal representavam 28,6% do custo total do setor, valor que caiu para 9,6% em 2014. Mesmo assim, o total de pessoal ocupado praticamente dobrou nesse período, revelando um processo de precarização intensa e mudanças nas condições de trabalho para se ajustar a um novo cenário. Ao mesmo tempo, os custos com combustível saltaram de 14,6% para 36,5% nesse período (GALVÃO ET AL., 2017, p. 26-27). [Final de citação]

 

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Nos últimos anos, estimulados pela política de valorização do salário mínimo e pelo reajuste dos salários acima da inflação a partir das negociações coletivas, houve uma recuperação dos salários em termos reais. No entanto, nada garante a continuidade deste processo, pois (1) a crise econômica e a deterioração do mercado de trabalho estão indicando uma queda da remuneração do trabalho; (2) a política de valorização do salário não foi discutida na reforma, mas sua atual fórmula está prevista para acabar formalmente em 2019; (3) as negociações coletivas, no atual contexto econômico e político – combinado com o enfraquecimento dos sindicatos provocado pela reforma trabalhista – terão maiores dificuldades de conseguir assegurar o poder de compra dos salários.

A redução de custo do trabalho tem como contra efeito piorar a condição de vida dos assalariados em uma sociedade já marcada por grandes desigualdades e por remuneração insuficiente para as pessoas poderem viver dignamente. A tendência é ocorrer algo bastante similar às experiências internacionais, em que reformas com conteúdos similares provocaram redução dos salários e precarização das condições de trabalho.

A forte dispersão salarial, é resultado também da ausência de regulação do trabalho, como mostra a experiência histórica, em que a elevação da remuneração foi resultado de uma ação coordenada dos atores sociais, junto com o Estado, e não simplesmente como determinação do mercado autorregulado. Ou seja, mesmo dentro de um setor de atividade econômica, tal como o metalúrgico, a diferenciação de rendimento é muito acentuada no âmbito nacional, o que evidencia a ausência de uma regulação pública no processo de conformação do assalariamento brasileiro. Assim, a história mostra que o país não conseguiu homogeneizar a remuneração do trabalho no território nacional, mesmo para setores similares, o que nos leva a concluir que a existência de regras (especialmente o salário mínimo) é muito básica e, ainda assim, insuficiente para estruturar o mercado de trabalho (Baltar et al., 2017). A reforma tende a contribuir para continuidade da heterogeneidade e segmentação, o que afeta a possibilidade de construir uma nação com menor desigualdade social.

Ainda, os salários variaram historicamente conforme os ciclos econômicos no país, mostrando que apresentam flexibilidade. Por exemplo, em 2016, segundo o CAGED, quando se comparam os salários médios dos admitidos e desligados no ano para um conjunto de atividades econômicas, houve uma redução de 13% na remuneração média do trabalhador contratado em relação ao desligado.

 

[Início de citação] Isso indica que, ou as contratações estão ocorrendo em setores e ocupações que remuneram menos, ou os efetivos estão sendo simplesmente substituídos por trabalhadores que recebem salários menores para desempenhar as mesmas funções. [Continua]

 

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[Continuação de citação] A diferença pode alcançar até 35% nas atividades financeiras e 20% na indústria de transformação. As menores diferenças estão justamente naquelas ocupações em que a média salarial já está bem próxima do salário mínimo, os serviços domésticos (GALVÃO ET AL., 2017, p. 26). [Final de citação]

 

Além de objetivar reduzir os custos do trabalho, a reforma estimula a remuneração variável, especialmente por meio da PLR e de pagamento de prêmios, com a finalidade de vincular a remuneração às oscilações da atividade econômica e ao desempenho dos trabalhadores e da empresa. É utilizada, ainda, para implementar as políticas de recursos humanos das empresas na perspectiva de pressionar o trabalhador a alcançar novas metas. É uma tendência que começou a ganhar expressão desde a segunda metade dos anos 1990. Por exemplo, em uma amostra de 217 médias e grandes empresas, a remuneração variável compõe, para os trabalhadores no chão de fábrica, em torno de 10% da remuneração anual (PEROSSI, 2017). No caso dos bancários e metalúrgicas das montadoras, o bônus recebido corresponde a 15% aproximadamente do total que o trabalhador ganha no ano [nota 21]. Nos setores menos estruturados, como no caso dos comerciários, a PLR tem menor centralidade, pois o seu valor é, em geral, baixo (KREIN & TEIXEIRA, 2014).

A PLR é considerada como um bônus e, portanto, o seu valor não é incorporado aos salários. Logo, essa verba indenizatória não integra a parcela sobre a qual incidem encargos e os direitos previdenciários e trabalhistas. Ou seja, a remuneração variável fragiliza as fontes de financiamento da seguridade social e de políticas sociais que são vinculadas à folha de pagamento. Além do que, apresenta efeitos negativos sobre a saúde dos trabalhadores, dada a pressão por resultados, e tende a gerar concorrência entre os trabalhadores e quebra de solidariedade (KREIN, 2013). Do ponto de vista do trabalhador há incentivos, pois sobre salário de até 6 mil reais não incide Imposto de Renda de Pessoa Física. Não obstante, os estudos mostram que o seu valor varia ao longo do tempo, de acordo com o desempenho da economia (da empresa em particular), o que torna a perspectiva da remuneração do trabalhador ainda mais instável.     

Adicionalmente a reforma também incentiva a remuneração por bens e serviços. Por exemplo, Perossi (2017) mostra o crescimento do pagamento em benefícios, entre os quais se destacam; auxílio alimentação e refeição, auxílio transporte, plano médico odontológico. Em uma amostra de 217 médias e grandes empresas, os benefícios significam quase 20% do total da remuneração de um trabalhador no ano.

 

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São formas de pagamento até legítimas e buscadas pelos trabalhadores, mas o seu crescimento na participação do rendimento total anual do trabalhador pode significar estratégias de substituição de salários por outras verbas indenizatórias, que não apresentam incidência nos direitos trabalhistas (valor das férias, descanso semanal remunerado, 13° salário, etc.) e nos encargos sociais responsáveis por financiamento da previdência e outras políticas sociais (educação e reforma agrária).

Em síntese, o valor recebido em forma de salário, em 2016, pelos trabalhadores das empresas investigadas, corresponde em média a 71% do total dos rendimentos. Por isso, apesar de ser uma proposta que ganhou a adesão de parte importante dos trabalhadores, ao possibilitar o aumento de “dinheiro no bolso” no curto prazo, compromete a solidariedade, afeta negativamente a constituição de fundos públicos e a possibilidade de distribuir de maneira um pouco menos desigual a riqueza nacional gerada. Portanto, a reforma, ao estimular a remuneração variável e o pagamento por bens e serviços, pode estar contribuindo para desestruturar ainda mais as políticas de proteção social.

Em síntese, os argumentos utilizados para justificar a reforma no item da remuneração não se sustentam, pois (1) os salários são baixos no Brasil; (2) a redução dos custos do trabalho não resolve o problema da competitividade e indica a opção por uma inserção internacional em setores de baixa produtividade, o que dificulta um desenvolvimento de uma economia mais complexa e cria ocupações de baixos salários e qualidade; (3) a questão fica ainda mais complicada, pois a reforma vem em um contexto de desestruturação do mercado de trabalho, de fim da política de valorização do salário mínimo e de enfraquecimento dos sindicatos; (4) a substituição do salário por outras verbas indenizatórias compromete o acesso a diversos direitos e as fontes de financiamento da seguridade; e 5) o avanço da remuneração variável traz consigo seus efeitos perversos sobre a vida social e das condições de trabalho.

 

Considerações finais

É preciso destacar que o padrão das relações de trabalho é resultado de uma construção histórica. No caso brasileiro, apesar da extensa legislação, não é possível afirmar que ele apresenta rigidez, pois as empresas têm liberdade de despedir, o que se manifesta no alto fluxo de desligamentos e admissões anuais, segundo a RAIS. É um mercado de trabalho altamente heterogêneo e com grande desigualdade social, expressando a fluidez da regulação existente no país. No mesmo sentido, as jornadas também apresentam variação e, no período recente, foram introduzidas múltiplas formas de se organizar as escalas, adaptando-as para cada segmento econômico (e até por empresa).

 

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Além da prevalência de jornadas longas, apesar de sua pequena redução nos anos 2000, há diversas formas de distribuição mais flexível do tempo de trabalho.

Em outras palavras, os elementos centrais da relação de emprego apresentam uma flexibilidade histórica, que está expressa em um mercado de trabalho pouco estruturado. A reforma procura ampliar a liberdade das empresas manejar o trabalho de acordo com as suas necessidades, fundamentalmente buscando eliminar eventuais entraves ou obstáculos oriundos das instituições públicas. Assim, ela tem a finalidade de “legalizar” práticas de flexibilização e de redução de custos e ampliar ainda mais o cardápio de opções de manejo da força de trabalho. Entre os inúmeros problemas deste processo, estão: (1) a noção de que uma simples redução do custo do trabalho possa ser suficiente para aumentar a competitividade da economia, que é muita mais complexa e deve ser vista como sistêmica, na qual há inúmeros fatores que incidem sobre a capacidade de gerar desenvolvimento; (2) a redução de custos de trabalho, além de não resolver o problema econômico do país, traz imensas dificuldades para construir um país com inclusão social e proporcionar a todos os membros da sociedade a possibilidade de usufruir dos resultados do progresso técnico.

 

 

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Página 122

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Início das notas de rodapé:

Nota 1, página 97: Pesquisadores e membros do GT Reforma Trabalhista do CESIT.

Nota 2, página 98: RAIS, vínculos ativos em 31/12.

Nota 3, página 100: Contrato por tempo determinado, avulso e temporário.

Nota 4, página 100: Estatutário não efetivo e contratos especiais do setor público.

Nota 5, página 100: Até 0,5 salário mínimo, de 0,5 a 1 salário minimo e de 1 a 1,5 salário mínimo.

Nota 6, página 101: Conferir a sua evolução e expressão no texto Dinâmica recente do mercado de trabalho brasileiro, em Reforma Trabalhista - Textos para Discussão, disponível em: <http=//www.cesit.netbr/apresentacao-dos-textos-de-discussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-reforma-trabalhista-no-brasil/>.

Nota 7, página 102: É importante ressaltar que os desligamentos são na maioria dos casos por motivação patronal - caracterizadas por despedidas sem justa causa, com justa causa e término de contrato. O curto tempo de duração desses vínculos não se justifica pelo suposto interesse dos empregados no recebimento do Seguro Desemprego, do FGTS e da multa fundiária. Ocorre que, desde 2015, o recebimento do seguro desemprego requer 12 meses de vínculo (65% dos que são desempregados estão aquém disso). Em relação ao FGTS, os valores regularmente depositados já são de propriedade do empregado e não somam grande monta quando considerados os períodos da taxa de rotatividade, o mesmo se aplicando quanto à multa de 40%, que não é suficiente à sustentação do empregador - haja vista os períodos de rotatividade que caracterizam o mercado de trabalho brasileiro.

Nota 8, página 103: A uberização é aqui compreendida como ocupações estabelecidas a partir de plataformas digitais que tentam escapar de uma relação de emprego, o que também é uma nova expressão de uma relação de emprego disfarçada ou encoberta.

Nota 9, página 104: A pejotização já é um fenômeno mundial reconhecido e emblemático da precarização/flexibilização do trabalho e com vários estudos, tanto no setor público quanto privado (CARVALHO, 2010; CASTRO, 2013; MICK ET AL., 2012; SILVA 2014).

Nota 10, página 105: O MEI é destinado ao micro-empreendedor que aufira renda anual de até 60 mil reais e tenha não mais do que um empregado. O MEI emite nota fiscal, tem CNPJ, tendo baixo custo mensal em tributos (INSS, ISS ou ICMS), definidos em valores fixos. O cadastrado tem acesso a direitos e benefícios previdenciários tais como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte.

Nota 11, página 105: O tema também se encontra desenvolvido nos Textos para Discussão, do CESIT, disponível em: <http:// www.cesit.netbr/apresentacao-dos-textos-de-discussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-teforma-trabalhista-no-brasil/>.

Nota 12, página 108: CESIT. Textos para Discussões, disponível em: <http://www.cesit.net.br/apresentacao-dos-textos-de-dis-cussao-do-projeto-de-pesquisa-subsidios-para-a-discussao-sobre-a-reforma-trabalhista-no-brasil>.

Nota 13, página 108: Druck (2016) identifica quatro elementos que caracterizam a "precarização social do trabalhador": i) uso da terceirização como instrumento de dominação do trabalho pelo capital; ii) seu uso é generalizado (ainda que hierarquizado); iii) atinge todas as dimensões da vida social; e, iv) expressa-se em todos os campos das relações de trabalho. De igual modo, apresenta seis indicadores/dimensões dessa precarização: i) mercantilização da força de trabalho, ii) padrões de gestão e organização do trabalho, iii) condições de "(in)segurança e saúde no trabalho", iv) identidade de classe, v) expressão da representação sindical, e, vi) "crise" e ataque ao direito do trabalho.

Nota 14, página 108: Teixeira e Andrade (2017), também apresentam a terceirização no serviço público como forma de burla à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nota 15, página 110: Segundo a RAIS, 2013, há diferença média de 64% do salário de um analista de desenvolvimento de sistemas terceirizado em comparação ao não terceirizado na mesma área (TEIXEIRA & KREIN, 2016).

Nota 16, página 112: O presente estudo não considerou os aspectos relativos à intensificação da jornada.

Nota 17, página 112: OCDE, FTPT employment based on a common defínition.

Nota 18, página 112: MTE, base estatística CAGED, disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/inicial.php>.

Nota 19, página 115: Os estudos mostram que há prejuízo na sociabilidade e na saúde de quem trabalha à noite, levando uma parte dos trabalhadores a ficar exposta a situações mais precárias de vida. Em geral, o movimento dos trabalhadores defende a jornada francesa, em que os trabalhadores ficam no máximo 2 vezes na semana no trabalho noturno (DIEESE, 2013).

Nota 20, página 115: O texto pode ser encontrado em <https://coworkingbrasil.org/como-funciona-coworking/>.

Nota 21, página 118: Outro exemplo: entre 2004 e 2013 o setor farmacêutico acumulou ganhos de 145,1% nas empresas maiores e de 76,6% nas menores, no valor pago em forma de PLR.

Final das notas de rodapé.