Título: Gestão na assistência à saúde

Autor: Gonzalo Vecina Neto e Ana Maria Malik

Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

Adaptado por: Maria Eduarda Benevides Rodrigues

Adaptado em: outubro de 2024.

Padrão vigente a partir de março de 2022.

 

Referência: VECINA NETO, Gonzalo; MALIK, Ana Maria. Gestão na assistência à saúde. Gestão em Saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. Parte 2, p.101-146.

 


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PARTE 2 - GESTÃO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE


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7 - DECISÃO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS | IMPOSIÇÕES DO CONTEXTO ADMINISTRATIVO

 

Paulo Roberto de Mendonça Motta

 


Novas expectativas e complexidade na decisão pública

 

O objetivo de novas políticas e ações das organizações de saúde tem sido o de reforçar a sustentabilidade dos sistemas de proteção, garantindo maior inclusão social e acesso aos serviços.

No entanto, as instituições do setor saúde enfrentam, além dos problemas tradicionais, alguns desafios contemporâneos. Às dificuldades de acesso e de atendimento, com qualidade e celeridade, se adicionam novos desafios, como maior complexidade da gestão pela acentuada colaboração público-privada. Ademais, a introdução de novas tecnologias e a crescente demanda por serviços mais complexos concorrem para o aumento dramático dos custos.

Atualmente reforçam-se demandas populares e políticas sobre a qualidade dos serviços de saúde, sobretudo nos países emergentes (Danis, De Clercq e Petricevic, 2011). Nesses países, a redução da pobreza ampliou a classe média, melhorou as condições de vida e proporcionou uma nova perspectiva política e de reivindicações. Ao ingressarem na classe média, as pessoas buscam o próprio desenvolvimento por meio do empreendedorismo ou da regularidade do emprego profissional. Surgem, então, novas expectativas, possibilidades e consciência política.

Antes confinadas à pobreza, essas pessoas conheciam a administração pública por meio de órgãos distribuidores do paternalismo político. Como parte da classe média, passam a lidar com outros órgãos públicos, como os de controle fiscal ou inspetores de diversas naturezas, inclusive os sanitários, e a ter outra visão da administração pública por meio de mecanismos de controle. Tornam se mais críticas da administração pública e mais conscientes da governabilidade: esperam mais transparência, participação e ética na formulação das políticas públicas. É interessante notar as reivindicações sobre saúde e educação: antes de ingressar na classe média, centravam seus pedidos no acesso, depois, passam a reivindicar a qualidade dos serviços (Grynspan, 2013).

As pressões sobre as organizações e os gestores do sistema de educação e saúde são mais intensas e mais críticas em relação à natureza das respostas. A enorme demanda sobre a qualidade e a escassez de recursos faz os gestores se sentirem limitados ou quase impotentes diante de um jogo político cujos fatores lhes escapam ao controle.

Torna-se necessária uma nova compreensão sobre o processo de optar por novas políticas e formulá-las com foco na interdependência das instituições do setor.

 

Redes ou cadeias produtivas

 

A complexidade e a interdependência do mundo contemporâneo levam o sistema de bens e serviços a se caracterizar por redes ou cadeias produtivas englobando não só muitas instituições públicas como também empresas privadas e organizações não governamentais.

Atualmente, compreende-se a formulação de uma política mais pela visão de uma rede e menos pela correspondência direta da decisão pública com a administração de uma organização específica. Já é clara a incapacidade de uma organização pública atuar isoladamente e com autonomia na formulação de qualquer política pública.

A interdependência acentuada faz pequenas ocorrências, mesmo em pequenas organizações, terem grandes impactos na gestão de outras grandes instituições. As redes agem na decisão pública, de forma contínua, produzindo informações, manejando recursos e distribuindo valores para a sociedade.

Há maior fragmentação institucional e pluralidade de formas organizacionais interligadas em redes interativas, bem como maior ambiguidade nas relações público-privadas.


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Ambiguidade nas novas relações público-privadas

Em todas as organizações existem dimensões públicas e privadas, o grau de dimensão pública depende de como elas são influenciadas mais pela política ou pelo mercado (Bozeman e Moulton, 2013).

Defensores de uma perspectiva clássica da gestão pública argumentam serem as diferenças entre as organizações públicas e privadas tão grandes que as práticas privadas seriam totalmente inadequadas, intransferíveis e inúteis ao setor público. Por outro lado, sobretudo os defensores da nova gestão pública advogam a inserção de práticas de gestão bem-sucedidas no setor privado.

A dicotomia público-privada tem sido tratada segundo subestimações e exageros. As diferenças existem, mas as evidências empíricas ainda não revelam como todos os fatores relevantes são incompatíveis (Boyne, 2002).

Em princípio, as práticas gerenciais - públicas ou privadas - são transferíveis, pois ambientes organizacionais não são significativamente diferentes e as variações são limitadas.

O caráter público gera efeitos em equidade e eficiência. Mas, por ser o desempenho causado mais por características organizacionais e gerenciais, os efeitos do caráter público tendem a ser menos significativos (Andrews, Boyne e Walker, 2011).

Formas de gestão e de configuração organizacional podem aumentar a capacidade do gestor público de moldar dimensões ambientais e organizacionais. As redes contemporâneas mostram como instrumentos gerenciais modernos podem ter efeitos significativos tanto na área privada quanto na pública.

As diferenças público-privadas se reduzem, aproximando cada vez mais uma área da outra (Etzioni, 2013) e aumentando a necessidade de colaboração. As modernas redes de valor e de produção revelam imensas possibilidades e necessidades de colaboração entre os setores público e privado. No entanto, apesar das ambiguidades da interação público-privada, continua a haver a expectativa da administração pública como uma fonte controladora para proteger não só a produção de bens e serviços, mas o próprio interesse público. Na verdade, há ainda na administração pública, além da função de colaboradora, a função fundamental de reguladora e incentivadora. Por isso, as preocupações em relação ao papel das organizações públicas na formulação da política pública continuam acentuadas, apesar da cooperação entre instituições participantes das redes.

Redes político-sociais

As redes são complexas, com interligações tanto institucionais como político-sociais. As redes institucionais são complementadas por redes político-sociais em que ocorre a troca de informações e de serviços para maior facilidade na decisão e na ação pública.

Atualmente, a prática eficiente e eficaz na formulação da política pública depende da capacidade gerencial de lidar com uma grande rede de funções muito variadas. As redes têm sido exitosas por: (1) reativar de maneira mais efetiva a conexão entre diferentes contextos organizacionais; (2) reduzir e vencer obstáculos administrativos por meio da antecipação de problemas e da informalidade social nos contatos; (3) facilitar a interação de órgãos públicos e entidades externas; e (4) ser mais rápida na produção de novas ideias.

A rede impõe à gestão pública a perspectiva da competitividade ou da maior eficiência na produção de serviços.

Modelos administrativos de decisão pública

Normalmente, a expectativa sobre formulação de política parece ser a de se obter um direcionamento mais objetivo e eficiente das ações organizacionais, por meio de novas formas de se fazer opções públicas, de preferência aplicando modernas técnicas de análise.

Os modelos administrativos visam ajudar dirigentes e analistas de políticas públicas a fazer uso eficaz das informações e percepções disponíveis no momento da escolha. O bom processo valoriza a busca eficiente de dados e de objetivos; institui equilíbrio nas reflexões proporcionando chances razoáveis à manifestação de todas as ideias, perspectivas e percepções.

Na verdade, a formulação de políticas caracteriza-se por ser um processo para produzir razões. Dirigentes e outros participantes necessitam não só justificar suas posições, mas, sobretudo, atrair apoiadores (Kingdom, 1984). Critérios de razoabilidade e métodos sofisticados de análise sugerem melhores escolhas e maior certeza quanto a possíveis resultados. Por isso, muitas vezes se utilizam métodos analíticos rigorosos, com etapas sequenciais rígidas, na intenção de se chegar à melhor opção.

A lógica racional significa alcançar o máximo de serviço em função dos recursos alocados pela sociedade.

O campo da formulação de política nasceu com uma intenção deliberada de utilizar a sistematização lógica de dados e conhecimentos para, por meio de análises rigorosas, produzir a melhor decisão.

Desde que Daniel Lerner e Harold Lasswell, em 1951, lançaram a ideia de policy Sciences, inúmeros caminhos foram percorridos (Lasswell, 1951; Dror, 1968; Lindblomm, 1959; 1979; 1980; Wildavsky, 1973, 1997; Fischer, 2003).

Os modelos clássicos procuram simplificar a realidade para se abstrair da confusão de interesses e valores, neutralizar emoções e chegar à decisão proclamada como a mais correta (Simon, 1978). Presumem-se todos os analistas como capazes de ser coerentes e bem- fundamentados em suas preferências.

Usam-se números e estatísticas para fornecer o sentido científico e analisar custos diante de benefícios. Fatores intangíveis e não quantificáveis são evitados para não complicar a análise, ou, pelo menos, para não a deixarem fora de controle. Principalmente na área pública, esses modelos buscam proteger analistas não só das interferências irracionais e das fragilidades do senso comum, mas também dos interesses ocasionais e particulares da política partidária.

A essência da proposta racional econômica é introduzir técnicas e métodos para aperfeiçoar julgamentos e escolhas. A racionalidade lógica, técnica e inteligente contrastaria com a irracionalidade, o autointeresse e o caos do conflito político. Assim, a formulação transpareceria envolta na verdade, com razões claras das opções e voltada exclusivamente ao interesse público.

No entanto, apesar do crescente rigor dos métodos, analistas e gestores de políticas públicas não deixam de ser surpreendidos pelas decisões políticas, costumeiramente contraditórias com suas sugestões e conclusões.

Aos poucos, desenvolveu-se a crença quanto à impossibilidade de se neutralizar o jogo político ou as interferências emocionais humanas. Interferências políticas, cortes de recursos, alterações nas formas de apoio, novas demandas e objetivos, percepções de risco, sentimentos de vulnerabilidade, vieses mentais e conjecturas sobre a capacidade de resposta dominam todo o processo de escolha.


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Na verdade, escolhas vão além de cálculos racionais; são produto tanto de analises lógicas quanto de impulsos ilógicos. Normalmente essas escolhas se passam em um contexto organizacional com limites estruturais impostos pela divisão do trabalho, cultura e uma arena político-administrativa na qual se apresentam a diversidade e os conflitos de interesses. Há, ainda, a necessidade de respostas rápidas, fruto de contingências momentâneas e, portanto, baseadas apenas nas informações já disponíveis.

Esse trabalho valoriza a perspectiva administrativa centrada no contexto social, político e organizacional dos analistas e tomadores de decisão, sem desprezar modelos analíticos, mas vendo-os com suas vantagens, possibilidades e limites.

Na perspectiva administrativa, o processo de formular políticas e definir objetivos significa confrontar uma realidade repleta de situações problemáticas, propor soluções, fazer escolhas e determinar prioridades à custa de opções valiosas e de desejos pouco viáveis.

Decisões relativas a problemas complexos requerem muitas informações e envolvem muitas pessoas, além da consciência de riscos e incertezas sobre os resultados e o impacto na comunidade.

Por sua complexidade, a formulação política escapa às possibilidades normais do senso comum, e, portanto, são necessários modelos para facilitar e aperfeiçoar a forma de análise e de escolhas. As decisões exigem não só cálculos antecipatórios sobre a maneira de agir, mas também justificativas ou razões para as escolhas. As razões servem para fundamentar a responsabilidade dos dirigentes perante suas comunidades.

Métodos e instrumentos introduzem novos fatores nas análises, além de conferirem segurança aos analistas. Se há limites, há também vantagens. Assim, proclamar a formulação política e a definição de objetivos por métodos racionais ajuda a renovar expectativas e o otimismo quanto ao aprimoramento de escolhas e ao impacto da decisão pública. No entanto, parece essencial conhecer os limites de cada método e, possivelmente, praticar múltiplas perspectivas para facilitar a melhor compreensão de problemas e de opções para a solução.

A maior consciência sobre entraves e problemas ativa a atenção às habilidades gerenciais e ao uso de recursos organizacionais para praticar novas formas de decisão. A seguir se analisam os principais limites ou obstáculos no uso dos métodos de decisão administrativa: estruturas organizacionais; os interesses e os recursos de poder, e as tendenciosidades humanas.

Arena social e organizacional | Os limites estruturais

O processo humano de escolher entre várias opções e resultados se dá também em um contexto social e organizacional. Nesse sentido, a formulação de políticas reflete menos a análise da racionalidade individual de escolha entre interesses individuais competitivos e mais as negociações e os consensos entre interesses comunitários divergentes.

Sobretudo na área pública e em organizações complexas, como as da saúde, a divergência de interesses perdura em todas as fases de um processo decisório, exigindo a troca de informações, além da solução de pequenos conflitos. Decisões refletem a ciência, a arte e o artesanato das possibilidades de acordo com os recursos disponíveis, as interações coletivas e os comportamentos programados nos papéis organizacionais.

Os papéis organizacionais são construídos socialmente, mas, em parte, antecedem o indivíduo e geram expectativas de comportamento tanto para ele próprio como para os outros. Na organização já se encontram regras e uma cultura para reger comportamentos ou uma restrição significativa às racionalidades individual e instrumental. Embora justificados por alguns fins e princípios, as estruturas organizacionais e os processos de trabalho são escolhas arbitrárias e, assim, insatisfatórias por definição. São arbitrárias porque existem sempre outras opções igualmente justificáveis. Mas essas estruturas influenciam a forma pela qual os funcionários exercem suas funções, selecionam dados, processam informações, hierarquizam valores e tomam decisões (Stone, 2002).

Por ter normas, procedimentos e valores coletivos, a organização tem "razões" previamente definidas para direcionar opções e ações. A utilidade econômica e as preferências individuais são apenas algumas das dimensões que influenciam as escolhas organizacionais. A emoção, a intuição, o apego a valores, a ideação, as relações pessoais, os conflitos latentes e os interesses de grupos são recursos igualmente importantes no processo decisório.

As escolhas resultam da cooperação e da oposição na defesa de interesses próprios e no domínio de recursos escassos, bem como da espontaneidade humana e das percepções positivas e negativas entre participantes do processo decisório.

Assim, por estarem inseridas em uma organização, as pessoas têm menos liberdade de ação, e suas relações sociais são regidas por alguma racionalidade instrumental, para facilitar a comunicação, a compreensão mútua e a harmonia social.

O contexto organizacional tende a ser pouco ordenado: as informações necessárias às decisões normalmente são incompletas e de baixa confiabilidade, caracterizando assim um ambiente de risco e incerteza. Portanto, na perspectiva administrativa, são exageradas as expectativas idealizadas de um problema bem-definido, de uma solução bem-planejada e de uma implementação previsível. Vários estudos procuram demonstrar o lado inverso da programação racio­nal excessiva. Por exemplo, dirigentes e técnicos:

§  Tendem a não aceitar os resultados de análise racionais quando eles contradizem suas próprias intuições (Isenberg, 1984)

§  Priorizam menos a eficiência das políticas e diretrizes e mais a sobrevivência da própria organização (Donaldson e Lorsch, 1983), ou mesmo a promoção e proteção dos valores organizacionais (Selznick, 1972)

§  Normalmente, não objetivam o ganho máximo, mas o nível satisfatório (Simon, 1947; Peters, 1979)

§  Poucas vezes enfrentam escolhas entre opções competitivas, e, portanto, dedicam muito pouco de sua vida funcional a examinar custos e benefícios (Mintzberg, 1975)

§  Preferem modelos simplificados de análise para facilitar suas decisões (Simon, 1978).

Na verdade, imersos em um mundo de alterações constantes e em processos intermitentes e fragmentados de formulação de políticas, dirigentes e analistas contemporâneos, como os da saúde, se dedicam menos a verificar riscos e probabilidades de cada opção e trabalham com mais afinco na tentativa de eliminar risco - pretendem fazer as coisas dar certo.

Arena política | Os interesses e os recursos de poder

Embora se possa identificar uma organização de referência para uma decisão pública, a inserção em redes, aliada à publicidade do tema, a faz perder o controle de etapas importantes do processo decisório. Matérias de decisão governamental tendem a ser tratadas


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publicamente, e as opções e possibilidades de ação tornam-se parte de uma luta de poder para valorizar interesses normalmente conflituosos.

A decisão resulta mais de entendimentos, acordos e consensos entre grupos de interesses e pessoas do que de processo racional em uma organização de referência.

A consciência da rede não inibe as contradições de perspectivas sobre a decisão pública nem as tentativas de influenciá-la por manejo de recursos de poder. Por isso, mantém-se a busca, a maximização à proteção das organizações públicas sobre seus recursos de poder.

Assim, como partícipes de uma rede de poder, as instituições públicas:

§  Tendem a lutar por mais recursos de poder para ter maior influên­cia no processo decisório político

§  Procuram valorizar seus interesses em contraposição aos de ou­tros, gerando conflitos permanentes

§  Buscam maior autonomia e independência, mesmo na consciência de participar de redes colaborativas

§  Mantêm apenas um mínimo de interesses comuns suficientes para sustentar a coalizão de poder e se manter viáveis diante da rede produtiva.

A perspectiva das redes não modifica a visão da formulação de uma política pública como um processo decisório humano, social e político em que se identificam opções e se fazem escolhas.

Os recursos de poder são distribuídos desigualmente, e espelham tanto os jogos de poder quanto as prioridades governamentais.

Portanto, trata-se de um processo político não caracterizado por neutralidade; reflete valores, preferências e interesses das organizações e de seus dirigentes envolvidos na decisão.

No sentido político, definir objetivos significa procurar um nível de satisfação e consenso para se iniciar e se prosseguir em determinada ação. O satisfatório não reflete necessariamente algo que todos julguem positivo, e sim o nível possível de decisão. Consequentemente, políticas podem ser contraditórias e irracionais, nos sentidos econômico ou social, e pouco razoáveis no sentido administrativo, mas perfeitamente lógicas no sentido político.

Na arena política, não há um objetivo único, mas objetivos diversos que unem e dividem grupos e pessoas. No jogo político, formular uma diretriz ou definir um objetivo é uma tentativa de fazer as ideias de um grupo prevalecerem sobre as de outros. Portanto, as decisões envolvem análises sobre ganhos, perdas e domínio de recursos políticos, e normalmente são o resultado de negociações e compromissos.

Dirigentes e analistas envolvidos na decisão pública carregam in­teresses próprios e apresentam suas ideias e informações distorcidas e manipuladas conforme seus próprios propósitos, ainda que explicitamente referenciadas nas expectativas de outros, sobretudo as comunitárias. As justificativas de uma escolha, a desistência de opções valiosas e a responsabilidade pela decisão são configuradas em um processo complexo: contrapõem-se soluções ideais e problemas reais segundo possíveis compromissos no sistema de ganhos e perdas re­lativo aos recursos de poder.

Inicialmente pensavam-se os métodos racionais como neutros e capazes de unir pessoas. Não se visualizavam escolhas políticas como preliminares tanto para a definição de problemas quanto para as propostas de solução. Por envolverem opções políticas, problemas e soluções, existem simultaneamente, e quase sempre de forma independente. Politicamente, soluções e objetivos podem existir antes dos problemas. Há defensores rígidos e mesmo radicais de determinadas soluções sem noção clara de problemas. Procuram identificar algum problema apenas para justificar a sua proposta de solução. Outras pessoas têm como projeto ou bandeira política ressaltar a existência de determinado problema para concentrar atenção na sua solução. Por isso, vale ratificar a afirmação clássica de que no processo de decisão existem tanto problemas em busca de soluções como soluções em busca de problemas (March, 1976; 1988).

Definem-se problemas e opta-se por soluções não necessariamente em função de diagnósticos sobre a realidade ou de ideação, mas principalmente em função de como cada analista ou dirigente se alinha politicamente conforme seus interesses.

Como qualquer outra, uma política de saúde não é resultado da somente intencionalidade de determinados agentes, mas também de suas reações às ideias alheias. As reações ocorrem por motivos e interesses conflituosos, fruto da inserção dos participantes no jogo político. Visões e propósitos a longo prazo tendem a ser revistos por motivos políticos. O jogo político é imediatista, a curto prazo e fundamentado em fatos presentes. Por descartar hipóteses futuras, sempre altera caminhos a longo prazo, impondo novos acordos e consensos com base em novos fatos. Na prática, concorre para que decisões e novas diretrizes: (a) tenham um objetivo claro e a curto prazo; (b) se­jam compatíveis com os interesses de vários participantes do processo; e (c) sejam viáveis, isto é, sua implementação não fira os acordos políticos preliminares.

Por ser a área de saúde repleta de situações críticas, os processos de formulação de políticas tendem a ser contaminados pela premência de soluções imediatas. Assim, para forçar a solução de problemas prementes, retrata-se com maior ênfase a realidade presente do que as possibilidades futuras. Portanto, cria-se uma impossibilidade natural de se conhecer melhor os "dados" futuros, como normalmente exigem os modelos de análise.

Ademais, o embate no processo de decidir se torna mais agudo em meio à percepção e à proclamação constante na área da saúde sobre a escassez de recursos. A escassez aguda reduz possibilidades: boas alternativas, inclusive as potencialmente mais consensuais, são descartadas a priori, restando opções insatisfatórias e arriscadas.

Nesse sentido, todas as opções podem ser criticadas veementemente desde o início das análises, pois os conflitos políticos se inserem em todas as etapas do processo decisório.

Apesar de se falar muito em jogo político, as analogias com o jogo são imperfeitas para caracterizar um processo decisório administrativo. Nas interações políticas não há participantes passivos à espera de um resultado. No jogo se aposta e se esperam os resultados. No processo administrativo, dirigentes e outros atores continuam a influenciar o processo. O resultado final pode estar bastante distante da opção inicial. Ao longo do processo, podem se introduzir muitas variáveis, não só por pressões políticas, mas também por novas intenções e coligações dos participantes (Beach e Mitchell, 2005).

Arena sociopsicológica | Molduras mentais e tendenciosidades humanas

As pessoas selecionam informações de acordo com suas estruturas de referências ou modelos mentais já estabelecidos. Constituídas por um conjunto de crenças e valores, as molduras mentais fazem a pessoa perceber a realidade de uma maneira singular e influenciam tanto a definição do problema quanto os julgamentos, os diálogos outras etapas do processo decisório.


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Novas informações se associam às já armazenadas na memória para produzirem um julgamento ou uma decisão. A análise de opções baseia-se em uma construção mental e social sobre objetivos para justificar escolhas: significa dar peso ou valorizar determinada alternativa em função de critérios, objetivos múltiplos e condições contextuais. Há caminhos racionais relativamente previstos para valorizar dados, fatos e informações com o intuito de eliminar dúvidas e indicar as melhores opções. Analistas e dirigentes perseguem essa lógica racional, mas poucos têm consciência dos desvios e tendenciosidades sociais e individuais inseridas nesse processo. Normalmente, quanto mais a pessoa julga certas suas análises ou proposta de solução, mais se fecha dentro de si mesma, e mais vulnerável se torna às tendenciosidades.

Dirigentes e analistas são menos matemáticos e calculistas do que as teorias de racionalidade econômica sugerem. Participantes de um processo decisório são capazes de deliberar e de escolher os objetivos a alcançar sem necessariamente realizar cálculos racionais sofisticados. A maioria não conhece processos racionais nem é hábil em cálculos de utilidade.

As pessoas têm crenças, valores, expectativas e aspirações. Percebem riscos, têm ansiedade e medo, bem como dúvidas quanto a opções e resultados. Há variações subjetivas em todas as estimativas de probabilidade e utilidade. Ademais, dirigentes não desejam necessariamente maximizar eficiência e ganhos de acordo com suas possibilidades e posses. Decidem e agem com base em um nível de satisfação individual que às vezes parece irracional perante as análises econômicas, mas que inspira a opção humana. A própria preferência não é a única variável relevante no processo decisório estratégico, emocional ou intuitiva de uma determinada opção pode ser uma razão suficiente para essa escolha.

Por ser social, interativo e valorativo, o processo decisório pode romper com a racionalidade sequencial e permitir escolhas contraditórias com a lógica dos fatos. Nessa inserção, há dois tipos de ilógica: as tendenciosidades, isto é, vieses pessoais ou ardis que inadvertidamente colocam as pessoas em situações mais arriscadas e as fazem evitar opções potencialmente mais eficazes; e as interferências emocionais e intuitivas, isto é, a valorização de pressentimentos e de emoções sobre a busca e o arranjo de fatos e dados, permitindo o espontâneo e intuitivo para justificar opções.

As tendenciosidades produzem decisões distorcidas e inadequadas à organização e à comunidade: retiram a lógica do modelo racional (Kahneman, 2012; Russo e Schoemaker, 1989; Bazerman e Moore, 2012). Os recursos intuitivos enriquecem e dão mais velocidade ao Processo sem necessariamente dispensar os recursos racionais (Hogarth, 2001).

Como formas comportamentais de decisão e de ação, as tendenciosidades conduzem as pessoas, inadvertidamente, a escolhas potencialmente arriscadas ou de menor benefício. Algumas são corriqueiras e simples, como as inseridas nas percepções individuais das interações humanas. Nas suas inter-relações com outros, as pessoas sentem afeto, interesse, amizade, respeito, simpatia e confiança, consideração, indiferença, desinteresse, descaso, frustrações, antipatias e confiança. De acordo com esses sentimentos, apoiam ou rejeitam ideias e se dispõem mais ou menos a se aliar e a cooperar com outros. Exemplos adicionais seriam os sentimentos de vulnerabilidade perante o risco. Nesses casos, as pessoas podem buscar dados, mais para reforçar a percepção de segurança e menos para melhorar a qualidade da decisão.

No entanto, tendenciosidades funcionam quase como armadilhas comportamentais: tomadores de decisão raramente estão conscientes dos vieses que os conduzem a opções potencialmente danosas Veja exemplos a seguir.

Modelos simplificados

A maioria dos analistas e gestores não usa todas as suas habilidades de raciocínio em todas as decisões. Pressionados na busca por soluções e para apressar as respostas, evitam análises mais profundas e efetivas. Na verdade, incorporam suas experiências passadas e informações novas para construir uma compreensão mais simples sobre a realidade e ajudar nas suas opções. Acabam por justificar suas escolhas por verdades gerais simplificadas, regras práticas, modelos heurísticos ou mesmo frases de efeito e jogos de palavras (Tversky e Kahneman, 1981). Regras práticas, construídas na experiência dos tomadores de decisão, evitam os custos de se buscar a informação, mas os fazem vítimas da informação facilmente disponível e já existente. A quantidade de dados nem sempre melhora a qualidade da decisão; por vezes significa simplesmente uma tentativa de reduzir a percepção de risco e da incerteza. O prêmio Nobel Herbert Simon aprovava alguns desses procedimentos simples como forma de economizar recursos escassos e limitados, como a capacidade computacional do cérebro (Simon, 1978).

Justificar opções sem atenção suficiente aos dados e análises favorece a rapidez do processo, mas impõe riscos e incertezas adicionais, além de desconsiderar alternativas mais proveitosas e viáveis. Rapidez mas muitos dirigentes evocam a rapidez para passar a imagem de bons tomadores de decisão e de segurança em suas opções (Schwenk, 1984; Wang, 2010).

Violação da utilidade e probabilidade

Grande parte do raciocínio e das análises para decisões envolve pensar sobre probabilidades. Por experiência, as pessoas aprendem a frequência de eventos cotidianos, e, assim, podem desenvolver sua intuição sobre as probabilidades de ocorrência desses eventos.

Em princípio, julgamentos de probabilidade são variáveis e dependem não só de cálculos estatísticos sofisticados como de simples intuição dos próprios analistas. Inclua cálculos ou não, na realidade o julgamento de probabilidade significa essencialmente atribuir uma medida numérica a uma crença, concedendo-lhe força ou peso diante de determinadas opções. Cálculos e crenças se interligam nas análises, mas separadamente podem não coincidir e sinalizar direções opostas.

A decisão contrária à utilidade e à probabilidade já calculadas se define como violação da lógica construída. Sem razão aparente, as pessoas, mesmo diante das opções, desprezam os cálculos das probabilidades e escolhem outros caminhos, por vezes potencialmente danosos (Baron, 1994).

Há várias tentativas de explicar ou compreender por que as pessoas agem assim ao tomar decisões, bem como há um número elevado de evidências para explicar por que as pessoas sistematicamente violam a racionalidade implícita da teoria da utilidade. Por diversas razões, inclusive não querer contradizer as próprias crenças, descarta- se a probabilidade de certas opções ou resultados.

Quanto mais provável a ocorrência de determinada alternativa, maior peso as pessoas tendem a colocar na sua utilidade (Lichtenstein e Slovic, 1971; 1973). Assim, as pessoas distorcem as análises simples­mente por julgarem mais úteis as opções vistas como mais prováveis.


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Vale ressaltar, também, que se distorcem probabilidades e se desviam da perspectiva da utilidade porque são os próprios tomadores de decisão e analistas, com seus vieses, a descreverem as opções, seus possíveis resultados e probabilidades numéricas. Fazer cálculos pode significar apenas a seleção de evidências e, através de análises, saber se as próprias crenças são consoantes às respostas disponíveis.

Confiança excessiva e apego às próprias crenças e aos hábitos

A autoconfiança excessiva significa um exagero na estimativa dos próprios conhecimentos, perspectivas e habilidades. Portadores dessa tendenciosidade carregam um otimismo exagerado com relação aos próprios julgamentos e decisões, além da convicção sobre a correção tanto de suas análises como da própria intuição (Klayman, Soll, González-Vallejo e Barlas, 1999). Sua principal consequência é ver as próprias ideias como superiores às dos outros e descartar as sugestões alheias.

Ao inflar o efeito de suas próprias habilidades, essas pessoas subestimam o quanto suas conquistas foram ocasionadas por fatores contextuais favoráveis e pelo apoio de outros participantes do processo. Assim, tornam-se irrealistas com relação à validade e à qualidade das informações, e se veem com maior responsabilidade sobre o êxito de projetos - mais do que outros atestariam (Albert e Raiffa, 1982).

No sentido positivo, pessoas superconfiantes veem-se como talentosas fadadas ao sucesso e com grande capacidade de resposta às adversidades. Temem menos o risco e a incerteza, e, assim, são mais propensas ao espírito empreendedor. A confiança excessiva se reforça no entusiasmo com os fatos e as informações que confirmam sua forma de pensar.

No sentido negativo, a autoconfiança excessiva faz as pessoas desconsiderarem qualquer aprendizado em função de erros ou más decisões. Por acreditarem mais no próprio saber, desprezam informações importantes e avaliam mal o risco e as probabilidades. Sempre proclamam a sua decisão como a mais acertada: manifestam grandes intenções, mas com justificativas frágeis. A autoconfiança excessiva se aproxima mais da arrogância e menos da simples autoconfiança. Ambas as posturas revelam otimismo quanto à própria capacidade, mas a confiança excessiva significa um desequilíbrio na autoavaliação. Aparentam arrogância em função do sentimento de superioridade em relação à maioria dos colegas.

Pessoas superconfiantes atribuem um peso excessivo àquilo que sabem ou pensam saber; lembram e proclamam mais os próprios sucessos, mas reprimem ou esquecem seus fracassos.

Atribuição distorcida da causalidade

Na prática cotidiana, dirigentes e gerentes atribuem causas a comportamentos de forma tendenciosa e, assim, distorcem suas decisões e ações. Alguns princípios da atribuição individual de causalidade explicam comportamentos por causas tanto internas (qualidades pessoais e traços) quanto externas (situação e ambiente), atribuindo racionalidade ao contexto e irracionalidade à pessoa (Howard, 2000).

Por exemplo, tende-se a atribuir racionalidade e a explicar por causas externas: (a) comportamento igual em situações iguais; e (b) comportamento diferente em situações diferentes.

Ao contrário, tende-se a atribuir irracionalidade e a explicar por traços de personalidade: (a) comportamentos diferentes em situações similares; e (b) comportamentos iguais em situações diferentes

Como na decisão pública as informações são incompletas tanto sobre situações externas quanto sobre traços individuais, as atribuições sobre causa tendem a ser prejulgamento ou tendenciosidade. Exemplos comuns dessas tendenciosidades: ver causas situacionais mais em seu próprio comportamento e menos no de outros; atribuir o próprio sucesso a fatores internos e os fracassos a fatores externos; e atribuir os sucessos alheios a fatores situacionais e os fracassos a fatores externos.

Ao aplicar a teoria das atribuições ao comportamento gerencial, Ellen J. Langer revela a frequência com que as pessoas atribuem às suas habilidades de julgamento a ocorrência de eventos que confirmam suas crenças (Langer e Roth, 1975; Langer, 1997).

Ao contrário, quando as contradizem, culpam causas contextuais, fora de seu controle. O resultado é o gerente associar-se sempre a uma história pessoal de sucesso e emergir publicamente como um profissional de habilidade superior.

Essa prática é reforçada pelo julgamento das pessoas sobre si próprias sempre como competentes e capazes e atribuindo seus erros ao acaso. Na verdade, julgam a si próprias pelas suas melhores intenções e julgam os outros pelas suas piores ações (Drummond, 2012).

Pensamento grupista

Embora sempre apareçam como mais corretas, as decisões de grupo não são necessariamente as melhores. Vários fatores explicam a qualidade da decisão de grupo, principalmente o processo de análise e escolha. Muitos grupos gerenciam bem as discrepâncias de pensamento entre seus membros, fazendo-os buscar novos dados e ver novas perspectivas. Assim, enriquecem os debates, estabelecem consensos mais amplos para melhores decisões.

Outros, porém, se fecham e valorizam a coesão e a proteção mútua de seus membros, desestimulando o pensamento aberto e divergente. Trata-se do pensamento grupista - expressão cunhada por Irving Janis - para definir a deterioração da eficiência mental e de observação da realidade, resultado de pressões internas do próprio grupo (Janis, 1982).

Em suas análises, Irving Janis relaciona o pensamento grupista como uma forma de confiança excessiva em nível organizacional e responsável pela baixa qualidade de muitas decisões (Janis, 1982). A repercussão sobre as falhas no processo decisório relacionadas com o acidente do ônibus espacial Challenger levou a um grande estudo sobre pensamento grupista, mostrando como o grupo excessivamente coeso e leal falha, sobretudo, na análise de informações divergentes (Esser e Lindoerfer, 1989).

O pensamento grupista é uma forma de mostrar distorções da decisão de grupo. Por se fecharem em si próprios e agirem com autossuficiência excessiva, esses grupos deixam de usufruir de pluralidade, interdisciplinaridade e maior lateralidade do pensamento acabam por reduzir alternativas e identificar poucos objetivos. Em decorrência, o pensamento grupista naturalmente aliena pessoas de fora como participantes efetivos do processo decisório. Mesmo que envolvidas em parte do processo, as opiniões dessas pessoas tendem a ser desconsideradas.

Normalmente, as primeiras referências para análise dominam o processo decisório e são aceitas com poucos exames e julgamentos posteriores. Apesar de se obter consenso mais rápido e de unir a equipe em função de uma decisão, não se examina corretamente o risco por desprezo às informações discrepantes. A tendência maior do grupo e conformar-se e não discordar, sobretudo da liderança.


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A busca de consenso | As controvérsias básicas

Geralmente, para se definir uma nova política pública é preciso se aventurar por caminhos conflituosos em meio a discordâncias acentuadas. Os participantes do processo poderão discordar em quase tudo, como valores fundamentais de equidade, acesso e qualidade a detalhes de viabilidade administrativa da própria decisão.

Assim, o processo decisório e a tentativa de obtenção de consenso se dão em meio a controvérsias desde a própria definição do problema, projetos de solução, ideais e valores, até a opção final sobre o caminho a percorrer.

Na verdade, o processo de formular política e definir objetivos é uma guerra tanto de ideias quanto de interesses. Nesse embate, as pessoas tentam influenciar outras pelas suas próprias ideias sobre problemas, soluções, objetivos e meios de atingi-los.

A maior dificuldade reside exatamente na obtenção do consenso, inclusive porque as opções precisam de um tempo suficientemente longo para se firmar, mas também suficientemente curto para se responder à iminência das necessidades e ao sentido da oportunidade. Há sempre a consciência de uma realidade dura à espera de soluções imediatas. Não se pode dar ao tempo a essência da tarefa nem estender as análises em busca de mais opções; há premência para se iniciar a transformação, e o processo decisório se torna uma peleja contra ideias e interesses, mas também contra o tempo disponível.

Para a obtenção do consenso, as maiores dificuldades e controvérsias estão na definição de problema, nas escolhas e na ideação.

Definição de problemas

A crença e prática comuns veem a decisão pública como uma reação a um problema. A consciência de um problema provoca a organização, e, em resposta, inicia-se um processo de escolha. Por ser um fenômeno universal cujas dimensões singulares afetam a todos de forma comum e particular, a saúde, em seus aspectos administrativos, se revela pródiga em relatos tanto sobre situações problemáticas como sobre propostas de solução. Mas definir um problema não significa simplesmente estabelecer uma distância ou medida entre um objetivo e uma realidade. Problemas também são fruto de interesses conflitantes e de possibilidades de ação. O objetivo de determinada política de saúde pode ser evitar o ruim e não necessariamente atingir o melhor.

A definição de um problema caracteriza-se por ser uma construção intelectual a partir de uma percepção singular sobre a realidade. Assim, vários analistas, de acordo com seus modelos mentais e ideologias podem definir problemas de diversas formas a partir de uma mesma situação real. Por isso diz-se não haver, na prática, problemas e sim situações problemáticas que servirão de base para definir problemas e propostas de soluções.

Situações problemáticas impressionam, chamam a atenção e provocam a vontade da reação. Pela percepção negativa da realidade, há sempre um tom político e emocional nessa vontade.

A definição do problema dá sentido e uma consciência mais ampla do evento percebido na realidade. Uma definição e conceitos comuns facilitam uma nova forma de comunicação e de ordenamento das ideias.

Por ser altamente variável entre gestores e analistas, a percepção de uma situação problemática produz uma diversidade muito ampla na definição de problema. Naturalmente, na visão de realidade, analistas favorecem suas preferências e definem problemas de forma a buscar maior apoio às suas proposições. Assim, a definição de um problema é uma representação política, estratégica e simbólica de uma situação problemática.

A principal dificuldade na definição do problema repousa nos relatos de como determinado evento veio a ocorrer: cada descrição implica uma percepção singular da situação problemática e uma designação de responsabilidade sobre a ocorrência. A proposta de solução responde tanto à construção do problema quanto às proteções individuais sobre a responsabilidade pelos eventos. Por isso, com frequência se afirma ser a definição do problema também uma função da percepção sobre suas causas, pois causas se associam a interesses e decisões (Stone, 2002).

A definição de problemas retrata sempre uma discrepância entre o ideal e a realidade e variações de percepções conforme a construção da realidade. Percepções contraditórias oriundas dos mesmos ana­listas se acentuam ao longo do tempo, refletindo na redefinição de objetivos e de resultados.

Dessa maneira, os objetivos sempre serão controversos, e, para serem consensuais, necessitarão de alto grau de abstração e de generalidade.

Definições genéricas não garantem um sentido claro de direcionamento futuro, mas em situações de alto grau de conflito, como na saúde, a generalidade na definição de objetivos tende a proteger dirigentes contra acusações de ineficácia no seu alcance. Sem o direcionamento específico, as avaliações tendem a ser positivas, pois metas amplas e ambíguas são sempre exequíveis.

Escolha

Instado por um problema, o processo decisório é a busca das possibilidades. Pela variedade de opções, há dúvidas e consciência sobre riscos e incertezas. Daí a necessidade de um processo relativamente programado para buscar e analisar dados. O processo tem o seu tempo porque as pessoas têm ideais, interesses, razões, motivações e justificativas para participar na definição de objetivos.

Na prática, uma boa justificativa ou uma boa razão é aquela que, em princípio, consegue persuadir outros. Como são temporárias, to­das as justificativas necessitam de revisão constante, sobretudo durante a implementação. Alterações na sociedade e no mercado exigem novas razões para validar a permanência ou a alteração de determi­nado sentido de direção.

As discordâncias se acentuam à medida que se incluem análises sobre execução ou sobre singularidades do problema em causa. Pessoas não especializadas nos temas, como membros de comitês externos, falam com vigor sobre demandas e necessidades, mas sentem-se pouco à vontade e alienadas quando o debate se torna mais técnico. Nesses casos, pequenos detalhes de execução e a exposição sobre necessidades comunitárias podem ocupar mais tempo e esforço de análise do que questões centrais, como justificativas técnicas para altos investimentos em novos equipamentos.

Por ser político, o processo decisório público pode se alongar: analistas e dirigentes procuram mais justificativas sobre escolhas para se protegerem de erros naturais na implementação e das críticas de opositores. Quanto mais pública e envolvente a natureza da decisão, mais extensa será a justificativa para as escolhas, e quanto mais conflituoso o processo, maior a necessidade de justificar a exclusão de outras opções.

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Demorar excessivamente na decisão não necessariamente melhora a sua qualidade, apenas reflete a dificuldade dos envolvidos diante do risco e a incerteza ou a maneira como enfrentam as discordâncias políticas.

Ideação

A ideação se apresenta na decisão pública não só para contras­tar com uma distribuição injusta e inadequada dos serviços, mas também para inspirar, agregar e gerar esperança entre os formula- dores e beneficiários das políticas. Assim, definir objetivos significa idealizar, por exemplo, equidade no acesso e na qualidade dos serviços.

A ideação reflete preferências de novas conquistas e inspira comportamentos de mais eficiência e eficácia no cuidado dos recursos públicos.

Apesar de se referenciarem em sonhos e valores, as opções ideais não estão imunes a controvérsias. Por exemplo, embora seja universalmente aceita como um valor primordial, a equidade pode gerar controvérsias imensas sobre como prover o acesso e distribuir os serviços. Alguns tomadores de decisão podem ver a equidade pelo lado dos beneficiários. Nesse caso, examinam mais os graus de inclusão e exclusão dos serviços em determinada comunidade. Outros analistas podem valorizar o processo de escolha, determinando a equidade pelo tipo de análise ou de representação de cada comunidade.

Por outro lado, vale considerar que ter simplesmente o certo e o errado por antecedência não ocasiona a decisão política mais correta.

A formulação da política fundamentada unicamente no ideal pode resultar inadequada por dispensar um mínimo de análise e desprezar as adaptações necessárias a uma variedade de condições sociais que exigem respostas diversificadas.

Portanto, por desconsiderar a realidade, a ideação é insuficiente para direcionar uma organização ou um serviço. A ideação fornece referências sobre desigualdade e inequidade na distribuição de serviços, mas sem a dimensão empírica não se tem a percepção das possibilidades, oportunidades, e mesmo do risco e da incerteza.

Considerações finais | A obtenção do consenso

A formulação de políticas e definição de objetivos é uma construção social e política. A decisão administrativa sobre objetivos é uma construção social e política. Gestores e analistas trazem para análise a imperfeição e a ambiguidade de seus valores, intenções estratégicas e interesses. Pelas suas intenções, procuram construir lógica e coerência durante o processo de pensar e decidir.

Mas, as pessoas não agem de modo totalmente coerente: reagem a posições alheias de forma imediata ao sentirem potenciais danos às suas propostas e interesses.

A eficácia do processo de decisão requer dos participantes consciência das contradições e da diversidade de perspectivas e uma predisposição para o debate e o aprendizado coletivo. Na tentativa de harmonização, provocam-se novas visões, alternativas e significados para a organização.

A Valorização da governança colaborativa para o melhor uso das habilidades e competências. A complexidade aliada à fragmentação das ações organizacionais em rede faz crescer entre os gestores o sentimento da necessidade de colaboração. Nada no mundo produtivo ou na prestação de serviços pode ser realizado sem uma intensa colaboração e interdependência.

A governança colaborativa surgiu para responder aos problemas da implementação e politização da regulação. Seria uma alternativa à prática do antagonismo político na gestão (Ansell e Gash, 2007).

Ademais, a governança colaborativa, com base na democracia administrativa, aumenta não só a cooperação entre órgãos públicos e entidades externas como também a consideração das sugestões comunitárias (Bingham e O'Leary, 2008; Williams, 2012).

Por ampliar a participação democrática, as promessas de colaboração nas redes de serviço sugerem a possibilidade de favorecer o melhor uso das habilidades e competências de cada organização e consequentemente melhores decisões políticas.

No entanto, há ainda obstáculos a vencer em uma sociedade em que o loteamento e a oposição política convivem na distribuição de funções públicas. Adversários políticos em função de gestores em redes de serviço tendem a gastar mais tempo e atenção na defesa de suas áreas de poder do que nos aspectos substantivos da política pública.

No entanto, as estratégias de governança colaborativa praticadas nos últimos anos (Ansell e Gash, 2007) podem favorecer práticas inusitadas de convívio e de debate para melhores decisões.

Por exemplo, pode-se criar uma contraposição à fragmentação das redes nos casos de necessidade de consenso sobre decisões públicas a serem apreciadas por diversos órgãos. Isso significa criar pontos de decisão e de controle em que os diversos atores são trazi­dos a uma instância comum para produzir uma decisão consensual e conscientizar-se das interdependências.

 Discordâncias, antes de serem males a evitar, são momentos positivos de pensamento e de interação construtiva. Centrar a atenção em ideias novas e em práticas inusitadas leva as pessoas a repensar suas próprias tarefas e a visualizar novas formas de relacionamento e de distribuição de informações.

Tratada como o elemento essencial na formulação política, a infor­mação mesmo bem distribuída é insuficiente na resolução de conflitos ou na obtenção de consenso. Mesmo acessível de maneira uniforme, a informação é percebida diferentemente por cada um dos membros de um grupo de análise.

A diversidade de visões faz todo o processo de decisão tornar-se um aprendizado e uma negociação, entre pares e interlocutores externos, para a construção de uma vontade ou intenção comum.

Consensos são naturalmente frágeis e na maioria das vezes aceitos por condições mínimas, apenas para garantir a prestação de algum serviço e a legitimidade da forma de decidir. Na prática, é inútil buscar o consenso em tudo: o processo se torna excessiva mente oneroso e de resultados altamente duvidosos.

Por vezes, tenta-se reduzi-lo a debates e análises com ênfase em modelos simplificados. Retiram-se muitas variáveis, sobretudo as intangíveis, menos quantificáveis e inerentes às ambiguidades humanas.

Excluí-las das análises para a decisão favorece a criação de um momento ilusório de consenso, pois as discordâncias anteriores reaparecerão com toda a força quando da implementação.

Imperfeições ou erros na execução de uma política tendem a ser divulgados como resultado da concessão de um grupo às ideias de outro.  Cada grupo relembra que se não tivesse cedido e se mantido fiel às suas propostas e princípios nada de errado teria acontecido. Na verdade, as análises post facto permitem a "manipulação" de fatores


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do passado e, assim, concluir pelo que se julgava por antecedência ser o mais correto. Por serem frágeis, consensos e compromissos políticos sempre deixam margem à reativação de discordâncias em qualquer momento do processo, principalmente quando determinada ocorrência serve ao propósito de reativar os valores de propostas anteriores.

Pressões de tempo e a solução rápida de problemas prementes tornam inadequados ou inoportunos métodos prolongados de análise. Na prática administrativa, informações incompletas e conflitos organizacionais tomam a maior parte da atenção de tomadores de decisão e analistas. Nesse contexto, alguns consensos e soluções rápidas, ainda que incompletos, passam a ser mais úteis e atrativos.

Há possibilidades diversas de se obterem acordos para se prosseguir na definição e execução de políticas. Por exemplo, para se alcançar consenso sobre meios, normalmente são necessárias muitas análises ou demonstrações sobre a validade do caminho a ser percorrido. No entanto, a concordância, em dimensões genéricas, de acesso e equidade nos serviços pode levar a um melhor diálogo, mesmo havendo discordância quanto aos meios.

Ao se aceitarem os próprios limites do processo decisório, procura-se reduzir as razões de cada funcionário para discordar ou para resistir às determinações coletivas. Ainda que preliminares e abstratos, os consensos fazem as pessoas se respeitarem umas às outras e facilitam a concordância sobre algumas ações práticas julgadas absolutamente necessárias ou urgentes.

A contraposição de ideias e de interesses políticos pode produzir significados compartilhados, conduzindo a algum consenso sobre formas de cooperação de ação coletiva para se produzirem melhores resultados.

 Diálogos livres e desfocados permitem avançar na capacidade criadora e despertam a vontade de construir. Para entender o sentido do outro e permitir maior harmonia no processo de decidir, as pessoas necessitam deixar-se vulneráveis a novas perspectivas.

Assim, parece recomendável uma fase de desprendimento da realidade para a entrada em um mundo mais amplo, diversificado e aparentemente desconexo. Aos poucos, as novas dimensões e ideias vão perdendo seu caráter nebuloso. Mesmo inquietas e incomodadas, as pessoas admitem novas possibilidades e reconhecem a novidade com vigor.

Pelas análises, debates, imaginação e ideação se adquire a consciência de algumas interdependências antes ignoradas. Muitas vezes as discussões começam por problemas muito singulares e depois avançam para as interdependências. Às vezes, é necessário se permitir, ou mesmo incentivar, a inclusão de ideias fora do foco central para se encontrarem novas perspectivas sobre o tema em questão.

Muitas análises são transitórias e servem apenas ao propósito de se chegar a um estágio mais avançado de definições. Diálogos livres permitem avançar na capacidade criadora: compartilham-se expectativas e intenções sobre a forma de agir. Assim se leva o problema a um novo espaço, iluminado de novas ideias, fazendo descobrir novas Possibilidades. Visualiza-se o diferente não só pela tensão dialética produzida pelo diálogo, mas também pelo sentir diferente e examinar o diferente. Unem-se as emoções e as realidades de cada um.

Valorização da capacidade humana de reconstruir aprimora o processo de formulação de política. Problemas fazem parte do cotidiano da gerência. Fazem as pessoas tornarem-se críticas da realidade e frustrarem-se diante da impossibilidade das soluções que julgam necessárias, mas também provocam nelas a busca de alternativas para levarem a cabo suas tarefas. As pessoas reconstroem continuamente sua visão de problemas e de soluções à medida que compreendem novas dimensões produzidas por novos dados. Valorizar essa capacidade humana de construir e reconstruir é valorizar o processo de aperfeiçoar a política pública e não de dominá-la em um esquema analítico restrito, apesar de sua aparente retidão e sofisticação. Na gerência contemporânea, o processo de obtenção de consenso para definir objetivos é recorrente e renovado pelas constantes provocações da sociedade. Em um mundo de mudanças rápidas, todas as políticas e objetivos carregam, desde sua definição, um caráter de obsolescência, e, portanto, devem ser vistos apenas como uma referência provisória do presente para o futuro. Ademais, todos os consensos são vulneráveis às lutas dos recursos de poder por domínio e, portanto, frágeis desde a sua formulação. Não se trata de deficiências da formulação e sim de produto de transformações sociais a reacender a necessidade de se atualizar o decidido.

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8 - GESTÃO ESTRATÉGICA EM SAÚDE

 

Fábio Patrus Mundim Pena, Ana Maria Malik e Fernanda Martins Viana

 


Introdução

 

Nos últimos anos, mudanças dramáticas têm ocorrido na indústria de serviços de saúde no mundo todo. Por um lado, a crescente pressão da demanda e a luta pela universalização do acesso aos serviços de saúde. Por outro, o rápido desenvolvimento e a inovação na tecnologia médica, fazendo com que os custos do setor venham crescendo com velocidade cada vez mais elevada, descolando-se dos demais setores da economia. Nesse contexto de pressão crescente por melhor gestão de custos, as­sociado a um processo de regulamentação cada vez mais forte, temos presenciado um esforço grande de profissionalização das organizações de saúde, em busca de melhores níveis de eficiência e eficácia organizacional.

Nesse cenário, as técnicas e ferramentas disponíveis no campo da gestão têm sido amplamente adotadas pelos gestores dos serviços de saúde internacionalmente como forma de melhoria dos proces­sos, redução dos custos, aumento da produtividade e consequente melhoria da sua competitividade no setor. No Brasil, os avanços têm sido mais tímidos.

Os processos relacionados com a gestão estratégica incluem-se nesse movimento e podem contribuir para um melhor posicionamento da organização e assim viabilizar os meios para alcançar o novo patamar de desempenho desejado. O processo de gestão estratégica inclui as seguintes etapas principais e desafios:

 

§     Análise do ambiente: como avaliar o ambiente externo e o ambiente interno de forma a extrair oportunidades a serem exploradas e ameaças a serem minimizadas?

§     Formulação estratégica: quais as formas de entrada no mercado e de posicionamento estratégico? Como definir o posicionamento adequado à organização?

§     Execução da estratégia: como disseminar a essência da estratégia até as bases da organização? Como traduzir a estratégia em ações e metas operacionais? Como construir e garantir a adequada im­plantação dos projetos e dos planos de ação?

§     Controle da estratégia: como garantir o adequado controle dos resultados do planejamento? Como avaliar a tendência de resultado da estratégia no médio e longo prazos?

 

Este capítulo abordará cada uma das etapas da gestão estratégica e as especificidades de sua implantação na área da saúde. Antes, porém, de focar o processo de gestão estratégica, é importante entender como se deu a evolução do seu entendimento e alguns conceitos e teorias desse campo de conhecimento.

 

Evolução da gestão estratégica

 

A aplicação dos conceitos de planejamento e estratégia à área empresarial se difundiu a partir de meados dos anos 1960, embora sua origem na área militar remonte ao século IV a.C, quando Sun Tzu escreveu o texto conhecido no Brasil como "A arte da guerra". Clavell, dentre outros autores, resgatou os conhecimentos de estratégia militar escritos por Sun Tzu como sendo aplicáveis ao mundo dos negócios (Clavell, 1983).

Na primeira metade do século 20, fase de desenvolvimento e consolidação das indústrias nos EUA, o objetivo gerencial focava a eficiência do processo produtivo. Acreditava-se que os gerentes conheciam naturalmente as estratégias de suas empresas. O planejamento baseava-se em controle orçamentário e financeiro, para períodos de 1 ano, tendo o lucro como objetivo principal e ponto de partida para o alcance dos demais propósitos da empresa.

Na década de 1950, o mercado encontrava-se em uma fase estável, com tendências evolutivas previsíveis de crescimento e baixa

 


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competição entre as empresas. O planejamento avança para 5 anos, período definido como longo prazo. Havia uma preocupação com o futuro, mas este ainda era visto como "extrapolação do passado" e as previsões baseavam-se em volume de vendas e não no mercado (Leitão, 1995).

Nos anos 1960, a instabilidade do mercado, a redução do crescimento e dos níveis de consumo e o aumento da competição entre empresas levaram as organizações a buscar novas formas de planejamento e gestão. Os gerentes passaram a se preocupar com os conceitos estratégicos na administração e o planejamento adotou a ideia de segmentação da empresa por unidades de negócio. Essa metodologia é denominada "carteiras de negócios", em que as forças competitivas de uma empresa eram comparadas com as oportunidades e ameaças do ambiente externo. Surgiram metodologias estruturadas para a utilização das estratégias e os orçamentos evoluíram de "extrapolações do passado" para instrumentos gerenciais com implicações estratégicas e operacionais.

A década de 1970 foi marcada pela turbulência acentuada do ambiente externo, com redução do crescimento econômico global e do mercado e acirramento da competição entre empresas, e pela atenção voltada à produção no ambiente interno, mas agora com vistas à qualidade. Produtividade e custos ganharam importância. O horizon­te do planejamento foi ampliado para 5 a 10 anos e encontrava-se dividido em níveis corporativo, setorial e funcional, a fim de compatibilizar os objetivos da corporação com as estratégias dos diferentes setores e negócios nela inseridos. Entretanto, devido a dificuldades na implantação das estratégias e do reconhecimento da importância do fator humano e da cultura organizacional para o sucesso dos processos, este planejamento estratégico passou a ser questionado, o que conduziu ao conceito de gestão estratégica, originado da contribuição de Hebert Simon e outros pesquisadores da área do comportamento organizacional (Ansoff, 1977).

A gestão estratégica enfatiza a integração do planejamento às demais funções administrativas, a necessidade de a estratégia ficar associada à operação e a importância do fator humano. É um modelo de gestão a longo prazo e que depende de apoio constante da alta direção.

Nas décadas de 1980 e 1990, o planejamento passou a ser visto como agente de mudança em função da instabilidade crescente do ambiente externo. O conceito de gestão estratégica foi identificado como mais abrangente que o do planejamento estratégico, pois abrange os processos de formulação, implementação e controle da estratégia.

Na década de 1990, alguns autores começaram a questionar os modelos tradicionais de planejamento por julgarem-nos inadequados a um contexto de rápidas mudanças.

Mintzberg (1994) defende a substituição do planejamento estratégico (strategic planning) pelo pensamento estratégico (strategic thinking). O processo de formulação de estratégia deve ser a captação daquilo que o administrador apreende (soft data, como experiências pessoais, e hard data, como pesquisas de mercado) e a síntese desse aprendizado aplicado em uma visão da direção do negócio. O planejamento seria um processo analítico de programação de estratégias já existentes. Quanto ao pensamento estratégico, seria um processo de síntese envolvendo intuição e criatividade, que produziria uma perspectiva integrada da empresa. O argumento é que, somente a partir de um processo livre, informal e descentralizado em todos os níveis da organização, é possível desenvolver uma perspectiva inovadora da corporação (Mintzberg, 1994). Outros, mais ligados à saúde, dizem que, independentemente de como venha a se usar o planejamento, este é uma prática (Testa. 1995). Esse mesmo autor sugere que falta desencadear um processo. Segundo ele, "... ao falar em desencadear um processo estamos estabelecendo prazos curtos, ou seja, começamos e não pontos de chegada..." (Testa, 1995, p. 23).

A partir dessa breve introdução histórica, destacamos quatro correntes teóricas que agregam as principais teorias explicativas da gestão estratégica e da performance organizacional: Teoria da Nova Organização Industrial, Teoria dos Recursos, Escola Austríaca e Teoria das Capacidades Dinâmicas.

Teorias no campo da estratégia

O entendimento do processo de definição da estratégia passa necessariamente por compreender quais fatores impactam direta ou indiretamente o desempenho da indústria e da própria empresa. Explicar as diferenças de desempenho entre as empresas tem sido uma questão central nas discussões no campo da gestão estratégica a partir da década de 1990. Enquanto a corrente da teoria da organização industrial defende que fatores do ambiente da indústria são os principais determinantes do desempenho da empresa (Porter e outros), os defensores da teoria baseada em recursos entendem que o ambiente interno da empresa e suas competências únicas direcionam, de modo predominante, a vantagem competitiva. A discussão gira em tomo da explicação para o desempenho da organização: se é provocado pelo setor no qual a empresa está inserida ou por fatores específicos da mesma.

Teoria da nova organização industrial

Um dos modelos conceituais mais difundidos para a análise estratégica é o modelo da nova organização industrial, apoiado nos trabalhos de Edward Mason e Joe Bain. De acordo com essa tendência, a performance econômica das firmas é o resultado direto de seu comportamento concorrencial em termos de fixação de preços e custos. Esse comportamento depende da estrutura da indústria na qual as firmas estão inseridas (Vasconcelos e Cyrino, 2000).

A análise de Porter sobre a vantagem competitiva acentua alguns elementos característicos da organização industrial. Porter compartilha o modelo de Mason e Bain, que tem como unidade de análise o mercado do setor (por eles denominados "indústria") e não a firma individual. Ele ainda defende que a lógica dos modelos de organização industrial é muito clara sobre a causalidade: a estrutura da indústria determina o comportamento dos agentes econômicos que, por sua vez, determina o desempenho das firmas.

Para Porter, o desenvolvimento de uma estratégia competitiva parte da definição de uma fórmula ampla para como uma empresa irá competir, quais deveriam ser suas metas e quais as políticas necessárias para cumpri-las. A essência da formulação de estratégia competitiva é relacionar uma companhia ao seu meio ambiente, sendo o Aspecto principal a indústria em que a companhia compete. Seu modelo formulação de estratégia competitiva inclui análise estrutural da indústria e da concorrência, baseado em cinco forças competitivas: entrantes potenciais, ameaça de substituição, poder de negociação dos compradores, poder de negociação dos fornecedores e rivalidade entre os atuais concorrentes. As cincos forças em conjunto determinam a intensidade da concorrência indústria e sua rentabilidade e a


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mais acentuadas tornam-se cruciais do ponto de vista de vista da formulação de estratégias. Características técnicas e econômicas de uma indústria são críticas para a intensidade de cada força competitiva. Uma vez diagnosticadas as forças que afetam a concorrência e suas causas básicas, a empresa terá condições de identificar seus ponto fracos e fortes e se posicionar em relação ao seu mercado (Porter, 1980). Porter, na primeira década do século 21, dedicou um livro à área da saúde, no qual sintetiza e tenta aplicar ao setor alguns temas já trabalhados em seus artigos mais gerais (Porter e Teisberg, 2007). Mais recentemente, foi feita uma análise dos textos de professores da Harvad Business School que se interessaram por saúde (Veloso, Bandeira-de-Mello e Malik, 13).

Teoria dos recursos

Diferentemente do modelo de Porter, a teoria dos recursos contesta os pressupostos de homogeneidade e imobilidade dos recursos e defende que, para cada firma, os recursos estratégicos são heterogêneos e podem não ser facilmente mobilizados, tornando a heterogeneidade muito mais duradoura.

Wernerfelt, um dos primeiros a introduzir a visão da organização a partir de seus recursos, em 1984, define recursos como ativos tangíveis e intangíveis “conectados" à organização. Como exemplos, cita marca, conhecimentos e tecnologias adquiridos, processos eficientes, entre outros. Sob essa visão, estratégias de crescimento devem envolver o equilíbrio entre a utilização máxima dos recursos existentes e o desenvolvimento de novos (Wernerfelt, 1984).

Barney, em 1991, ampliou esse conceito e definiu recursos como todos os ativos (tangíveis e intangíveis), competências, processos organizacionais, informações, conhecimento e outros atributos controlados por uma organização que a tornam capaz de conceber e implementar estratégias que melhorem sua eficiência e efetividade. Barney e outros, apoiando-se na teoria da visão baseada em recursos (resource based view - RBV), sugerem que as decisões estratégicas devem partir mais da análise de suas competências, ativos e habilidades únicas e menos da análise do ambiente competitivo. Uma das críticas em relação às análises do ambiente externo como ponto de partida para a estratégia é que as metodologias e fontes de informação do mercado são de conhecimento público. Assim, se as bases para a construção da estratégia são semelhantes para as empresas, as conclusões muito provavelmente também o serão. Portanto, o que tornará a estratégia diferenciada no mercado será a análise baseada nos recursos e nas competências únicas e exclusivas de cada organização (Barney, 1991).

Barney propôs quatro atributos para avaliar o potencial desses recursos como fonte de vantagem competitiva sustentável. São eles:

§     Terem valor, ou seja, serem capazes de potencializar oportunidades e neutralizar ameaças

§     Serem raros entre os concorrentes atuais e potenciais

§     Não serem imitáveis ou serem imitáveis de forma imperfeita

§     Não serem substituíveis por equivalentes.

A premissa da dificuldade em mobilizar recursos entre empresas do setor baseia-se na dificuldade dos competidores em imitar ou obter esses recursos, que pode ser explicada pelos seguintes fatores:

§     Dificuldade da empresa de obter os recursos, que podem depender de condições históricas únicas, o que irá requerer uma trajetória de experiência e aprendizado

§     Ligação entre os recursos controlados por uma empresa e sua vantagem competitiva, que pode não ser compreendida pelos concorrentes, ocorrendo o que o autor denomina "ambiguidade causal". Nesse caso, os concorrentes não saberão o que deve ser imitado

§     Dificuldade na obtenção dos recursos inerentes à complexidade do fenômeno social, que extrapola a capacidade do concorrente em gerenciá-los. Cita, como exemplo, as características específicas da cultura organizacional (Barney, 1991).

§     A Figura 8.1 mostra a relação entre os fatores distintivos dos recursos e a vantagem competitiva sustentável.

 


 

[Descrição da imagem] O diagrama ilustrado é composto por três blocos principais: O primeiro bloco à esquerda é intitulado "Heterogeneidade dos recursos da firma" e "Imobilidade dos recursos da firma". Este bloco tem uma seta apontando para o segundo bloco, que fica no centro do diagrama. O segundo bloco no centro é dividido em várias seções, intituladas como: "Valor", "Raridade", "Dificuldade de imitar" que é subdividida em: "Dependência da história", "Ambiguidade casual", "Complexidade social" e por último, "Dificuldade de substituir".  O terceiro bloco e último bloco que fica à direita do diagrama,  é intitulado como "Vantagem competitiva sustentável". Este bloco recebe uma seta do segundo bloco.  [Final da descrição]

Figura 8.1 A lógica da visão baseada em recursos. Fonte: Barney, 1991, tradução nossa.

 


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Escola austríaca

Outro importante grupo de contribuições às teorias de estratégia relaciona-se à dinâmica da empresa, dos mercados e da concorrência, enfatizando mais os processos de mudança e inovação do que as estruturas das indústrias ou os arranjos estáveis de recursos (Barney e outros). Os pioneiros deste movimento são economistas da Escola Austríaca, como Carl Menger, Von Mises, Hayek, Kirzner e Schumpeter. Para eles, a natureza da competição entre as firmas é independente da estrutura da indústria, assumindo a dinâmica competitiva e a descoberta das inovações como os fatores que mais influenciam os níveis de performance das firmas. Nesse sentido, o mercado, longe de ser equilibrado, é um processo de descoberta interativa que mobiliza informações divergentes e conhecimentos dispersos. As empresas obtêm lucros por meio da identificação de oportunidades e da mobilização pioneira de recursos operacionais pelos empreendedores, sempre buscando inovação e novos arranjos econômicos.

Teoria das capacidades dinâmicas

Contribuições da década de 1990 aproveitam as ideias das teorias dos processos de mercado e das teorias dos recursos e tentam formular uma teoria da formação das competências organizacionais em ambientes de alta complexidade e mudança constante. Essa teoria reforça a importância dos recursos como fonte de vantagem compe­titiva, porém adiciona à teoria baseada em recursos dois novos elementos diferenciadores:

§     Capacidade de a empresa alavancar seus recursos e competências, aperfeiçoando e recombinando os recursos existentes para criar novos produtos e mercados

§     Capacidade de a empresa criar um fluxo contínuo de inovações através do desenvolvimento de competências ligadas à própria capacidade de gerar novas competências e recursos. Essa visão traz a concepção de que os recursos são essencialmente dinâmicos e pautam-se por processo de renovação contínua.

Estudos da gestão estratégica na área de saúde

Ginter et al. em sua obra, Strategic Management in Healthcare Organizations, procuram integrar os vários modelos de gestão estratégica e discuti-los à luz das especificidades da área da saúde no modelo norte-americano. Segundo os autores, métodos analíticos e métodos intuitivos são complementares e contraditórios. É difícil iniciar e sustentar ações organizacionais sem um plano lógico. No entanto, em um ambiente dinâmico, como a área da saúde, deve-se aprender e estabelecer novos rumos continuamente (Ginter et al., 1998).

De acordo com Ginter et al., gestão estratégica é o "processo organizacional para identificar o futuro pretendido e desenvolver guias de decisão para alcançar esse futuro. O resultado do processo de planejamento estratégico é um plano ou estratégia" (Ginter et al., 1998, p. 13). Para os autores, gestão estratégica incorpora liderança e é vista como atitude. Segundo eles, “para que a gestão estratégica seja bem-sucedida, todos deveríam ser encorajados a pensar como líderes“ (Ginter et al., 1998, p. 18). O modelo de Ginter divide a gestão estratégica em quatro etapas: a análise de situação, a formulação, a implementação e o controle da estratégia.

A história do planejamento em saúde na América Latina tem como uma de suas origens reconhecidas um método, preconizado e divulgado pela Organização Pan-Americana da Saúde (1965), voltado à programação em saúde e ao chamado planejamento normativo (CENDES/OPS). Nos anos 1970, surge uma crítica que rompe com estes preceitos e começou-se a falar em planejamento estratégico e situacional. A partir de 1975, segundo Rivera (1989) e Chorny (1990) começa a se explicitar o caráter político do planejamento. Durante os anos 1980, o PES (planejamento estratégico situacional) começa a ser amplamente difundido no Brasil, e passou a ser entendido pelos atores do setor saúde, notadamente na área pública, como o método de planejamento estratégico mais adequado para o setor. Foi difundido pela Reforma Sanitária Brasileira, por meio de cursos de pós-graduação em sentido amplo por todo o país (Onocko, 2001). A partir dos anos 1990, surgiu uma crítica, principalmente fundamentada por Chorny (1990), no sentido de que boa parte dos modelos de planejamento utilizados na área de saúde está orientada no sentido de reduzir gastos, privilegiando os meios sobre os fins.

Esta crítica evidenciou que o objeto da planificação em saúde deixou de ser a produção de saúde para priorizar a administração eficiente de recursos. Esta contradição é apresentada por autores mais engajados no setor público e na formulação de políticas do que diretamente no cotidiano da prestação de serviços. Nesta visão, há quatro linhas teóricas predominantes (Onocko, 2000; 2001): o resgate do potencial comunicativo do planejamento estratégico (Rivera, 1992; Gallo et al., 1992); o subsídio do planejamento estratégico para a gestão democrática (Merhy, 1995; 1997; Campos, 1994); o aprimoramento de uma técnica de planejamento (Cecilio, 1997) e o planejamento frente às teorias da complexidade (Chorny, 1998).

Alinhado com essa visão mais política do planejamento em saúde, que questiona o pragmatismo e a direcionalidade do planejamento formal, Rivera sugere que a perspectiva comunicativa assume a importância do processo gerencial em uma postura dialógica com os diferentes atores envolvidos, que seja capaz de motivar a construção de projetos que possam ser assumidos coletivamente como compromissos. Segundo ele, nas organizações profissionais, como são as de saúde, justifica-se mais um conjunto de práticas que partilhem a filosofia por trás da gestão do que extensos processos de formalização de planos. (Rivera e Artmann, 1999).

Testa (1993) afirma que, além de todas as funções apresentadas em qualquer livro-texto, o planejamento deveria também estimular o crescimento e as possibilidades de mudança. Testa (1995) e Onocko (2001) também se apegam à inseparabilidade entre meios e fins, tornando o planejamento um espaço de produção. Essa autora identifica em seu levantamento que o planejamento é, com frequência, visto como um ritual, sem sentido próprio e com predomínio da lógica instrumental. Uma das alternativas a isso, presente na literatura brasileira, é a de que as organizações devem se movimentar no sentido de atingir não apenas a eficácia, mas também a promoção de algum tipo de subjetivação grupal para permitir aos trabalhadores o envolvimento e a realização no trabalho (Campos, 2000). Este planejamento no Brasil aparece no marco da Reforma Sanitária dos anos 1980 e se fortalece na vigência do Sistema Único de Saúde (SUS) (Escorel, 1998).

Uma pesquisa exploratória feita em 2000 com 6 hospitais dos EUA (região metropolitana de Atlanta) e 4 do Brasil (região metropolitana da Grande São Paulo) buscou avaliar, a partir de entrevistas com 40 executivos, o estado da utilização da administração estratégica nesses hospitais, naquele momento. A análise inclui identificação de


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semelhanças e diferenças no processo de decisão estratégica a partir das peculiaridades do setor e da situação de competitividade nos diferentes mercados em que estão inseridos. As entrevistas mostraram evidências de que os executivos dos hospitais brasileiros pesquisados não mostravam domínio no uso da gestão estratégica, uma vez que:

§     A definição de prioridades nos diferentes serviços não era clara para os executivos

§     O processo orçamentário apareceu, de forma geral, dissociado do processo de planejamento

§     A utilização de informações e de indicadores era pouco frequente

§     Os dados nacionais de produção do setor, quando existiam, eram muito mais a respeito do setor público que do privado.

O estudo mostra que nos EUA o mercado em saúde já era francamente competitivo, havia mais conhecimento dos modelos de planejamento, ensinados tradicionalmente nas escolas de graduação ou de pós-graduação em gestão de saúde. Naquele país, era esperado que os técnicos prestadores de assistência, de nível de instrução superior ou médio, tivessem conhecimento das características do setor e estivessem dispostos a colaborar com os esforços de sua organização. Algumas crises econômicas observadas, causando desemprego entre todas as categorias profissionais, mexeram na cultura a ponto de praticamente obrigar a colaboração a fim de garantir a sobrevivência das organizações. No Brasil, a preocupação com o mercado apenas começava a ser percebida no ano 2000, principalmente em função da competitividade (envolvendo concorrentes e operadoras), incluindo necessidade de recursos para incorporação de tecnologia (que serão necessários para todos, principalmente caso não seja possível trabalhar em aliança) e mudanças na demanda, tanto em termos demográficos quanto nosológicos (Malik e Pena, 2003).

Outra pesquisa sobre administração estratégica, realizada no Brasil em 2003, procurou identificar os principais temas que integravam a agenda dos executivos de hospitais. A pesquisa foi feita a partir de entrevistas com 12 executivos de 5 hospitais brasileiros pertencentes à ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados). Os resultados mostram que, de alguma forma, todos os executivos estavam envolvidos em processos de planejamento estratégico, com maior ou menor grau de formalização. No entanto, o estudo também mostrou que não havia, na maioria deles, um processo sistemático de estabelecimento de metas e avaliação de resultados, o que sinaliza para um entendimento do planejamento dissociado do controle dos seus resultados (Teles, 2003).

Mais duas pesquisas realizadas em organizações de saúde em 2011 (Ferreira Jr, 2011; Pedroso, 2011), também no estado de São Paulo, mostraram que os médicos apresentam características inerentes à sua formação profissional, com impactos na gestão das empresas, quando assumem responsabilidades na alta administração. Continuam evidenciando que a saúde apresenta um conjunto de particularidades que lhe conferem maior complexidade de gestão, obrigando a um conhecimento do setor e a adaptação de técnicas gerenciais. Nesse momento, era percebida a necessidade de governança corporativa para organizações do setor, além da já conhecida governança clínica, e de definição do modelo de negócios a ser seguido. Finalmente, todos os serviços pesquisados nesses trabalhos usavam o balanced scorecard (BSC), embora não ficasse claro se isto era uma nova percepção de ferramenta ou um modismo a ser seguido. Quase todos eles usavam um modelo de planejamento orçamentário, com análise SWOT. Não foi possível afirmar se estratégias já eram seguidas formalmente ou se as organizações caminhavam mais orientadas por intuição.

Etapas do processo de gestão estratégica

A seguir, discutimos com mais detalhes as etapas críticas do processo de gestão estratégica, ilustrado na Figura 8.2: análise de ambiente, formulação estratégica, execução da estratégia e controle da estratégia.

Análise do ambiente

A análise do ambiente consiste na análise do ambiente externo, na análise da concorrência (identificação dos concorrentes, das suas forças e fraquezas, e antecipação dos seus movimentos) e na análise do ambiente interno.

A seguir, apresentamos três modelos de análise do ambiente: análise SWOT, proposta por Andrews; análise situacional, proposta por Matus; e modelo das cinco forças, de Porter.

Análise SWOT

A metodologia SWOT foi proposta por Andrews e desenvolvida pela escola de Harvard. Suas iniciais significam Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats (Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças - FOFA) (Andrews, 1971). A análise do ambiente externo consiste no processo de extrapolar os limites do serviço e identificar mudanças e tendências do mercado que possam impactar suas atividades. A análise inclui avaliação de questões como desenvolvimento tecnológico, legislação, comportamento do consumidor, mudanças nas relações comerciais e tendências socioeconômico-culturais. Conforme seu impacto no serviço, as pressões do mercado são classificadas entre ameaças ou oportunidades. Baseando-se na concorrência, esse processo consiste em apontar as vantagens e desvantagens do serviço em relação aos concorrentes. Para análise do ambiente interno, o modelo propõe a identificação das forças e fraquezas do serviço. Em geral, as forças e fraquezas de uma organização são resultado: (a) das forças e fraquezas dos indivíduos que compõem a organização; (b) da forma como essas capacidades individuais são integradas no trabalho coletivo; e (c) da qualidade da coordenação dos esforços de equipe (Andrews, 1971).

Algo que em um dado momento é uma oportunidade pode se tornar uma fraqueza para a mesma organização. Da mesma maneira, o que é oportunidade para um serviço, para outro pode ser ameaça. A análise deve ser feita constantemente, para não perder a oportunidade de perceber as mudanças ocorridas.

Na área da saúde, pode-se considerar que o primeiro hospital a desenvolver programas de geriatria em uma comunidade com crescente número de idosos tenha respondido a uma oportunidade do ambiente. Os que começaram depois já tiveram esta implantação como resposta a uma necessidade e o último pode ter como ameaça a concorrência com outros centros especializados. No caso, dispor de equipe especializada em geriatria seria um ponto forte, e não ter instalações apropriadas seria uma fraqueza.

Análise situacional I Identificação de macroproblemas e nós críticos

A análise situacional, para os autores ligados ao Planejamento Estratégico Situacional (PES), como Carlos Matus, propõe-se explicitamente a não fazer um diagnóstico, mediante uma lista de fatores e condições, mas sim tentar explicar o que ocorre em uma dada situação, utilizando alguns elementos explicativos, valorativos. Não


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[Descrição da imagem] O diagrama intitulado "Processo de gestão estratégica em organização de saúde" descreve o fluxo de informações e decisões em um processo de gestão estratégica. O diagrama é dividido em várias seções: Inicialmente no canto superior esquerdo há uma seção, "Ambiente externo geral" que inclui: "Instituições governamentais", "organizações empresariais", "instituições educacionais", "instituições religiosas", "instituições de pesquisa" e "indivíduos/consumidores". Este grande retângulo aponta uma seta para um retângulo tanto à direita quanto abaixo, intitulado "Informação", que inclui: "tecnológica", "social", "regulatória", "política", "econômica" e "competitiva". Ainda na seção de "Ambiente externo", no canto superior direito há um retângulo "Ambiente da área da saúde", que inclui: "Instituições de planejamento e regulação em saúde"; "Organizações de saúde principais e secundárias"; "Representantes de organizações de saúde" e "Indivíduos/pacientes". A partir deste retângulo, há duas setas tanto à esquerda, quanto abaixo, ligando ao retângulo "Informação", que contém: "tecnológica", "social", "regulatória", "política", "econômica" e "competitiva".  Setas levam essas informações para o setor de "Questões do Ambiente". O retângulo "Questões do Ambiente" aponta duas setas principais para dois retângulos intitulados "Análise do Ambiente Externo" e "Análise do Ambiente Interno". Setas partem dessas duas análises para definir "Missão, Visão, Valores e Objetivos". A partir deste, setas apontam para o desenvolvimento de três tipos de estratégias: "Estratégias adaptativas", "Estratégias de entrada no mercado" e "Estratégias competitivas". A partir dessas estratégias, há setas que apontam para dois grandes retângulos, as estratégias são divididas em: "Estratégias para os serviços assistenciais de valor agregado" e "Estratégias para o suporte à assistência de valor agregado". A partir dessas estratégias, setas indicam a criação de "Planos de Ação das Unidades/Departamentos". Desses planos, há uma seta que aponta para uma grande retângulo que inclui um processo de "Objetivos", "Monitoramento", "Avaliação" e "Ação". Por fim, todo o processo é centrado na "A Organização", que busca se adaptar e competir no mercado de saúde. [Final da descrição]

Figura 8.2 Processo de gestão estratégica em organizações de saúde. Fonte: Ginter et al., 2002, tradução nossa.

 


se trata de dizer o que ocorre, mas como o que ocorre levou à situação vivida pela organização e como esta compreensão pode ser utilizada para modificar o status quo. Dito de outra forma é o cálculo sistemático que relaciona o presente com o futuro e o conhecimento com a ação. Define a situação "como um espaço de produção social onde o ator-eixo da explicação situacional desempenha um papel, assim como os outros atores (incluindo os seus oponentes). Tudo o que ocorre em termos de produção social depende do ator-eixo e dos outros atores, em interação com o cenário que os envolve a todos (Matus, 1996). No PES, esta análise representa o momento ex­plicativo. Esse autor ainda apresenta outros 'momentos', a saber: o normativo, o estratégico e o tático-operacional. A identificação dos macroproblemas e dos nós críticos é uma das abordagens utilizadas para a análise situacional.

Um problema é a discrepância entre o ser (ou a possibilidade de ser) e o deve ser, discrepância essa que os atores encaram como evitável ou inaceitável frente a um resultado de um jogo social, que contraria valores e normas do ator diante da realidade. Considerando a análise situacional, o que é problema para um ator social pode não o ser para outro (ou até ser uma solução para ele). Assim, a evitabilidade e a inaceitabilidade são apreciações dos atores sobre o problema, as quais o levam a defini-lo como tal.

O consenso em torno dos macroproblemas deve ser construído a partir da participação ativa dos dirigentes e lideranças-chave da instituição. Para esse objetivo pode ser adotada a técnica de brainstorming ou técnicas de visualização. As técnicas de visualização consistem em registrar ideias de modo que todos possam vê-las, simultaneamente. Quem tem uma informação ou opinião a apresenta por meio de instrumentos como quadros, blocos de notas, apresentações eletrônicas, entre outros. A utilização de painéis em que são afixadas cartelas coloridas, de forma ordenada, é uma técnica de visualização muito utilizada em oficinas e que potencializa as vantagens trazidas pelo uso das técnicas de visualização (IPEA, 2010).

 


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Outra abordagem na sequência da priorização dos macroproblemas é a identificação dos nós críticos, feita por meio do processamento da "árvore de problemas" (ou "fluxograma situacional"), na qual são definidas:

§     As manifestações que melhor descrevem o problema, expressando-o em forma de descritores. Os descritores cumprem o papel de enumerar de forma clara os fatos que mostram que o problema existe e tornam mais preciso o enunciado do problema, para que o mesmo possa ser verificável por meio da enumeração dos fatos que o evidenciam. Assim, a descrição de um problema expressa seus sintomas, ou seja, suas evidências na situação inicial, e estabelece uma linha de base para aferir a mudança esperada com a intervenção para enfrentar o problema (IPEA, 2010)

§     As causas que determinam o problema

§     As consequências do problema

§     A cadeia lógica multicausal entre os descritores, causas e consequências.

Assim, a árvore de problemas deve ser desenhada de maneira clara, sintética e precisa, a partir da identificação dos descritores, das causas e consequências do problema e da forma como estão relacio­nadas entre si. Essas diferenciações entre os descritores, as causas e as consequências são importantes para orientar as ações efetivas para a mudança prevista pelo projeto (Rivera, 1995).

A Figura 8.3 ilustra de forma esquemática uma árvore de problemas.

Da mesma maneira que os macroproblemas, a árvore deve ser construída com a participação dos principais dirigentes. O grupo pode ser ampliado, com a inclusão de lideranças diretamente envolvidas nos problemas selecionados. A oficina deve partir do entendimento e da validação dos macroproblemas priorizados e uma árvore deverá ser construída para cada problema priorizado, a não ser que eles tenham naturezas semelhantes e possam ser agrupados. O primeiro momento é a identificação dos descritores, que parte da resposta à seguinte pergunta: qual é a causa do fato descrito em d1? Essa pergunta deve ser feita para cada um dos descritores do problema.

Os descritores de um problema devem ser capazes de (a) sintetizar as distintas interpretações sobre o enunciado do problema em um só significado para os atores que o analisam; (b) estabelecer os fatos que devem ser explicados; (c) verificar o problema de modo que se possa monitorar, a fim de acompanhar a sua evolução; (d) servir de referência para a avaliação do impacto do plano sobre o problema (Matus, 1996).

Após a definição dos descritores, o passo seguinte é encontrar a causa da causa e assim sucessivamente, até que o grupo de trabalho se sinta satisfeito com a explicação. Na sequência, são estabelecidas as relações dos descritores com as consequências, supondo que o problema não seja resolvido.

A partir da reflexão coletiva sobre os descritores, suas causas e consequências e suas relações, é possível estabelecer os nós críticos. De acordo com Matus, os nós devem preencher simultaneamente três requisitos:

§     A intervenção sobre esta causa tem impacto decisivo sobre os descritores do problema e no placar do jogo no sentido de modificá-los positivamente?

§     A causa é um centro prático de ação? Ou seja, há possibilidade de intervenção, mesmo que não seja pelos atores que a explicam?

§     É politicamente oportuno atuar sobre a causa identificada (viabilidade política e mudanças favoráveis nos problemas)? (Matus, 1996).

Se as três condições são cumpridas simultaneamente, a causa pode ser selecionada como nó crítico. Cada nó crítico deve ser o foco prioritário de intervenção, por meio dos planos de ação, uma vez que terão maior chance de obter êxito sobre os descritores do problema.

Modelo das cinco forças

O modelo das cinco forças de Porter sugere que as empresas devem analisar seu ambiente competitivo, escolher suas estratégias, e então buscar os recursos necessários para implementá-las. Esse pressuposto está fundamentado na crença de que as empresas pertencentes ao mesmo setor têm os mesmos recursos para implementar


 

 

[Descrição da imagem] O diagrama apresentado é conhecido como diagrama de Ishikawa. No topo, há um espaço para escrever o "Problema". Abaixo, há três colunas principais: "Causas", "Descritores" e "Consequências". Na coluna "Causas", há duas caixas retangulares conectadas a uma linha vertical. Na coluna "Descritores", há duas caixas retangulares marcadas como "d1" e "d2...". A caixa "d1" está conectada a uma linha horizontal que se estende para a direita, e a caixa "d2..." está conectada a duas caixas retangulares abaixo dela.  Por último, na coluna "Consequências", há duas caixas retangulares conectadas por uma linha vertical.  [Final da descrição]

Figura 8.3 Modelo esquemático da árvore de problemas. Fonte: modelo adaptado - PES/MAPP - Artmann, 1993; Rivera, 1995.

 


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suas estratégias (pressuposto da homogeneidade dos recursos). Caso, no limite, algum recurso diferente seja introduzido, as empresas terão rápido acesso a ele (pressuposto da mobilidade dos recursos) (Porter, 1985; Rumelt, 1984). Nesse sentido, a fonte de vantagem competitiva está na capacidade de lidar melhor com o ambiente competitivo no qual a empresa está inserida, determinado por cinco forças, a saber:

§     Ameaça de novos entrantes: novos entrantes aumentam a intensidade da concorrência à medida que passam a disputar o mesmo mercado das organizações existentes. No entanto, o grau de ameaça depende das barreiras de entrada ao setor. Se as barreiras forem significativas, essa ameaça tenderá a ser menor. Isso pode ocorrer, por exemplo, em mercados com maiores ganhos com a economia de escala, maior diferenciação de produtos ou serviços, necessidade de altos investimentos para iniciar as atividades ou restrições legais ou governamentais. Na área de saúde, um novo hospital de luxo aberto em uma região de alto poder aquisitivo mexe com todo o mercado local na disputa pelos pacientes e com o mercado como um todo em função dos funcionários que ne­cessita contratar

§     Poder de barganha dos clientes: clientes e consumidores buscarão obter sempre o menor preço possível para um determinado padrão de qualidade ou valor agregado do produto ou serviço. Se os consumidores têm maior poder de barganha, maior será a intensidade da competição neste setor. Operadoras de saúde conseguem preços melhores porque depende delas o número de pacientes que procuram determinado serviço

§     Poder de barganha dos fornecedores: assim como os consumidores, os fornecedores podem afetar a intensidade da competição por meio do poder de controle de preços e da qualidade dos suprimentos fornecidos. Esse poder é maior em setores com menor número de fornecedores, com poucas opções de produtos substitutos, com alta diferenciação ou quando o setor do comprador não for relevante no mercado total do fornecedor. Algumas indústrias farmacêuticas conseguem vender reagentes ao preço que lhes interessa, tendo em vista a necessidade de realização de exames

§     Ameaça de bens ou serviços substitutos: em muitos setores, há uma variedade de produtos substitutos que atendem à mesma função ou que competem entre si, dentre as opções do cliente. É o caso, por exemplo, na área da saúde, das técnicas de cirurgias minimamente invasivas como alternativa de indicação, em casos específicos, às cirurgias abertas

§     Rivalidade entre os concorrentes atuais: a competição entre os concorrentes tenderá a ser maior em mercados onde há muitos concorrentes em níveis semelhantes, crescimento lento da indústria, falta de diferenciação, altas barreiras de saída. Por exemplo, serviços de check-up podem ser vistos como muito semelhantes pelos usuários potenciais.

Formulação estratégica

O processo de formulação estratégica é a etapa seguinte à análise do ambiente. Seja considerando o modelo SWOT, a análise situacional proposta pelo PES ou o modelo das cinco forças, a formulação consiste em identificar objetivos que contribuam para minimizar as ameaças do mercado e as fraquezas internas e potencializar as oportunidades existentes no ambiente e os pontos fortes do serviço. A primeira etapa do processo de formulação é a construção ou validação da missão visão e valores.

Missão, visão e valores

A missão organizacional representa uma afirmação que resume a razão de existir da organização e o seu papel principal no atendimento das necessidades de uma determinada clientela. A missão deve ser construída de forma participativa, com o envolvimento de lideranças e equipes, e deve levar em consideração o diferencial da organização para fazer frente aos desafios do mercado, dos concorrentes e do seu próprio ambiente. A missão responde a questões como: Quem somos? O que fazemos?

A visão representa o que os acionistas ou o Conselho de Administração entendem como o futuro desejado da organização, geralmente no prazo de 5 a 10 anos. A visão responde a questões como: O que queremos? Deve ter orientação para o mercado e expressar, de forma visionária, como a empresa quer ser vista pelo mundo. A declaração de visão deve conter 3 componentes vitais: um objetivo ousado definição do nicho de atuação e o horizonte temporal.

Um exemplo é a visão da Wells Fargo. "Ter um milhão de clientes online até o final da década."

No caso da Cleveland Clinic, a visão consta de seu site em fevereiro de 2015, sob o título "a visão do fundador": "tornar-se o líder mundial em experiência do paciente, resultados clínicos, pesquisa e educação."[nota1]

Os valores são as crenças fundamentais que se espera permeiem as ações da organização. Os valores indicam a filosofia da empresa uma vez que especificam os princípios norteadores das suas ações. Indicam atitudes, comportamento e caráter.

Quanto à Cleveland Clinic, seu site explicita que ela foi criada por líderes que acreditavam em princípios simples e assumiam seis valores fundamentais:

§     "Qualidade: mantemos os padrões mais elevados e os alcançamos medindo os continuamente e melhorando nossos resultados

§     Inovação: damos as boas-vindas à mudança, encorajamos a invenção e buscamos continuamente formas melhores e mais eficientes para atingir nossos objetivos

§     Trabalho em equipe: colaboramos e partilhamos conhecimentos, para beneficiar os pacientes e nossos colegas prestadores de cuidado para avançar nossa missão

§     Serviço: lutamos para superar as expectativas de nossos pacientes e prestadores em relação a conforto e conveniência

§     Integridade: aderimos a princípios morais e padrões profissionais elevados, comprometendo-nos com honestidade, confidencialidade, confiança, respeito e transparência

§     Compaixão: demonstramos nosso compromisso com cuidado de classe internacional oferecendo um ambiente de cuidado e de apoio para nossos pacientes, familiares e prestadores de assistência."[nota2]

Originários do movimento pela qualidade total, missão, visão e valores passaram a incorporar o menu de gestão da maioria das empresas. Na área da saúde, a formalização e divulgação ampla dessas definições é também uma exigência dos manuais de acreditação, no entanto, nem sempre se conectam de forma consistente ao planejamento estratégico da instituição. Algumas, inclusive, desenvolvem estas atividades mais para responder aos requisitos do avaliador externo do que em função de sua necessidade interna (Malik e Pena, 2003)


 


P. 121

 

Ao olharmos a definição da missão, visão e valores de um conto de organizações de saúde, notamos também que tendem a ser muito semelhantes, muitas com os chavões "excelência ou segurança assistencial" ou "foco na superação das expectativas dos clientes". A sensação que passa para quem as lê é que se tornaram, em sua maioria, definições burocráticas, feitas para cumprir uma exigência formal, perdendo assim seu real potencial de comunicar a vocação da instituição e de conectar todas as partes interessadas à sua estratégia.

Essa reflexão crítica é consistente com a obra "Start with Why", de Simon Sinek, em que apresenta o que chama de "golden circle" (círculo dourado) (Sinek, 2009)[nota3]. No texto, ele mostra a diferença entre aque­las organizações ou líderes que valorizam "o que" fazem e "como" fazem e se esquecem de demonstrar de forma clara "por que" fazem. Um dos exemplos citados por ele para demonstrar sua hipótese é o comparativo entre Dell e Apple. Apesar de ambas serem igualmente qualificadas para vender computadores, enquanto a Dell comunicava o que fazia e os diferenciais do seu produto e serviços (o quê e como), a Apple comunicava suas crenças no "pensar diferente" no desafio ao status quo, na importância de conectar pessoas (o porquê), como essência que conecta as pessoas às suas crenças e antecede a venda de produtos inovadores, amigáveis e com designs atraentes (o como), que vão de computadores a sites de música (o quê). Um texto extraído de uma palestra do Steve Jobs, à época, presidente da Apple, reflete esse conceito:

 

"O que nós somos não tem a ver com fabricar caixas para que as pessoas possam cumprir suas tarefas. A Apple é mais do que isso. Em seu âmago, seu valor central, é que nós acreditamos que pessoas com paixão podem mudar o mundo para melhor. É nisso que acreditamos."[nota4]

 

O posicionamento de Sinek, apesar de empírico e não questionar diretamente a missão das organizações, nos leva a refletir sobre o quanto os textos da missão e visão das organizações de saúde são pouco inspiradores, talvez porque elas estejam focadas no "o quê" e no "como" e o quanto haveria de ganho se fossem elaboradas com foco no "porquê". Dessa forma, poderiam ser capazes de inspirar, conectar e trazer mais significado a todos aqueles que interagem com a organização (de clientes a empregados) em torno das suas reais crenças e motivações.

Essa orientação sobre o objetivo inspiracional de missão, visão e valores é consistente com a visão de Kotler (1998) que afirma que uma missão bem difundida e bem explícita pode desenvolver nos funcio­nários um senso comum de oportunidade, direção, significância e realização. Torres e Torres (2008) também afirmam que uma das funções da missão é direcionar e inspirar as pessoas a convergirem em relação aos seus propósitos em todos os níveis da organização. Nesse sentido, não deve se limitar a descrever os objetivos da organização em termos de produtos e clientes (Filho et al., 2010).

A seguir alguns exemplos de missão e visão mais alinhados com esse objetivo inspiracional:

Organizar as informações disponíveis no mundo e torná-las acessíveis e úteis para todos." (Missão da Google)

"Prestar o melhor cuidado ao doente, pesquisar seus problemas a fundo e educar continuamente aqueles que servem." (Missão da Cleveland Clinic)

"Cuidar de vidas" afirmando nosso compromisso com a qualidade médico-assistencial e a segurança do paciente. (Missão do Hospital Moinhos de Vento)

"A visão do Children's Health System é uma melhor infância para todas as crianças. Nós visionamos uma infância em que todas as crianças têm acesso à assistência à saúde, vivem em comunidades seguras, crescem em famílias economicamente estáveis e atendem a escolas funcionais em suas comunidades que valorizem cada criança como um ser humano único." (In: Ginter, 2013, p. 192, tradução nossa).

 

Estratégias adaptativas, de entrada no mercado e de posicionamento

Definidas ou validadas a missão, visão e valores, também denominadas estratégias direcionais, a formulação da estratégia prevê também a reflexão e decisão acerca de outro conjunto de estratégias com base na análise do ambiente. Essas estratégias envolvem decisão sobre o crescimento ou retração do negócio (estratégias adaptativas), mecanismos de entrada ou saída do mercado (estratégias de entrada) e a forma pela qual a organização pretende se diferenciar (estratégias de posicionamento). Em cada tipo de estratégia, deve haver uma avaliação com base nos cenários interno e externo e a escolha de qual estratégia deve ser implementada. O Quadro 8.1 mostra as várias estratégias que compõem o mapa de pensamento estratégico, proposto por Ginter.

Estratégias adaptativas

Uma vez definidas a missão e visão organizacionais, a decisão seguinte passa pelas opções de aumentar, reduzir ou manter o escopo dos serviços e operações, definidas como estratégias adaptativas.

O Quadro 8.2 aponta os objetivos de cada uma das estratégias adaptativas.

No Brasil, como exemplo da área da saúde, podemos citar o caso da Unimed, com estratégia clara de aumento do escopo, por meio da integração vertical e expansão de mercado. Além de partir para o negócio de hospitais próprios, desenvolveu uma cooperativa de crédito

 

Quadro 8.1 Mapa de pensamento estratégico.

Estratégias adaptativas

Aumento do escopo: diversificação, integração vertical, expansão de mercado, desenvolvimento de produto, desenvolvimento de mercado Redução do escopo: desinvestimento, liquidação, harvesting, enxugamento Manutenção do escopo: melhoria, manutenção do status quo

Estratégias de entrada

Compra: aquisição, licença, venture capital

Cooperação: fusão, aliança, joint venture

Desenvolvimento interno

Estratégias de posicionamento

Estratégias genéricas: liderança por custo, diferenciação, foco

Disciplinas de valor, liderança em produto, excelência operacional, intimidade com cliente

Estratégia do oceano azul

Fonte: adaptado de Ginter et al., 2002. Tradução nossa.


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Objetivo

Estratégia

Definição

Aumento do escopo

Diversificação

Busca de novos mercados, diferentes do foco de operação central da organização. Pode ser relacionada se a organização opta por entrar em um mercado similar e não relacionada se a organização entra em mercados com produtos de outros setores.

 

Integração vertical

Decisão de crescer ao longo do canal de distribuição das operações centrais da organização. Há dois tipos de integração: integração para trás (a montante), quando o crescimento é voltado para a cadeia no sentido dos fornecedores, integração para a frente (a jusante), quando a expansão se dá em direção aos consumidores.

 

Expansão de mercado

Esforço de atuar melhor em mercados e produtos já existentes, em geral por meio de estratégia de marketing (promoção, distribuição ou preço).

 

Desenvolvimento do produto

Visa à entrada de novos produtos ou serviços nos mercados existentes. Em geral, ocorre por meio da melhoria de produto ou ampliação da linha de produtos existentes.

 

Desenvolvimento de

mercado

Usado para entrar em novos mercados com produtos ou serviços existentes. Especificamente, pode se dar por meio da expansão geográfica ou busca de novos segmentos de mercado na mesma área geográfica. Um tipo de desenvolvimento de mercado é a integração horizontal em que se buscam novos mercados por meio da aquisição ou afiliação com competidores

Redução do escopo

Desinvestimento

Venda de uma unidade de produção com o objetivo de se retirar de um mercado especifico. Em geral, a unidade continua a ser operada pelo comprador.

 

Liquidação

Venda de parte ou todo o ativo da organização a fim de gerar caixa.

 

Harvesting

Busca o máximo de receita a curto prazo em mercados já em fase de declínio, antes que o produto ou serviço sejam eliminados. A opção nesse caso é descontinuar os investimentos naquele mercado.

 

Enxugamento

Voltado para redução dos custos, redefinição da linha de produtos ou redução da área de atuação dos segmentos de mercado. com vistas ao aumento da produtividade, redução dos tempos de entrega e outros.

Manutenção do escopo

Melhoria

Esforço por melhorar os processo operacionais dos produtos ou serviços existentes, seja por meio de programas de qualidade, aumento da produtividade, redução dos tempos de entrega e outros.

 

Manutenção do

Status quo

Busca manter a posição atual de mercado, sob a premissa de que a organização possui boa participação de mercado e tem condições de manter essa posição sem novos investimentos.

Fonte: adaptado de Ginter et al., 2002, tradução nossa.

 


- a Unicred - e tem buscado novos mercados, por todo o espectro do mercado (Albuquerque, 2006). Também se verifica que é cabível olhar para ela por meio da visão baseada em conhecimento, tendo em vista sua gestão por meio de médicos (Magalhães, 2012).

Como exemplo de adoção de estratégias de diversificação, podemos citar o caso do Fleury S.A., que, em 1989, estabeleceu uma parceria com a Merck Group para teste do antirretroviral contra o HIV. Isso caracterizou a entrada do Fleury no mercado de pesquisas clínicas multicêntricas para testes de novos medicamentos. A empresa hoje é responsável pela logística de coleta, análise de amostras, estruturação de relatórios e transferência eletrônica de resultados, conforme o padrão de qualidade exigido pela indústria farmacêutica e órgãos nacionais e internacionais que regulam estes estudos. Para tanto, criou uma unidade de negócios composta por uma equipe multiprofissional dedicada exclusivamente aos protocolos de pesquisa clínica e mantém contato com mais de 240 centros de pesquisa clíni­ca em todo o Brasil. A ampliação do escopo de atuação ultrapassou os limites do diagnóstico e posicionou a empresa também nos serviços de prevenção e tratamento, caracterizando uma estratégia de diversificação horizontal que visa encontrar outras áreas de atuação para sustentar o crescimento da empresa. Exemplos são a criação do Serviço de Aconselhamento Genético e o Check-up Fleury, em 1999 o Check-up Fitness, em 2003, o Check-up do Viajante, em 2005. Em julho de 2006, a empresa lançou o Check-up Nippon, customizando o serviço para executivos japoneses e seus familiares, com atendimento no idioma nativo e exames específicos para as necessidades desse público (Macedo, 2007). Em 2011, deu mais um passo em seu processo de expansão de mercado, porém, dessa vez a partir do de­senvolvimento de novos mercados. A estratégia visava alcançar novas regiões do Brasil e novos segmentos, no caso, os públicos das classes B e C fora do estado de São Paulo. O grupo adquiriu 13 laboratórios em outros estados e resolveu criar nova marca, a A+ Medicina Diagnóstica, que acabou por incorporar sua marca em outras 12 unidades. A aposta partiu da premissa de que em outros estados brasileiros, fora de São Paulo, a empresa de medicina diagnóstica de alto padrão é desconhecida e o poder aquisitivo costuma ser menor em relação ao dos clientes paulistas[nota5].

Também é possível identificar exemplos de aumento de escopo quando um hospital diversifica seu escopo de atuação para oferecer serviços ambulatoriais e de medicina diagnóstica em unidades independentes do hospital ou ainda quando cria um Instituto de Ensino e Pesquisa como discutido respectivamente nos trabalhos de Sato (2004) e Fiorentini (2005).

 

Estratégias de entrada

 

Se a decisão for aumentar ou manter o escopo das operações, o passo seguinte será decidir as estratégias de entrada no mercado três métodos principais de entrada no mercado: compra de ativos empresas, cooperação com outras organizações ou desenvolvimento interno de novos produtos e serviços. O Quadro 8.3 descreve as estratégias em cada um desses métodos.


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Objetivo

Estratégia

Definição

Compra

Aquisição

Busca expandir o mercado por meio da compra de uma organização existente.

 

Licença

Compra ou permissão de uso de um determinado ativo (tecnologia, mercado, equipamentos) por meio de contrato. Um tipo de licença é a franquia.

 

Venture capital

Investimento financeiro em uma organização para participar dos benefícios da sua instalação ou crescimento.   

Cooperação

Fusão

Acordo entre duas ou mais organizações para formação de uma única e nova empresa.

 

Aliança

Parcerias formais entre duas ou mais organizações para alcançar objetivos a longo prazo em geral inviáveis para as organizações se feitos isoladamente.

 

 

Joint venture

Combinação de recursos de duas ou mais organizações em geral para integração das competências de cada uma em torno de um objetivo comum.

Desenvolvimento interno

Desenvolvimento interno

Prevê o uso de recursos próprios para o desenvolvimento de produtos ou início de novas operações.

Fonte: adaptado de Ginter et al., 2002, tradução nossa.

 

As estratégias de diversificação do Fleury descritas anteriormente foram apoiadas por diferentes estratégias de entrada de mercado, como, por exemplo, fusão e joint venture. Em 1983, o Fleury ampliou seu escopo original restrito aos serviços de laboratório clínico e pas­sou a incorporar exames de imagem por meio de joint ventures com equipes médicas de excelência em cada especialidade, passando a atuar como um centro completo de medicina diagnóstica (Macedo 2007).

Estratégias de posicionamento

Outro grupo de estratégias está relacionado com o posicionamen­to da organização no mercado. Destacamos as estratégias genéricas de Porter (1985), as disciplinas de valor, de Treacy e Wiersema (1993), e a estratégia do oceano azul, de Kim e Mauborgne (2004). O Qua­dro 8.4 mostra o foco de cada uma delas.

Na área da saúde, é possível identificar, por exemplo, entre os hospitais, aqueles com estratégia clara de diferenciação. A renova­ção constante da infraestrutura física e tecnológica, associada à so­fisticação dos serviços de hotelaria e à qualificação do corpo clínico e assistencial são estratégias que visam aumentar o valor agregado que sustenta preços superiores, em geral restringindo o acesso aos segmentos premium.

Execução da estratégia

Para Kaplan e Norton (2001), há uma crença enganosa de que a estratégia certa é condição necessária e suficiente para o sucesso do planejamento. Eles estimam que, em 70% dos casos, o verdadeiro problema não é a má estratégia e sim a execução inadequada. Pes­quisas realizadas pela entidade inglesa The Economist Intelligence Unit

 


 


Quadro 8.4 Estratégias de posicionamento | Tipos e abordagens.

Estratégia de posicionamento

Diferenciação

A diferenciação requer uma abordagem orientada para o valor agregado. O objetivo principal é redefinir as regras que levam os consumidores a suas decisões de compra, oferecendo-lhes algo único que seja valioso. Trata-se de uma escolha estratégica para prover algo de valor aos consumidores que não seja um preço baixo.

 

Baixo custo

Estratégia que procura explorar agressivamente oportunidades de redução nos custos por meio de economias de escala e curvas de aprendizado (efeito da experiência) nos processos produtivos e de compra. Líderes em custo costumam cobrar menos por seus produtos e serviços do que seus rivais e buscam uma participação de mercado substancial atraindo primordialmente consumidores sensíves a preço.

 

Nicho de mercado (foco) x mercado amplo

As estratégias genéricas de diferenciação e custo devem ser associadas à estratégia de abrangência de mercado. A abrangência focada em nichos identifica um mercado específico em que os produtos podem ter interesse de um grupo bem definido de consumidores. Por outro lado, estratégias voltadas para o mercado amplo são voltadas para abrangência em todo o mercado.

Disciplinas de valor (Treacy e Wiersema)

Liderança em produto

Empresas que buscam liderança em produto normalmente são voltadas para a inovação constante, oferecendo maior valor em um fluxo contínuo de produtos e serviços de última geração.

 

Excelência operacional

Abordagem estratégica voltada para melhores mecanismos de produção e entrega, em geral por meio da inovação em seus processos operacionais.

 

Intimidade com cliente

Concentra-se em construir a fidelidade do cliente, adaptando continuamente seus produtos e serviços às mudanças de necessidades dos clientes.

Estratégia do oceano azul (Kim e Mauborgne)

 

Estratégia do oceano azul

Os oceanos caracterizados a partir dos mercados. Oceano vermelho representa os mercados existentes, com características e regras de jogo bem conhecidas entre os concorrentes. Oceano azul denota todos os mercados ainda inexistentes, desconhecidos e ainda a serem explorados. Em oceanos azuis, a demanda é criada e não disputada. A estratégia do oceano azul pode ser obtida a partir da procura por criar novos mercados, tornando a competição irrelevante, criando e capturando novas demandas, eliminando o trade-offentte valor e custo, alinhando-se todos os processos para a busca de diferenciação e baixo custo.

Fonte: adaptado de Ginter et al., 2002.



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(2008) apresentam resultados que evidenciam o descompasso entre estratégia e performance na execução das mesmas como a causa principal de insucesso.

Para Charan e Bossidy (2004), a maioria dos executivos não en­tende a disciplina da execução. Execução não é uma maneira simples de colocar atenção nos detalhes. Ela envolve um conjunto de processos críticos que constituem o suporte do comportamento da liderança.

Embora a formulação e a execução sejam tarefas separadas, elas são interdependentes. Por isso, é necessário haver compromisso e patrocínio, pela alta direção, das iniciativas da organização em todos os níveis, criando mecanismos de controle e incentivos adequados para sua realização.

O processo estruturado de execução da estratégia passa por duas etapas:

§     Desdobramento das estratégias formuladas e definição de seus mecanismos de controle

§     Realização de projetos e ações nos diversos níveis organizacionais.

O desdobramento da estratégia utiliza as ferramentas de gestão que possibilitam o mapeamento dos objetivos e a correlação com os indicadores de desempenho. Esses objetivos são refinados nos diver­sos níveis hierárquicos e/ou nos processos dos negócios, de forma a determinar os projetos e as ações para a concretização das escolhas estratégicas (Kaplan e Norton, 2004).

Na execução ou implementação da estratégia, os esforços dos di­ferentes setores da organização - marketing, sistemas de informação, gestão de pessoas e finanças - devem estar direcionados ao cumpri­mento da missão da organização e da sua visão para o futuro.

Devido ao seu nível de aprofundamento no processo de execução do plano e à sua utilização pelas empresas e aplicabilidade ao con­texto das instituições de saúde, optamos por discutir três modelos:

§     O modelo de gestão estratégica que valoriza o foco na execução - Execução Premium - proposto por Kaplan e Norton (2008)

§     A gestão de projetos, segundo o Project Management Institute (2000)

§     A adoção do 5W2H para elaboração de planos de ação

Execução Premium

O Balanced Scorecard (BSC) foi inicialmente concebido como sistema de mensuração do desempenho, quando da sua primeira publicação em 1992. Em 2004, com seu livro Strategy Maps (mapa estratégico), evoluiu para a construção de mapas estratégicos como forma de traduzir e interligar os objetivos estratégicos, seus indi­cadores e metas. Com a publicação em 2008 do livro The Execu- tion Premium, os autores consolidam um modelo abrangente de gestão estratégica que integra os processos anteriores e inclui os processos fundamentais para converter a estratégia em processo contínuo (Kaplan e Norton, 2008). Por esse novo modelo, o proces­so de gestão estratégica envolve 6 estágios: desenvolvimento da estratégia, planejamento da estratégia, alinhamento da organização planejamento das operações, monitoramento e aprendizado, testes e adaptação.

O desenvolvimento da estratégia refere-se à fase de formulação estratégica e corresponde às etapas já apresentadas, de elaboração da missão, visão e valores, análise do ambiente competitivo e defini­ção das estratégias do negócio, quanto ao seu escopo e posiciona­mento.

O segundo estágio, de planejamento da estratégia, prevê a organização dos objetivos estratégicos por meio do mapa estratégico, a definição dos indicadores e metas, as iniciativas e o orçamento necessário para o alcance desses objetivos. O mapa estratégico é utilizado para traduzir a missão e as decisões estratégicas em um conjunto de objetivos e parâmetros de desempenho que servirão de base para avaliação e comunicação dos resultados da gestão estratégica.

O momento seguinte prevê o alinhamento da organização com a estratégia. Essa etapa é fundamental para que se obtenham os melhores resultados em uma organização multifuncional e com várias unidades de negócio. Os gestores devem alinhar as estratégicos de cada unidade de negócio ou unidade funcional com a estratégia da organização, buscando sinergia entre as unidades, a fim de otimizar os resultados.

O quarto momento é voltado para o planejamento das operações no qual busca-se conectar as operações diárias e a estratégia a longo prazo. Nesse estágio, a organização deverá alinhar suas atividades de melhoria de processos com as prioridades estratégicas, de modo a integrar a estratégia aos planos e orçamentos operacionais.

Os momentos de monitoramento e aprendizado e de testes e adaptação serão discutidos posteriormente na seção “Controle estratégia".

As seis fases constituem um sistema circular integrado e abran­gente que conecta a formulação estratégica aos planos operacionais e mecanismos de acompanhamento e adaptação, conforme mostra a Figura 8.4.

Gestão de projetos

Um projeto é um esforço temporário empreendido para alcançar um objetivo específico.

Operações e projetos diferem entre si principalmente porque as operações têm um caráter contínuo e repetitivo, ao passo que os pro­jetos têm um caráter temporário e único. Temporário significa que todo projeto tem um início e um término definidos. Único significa que o produto ou serviço é, de algum modo, diferente de todos os produtos e serviços existentes.

Gestão de projetos é a aplicação de conhecimentos, habilidades e ferramentas para execução de atividades, de forma a atender as necessidades do gestor com aquele projeto (Project Management Institute, 2000). Atender a essas necessidades implica adequado gerenciamento das demandas, às vezes conflitantes, entre:

§     Escopo, tempo, custo e qualidade

§     Diferentes expectativas dos públicos envolvidos

§     Requisitos identificados (necessidades) e não identificados (desejos).

Importante destacar que gestão de projetos não se confunde com gestão por projetos. Esta trata de diversos aspectos das operações ou processos da organização como projetos, aplicando-se parte dos conceitos do modelo

Projetos são compostos de processos, que podem ser organizados em cinco etapas:

§     Iniciação do projeto

§     Planejamento do projeto

§     Execução do projeto Controle do projeto; e

§     Encerramento do projeto.

O Quadro 8.5 detalha cada um desses processos.


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[Descrição da imagem] O diagrama de fluxo ilustra um processo de gestão estratégica. No topo, há dois retângulos principais: "Planejar a estratégia (2)" à esquerda, e "Desenvolver a estratégia (1)" à direita. Abaixo, há uma sequência de retângulos conectados por setas, indicando o fluxo do processo.  A partir do retângulo "Desenvolver a estratégia (1)", uma seta aponta para o retângulo "Planejar a estratégia (2)". O retângulo "Planejar a estratégia (2)" tem setas que levam a dois blocos: "Alinhar a organização (3)" à esquerda, e "Plano estratégico" à direita.  O retângulo "Alinhar a organização (3)" tem uma seta que leva a "Planejar operações (4)", que está abaixo dele. Já o "Plano estratégico", mencionado anteriormente, tem setas que levam aos retângulos: "Plano operacional" abaixo dele e "Indicadores de desempenho" à direita. O retângulo "Plano operacional" tem uma seta que leva a um oval na parte inferior do diagrama, que contém as palavras "Execução", "Processos" e "Iniciativas". No oval "Execução" tem uma seta que leva de volta a "Resultados", e outra seta que leva ao retângulo "Monitorar e aprender (5)" à direita. O retângulo "Monitorar e aprender (5)" tem uma seta que leva a "Testar e adaptar (6)", que está logo acima. Por fim, o retângulo "Testar e adaptar (6)" tem uma seta que retorna para "Desenvolver a estratégia (1)", fechando o ciclo. [Final da descrição]

Figura 8.4 Sistema gerencial, vínculo entre a estratégia e a operação. Fonte: Kaplan e Norton, 2008, p. 8.

 


Metodologia 5W2H para elaboração de planos de ação

O 5W2H é um checklist que auxilia no detalhamento das ações que precisam ser desenvolvidas em cada um dos planos identificados, sejam eles estratégicos ou operacionais. Não se sabe exatamente quem foi o criador do método mas seu uso remonta ao início dos modelos de qualidade total, na década de 1980. A ferramenta serve para o mapeamento destas atividades, uma vez que define o que será feito, quem fará o quê, em qual período de tempo, em qual área da instituição, quanto custará e os motivos pelos quais esta atividade deve ser feita. É uma ferramenta simples e bastante útil, uma vez que tenta eliminar dúvidas que possam surgir sobre um processo ou sua atividade, evitando-se erros no entendimento dos compromissos das áreas envolvidas e indivíduos responsáveis. O Quadro 8.6 resume a metodologia do 5W2H.

Controle da estratégia

O gerenciamento ou controle da estratégia consiste essencialmente em medir os resultados alcançados, compará-los aos objetivos esperados, identificar os gaps e as razões para o desvio e estabelecer ações corretivas, se necessário. Um dos mecanismos fundamentais para o controle da estratégia é o monitoramento dos indicadores associados ao resultado esperado do plano e dos objetivos estratégicos. Esse monitoramento permitirá avaliar a eficácia dos planos, da própria estratégia e das premissas adotadas, por meio da qual é possível verificar a consistência e o alinhamento do conjunto das estratégias. Não iremos aprofundar no tema de gestão dos indicadores, uma vez que faz parte de capítulo específico deste livro.

Porém, o processo de avaliação não se restringe aos resultados do planejamento e deve questionar, periodicamente, a eficácia do próprio modelo e método de construção da estratégia.

Para Kaplan e Norton o controle abrange as fases de monitoramento e aprendizado e de testes e adaptação. Na fase de monitoramento e aprendizado, o foco é a determinação dos resultados do desempenho e das ações de melhoria para as operações e a estratégia geradas pelas novas informações e aprendizado contínuo. Na fase de testes e adaptação avalia-se se as estratégias fundamentais da organização estão funcionando e continuam válidas considerando as mudanças no ambiente competitivo e regulador e o surgimento de novas oportunidades. Se houver necessidade, os gestores atualizam a estratégia e modificam o mapa estratégico e o BSC, estabelecendo um novo ciclo de planejamento estratégico e execução da operação (Kaplan e Norton, 2008).

O controle decorre basicamente de um sistema de feedback contínuo que seja capaz de assegurar o progresso dos resultados na direção de objetivos e metas traçados. Para tanto, terá que fazer uso de um conjunto de padrões e indicadores cuja seleção pode ser orientada por alguns critérios, como, por exemplo, a meta SMART, cujas iniciais significam Specific (Específica), Mensurable (Mensurável), Attainable (Alcançável), Relevant (Relevante), Time-Based (Temporal). Tais critérios sugerem que toda meta deve ser a mais específica possível, ser dimensionada de forma clara, ser possível de ser alcançada, ser relevante para o objetivo proposto e ter um prazo factível para ser cumprida.

Comunicação como desafio para o sucesso da implementação

Um dos pontos críticos do processo de implantação de qualquer plano é a comunicação. A organização deve procurar uniformizar a compreensão nos seus diferentes níveis em torno do foco e dos objetivos estratégicos e garantir, assim, o envolvimento de todos na consecução das metas estabelecidas.

No âmbito da saúde, a comunicação foi abordada em estudo que procurou identificar a percepção de 33 dirigentes de Hospitais Universitários vinculados às Instituições Federais de Ensino Superior acerca de um conjunto de papéis e responsabilidades gerenciais. Enquanto o estudo mostrou alto grau de concordância entre os dirigentes em relação à importância do seu papel na gestão de recursos humanos e negociações, o item que menos dirigentes considerava como sua função foi a responsabilidade na promoção da comunicação interna e da divulgação das informações sobre o Hospital.

Essa conclusão chamou a atenção da autora, uma vez que a prática da comunicação é vista, no século 21, como fundamental para o exercício da transparência de gestão, do controle social e do


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Quadro 8.5 Processos relacionados com a gestão de projetos.

Grupo de processos

Processos

Definição

Iniciação do projeto

Abertura do projeto

Estabelecimento do compromisso pelos responsáveis pelo projeto e início do seu planejamento.

Planejamento do projeto

Planejamento do escopo

Sentença que define o escopo do projeto. Deve deixar claro todo o trabalho requerido e apenas  trabalho requerido de modo a se concluir o projeto com sucesso.

 

Definição do escopo

Subdivisão do projeto em entregas. As entregas são produtos ou resultados tangíveis e verificáveis do trabalho. As entregas, quando estruturadas do geral para o específico em uma árvore hierárquica, irão compor a Estrutura Analítica do Projeto (EAP).

 

Definição de atividades

Identificação de atividades específicas que devem ser executadas para viabilizar as diferentes entregas.

 

Sequenciamento de atividades

Sequenciamento das atividades em ordem cronológica e definição das relações de dependência entre elas. Uma atividade cuja conclusão for condição para início da seguinte é predecessora desta.

 

Estimativa de duração das atividades

Elaboração de estimativa das horas ou períodos necessários para executar cada atividade.

 

Desenvolvimento do cronograma

Sequência ordenada de atividades, com respectivas relações de dependência e prazos.

 

Planejamento de recursos

Definição de quais recursos (pessoas, equipamentos, materiais) e em que quantidades são necessários  para a execução das atividades.

 

Definição do orçamento

Composição do custo total do projeto a partir dos custos de cada recurso necessário.

 

Desenvolvimento do plano do projeto

Integração do resultado das etapas anteriores de forma coerente e consistente em um único documento.

 

Planejamento da qualidade

Identificação dos padrões de qualidade que sejam relevantes para o projeto e definição dos meios e condições para atendê-los.

 

Planejamento organizacional

Identificação, definição e registro dos papéis e responsabilidades de cada um dos envolvidos no projeto.

 

Planejamento de recursos humanos

Definição da equipe de trabalho do projeto.

 

Planejamento de comunicação

Definição das necessidades de informação e de comunicação das partes interessadas no projeto.

 

Identificação dos riscos

Definição dos riscos que podem afetar o projeto e documentar as suas características.

 

Quantificação dos riscos

Avaliação dos riscos, suas interações e possíveis impactos nos resultados do projeto.

 

Plano de resposta aos riscos

Definição dos planos para responder às oportunidades e ameaças do projeto.

 

Planejamento de compras

Definição do que comprar e quando.

 

Planejamento de solicitação

Definição dos requisitos para cada aquisição e das fontes potenciais.

Execução do projeto

Execução de atividades

Implementação de cada uma das atividades do projeto dentro das condições definidas na fase de planejamento.

 

Verificação do escopo

Confirmação do escopo do projeto.

 

Controle de qualidade

Acompanhamento do desempenho do projeto conforme os padrões estipulados.

 

Desenvolvimento da equipe

Desenvolvimento de habilidades individuais ou do grupo para manter ou elevar o desempenho da equipe.

 

Distribuição da informação

Disponibilizar a informação necessária aos envolvidos no projeto com uma periodicidade adequada.

 

Solicitação de compras

Efetivação das cotações e propostas de compras.

 

Seleção de fornecedores

Escolha dos fornecedores com base nos critérios e requisitos predefinidos.

 

Gestão de contratos

Gerenciamento adequado das condições contratuais estabelecidas com os fornecedores.

Controle do projeto

Controle das mudanças

Coordenação das mudanças ao longo do projeto como um todo.

 

Controle das mudanças de escopo

Controle das mudanças de escopo do projeto.

 

Controle do cronograma

Controle das mudanças das atividades e respectivos prazos.

 

Controle dos custos

Controle das variações ou mudanças no orçamento do projeto.

 

Controle de qualidade

Monitoramento dos resultados específicos do projeto em relação aos padrões predefinidos de desempenho.

 

Relatórios de desempenho

Coleta e disseminação das informações sobre o desempenho do projeto, incluindo andamento das atividades, evolução dos indicadores e previsão de continuidade.

 

Controle do plano de resposta aos riscos

Controle das mudanças nos riscos ao longo da execução do projeto.

Encerramento do projeto

Encerramento administrativo do projeto

Composição dos documentos de todo o processo para o relatório final e formalização do encerramento do projeto.

 

Encerramento dos contratos

Encerramento dos contratos, quando aplicável.

Fonte: PMBOK* Guide, 2000.

 

 


 

 

 

 

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Quadro 8.6 Questões do checklist 5W2H.

Questão

Abrangência

What - Oque fazer

Quais as atividades/etapas a serem realizadas?

 

Quais atividades são dependentes desta?

 

Quais atividades são necessárias para o início desta?

 

Quais os insumos necessários?

Why - Por que fazer

Por que essa atividade é necessária?

 

Por que essa atividade não pode fundir com outra atividade?

 

Por que A, 8 e C foram escolhidos para executar essa atividade?

How- Como fazer

Como essa atividade será executada?

 

Como acompanhar o desenvolvimento dessa atividade?

 

Como A, B e C vão interagir para executar essa atividade?

Who-Quem vai fazer

Quem executará determinada atividade?

 

Quem depende da execução dessa atividade?

 

Essa atividade depende de quem para ser iniciada?

When - Quando fazer

Quando será o início da atividade?

 

Quando será o término?

 

Quando serão as reuniões presenciais?

Where-Onde fazer

Onde a atividade será executada?

 

Onde serão feitas as reuniões presenciais da equipe?

How Much - Quanto custará fazer

Quanto custará essa atividade?

 

Quais os recursos necessários (equipamentos, recursos humanos, espaço físico, contratações e outros)

 

compromisso com resultados, itens presentes na atual agenda da política pública definida para o segmento de Hospitais de Ensino (Caldas, 2008). A comunicação, apesar de descrita como etapa do processo de execução da estratégia, deve estar presente em todas as fases da formulação estratégica, desde a disseminação da missão, visão e valores institucionais até o acompanhamento dos indicadores de eficácia do planejamento.

Outro aspecto importante do processo de comunicação e reconhecer a importância tanto dos processos formais de comunicação quanto da comunicação informal. Processos formais de comunicação por meio da cadeia de gestores não garantem por si o sucesso da comunicação e, por isso, devem conter mecanismos de verificação de sua eficácia e devem se somar a processos menos formais, sendo crítico para ambos os métodos o empenho pessoal da alta direção.

A comunicação se torna atividade gerencial básica nesse sentido, principalmente em organizações de saúde como hospitais, que funcionam 24 h por dia, 365 dias por ano. Um caso de sucesso na área é o de um hospital filantrópico do município de São Paulo, que filmou uma mensagem enviada pela alta direção (CEO e conselho) e esta apresentação era reproduzida em cada plantão, para garantir que todo o corpo funcional do hospital tivesse contato com as mesmas palavras, ditas da mesma maneira, pelas mesmas pessoas. O mesmo gestor ia a todas as sessões e respondia às perguntas levantadas (Arruda, 2006).

Conclusão

Vimos neste capítulo que as várias teorias e metodologias para desenvolvimento da gestão estratégica nas organizações, no entanto, apresentamos de forma destacada duas teorias acerca da análise estratégica e três metodologias de aplicação do planejamento estratégico.

Entre as teorias, destacamos como autores centrais Porter (teoria da organização industrial) e Barney (teoria dos recursos) que diferem quanto à importância de se basear no mercado, com suas oportunidades e ameaças, ou focar primeiro nas competências internas, como recursos essenciais para influenciar o posicionamento da empresa no mercado.

Entre as três abordagens de aplicação do modelo de gestão estratégica, temos o livro-texto de Ginter sobre gestão estratégica em saúde, que aborda de forma abrangente todas as etapas do planejamento, formulação e controle estratégico, bem como suas aplicações na área da saúde. Outra abordagem, trazida originalmente por Carlos Matus, questiona o pragmatismo dos modelos formais e valoriza o contexto político, o papel dos atores e a construção coletiva como fatores críticos de sucesso do planejamento. Por fim, a abordagem mais predominante no meio empresarial, de autoria de Kaplan e Norton, que propõe seis etapas que abordam a formulação estratégica, o alinhamento com as operações, o monitoramento dos resultados e a avaliação do próprio modelo.

O que podemos afirmar é que não há um melhor ou pior modelo a ser adotado e tampouco a decisão deva ser por uma única metodologia. O importante é que a liderança tenha clareza sobre quais as premissas deverão nortear seu processo de gestão estratégica e que o modelo escolhido seja aderente a essas premissas e à cultura de gestão da organização. Por exemplo, para uma organização pública, cujos autores exercem diferentes influências e nem sempre é possível prevalecer a autoridade da liderança, modelos que considerem o contexto político e a construção de consenso entre vários atores talvez sejam mais indicados. Outras organizações, cuja estrutura de comando é mais definida e linear, podem utilizar modelos mais estruturados, como o proposto por Kaplan e Norton. Nossa experiência em diferentes organizações públicas e privadas na área da saúde também mostra que a composição de ferramentas de diferentes autores pode enriquecer em muito o processo de gestão estratégica. Já experimentamos, por exemplo, a aplicação em uma mesma organização hospitalar de três ferramentas para análise situacional: a matriz SWOT, a definição dos macroproblemas e uma autoavaliação segundo padrões de acreditação. A reflexão com base nos resultados obtidos em cada uma dessas aplicações levou a uma análise situacional muito mais consistente, do que se fosse adotada qualquer uma delas isoladamente.

A escolha adequada da metodologia para implementação das estratégias organizacionais nos serviços de saúde deve considerar algumas características desse contexto, dentre as quais destacamos:

■ Desconhecimento ou baixo grau de conhecimento pelas equipes assistenciais e de apoio à operação sobre os conceitos da administração e técnicas gerenciais

■ Coexistência de equipes multiprofissionais, com diferentes formações, em diferentes graus, atuando na execução do processo assistencial


 

 

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■ Processo assistencial, sob o ponto de vista do principal cliente, o paciente, fragmentado e dificilmente alinhado com a estrutura departamental prevalente, o que dificulta a integração entre departamentos e a construção de um planejamento integrado.

Caso a dificuldade maior esteja relacionada com a pouca familiaridade das equipes envolvidas no processo assistencial com a atividade de gestão, uma alternativa é a simplificação dos modelos e o incremento gradual de novos conceitos. Ainda que sejam feitos diversos treinamentos, a simplicidade do modelo facilita a adesão e pode contribuir para que todos percebam mais facilmente os resultados do esforço realizado.

A metodologia completa de gestão de projetos, incluindo avaliação de riscos, controle de planilha de horas e avaliação de aderência/ resistência das partes interessadas, pode se tornar muito complexa em um estágio inicial, principalmente em se tratando dos projetos mais operacionais e de menor impacto.

Em organizações cuja estrutura de serviços de saúde reflita a etapa do tratamento oferecido (PA, bloco cirúrgico, UTI, internação), metodologias que promovam essa integração e comunicação interdepartamental são indicadas. A gestão de projetos como método para operacionalização das ações pode contribuir, nesse contexto, à medida que promove um esforço de integração das diversas áreas envolvidas em tomo de um único projeto. Sob esse enfoque, não haveria o planejamento da área A ou B, mas uma série de projetos envolvendo atividades de diversas áreas assistenciais e administrativas. Por exem­plo, um Projeto de Ampliação da Capacidade do Centro Cirúrgico envolveria diversas ações do Departamento do Centro Cirúrgico, Engenharia (obras), Financeiro (estudos de viabilidade e financiamentos), Gestão de Pessoas (contratação de pessoal), Comercial (novos produtos, negociação), Marketing (divulgação da nova unidade) e assim por diante.

Outra conclusão importante é que planejamento não se esgota na fase de "pensar" a organização. Trata-se de um processo contínuo que inclui o pensar, o decidir, o agir e o avaliar, que servirá de base para um novo pensar. Uma das causas do descrédito no qual caiu o planejamento foi seu entendimento como uma atividade isolada. A crítica era baseada no argumento de que o pensamento não podería estar descolado da ação. No início dos anos 1980 nos EUA, a ferramenta foi tão difundida que se criou a função do especialista em planejamento (planner), que não fazia parte da estrutura gerencial da empresa. Como consequência, o nível gerencial não participava desse processo e a implantação não contava com seu comprometimento. Na área de saúde, havia os planejadores em suas "torres de marfim" conforme citavam Matus, Testa, Chorny, que deixavam clara a impossibilidade de o planejamento estar dissociado da execução.

Em teoria, sabemos da importância de iniciar a sistemática de mensuração a partir do delineamento das estratégias e da necessidade de discutir a estratégia primeiramente na alta direção. No entanto, na prática, sabemos que esse processo não acontece de forma linear e a não linearidade não implica necessariamente fracasso do processo. Se os gestores da base sentirem necessidade de planejar melhor os seus serviços, não devem deixar de fazê-lo apenas porque a alta direção ainda não iniciou um processo formal de planejamento estratégico. A soma dos planejamentos operacionais acabará criando condições para o planejamento organizacional. Se o nível gerencial estiver envolvido, isso pode ser suficiente para atuar em consonância com os objetivos organizacionais, mesmo que estes não estejam formalmente definidos.

Finalmente, um lembrete para desmistificar o conceito:  não é porque algo foi planejado cuidadosamente que será bem-sucedido e não é porque não foi planejado que fracassará.

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9. PROCESSO GERENCIAL

 

André Alexandre Osmo

 

Organização hospitalar e suas singularidades


 

O hospital com as características atuais é fato recente. Uma organização como instrumento de intervenção terapêutica, com objetivo de buscar o tratamento e a cura dos doentes, é um conceito relativamente novo. Originariamente, as atividades médicas não abrangiam o processo de internação, mas, na sua evolução, passaram a tê-lo como atividade rotineira, com visitas aos doentes nos hospitais e seu seguimento durante essa fase do tratamento (Gurgel e Vieira, 2002).

Nos seus primórdios, o hospital não surgiu como uma organização para propiciar o tratamento de doentes, mas esteve, sobretudo, relacionado com muitas outras finalidades, fruto das necessidades e transformações da sociedade. A relação da medicina com a organização hospitalar não se deu devido à doença em si, mas como imposição das necessidades econômicas e sociais (Foucault, 1989).

O termo "hospital" surgiu como decorrência de uma determinação do Concílio de Aachen, realizado em 816 d.C., que traduziu para o latim o termo grego nosokhomeion e tornou obrigatória, para os bispos, em suas dioceses, e para os abades, em seus conventos, a construção dos hospitalis pauperum (Antunes, 1991). O vocábulo latino hospes, que significa hóspede, deu origem aos termos hospitalis e hospitium.

O conceito de que o doente necessita de cuidados e de abrigo é anterior à possibilidade de ser tratado por um profissional médico. Nas épocas anteriores, desde a Antiguidade, sempre houve uma mobilização para tentar prover essa necessidade, sendo os templos, os conventos e os mosteiros as primeiras instituições a receber doentes (Antunes, 1991). Inicialmente, o hospital nasceu como local de isolamento. Já existia na Grécia de Esculápio e na Roma Antiga, onde vários templos criados para homenagear esse "sábio Deus" serviam de abrigo aos pobres, idosos e enfermos. Na China, no Ceilão e no Egito, a.C., há registros de hospedarias, hospitais e hospícios, palavras com a mesma raiz latina, onde "almas pias" patrocinavam e cuidavam de peregrinos, crianças, idosos, mendigos doentes (Ribeiro, 1993).

Na Idade Média, o hospital incorporou uma missão essencialmente espiritual (Ribeiro, 1993); a Europa pós-renascimento vivia transformações econômicas, políticas e sociais que compunham um novo reenquadramento urbano. O comércio crescia e as cidades começaram a atrair a população do campo. Além de oportunidades de trabalho, esse movimento trazia problemas de saúde. Remodelava-se o hospital para exercer uma atividade de "higiene" social, configurando-se inicialmente como um "morredouro", um espaço de controle e coerção dos desvalidos, onde a função principal estava remetida à salvação da alma e não à cura das doenças. Nesse momento, o hospital ainda não associava suas atividades à função de tratar doentes Perpassando quase toda a Idade Moderna, os hospitais continuaram a ter um caráter de assistência social. Nesse período, foram utilizados para a segregação de contingentes populacionais considerados perigosos ao convívio comunitário, tais como mendigos, vadios, loucos, imigrantes e os portadores de doenças transmissíveis (Antunes, 1991). O hospital passou a desempenhar, nessa fase, um papel de elemento de contenção de fatores perturbadores das ordens pública e social (Antunes, 1991).

O hospital que surgiu a partir do século 17 introduziu o início de uma grande mudança do modelo anterior; os espaços e as rotinas começaram a se compor em outro sentido - o do domínio do corpo e o da cura das pessoas, inaugurando certo rompimento com o hospital da exclusão (Foucault, 1987).

A "assistência médica" no hospital o transformou em um local de observação de doentes, além da criação, formação e transmissão do saber médico. A doença passou a ser concebida como um fenômeno da natureza que se desenvolve por uma ação particular do meio

 


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sobre o indivíduo. O principal alvo de intervenção não era mais o doente, mas o meio que o circunda. Em torno de cada doente era preciso constitur "um pequeno meio espacial individualizado, específico, modificável conforme o indivíduo, a doença e sua evolução" (Foucault, 1989).

A medicina sofreu grandes reformulações em sua orientação pragmática nesse período, tornando-se, com o tempo, prática eminentemente hospitalar, em que o saber médico passou a estabelecer um rígido controle a respeito de tudo que envolvesse a doença e o doente. Para essa finalidade, foi necessário que todos os recursos do hospital convergissem às finalidades médicas, ficando o médico no centro do seu comando funcional e administrativo (Foucault, 1989).

O modelo hospitalocêntrico de tratamento continuou a crescer, e as seguidas guerras geradas pelas políticas expansionistas dos estados absolutistas da Europa tornaram os cirurgiões cada vez mais necessá­rios, conferindo-lhes um crescente prestígio.

Ocorreram enormes transformações desde os alquimistas (que contribuíram para o surgimento dos clínicos) até os barbeiros (que, nos seus primórdios, exprimiam o início das ações cirúrgicas)

Com a cirurgia, se desenvolveram as técnicas de anestesia e antissepsia. A infecção hospitalar passou a ser alvo de preocupações Semmelweiss, em 1847, ao incriminar a infecção puerperal por contato pelas mãos contaminadas, recomendou insistentemente uma tecnologia singela: lavagem das mãos. As guerras levaram à necessidade da criação de hospitais militares, que se multiplicaram inicialmente na Europa. A disciplina e a logística militar são incorporadas por essas instituições e influenciaram o funcionamento do hospital tal como o conhecemos atualmente, com o cadastramento dos pacientes, a identificação por leitos e a separação por doenças. Florence Nightingale exerceu importante papel pelo seu trabalho na guerra da Crimeia e para a melhora das condições sanitárias dos hospitais. Ela propôs a utilização de dados estatísticos para criar diagramas e representar graficamente as taxas de mortalidade durante a guerra (1854-1856). Ao retomar a Londres, em 1856, ainda utilizando dados estatísticos, mostrou a necessidade de uma reforma nas condições sanitárias de todos os hospitais militares; criou inúmeros conceitos na formação dos enfermeiros e na organização dos hospitais. Howard e Fenon, nos relatos de suas viagens realizadas pela Europa, descreveram o número de doentes por hospital e sua relação com a quantidade de leitos, as taxas de mortalidade e de cura; descrições sobre a área física e sua forma de ocupação; as trajetórias seguidas pelos fluxos de roupas e lençóis utilizados etc. Assim, o hospital passou a ser um campo documental normatizado, além de um espaço de cura (Foucault, 1987).

O século 19 marcou o nascimento da medicina moderna, quando a prática do saber médico se vinculou à racionalidade científica. As descobertas em diversos campos das ciências da natureza como biologia, anatomia, bacteriologia e outras disciplinas começam a afastar a medicina do seu empirismo e iniciam a construção do "hospital científico" (Ribeiro, 1993). A doença deixa de ser concebida como forma de existência externa que invade o corpo e passa a ser percebida como decorrência de um processo com existência relativa aos componentes do próprio corpo. A racionalidade científica na medicina estruturou a explicação dos fenômenos com base no estudo das mudanças morfológicas, orgânicas e estruturais (Czeresma, 1997).

Se, anteriormente, o foco de intervenção estava centrado no meio ambiente, este se desloca para o corpo do indivíduo. Os estudos de Pasteur trouxeram mudanças radicais para a prática médica. Com a descoberta do agente etiológico (microrganismo), passou a ser institucionalizado um tipo de intervenção sobre a doença centrada em seus aspectos biológicos, o tratamento passou ter a como base a imunização e o uso de medicamentos. O modelo biológico se tornou hegemônico, dissociando-se do social. Sob o domínio desse paradigma, as questões sociais e econômicas no entendimento do processo saúde-doença passaram a ficar obscurecidas e relegadas a um segundo plano (Czeresnia, 1997).

Ao analisar a prática médica do final do século 19 até boa parte do século 20, observa-se que esta se divide em pelo menos duas vertentes: uma, que se desenvolve fora do hospital, nas casas, geralmente para as classes mais abastadas; outra, no hospital, que se configura como campo de prática associada ao atendimento dos menos favorecidos.

A prática médica, anteriormente localizada principalmente no espaço extra-hospitalar, transformou-se e passou a ter no hospital o seu campo privilegiado. Esse movimento significou a passagem de uma clínica fundamentada na história natural da doença e seus sintomas aparentes para outra, fundamentada no conhecimento fisiológico e anatomopatológico, que procura desvendar o que acontece com o corpo. Um conhecimento com base na observação e na experimentação - assim nasceu a "propedêutica armada". Este processo continuou durante todo o século 20 e persiste até os dias atuais, com o grande desenvolvimento dos campos dos diagnósticos por imagem, dos conhecimentos da biologia molecular e da genômica.

A organização hospitalar é uma das mais complexas devido à coexistência de inúmeros processos assistenciais e administrativos simultâneos, uma grande diversidade de linhas de produção e uma fragmentação dos processos de decisão assistencial com a presença de uma equipe multiprofissional e com elevado grau de autonomia individual. Para tanto, utiliza a tecnologia de maneira intensiva e extensiva; podendo ainda constituir-se em espaço de ensino e aprendizagem, além de campo de produção científica.

De acordo com Mintzberg (1995), "o hospital caracteriza-se por ser uma burocracia profissional do ponto de vista estrutural, onde o setor operacional tem muita importância, tracionando e concentrando o poder na organização".

Os mecanismos de controle das atividades profissionais ocorrem pela padronização das habilidades e conhecimentos necessários conferidos pelos "órgãos fiscalizadores de classe", externos ao hospital, das diversas categorias (corporações) profissionais (Conselhos). Isso confere aos profissionais certa autonomia e independência da gerência local, pois suas habilidades geralmente são definidas por organismos externos à organização hospitalar, por meio de normatizações, títulos e provas de especialidades. O "estado da arte" é considerado um atributo das próprias corporações profissionais, regulado externamente, apesar de os profissionais desenvolverem seu trabalho dentro do hospital. Tal condição enfraquece a vinculação com a organização e pode causar dificuldades como certa resistência a mudanças eventualmente propostas pela estrutura administrativa da organização. As categorias profissionais que historicamente detêm o poder dentro do hospital têm dificuldade em aceitar a necessidade de contenção de custos e da avaliação do seu próprio desempenho na perspectiva da busca de resultados e qualidade. Trata-se do receio de perder a autonomia na condução clínica e na assistência aos pacientes, foco central das suas corporações. Há também o fator financeiro que, por vezes, não atrai a participação da categoria médica nos processos gerenciais

Os médicos têm dificuldade em compartilhar o seu horário de trabalho com programas de gestão (Berwick et al., 1994), em parte


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porque a formação médica ainda está fundamentada no modelo flexneriano, que dá ênfase à clínica em sua dimensão exclusivamente biológica e no qual os aspectos sociológicos, políticos e administrativos ficam relegados a um segundo plano. Tais questões são pouco observadas nos currículos das escolas médicas, por isso há certos obstáculos à adesão dos médicos aos programas de gestão e qualidade hospitalar (DeLuiz, 2007; Lampert, 2008).

Vários interesses competem entre si na organização hospitalar, por exemplo: interesses dos usuários e clientes, que demandam assistência das mais variadas maneiras; interesses dos trabalhadores da saúde, que buscam seu sustento e boas condições de trabalho; interesses dos acionistas e proprietários ou das entidades mantenedoras em se tratando de hospitais privados ou filantrópicos; interesses da rede de fabricantes e distribuidores de insumos, das empresas seguradoras e de planos de saúde, que estabelecem relações comerciais com o hospital; e, finalmente, interesses dos poderes formalmente constituídos na gerência hospitalar e no governo, que têm seu foco nos objetivos técnicos e no alcance de metas programáticas das políticas de saúde.

Algumas características são peculiares às organizações prestadoras de assistência à saúde e devem ser consideradas ao se proporem modelos de gestão:

·                    As leis de mercado não se aplicam mecanicamente ao setor em decorrência das necessidades humanas e prioridades não mercantis, que se impõem independentemente dos custos de produção, valor de mercado e preços praticados. Trata-se de um conceito de “mercado imperfeito"; ou seja, os compradores dos serviços não detêm todas as informações sobre os produtos e, na maior parte das vezes, os produtos não são diretamente comparáveis entre si. Por outro lado, há um princípio de economia da saúde, denominado lei de Roemer, que enuncia que a oferta de serviços pode determinar a demanda, de modo que a implantação de um novo serviço ou nova tecnologia pode determinar novas demandas (nem sempre associadas à necessidade)

·                    A concorrência não é um elemento forte no ambiente dessas organizações, pois, conceitualmente, é um segmento cronicamente carente de recursos para a população e, paralelamente, desprovido de recursos financeiros para os serviços de saúde em muitos países

·                    A variabilidade da assistência demandada é enorme, e cada paciente se comporta de maneira diferente, o que dificulta uma rígida padronização do processo de trabalho em saúde e a racionalização da oferta de serviços

·                    Há assimetria de informação, pois os clientes são geralmente leigos e não conseguem julgar seu tratamento nem suas necessidades, o que dificulta o exercício das suas opções de consumo

·                    O consumo do serviço é concomitante à sua produção e, portan­to, muitas vezes, não há tempo para o controle prévio da qualidade, nem estoque para inspeção final

·                    A produção do serviço é executada por uma grande variedade de profissionais de diversos níveis de escolaridade e formação, com interesses corporativos distintos'

·                    ■ Parte significativa da categoria médica apresenta forte resistência aos programas de gestão, pelo fato de se sentir fiscalizada e tolhida na conduta clínica dos pacientes diante do controle externo

De acordo com Berwick et al. (1994), os programas de gestão geralmente não intervém diretamente sobre o ato médico, mas são fundamentais nos processos administrativos da organização hospitalar e da administração profissionalizada, para que se alcancem a qualidade e a produtividade nesses serviços. Os setores administrativos (faturamento, contas médicas, almoxarifado etc.), os serviços de apoio logístico (lavanderia, transporte), enfim, todas as áreas da organização que garantem o funcionamento dos setores operacionais devem ser objeto inicial desses programas. Eles impedem que os setores operacionais finais desperdicem seu tempo na resolução de problemas administrativos, que não são o seu foco de trabalho, e se concentrem nas suas funções assistenciais com melhores resultados.

Origem do hospital no Brasil

No Brasil, os primeiros hospitais surgiram a partir das duas grandes instituições; a Igreja (por meio das Santas Casas) e o Exército, principal representante do Estado português.

A primeira Santa Casa que se teve notícia foi criada em 15 de agosto de 1498, em Lisboa, pelo Frei Miguel de Contreiras, tendo como patronesse a rainha Leonor de Lencastre, originando a "Confraria de Nossa Senhora de Misericórdia". Nesse mesmo ano, foram fundadas 10 filiais, sendo oito em Portugal e duas na Ilha da Madeira. Instituições de grande importância na sociedade portuguesa foram criadas em um momento de grande prosperidade econômica durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521), com o intuito de praticar as 14 obras de misericórdia do catecismo cristão. As misericórdias portu­guesas rapidamente se transformaram em instituições abrangentes e polifacetadas, que absorviam um espectro variado de práticas de caridade. Embora fossem confrarias ou irmandades, as misericórdias distinguiam-se das restantes pela natureza jurídica (que era civil) e pelas atividades que eram de caráter social.

As Santas Casas no Brasil, originadas das "misericórdias", seguiram esse modelo. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia instalou-se em Olinda desde 1539, e logo depois em Santos (1543), fundada por Braz Cubas, precedendo a própria organização jurídica do Estado brasileiro, sendo a primeira instituição hospitalar do país destinada a atender aos enfermos oriundos dos navios do porto e moradores. Na cidade de São Paulo, está presente desde 1560. Somam hoje mais de 2.500 em todo o território nacional, sendo responsáveis por quase 50% dos leitos hospitalares existentes no país.

Com a fundação do município do Rio de Janeiro, a cidade também passou a contar com a Santa Casa de Misericórdia. Foi instalada pelo Padre José de Anchieta para socorrer os tripulantes da esquadra do Almirante Diogo Flores Valdez, aportada à baía de Guanabara em 25 de março de 1582 com escorbuto a bordo. Em 1727, começou a funcionar o primeiro serviço hospitalar militar do Rio de Janeiro, no Morro de São Bento, que daria origem ao Hospital Real Militar.

As 10 primeiras Santas Casas no Brasil foram; Santa Casa de Misericórdia de Olinda (PE) que, apesar de aparecer como a mais antiga do Brasil, não existe documentação oficial que comprove a data da sua fundação; por isso, oficialmente, a de Santos é considerada a primeira do Brasil. Em sequência; 1543 - Santa Casa de Misericórdia de Santos

(SP), 1549 Santa Casa de Misericórdia de Salvador (BA); 1582 - Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ); 1551 - Santa Casa de Vitória (ES); 1599 - Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP); 1602 - Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa (PB); 1619 - Santa Casa de Misericórdia de Belém (PA); 1657 - Santa Casa de Misericórdia de São Luís (MA); 1792 - Santa Casa de Misericórdia de Campos (RJ).

Cabe destacar que, na maioria dos continentes e países onde foram fundadas as misericórdias se anteciparam às atividades estais de assistência social e à saúde. No Brasil, e em alguns outros países,


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também foram as criadoras dos cursos de medicina e enfermagem, como é o caso daquelas fundadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Porto Alegre. A atuação dessas instituições apresentou duas fases: a primeira, entre meados do século 18 até 1837, de natureza caritativa; a segunda, a partir daquele período, assumindo uma natureza filantrópica, e mais recentemente inserindo-se como grande prestador de serviços ao SUS.

Os primeiros hospitais vinculados a comunidades estrangeiras formaram as Beneficências Portuguesas. Eram, em geral, entidades criadas pelas famílias mais ricas de imigrantes, como centros de apoio financeiro, social e médico aos patrícios recém-chegados. O Real Hospital Português de Beneficência do Recife (PE) nasceu em 1855. Dois anos depois, foi criado o Hospital Português de Salvador (BA). Em 1859, surgiram, quase ao mesmo tempo, a Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro e a Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência em São Paulo.

A criação de hospitais associados a comunidades estrangeiras foi mais forte em São Paulo. Essa região estimulou a vinda de centenas de milhares de imigrantes europeus e japoneses, em substituição ao braço escravo. O mesmo ocorreu na região Sul do país, cenário de sólida colonização italiana e alemã.

Na virada do século 20, a população brasileira alcançava 17,4 milhões de habitantes. Em São Paulo, a Hospedaria dos Imigrantes, centro de triagem, chegou a alojar até 9 mil pessoas de cada vez, contando com apenas um médico. Isso levou os descendentes de italianos, em melhores condições econômicas, a fundar, em 1904, o Hospital Umberto I. Em 1890, famílias britânicas, norte-americanas e alemãs de fé pres­biteriana, a partir da doação da herança de um imigrante nascido em Macau, na China, criaram a Sociedade Hospital Evangélico, que mais tarde daria origem ao Hospital Samaritano. O Hospital Alemão da capital paulista foi inaugurado em 1923,1 ano antes do Hospital Santa Cruz, mantido pela coletividade japonesa. Porto Alegre ganhou seu Hospital Alemão em 1927. Bem mais adiante, vieram o Hospital Sírio-Libanês (1965) e Israelita Albert Einstein (1971), em São Paulo.

As grandes campanhas sanitaristas promovidas pelo governo leva­ram à criação de hospitais públicos de grande porte, principalmente no Rio de Janeiro. Inicialmente, foi criado o Hospital de Isolamento de São Paulo, em 1880, em pleno surto de varíola, que dana origem ao Hospital Emílio Ribas. Nove anos depois, no bairro carioca do Caju, foi criado o Hospital São Sebastião, também especializado em doenças infecciosas.

As organizações hospitalares brasileiras estruturam-se em diversos tipos de associações e representações conforme a sua característica jurídica e assistencial.

A Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais Entidades Filantrópicas (CMB), fundada em 1963, em Santos, São Paulo, está sediada em Brasília. É um órgão de união, integração e representação das Federações de Misericórdias constituídas nos respectivos estados, bem como das Santas Casas, Entidades e Hospitais Beneficentes. Atualmente, a CMB é composta por 14 Federações Estaduais, contendo mais de 2.100 hospitais associados.

Os hospitais filantrópicos e os sem fins lucrativos foram responsáveis por 37,4% de todas as internações realizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no decorrer da última década. Dentre essas internações, destaca-se 38,5% de todo o movimento de partos e cesarianas no âmbito do SUS.

A Federação Brasileira de Hospitais desde a década de 1960 procura reunir o setor hospitalar brasileiro; é composta por mais de 4.700 hospitais, dos quais grande parte presta atendimentos pelo SUS.

A Associação Brasileira dos Hospitais Universitários e de Ensino (ABRAHUE), criada em 1989, durante o XXVII Congresso da Associa­ção Brasileira de Educação Médica (ABEM), associa mais de 120 hos­pitais de ensino desde a esfera federal, estadual e municipal, incluindo também hospitais universitários privados.

A Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) foi criada em 2001 com 23 hospitais particulares considerados líderes em qualidade e excelência no Brasil, com o objetivo de promover a congregação asso­ciativa de instituições hospitalares privadas com ou sem fins lucrativos, consideradas detentoras dos melhores padrões de qualidade e melho­res práticas médicas. Em 2009, estava constituída por 39 hospitais e, em 2014, passou a ter 60 membros. Durante o ano de 2013, os 55 hospitais que a constituíam foram responsáveis por uma receita bruta de 17,3 bi­lhões de reais, reunindo mais de 14.700 leitos e correspondendo a 20% das despesas assistenciais na saúde suplementar.

Uma característica marcante da história dos hospitais no Brasil foi que, desde seu início, houve uma participação entre entidades pri­vadas, públicas e filantrópicas, representantes de credos religiosos ou comunidades de imigrantes, visando ao lucro ou sem finalidade lucrativa, constituindo uma forte rede público-privada. Tal evolução estabeleceu as bases do que atualmente podemos vislumbrar em al­guns estados brasileiros por meio das Organizações Sociais de Saúde (OSS), como formas de parcerias público-privadas. Esse modelo de gestão tem demonstrado grande utilidade e versatilidade para tentar viabilizar um atendimento hospitalar universalizado de qualidade e eficácia para a população.

Custos na saúde e seus reflexos no hospital

O aumento crescente dos custos na área da saúde, em níveis bem superiores à inflação, tem levado a maior parte dos países do mundo a uma situação de crise setorial. Nas últimas décadas, a saúde das nações vem padecendo de três grandes crises:

§     Crise de eficiência, observando-se gastos crescentes no setor

§     Crise de eficácia, porque, apesar desses gastos crescentes, regis­tram-se importantes falhas para alcançar os objetivos desejados

§     Crise de qualidade, com um número imenso de pacientes e consu­midores insatisfeitos com o produto que recebem.

No Brasil, em particular, as transformações aceleradas no perfil da população causam grande impacto e obrigam a pensar em novas formas e processos para os cuidados à saúde.

A população brasileira está vivendo cada vez mais e continuará assim pelas próximas décadas. Ao contrário de outros países, onde o acúmulo de riqueza e a maior distribuição de benefícios sociais an­tecederam a maior expectativa de vida da população, tal fenômeno ocorre de modo concomitante no Brasil, levando a grandes desafios. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem atualmente 20,6 milhões de pessoas com mais de 60 anos de vida no Brasil, o que representa 10,8% da população. Em 2060, a expectativa é que sejam 58,7 milhões de pessoas, correspondendo a 26,7% da população, com todos os reflexos sobre a quantidade de pessoas economicamente ativas, empregabilidade e sustentabilidade que essa situação pode configurar.

As mudanças na pirâmide etária também influem no perfil das doen­ças na população, aumentando proporcionalmente o número de pes­soas portadoras de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, cardiopatias, doenças pulmonares obstrutivas, neoplasias e doenças mentais

 


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degenerativas crônicas, dentre outras. Essas situações estão previstas como responsáveis, já em 2020, por 80% da carga total de doenças dos países desenvolvidos. No Brasil, elas já representam a primeira causa de mortalidade e de hospitalizações, além de um considerável impacto na qualidade de vida. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, atualmente, 74% das mortes ocorrem por causas crônicas, 14% por causas infecciosas e 12% por causas externas. Em cada 10 idosos, oito convivem com pelo menos uma doença crônica.

O nosso sistema de saúde ainda privilegia a complexidade da atenção e a capacidade de internação como meios de valorar os cuidados, o que, ao longo do tempo, se tornará cada vez mais insustentável, tanto do ponto de vista da eficácia da assistência quanto do ponto de vista econômico. Vive-se, neste momento, uma necessidade de salto estratégico, em que as instituições e seus profissionais buscam alternativas para minimizar tais situações. Cabe estudar como oferecer melhores condições de qualidade de vida e assistência a esses doentes crônicos e superar o modelo "hospitalocêntrico" por meio de soluções criativas e tecnológicas associadas aos novos conceitos da integralidade do cuidado. Para isso, será necessário envolver simultaneamente médicos generalistas, serviços ambulatoriais gerais e especializados com alta resolubilidade integrados ao cuidado hospitalar, reabilitação e reinserção social. Isso tudo na construção de uma lógica da continuidade do cuidado que, em alguns modelos, pode ser denominada linhas de cuidados.

Pode-se observar nas Figuras 9.1 e 9.2 o incremento significativo da porcentagem do produto interno bruto (PIB) gasto em diversas nações do mundo de 1990 a 2002, conforme estudo da OECD (Organization for Economic Cooperation and Development; em português, OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), publicado em 2004, além da grande variabilidade entre os diversos países.

O Brasil gasta em saúde pública metade do que países como Espanha, Alemanha, Reino Unido e Canadá investem, sendo que estes consomem de 7 a 9% do seu PIB.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil gastou 3,6% do PIB com a saúde pública em 2008. O valor equivale a quase R$ 109 bilhões. Em 2010, o Brasil gastou 4% do PIB, em torno de R$ 127 bilhões.

[Descrição da imagem] O gráfico de barras horizontais mostra o percentual do PIB gasto com saúde em diferentes países. Os países listados, do menor para o maior percentual, são: Brasil, com aproximadamente 7%; Inglaterra: aproximadamente 8%; Japão: com 8%; Itália: aproximadamente 6%; Dinamarca: um pouco acima de 8%; Holanda: com um pouco acima de 9%; Austrália: com um pouco acima de 9%; Suécia: com um pouco acima de 9%; Canadá: aproximadamente 10%; França: com um pouco acima de 10%; Alemanha: aproximadamente 11%; Suíça: aproximadamente 12% e por último, Estados Unidos: aproximadamente 15%. [Final da descrição]

Figura 9.1 Porcentagem do PIB gasto com saúde, 2002. Fonte: Adaptada de The Economist - The Health of Nations, July, 17th 2004

[Descrição da imagem] O gráfico apresentado é um gráfico de barras horizontais que mostra o incremento percentual do PIB gasto com saúde em vários países. No eixo vertical, estão listados os países: Inglaterra, Japão, Itália, Dinamarca, Holanda, Austrália, Suécia, Canadá, França, Alemanha, Suíça e Estados Unidos. No eixo horizontal, está o incremento percentual do PIB gasto com saúde, variando de 0 a 3,5%. Os Estados Unidos apresentam o maior incremento, com uma barra que se estende até cerca de 3,5%. A Suíça e a Alemanha também têm incrementos significativos, com barras que se estendem até cerca de 2,5% e 2%, respectivamente. França, Canadá, Suécia, Austrália, Holanda, Dinamarca, Itália, Japão e Inglaterra têm incrementos menores, com barras que variam entre aproximadamente 0,5% e 1,5%. [Final da descrição]

Figura 9.2 Incremento da porcentagem do PIB gasto com saúde, 1990-2002. Fonte: Adaptada de The Economist - The Health of Nations, July, 17th 2004.

Para suprir parte das necessidades do país, seria necessário gastar mais 2% [do PIB], o que representaria um aumento de investimentos de R$ 83 bilhões.

Somando o setor privado (planos de saúde e gastos particulares), o total dos gastos com saúde no Brasil chega a 8,4% do PIB.  O setor da saúde como um todo (público e privado) encerrou o ano de 2013 com uma participação de 10,2% do PIB brasileiro, ante 9,5% em 2012. O cálculo é da Confederação Nacional de Saúde (CNS), terminando o ano com 3,1 milhões de postos de trabalho, sendo 61% no setor público e 39% no privado. Desde 2010, o número de empregos no setor cresceu 19,2%; no entanto, os gastos com saúde ainda estão abaixo da média dos países da OCDE, principalmente se considerado o setor público.

Na maior parte dos países desenvolvidos, mais de 70% do gasto com saúde é público e não privado. Na Inglaterra e na França, o gasto é superior a 80%. No Brasil, o setor público responde por apenas 42%. Apesar da defasagem existente, de acordo com os dados do Ministério da Saúde relativos a 2010, os gastos federais com saúde representaram R$ 63 bilhões, mas o governo quase triplicou os investimentos no setor entre 2002 e 2012, visto que o valor investido na saúde passou de R$ 28,3 bilhões em 2002 para R$ 95,9 bilhões em 2012, e cerca de R$ 99,3 bilhões em 2013, o que ainda aparenta ser insuficiente.

Nas Figuras 9.3 e 9.4, verifica-se a projeção da Organização das Nações Unidas, publicada em 2007 (World Economic and Social Survey 2007. Development in an Ageing World), relativa ao envelhecimento da população para as próximas décadas.

Nela, observa-se a proporção de pessoas economicamente ativas para cada habitante de mais de 65 anos, que são os agentes efetivos de geração de riqueza nas nações em relação a um número cada vez maior de pessoas inativas do ponto de vista econômico. Soma-se ainda o fato de que este grande e progressivamente maior contingente de pessoas que ficarão à margem do processo produtivo será precisamente composto daquelas que demandarão maior quantidade de serviços e de gastos com saúde.


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[Descrição da imagem] O gráfico de barras mostra a proporção da população idosa em três anos diferentes: 1950, 2005 e 2050. No eixo vertical, está a porcentagem, que varia de 0% a 25%. No eixo horizontal, estão os anos. Em 1950, a barra indica 8%. Em 2005, a barra mostra 10%. Em 2050, a barra atinge 21%. [Final da descrição]

Figura 9.3 Proporção da população acima de 60 anos do mundo – ONU, 2005. Fonte: World Economic and Social Survey 2007: Development in na Ageing World.

[Descrição da imagem] O gráfico de barras mostra dados referentes a três anos: 1950, 2005 e 2050. No eixo vertical, os valores vão de 0 a 14. Cada barra representa um ano específico. Em 1950, a barra atinge o valor 12. Em 2005, a barra atinge o valor 9. Em 2050, a barra atinge o valor 4. [Final da descrição]

Figura 9.4 Pessoas economicamente ativas/pessoas acima de 65 anos. Fonte: World Economic and Social Survey 2007: Development in an Ageing World.

Apesar desses custos, a National Academy of Sciences Insitute of Medicine, nos EUA, em seu relatório de 2005, constatou que os efei­tos adversos ocorridos em hospitais americanos respondem anualmente por 98.000 óbitos; os erros de medicação respondem isoladamente por 7.000 óbitos. O National Committee for Quality Assurance dos EUA, em pesquisa realizada em 3.522 pacientes em 2008, encontrou efeitos adversos em 4,2% dos casos, sendo 45,5% por "erros" de medicação e 25,6% por "erros" de diagnóstico ou tratamento. Para o Brasil, o reflexo de todo esse quadro é ainda mais dramático. O aumento galopante dos custos aliados à insuficiência do poder aquisitivo da população e a um processo regulatório ainda deficiente tem conduzido a um quadro e dificuldades para os tomadores e prestadores de serviços do segmento.

No entanto, o financiamento final na esfera privada, em que cerca de 80% das vidas estão cobertas por planos empresariais e não individuais, acaba recaindo sobre as empresas do setor produtivo. No Brasil, dos mais de 50 milhões de beneficiários de planos de saúde, mais de 75% estão vinculados a planos contratados por empresas. Esse valor corresponde a 25% da soma de todo o lucro auferido pelas 500 maiores empresas do país.

Diagnosis related groups I Metodologia para classificação de pacientes hospitalares

Diagnosis related groups (DRG) constituem um sistema de classificação de pacientes internados em hospitais que a atendem casos agudos, desenvolvido no final dos anos 1960, por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores da Yale University, EUA, dirigida por Robert B. Fetter e John Thompson.

Essa equipe teve como objetivo realizar pesquisas nas áreas de gestão, planejamento e revisão de utilização hospitalar, e foi motivada principalmente pela demanda gerada com a criação, em 1965, do programa Medicare. Este determinava que cada hospital pertencente ao programa deveria ter um comitê de revisão de utilização, assim como um programa para essa revisão. Esse sistema de classificação busca correlacionar os tipos de pacientes atendidos pelo hospital, com os recursos consumidos durante o seu período de internação, criando grupos de pacientes coerentes, similares e homogêneos quanto ao consumo de recursos hospitalares denominados DRG (Averill, 1985; Burik e Nackel, 1981). Para tal, foi desenvolvida uma metodologia que utiliza técnicas estatísticas e computacionais, juntamente com conhecimentos de medicina e dos processos de atendimento hospitalar.

Com base nos DRG, é possível obter um novo tipo de definição do perfil nosológico dos hospitais (case-mixj, e também de mensuração do produto hospitalar, possibilitando que se utilize uma abordagem de gerenciamento com base não apenas na administração dos insumos, como também no controle do processo do trabalho médico (Fetter e Freeman, 1980; Bardsley e Coles, 1987).

O desenvolvimento do sistema teve como objetivo inicial viabilizar o monitoramento da qualidade da assistência e utilização dos serviços hospitalares. No final da década de 1970, foi adaptado para ser utilizado como base para o pagamento a hospitais do estado de New Jersey, EUA e, desde outubro de 1983, está sendo utilizado para o reembolso com base no sistema de pagamento prospectivo a hospitais que prestam assistência a pacientes do sistema de seguro americano denominado Medicare (Averill, 1985). Essa utilização particular dos DRG tem resultado, frequentemente, na percepção distorcida de que o sistema seja destinado a pagamento e não à classificação de pacientes (Freeman, 1988).

O desenvolvimento e a utilização nos EUA suscitaram interesse pelo sistema DRG em vários países, tais como: Reino Unido, França, Holanda, Bélgica, Alemanha Ocidental, Espanha, Itália, Portugal, Áustria, Suíça, Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Austrália, Canadá, Coreia e Brasil, que têm realizado pesquisas no intuito de avaliar a formação de DRG a partir dos dados disponíveis e verificar os usos possíveis deste sistema tanto no nível de hospitais quanto no sistema de saúde como um todo (Freeman, 1989).

Tatchell (1985), citando o trabalho de Feldstein, descreve os custos da assistência hospitalar de 177 hospitais de pacientes agudos, na Inglaterra e País de Gales, entre 1960/1961, sugerindo que o perfil nosológico (case-mix) poderia ser uma variável explicativa da variação dos custos entre hospitais. A partir dessa hipótese, Feldstein dividiu os pacientes em oito grupos de especialidades, a fim de avaliar o seu perfil em cada hospital, observando que os hospitais tratavam de modo diferente tipos semelhantes de pacientes, e que tal diferença era, em grande parte, responsável pela variação dos custos entre os hospitais. Concluiu que o estudo dos fatores que influenciam os custos hospitalares pode conduzir a erros de análise ou resultados distorcidos se as diferenças de case-mix não fossem levadas em consideração. Com esse estudo, Feldstein especificou o que considerou como critérios básicos para qualquer mensuração do perfil de pacientes em termos de consumo de recursos hospitalares:

§     As categorias de pacientes devem ter significado clínico e não somente conveniência administrativa

§     As categorias de pacientes devem ser homogêneas com relação aos recursos consumidos no tratamento.

 


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De acordo com Fetter et al. (1985), o desenvolvimento de um sistema de classificação de pacientes foi motivado por dois programas de revisão de utilização sobre o processo de atendimento ao paciente internado, os quais buscavam identificar os casos atípicos (out layers); ou seja, aqueles que apresentavam um tempo de internação hospitalar excepcionalmente longo. Verificaram que, para estudar a gestão hospitalar e a utilização de serviços, havia necessidade de analisar os cuidados prestados aos pacientes, por serem estes reconhecidos como a base do processo do trabalho no hospital. Outra questão também identificada foi a de que os cuidados ou os serviços prestados diferenciavam-se em função de alguns atributos dos pacientes, tais como: idade, sexo, diferentes estágios da doença, dentre outros, fazendo-se necessária uma explícita caracterização dos diferentes tipos de pacientes.

Para facilitar a análise dos dados dos pacientes e tornar possível maior coerência clínica no resultado final de formação de DRG, o passo inicial consistiu na definição de grandes categorias diagnósticas (GCD) por um grupo de médicos. Para sua definição, foram analisadas classificações americanas de doenças e três princípios básicos foram obedecidos nos quais as GCD deveriam:

§     Ter consistência em termos da anatomia, classificação fisiopatológica ou no modo como os pacientes são tratados clinicamente

§     Agrupar um número suficiente de pacientes

§     Cobrir completamente todos os códigos da CID, sem sobreposição.

Para a definição dos grupos mediante a utilização das informações disponíveis nas bases de dados hospitalares, procurou-se examinar a frequência relativa dos diferentes tipos de pacientes e identificar suas características gerais. Para essa análise, foi utilizado um algoritmo estatístico com base na técnica de regressão múltipla, que, aplicado a esses dados, indicava tipos de agrupamentos de pacientes que fossem similares em termos da intensidade de recursos hospitalares consumidos durante a sua internação. Utilizaram o tempo de permanência como variável dependente, e testaram diversas variáveis que dividiam os dados em grupos que diferiam no seu tempo de permanência. Ao obter grupos de pacientes sugeridos pelo algoritmo, verificou-se que estes incluíam pacientes que, embora tivessem características semelhantes no que diz respeito ao consumo de recursos hospitalares, apresentavam pouca ou nenhuma coerência clínica interna. Isso quer dizer que pacientes das mais diversas especialidades e com diferentes necessidades eram reunidos em um mesmo grupo (Fetter et al., 1980), ficando evidenciada a necessidade da análise médica durante o processo de formação dos grupos, para que o produto final não tivesse apenas um significado estatístico, mas também coerência clínica. Para tal, foi desenvolvido um programa computacional que, além da interferência de clínicos durante o processo de avaliação estatística e formação dos grupos, possibilitava a utilização de bancos de dados extensos com uma liberação rápida dos resultados (Demlo et al., 1978; Fetter et al., 1980).

A primeira etapa foi classificar todos os diagnósticos principais e/ou primários dos resumos de alta, nas GCD correspondentes. A segunda etapa consistiu no exame da distribuição do tempo de permanência hospitalar em cada GCD, e retirada do banco de dados de resumos de alta que não preenchiam as características necessárias à classificação. Na terceira etapa, utilizaram-se o programa grouper e algoritmos estatísticos para avaliar e sugerir grupos de pacientes que tivessem um perfil similar. A variável dependente adotada como referência de utilização de recursos foi o tempo médio de permanência hospitalar de cada GCD. Diversas variáveis independentes foram testadas buscando identificar as mais explicativas da divisão dos dados em grupos que diferiam no seu tempo de permanência. As variáveis analisadas passaram a compor a classificação quando preenchiam os seguintes critérios:

§     Produziam uma redução significativa da variância da variável dependente (tempo de permanência) relativa às outras variáveis

§     Criavam uma quantidade de grupos gerenciáveis

§     Criavam grupos de pacientes com tempos médios de internação similares e clinicamente homogêneos (Fetter et al., 1980).

As variáveis analisadas foram os diagnósticos, os procedimentos, a idade, o sexo e os serviços clínicos utilizados. Com essas variáveis, foram realizadas as primeiras partições dos dados em cada GCD, formando-se assim os primeiros grupos. O processo de formação de cada grupo poderia terminar após a partição com base em uma só variável ou continuar a partir de outras variáveis, cumprindo critérios estatísticos ou clínicos preestabelecidos. Assim, foram definidos os grupos finais, que incluíam pacientes com um grau razoável de homogeneidade no seu tempo de permanência hospitalar.

A primeira versão dos DRG foi apresentada em 1973 e era constituída de 54 GCD divididas em 333 DRG, com base nas variáveis de diagnósticos primário e secundário, idade e presença ou ausência de cirurgias específicas.

A utilização dos DRG, juntamente com dados sobre custos ou de resultados do tratamento, contribui para que a avaliação do desem­penho hospitalar ganhe nova dimensão. Os hospitais podem conhecer melhor os tipos de pacientes que atendem, os custos incorridos no tratamento dos mesmos, oferecendo novos subsídios para o planejamento dos seus serviços. O sistema ainda possibilita comparações entre hospitais, regiões e países, quando se pode observar variações na utilização de serviços, no processo de tratamento e nos resultados. O sistema tem passado por diversas revisões nos últimos 20 anos, resultantes da intensa discussão que ocorreu e ocorre nesse campo, e a maioria das críticas dirigidas a esse sistema de classificação tem sido objeto de reflexão e incorporação das suas sucessivas revisões.

Gestão de processos | Um novo desafio para os hospitais

Um importante desafio para as instituições de saúde é incorporar os conceitos e as metodologias de gestão de processos em suas práticas, seus planejamentos e sua governança. A cultura e as ferramentas para a análise dos fluxos de produção para otimizar e qualificar os resultados há mais de 5 décadas estão implantadas em alguns ramos da indústria, mas são mais recentes na área da saúde.

Kaizen (do japonês, "melhora" ou "mudança para melhor) refere-se à filosofia e às práticas que incidem sobre a melhora contínua dos processos de manufatura, engenharia e gestão e, atualmente, também com grande relevância para a área da saúde.

Refere-se a atividades que melhorem continuamente todas as funções e envolvam todos os funcionários, desde a alta direção até os trabalhadores das diversas frentes de trabalho ou atendimento. Ao melhorar as atividades e os processos por meio de sua padronização, kaizen tem como objetivo eliminar o desperdício. Foi implementado, pela primeira vez, em várias empresas japoneses após a Segunda Guerra Mundial, sob a influência de empresas americanas e professores de gestão da qualidade que visitaram aquele país na ocasião.

 


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Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão se encontrava com sérios problemas econômicos. Novas leis trabalhista foram introduzidas pela ocupação norte-americana, contribuindo para reforçar a posição dos trabalhadores nas negociações por condições mais favoráveis de trabalho. Os sindicatos usaram sua força para alcançar acordos duradouros, tendo conquistado uma participação nos lucros das empresas para os trabalhadores, como forma de um bônus pago além do salário básico. Assim, nos anos 1950, foram retomadas as ideias da administração clássica de Fayol e as críticas a elas decorrentes, a fim de renovar a indústria japonesa e desenvolver o conceito de aprimoramento contínuo, Kaizen (Imai 1986; Michael, 2000).

Essa prática (exprimindo uma forte filosofia de vida oriental, se propôs também ser uma cultura organizacional) buscava o bem, não somente da empresa, mas do homem que trabalha nela. Partiu do princípio de que o tempo é o melhor indicador isolado de competitividade, atuando de maneira ampla para reconhecer e eliminar os desperdícios nos processos produtivos, assistenciais e gerenciais.

"Hoje será melhor que ontem e amanhã será melhor que hoje!" (Imai 1986).

Para o kaizen, é sempre possível fazer melhor, nenhum dia deve passar sem que alguma melhora seja implantada, na estrutura da empresa ou no indivíduo.

O sistema Toyota de produção (STP) é um sistema que foi desen­volvido pela Toyota entre 1948 e 1975, com o objetivo de aumentar a produtividade e a eficiência, evitando o desperdício, como tempo de espera, superprodução, gargalos de transporte e inventários desne­cessários, dentre outros (Ohno, 1988).

Taiichi Ohno, Shingeo Shingo e Eiji Toyota, inicialmente, desenvol­veram o sistema, que logo se espalhou desde o Japão até o Ocidente. Os fundadores da Toyota estudaram a fundo o trabalho de Deming, que se constituiu no fundamento do sistema proposto.

Na época, predominava o conceito de que a produtividade dos trabalhadores americanos era aproximadamente 10 vezes su­perior à produtividade da mão de obra japonesa. O fato de a produtividade americana ser tão superior chamou a atenção, e a única explicação razoável encontrada foi que a diferença de produtividade somente poderia ser explicada pelas perdas (des­perdícios) no processo de produção japonês. A partir daí, foi necessário estudar um modelo sistemático para identificação e eliminação dessas perdas.

Taiichi Ohno notou que os trabalhadores eram subutilizados, as tarefas eram repetitivas e, além de não haver melhora, existia uma forte divisão (projeto e execução) do trabalho, a qualidade era negligenciada ao longo do processo de fabricação e existiam grandes estoques intermediários. Em função disso, Ohno continuou estudando como aprimorar a gestão dos processos postos em prática na Toyota, tendo como base dois conceitos principais. O primeiro se originou do livro de Henry Ford Today and Tomorrow. mostrando que o movimento da linha de montagem era responsa por estabelecer as bases para a produção. O segundo baseou-se nos conceitos que observou nos supermercados, durante sua visita aos EUA em 1956, que proviam suprimento contínuo das gôndolas. A visão da operação dos supermercados deu a Ohno a ideia de um sistema de tração (sistema puxado), em que cada processo de produção provê os elementos para o processo seguinte de maneira ininterrupta.

Integrando os conceitos de just-in-time, kanban e o nivelamento da produção ou heijunka. Os princípios do modelo Toyota, idealizado por Ohno (Liker, 2005), são:

§     Desafio (criar uma visão a longo prazo, enfrentando os desafios com coragem e criatividade para realizar nossos sonhos)

§     Kaizen (melhorar as operações de maneira contínua, motivados pela inovação e evolução)

§     Genchi genbutsu (vá e veja, ir até a fonte para encontrar os fatos e tomar decisões corretas)

§     Respeito (respeitar o outro, fazendo todos os esforços para en­tender um ao outro, assumir a responsabilidade e oferecer nosso melhor para construir confiança mútua)

§     Trabalho em equipe (estimular o crescimento pessoal e profissio­nal, compartilhando oportunidades de desenvolvimento e maxi­mizando o desempenho individual e da equipe).

A expressão lean system (sistema enxuto ou magro) teve ori­gem vários anos mais tarde, no final da década de 1980, quan­do foi fundado o IMVP (International Motor Vehicle Program), um programa de pesquisas ligado ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), destinado a avaliar os rumos da indústria automobi­lística mundial, realizando um estudo envolvendo 90 montadoras de automóveis de 14 países, com o objetivo de mapear as me­lhores práticas da indústria automobilística mundial por meio de entrevistas com funcionários, acadêmicos, sindicalistas e membros dos governos. Ao final dos estudos, os resultados evidenciaram uma significativa superioridade da indústria japonesa. Basicamente, o sistema de produção das empresas japonesas produzia carros com a metade das horas-homem, metade do espaço fabril e com 1/3 dos defeitos dos carros produzidos pelas empresas dos demais países. A produção enxuta (do original, em inglês, lean) foi o ter­mo cunhado pelos pesquisadores do IMVP para definir esse novo sistema de produção muito mais eficiente (Toussaint et al., 2010; Womack e Jones, 2003; Alexander, 2012).

A metodologia Seis Sigma (Six Sigma, em inglês) é um conjunto de práticas originalmente desenvolvidas pela empresa Motorola para melhorar sistematicamente os seus processos ao eliminar defeitos. Um defeito é definido como uma não conformidade de um produto ou serviço com suas especificações. Seis Sigma também é definida como uma estratégia gerencial para promover mudanças nas organi­zações, buscando melhorias nos processos, produtos e serviços para a satisfação dos clientes (Linderman et al., 2003).

Diferentemente de outros tipos de gerenciamento de processos produtivos ou administrativos, a metodologia Seis Sigma tem como prioridade a obtenção de resultados de maneira planejada e clara, tanto de qualidade como no âmbito financeiro.

Os princípios adotados pela equipe da Motorola datam de 1809, quando Carl Gauss, um matemático alemão, publicou a Theoria Motus Corporum Arithmeticae, apresentando o conceito de curva de sino, uma forma que pode sempre representar a variação do que ocorre em um processo controlado. A variação é definida como desvio de expectativa. Todos os processos e atividades apresentam variações inerentes a eles. A variação é inevitável e irrevogável; o difícil, claro, é limitá-la. Um pouco de variação é provavelmente normal, mas va­riações em excesso podem levar a distorções dos processos (Han e Lee, 2002).

 


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Em um sentido mais lato, a Seis Sigma é uma metodologia para realização de projetos orientados para a resolução dos problemas mais importantes da organização, com vista a aumentar sua eficiência e produtividade.

A qualidade não é vista pela Seis Sigma na sua forma mais tradicional (isto é, a simples conformidade com normas e requisitos da organização), mas é definida como um amplo esforço com a finalidade de alcançar objetivos definidos na estratégia organizacional. Projetos Six Sigma seguem duas metodologias inspiradas pelo ciclo Plan-Do-Check-Act (PDCA), de Shewhart, amplamente difundidas por Deming, no Japão do pós-guerra.

Essas metodologias se compõem de cinco fases cada uma e são chamadas pelos acrônimos DMAIC e DMADV DMAIC é usado para projetos focados em melhorar processos de negócios já existentes; DMADV é usado para projetos focados em criar novos desenhos de produtos e processos (Breyfogle et al., 2001).

A metodologia DMAIC:

§     Define the problem: definição do problema a partir de opiniões de consumidores e objetivos do projeto

§     Measure key aspects: mensurar e investigar relações de causa e efeito, certificando que todos os fatores foram considerados, de­terminando quais são as relações. Dentro da investigação, procu­rar a causa principal dos defeitos

§     Analyse: análise dos dados e o mapeamento para a identificação das causas-raiz dos defeitos e das oportunidades de melhoria

§     Improve the process: melhorar e otimizar o processo com base na análise dos dados usando técnicas como desenho de experimen­tos, poka-yoke ou prova de erros, e padronizar o trabalho para criar um novo estado de processo. Executar pilotos do processo para estabelecer capacidades

§     Control: controlar o futuro estado de processo para se assegurar que quaisquer desvios do objetivo sejam corrigidos antes que se tornem defeitos. Implementar sistemas de controles estatísticos nos processos ou quadro de produções, e continuamente moni­torar os processos.

§     A metodologia DMADV é também é conhecida por DFSS (Design

§     For Six Sigma):

§     Define goals: definição de objetivos que sejam consistentes com as demandas dos clientes e com a estratégia da empresa

§     Measure and identify: mensurar e identificar características que são críticas para a qualidade, capacidades do produto, capacidade do processo de produção e riscos

§     Analyze: analisar para desenvolver e projetar alternativas, criando um desenho de alto nível e avaliar as capacidades para selecionar o melhor projeto

§     Design details: descrever detalhes, otimizar o projeto e planejar a verificação do desenho. Esta fase se torna uma das mais longas pelo fato de necessitar de muitos testes

§     Verify the design: verificar o projeto, executar pilotos do processo, implementar o processo de produção e entregar ao proprietário do processo.

A incorporação na cultura organizacional é um dos pontos relevantes da Seis Sigma; de modo que as empresas que implantaram este programa foram as de maior tradição de qualidade - ou seja já haviam adotado outros programas de qualidade anteriormente.  Assim, a implantação da Seis Sigma nas organizações tem o intuito de incrementar a qualidade por meio da melhora contínua dos processos, de maneira estruturada, considerando todos os aspectos importantes para o negócio. Ela também prioriza o aumento da rentabilidade, pois concentra muitos esforços na redução dos custos da qualidade e no aperfeiçoamento da eficiência e da eficácia de todas as operações que atendem às necessidades dos clientes.

Lean Healthcare constitui a utilização de princípios e ferramentas Lean associados à metodologia Six Sigma e conceitos de excelência de atendimento para serviços de saúde. Tal utilização teve início nos EUA e no Reino Unido e, recentemente, em muitos outros países, incluindo o Brasil, passando a desempenhar um papel importante na melhora da qualidade dos serviços (Toussaint et al., 2010).

O foco na busca de maior eficiência e produtividade levou a uma série de implementações de projetos da metodologia Lean Healthcare A implantação de projetos Lean inclui o desenvolvimento de uma visão compartilhada e a longo prazo, planos de ação para enfrentar a escassez de recursos e maior demanda nos serviços, além do envolvimento das lideranças dentro da organização para apoiar as iniciativas e inserir Lean no DNA das instituições de saúde.

As primeiras realizações da aplicação do Lean na Saúde (Lean Healthcare) têm sido responsáveis pela mudança de mentalidade, geração de novas ideias para o aumento da produtividade e melhora da qualidade dos processos assistenciais e de atendimento. No entanto, com certa frequência, esses esforços são realizados de modo fragmentado ou por meio de projetos setoriais dentro dos hospitais, constituindo ilhas de melhoria, mas que não se sustentam ao longo do tempo.

A ferramenta Lean, para manifestar todo seu potencial, precisa ter uma base ampla de aprovação e participação dentro da organização; é necessário que se torne a "maneira como se fazem as ações dentro da instituição", em vez de ser somente um agrupamento de projetos (Young e McCIean, 2009). Para que isso aconteça, é necessário implantar a cultura Lean e que isso faça parte do trabalho diário de funcionários, coordenadores e gestores.

Uma série de organizações de saúde no mundo está se movendo nessa direção, criando o conceito da melhoria diária por meio das equipes de cada unidade assistencial ou administrativa, propondo novas ideias, acompanhando o seu próprio desempenho enquanto equipe e procurando atrair os dirigentes dos hospitais, para que passem cada vez mais tempo próximos à linha de frente.

A primeira fase da introdução do Lean para os serviços de saúde se caracteriza por projetos operacionais de melhoria que levam a avanços na eficiência e desempenho (muitas vezes, em áreas como a de emergência, laboratório, centro cirúrgico, centros de diagnóstico ou de assistência ambulatorial). Depois de determinado sucesso inicial, no entanto, os hospitais muitas vezes se deparam com obstáculos: começam a perder parte dos resultados dos processos de melhoria ou há uma estagnação das melhoras, ficando restritas a áreas isoladas. Assim, como somente um pequeno grupo de pessoas foi envolvido nos esforços iniciais para cada projeto, é difícil ampliar para todo o hospital, que no seu dia a dia da gestão da unidade está habituado com a cultura do combate a pequenos incêndios, e dispõe de pouco tempo para se dedicar a iniciativas de mudança.

Esses avanços, no entanto, mesmo que positivos, poderão não ter sustentabilidade a longo prazo caso não façam parte de um sistema integrado de gestão que apoie o engajamento das "linhas de frente", raiz e causa resolução de problemas e um dos principais focos da melhoria contínua. A introdução deste paradigma precisa estar apoiada


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por algo que muitas vezes falta em alguns serviços de saúde: uma cultura de trabalho padronizado com supervisão e apoio das lideranças (coaching). Este processo não pode ser realizado em salas de aula, mas nas enfermarias, conferindo aos funcionários e técnicos confiança e competência para implementar novas ideias em uma atmosfera em que a inovação é incentivada. Por meio dessa cultura, todos dentro do hospital precisam entender que a melhora contínua é parte do seu papel, o que pode simplificar a jornada do paciente, aumentar a eficiência e reduzir os custos.

"As jornadas e vivências dos pacientes não são estáticas mas mudam a todo momento; portanto, a cultura Lean deve estimular os enfermeiros, gestores e médicos para se adaptar continuamente a esses caminhos por meio da pergunta: 'Como podemos fazer isso melhor?'." (Alexander, 2012).

Gestão de projetos | Algumas metodologias

Mais um grupo de ferramentas de gestão para o alcance dos objetivos estratégicos de uma instituição se refere aos processos de gerenciamento de projetos. Considerando que a maior parte dos planos de ação para melhoria contínua e para o alcance de metas pode (e deve) ser gerenciada como projeto, este conjunto de conceitos e ferramentas pode ser de grande valia. De acordo com o Project Management Institute (PMI), um projeto é um conjunto de esforços temporários, com objetivo de criar produtos, serviços ou resultados únicos. A temporalidade do projeto o distingue dos processos cotidianos da instituição. Os processos visam assegurar a continuidade da assistência e das atividades de suporte, são rotineiros e contínuos. Os projetos buscam o alcance da ação pretendida, envolvem processos descontínuos com perspectiva de curto, médio ou longo prazo na instituição.

O gerenciamento de projetos (também apresentado no Capítulo 8 por Pena, Malik e Viana, ao discutirem Gestão Estratégica em Saúde) envolve um grupo de fases (momentos) descrito como: inicialização, planejamento, controle, execução e encerramento, que compõem o ciclo de vida do projeto (Figura 9.5).

Cada fase do projeto é marcada por um ou mais produtos que deverão ser avaliados e validados antes do início da fase seguinte. As fases de um projeto podem ser divididas em:

§     ■ Inicialização: envolve o provisionamento de recursos financeiros, humanos e físicos para a execução, e precisa seguir um fluxo de co­nhecimento e comprometimento da alta direção da instituição para:

o        Alinhar o projeto com o planejamento estratégico

o        Validar a capacidade para executar e concluir o projeto

o        Incorporar o projeto no cenário institucional quanto à necessidade de recursos financeiros, técnicos, humanos

o        Identificar os riscos de imagem, resultados financeiros e políticos, para poder gerenciá-los e mitigá-los

§     Planejamento: é marcado pela construção do Plano de Gerenciamento do Projeto (PGP) (Figura 9.6). O esforço envolvido no planejamento está diretamente relacionado com a complexidade do projeto, quanto mais complexo, maior deve ser o detalhamento do planejamento. O processo de planejamento é contínuo e permeia todos os ciclos do projeto. A equipe envolvida no planejamento precisa atualizar e ajustar o planejado de acordo as modificações autorizadas.

A constituição e a escolha da equipe de projeto devem levar em consideração a estrutura organizacional existente; ou seja, se ela é linear, funcional e quase sempre precisa ser matricial. Ao escolher a

[Descrição da imagem] O diagrama de fluxo representa as etapas de um projeto. As etapas são apresentadas em caixas retangulares conectadas por setas que indicam a sequência do processo. Parte uma seta do primeiro retângulo  "Iniciação" para o retângulo "Planejamento". Do retângulo "Planejamento", há setas que levam para o retângulo "Execução",este que tem uma seta de duplo sentido para o retângulo "Controle". Do "Controle", há uma seta de volta para "Planejamento" e outra para "Encerramento do projeto". [Final da descrição]

Figura 9.5 Grupo de processos que compõem o ciclo de vida do gerenciamento de projetos.

 

equipe de projeto e o processo de definição do escopo, serão estabelecidas as estratégias para condução do mesmo.

Atualmente, a metodologia de projetos mais difundida e praticada é a do Project Management Institute (PMI). Há inúmeras outras metodologias, mas que, em sua maior parte, apresentam conceitos semelhantes, pois passam pela definição do escopo, planejamento, controle e execução; suas aplicações, no entanto, podem ser diferentes. O Project Model Canvas (Canvas) é uma metodologia de gerenciamento de projetos sem a necessidade de preenchimento de inúmeros documentos e com um menor grau de burocracia. Com base no conceito Canvas e na neurociência, e alicerçado nos pilares “conceber, integrar, resolver e compartilhar”, o PMC facilita o processo de inovação, construção, prototipagem e implantação de novas soluções e estratégias do negócio com alto grau de dinamismo.

O Ministério da Saúde no Brasil utiliza a metodologia de Peter Pfeiffer - quadro lógico (QL). Este procura definir os principais parâmetros de um projeto em uma matriz que contém quatro colunas e quatro níveis. Nesses 16 campos, é preenchida, resumidamente, a maioria das informações relevantes sobre o projeto, tais como: objetivos, resultados esperados, respectivos indicadores que estabelecem metas quantitativas e qualitativas, fontes em que as informações relevantes podem ser encontradas e fatores externos que representam riscos e que precisam ser monitorados. A aplicação do QL é mais apropriada, mas não exclusiva, em projetos de desenvolvimento, sejam de caráter público e de cunho social ou de desenvolvimento organizacional. O quadro lógico é um dos instrumentos de planejamento mais difundidos tanto entre as agências internacionais de desenvolvimento quanto em instituições nacionais que lidam com projetos de desenvolvimento.

[Descrição da imagem] O gráfico de matriz avalia o grau de influência e interesse no projeto. O eixo vertical representa o "Grau de influência no projeto", variando de "Baixo" a "Alto". O eixo horizontal representa o "Grau de interesse no projeto", variando de "Mútuo" a "Conflito". A matriz é dividida em quatro quadrantes: Quadrante superior esquerdo: "Aliados" com "Base de poder"; Quadrante superior direito: "Bloqueadores" com "Isole e negocie".; Quadrante inferior esquerdo: "Membros da rede" com "Construa rede política"; Quadrante inferior direito: "Rede".  [Final da descrição]

Figura 9.6 Análise das partes interessadas - gerenciamento de projetos.

 


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Governança clínica e gestão da clínica

Governança clínica, tema apresentado e discutido de maneira mais ampla no Capítulo 17, é um termo originado no âmbito do Sistema de Saúde Britânico (NHS - National Health Service). Corresponde ao modelo por meio do qual as organizações de saúde procuram melhorar continuamente a qualidade dos seus serviços e manter elevados padrões de assistência, criando um ambiente propício ao desenvolvimento de segurança e excelência no atendimento. Foi dada muita ênfase ao conceito de governança clínica como um dos mecanismos para melhoria dos serviços de saúde e da qualidade do sistema de saúde em todo o Reino Unido (NHS), desde a sua criação em 1997.

A Organização Mundial da Saúde propõe que tal conceito englobe quatro aspectos principais: desempenho dos profissionais (qualida de técnica); adequada utilização dos recursos (eficiência); gestão do risco (o risco de lesões ou doenças associadas à assistência); satisfação dos pacientes com o serviço prestado.

Na prática, governança clínica em sua formulação atual constitui uma agregação de processos de melhorias para os serviços de saúde, composta, pelo menos, dos seguintes processos:

§     Efetividade clínica, que procura mensurar a extensão que uma intervenção alcança. Inclui a análise do quanto a intervenção é apropriada, considerando seus custos. Nos serviços de saúde atuais, a prática clínica precisa ser redefinida à luz das evidências de efetividade, bem como considerar os aspectos da eficiência e segurança na perspectiva individual (do paciente e do trabalhador da saúde) e da comunidade

§     Auditoria clínica - buscando a revisão do desempenho clínico, para melhora da prática assistencial, com base na comparação entre resultados e medidas de desempenho e os padrões acordados - inserida em um processo cíclico de melhoria contínua da qualidade

§     Gerenciamento de riscos para os pacientes e acompanhantes, para os colaboradores e para a instituição

§     Transparência com a comunicação clara e disseminada sobre os procedimentos relativos a todas as dimensões da assistência ao paciente e aos processos de atenção à saúde

§     Pesquisa, desenvolvimento e inovação com disseminação das práticas profissionais com base em evidências provenientes de pesquisas e gestão do conhecimento, com o desafio de reduzir as limitações de qualidade e efetividade por meio do uso de protocolos; gerenciamento de projetos, análise crítica do cuidado em associação ao processo de pesquisas

§     Educação continuada.

Tais dimensões são os atributos de uma organização que se propõe a oferecer um atendimento clínico de alta qualidade. A evolução da governança da clínica destina-se a consolidar, codificar e universalizar abordagens políticas capazes de criar organizações em que a responsabilidade final para a governança repouse nos executivos da organização com essa visão da qualidade assistencial. Cada organização deve trabalhar, além da sua responsabilidade pelos resultados (outcomes), com a construção de pactos e acordos entre as diversas corporações dos profissionais de saúde que compõem o hospital, devidamente comunicados a toda a organização, objetivando a adequada assistência aos pacientes.

Todas as organizações que constituem o complexo de assistência à saúde mostram variações no seu desempenho em relação aos diversos critérios de qualidade. A melhora da qualidade deve incidir sobre todo o leque de produtos. Falhas nos padrões de cuidados, se detectadas por meio de queixas, auditorias ou incidentes desfavoráveis, devem representar uma rotina de vigilância periódica dessas instituições.

É imprescindível que a infraestrutura do hospital possa estar a serviço da governança clínica: tecnologia da informação, educação e formação dos profissionais, apoio administrativo, núcleos de qualidade parra oferecer às equipes tempo e espaço adequado para pensar sobre a qualidade dos seus serviços, análise dos seus dados e planos de melhoria. Além disso, é necessário encontrar meios de envolver pacientes no processo, visto que, a princípio, os processos devem estar voltados para eles. A liderança é outro ingrediente importante no sucesso organizacional. No entanto, a liderança também é um conceito bastante vago. Dentre os profissionais, muitas vezes, baseia-se em um modelo do "sábio", em vez de autoridade emanada pela força da posição. Novas abordagens de ensino de medicina, tais como introdução da aprendizagem a partir de problemas e educação conjunta com outras disciplinas profissionais, são passos importantes para melhorar o trabalho em equipe.

A medicina com base em evidências tem apresentado grande influência sobre muitos sistemas de saúde do mundo. Acessar e pro­ceder à apreciação de provas de evidências estão rapidamente se tornando um núcleo de competência clínica. Cada vez mais, decisões clínicas e políticas de saúde não são assumidas confortavelmente com base em pareceres isolados. A tecnologia da informação é cada vez mais necessária para permitir o acesso a bases de dados especializadas (como a colaboração Cochrane e outros). Embora apresentar evidências ou fornecer acesso a elas sejam condições necessárias para a adoção de novas práticas, isso não é suficiente. É imperativa a mudança de comportamento entre os profissionais da saúde, por meio da qual se consolide o conceito de que as experiências isoladas não são suficientes e estratégias multidisciplinares são imprescindíveis para a tomada de decisões. Grande parte do esforço da medicina com base em evidências para melhorar a tomada de decisões tem se centrado em intervenções específicas e políticas clínicas. No entanto, com a governança clínica, espera-se que as boas práticas possam ser reconhecidas em um serviço e transferidas para outros.

Um serviço de saúde precisa, ainda, aplicar metodologias eficientes para permitir a generalização das experiências importantes para todos os seus colaboradores, e para obter, dessa maneira, as informações necessárias para um julgamento independentemente das queixas de seus pacientes. Os efeitos adversos de procedimentos e tecnologias precisam ser analisados de maneira objetiva, buscando avaliar o desempenho dos médicos e de outros profissionais da saúde quando se transformam em risco não apenas aos pacientes, mas também à organização onde trabalham.

De maneira concisa, deve-se entender, dentro deste conceito de governança, os programas de elaboração e implementação de diretrizes assistenciais (protocolos clínicos), de avaliação e decisão sobre as diversas tecnologias em saúde, cuja aceitação e operação apresentam gastos para o hospital e para o paciente, nem sempre com base em boas relações de custo-efetividade. O apoio das informações obtidas pelas diversas metanálises e trabalhos da medicina com base em evidências, aliado a estruturas de organização do corpo clínico dos hospitais que buscam como foco as melhores práticas para seus doentes, pode se constituir em um dos principais elementos que esse conceito de governança nos oferece.

Governança clínica é uma ideia para inspirar e motivar. O desafio para os profissionais de saúde e gestores consiste em transformar em realidade tal conceito. Para isso, é necessário o desenho conjunto


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de muitas vertentes da vida profissional e gerencial e empenho em procurar um programa coerente de ação para cada organização de saúde.

O conceito de gestão da clínica é mais recente (nhs - Department of Health, 1998; Mendes, 2001) e se refere à aplicação de tecnologias de microgestão dos serviços de saúde, com a finalidade de assegurar padrões clínicos "ótimos" (reduzir a variabilidade e aumentar a qualidade).  Tecnologias preconizadas (Robinson e Steiner, 1989; McSherry e Pearce, 2002; Mendes, 2002, 2003):

§     Gestão de riscos - ouvidoria - sistema de efeitos adversos * Gestão de doenças (patologias) - consiste na gestão de processos de uma condição ou doença que envolve intervenções na promoção da saúde, na prevenção no tratamento e na reabilitação envolvendo o conjunto de pontos de atenção à saúde de uma rede assistencial, tendo também como objetivo melhorar os padrões qualitativos da atenção, mudar comportamentos de profissionais de saúde e de usuários e programar as ações e serviços de saúde * Gestão de casos - processo cooperativo entre gestor de caso e usuário para planejar, monitorar e avaliar as opções de serviços de acordo com as necessidades de saúde da pessoa, tendo como objetivo alcançar resultados de custo-efetividade e de qualidade

§     Listas de espera são uma tecnologia que normaliza o uso de serviços em determinados pontos de atenção à saúde, estabelecendo critérios de ordenamento e promovendo a transparência das decisões

§     Diretrizes clínicas (guidelines)

§     Auditoria clínica - consiste na análise crítica sistemática da qualidade de atenção à saúde, incluindo: avaliação dos procedimentos utilizados para o diagnóstico, tratamento, uso de recursos e resultados para os pacientes.

Integralidade do cuidado no hospital

Nas organizações de saúde em geral, mas no hospital em particular, o cuidado é, por sua natureza, necessariamente multiprofissional; isto é, depende da conjugação do trabalho de vários profissionais. Mecanismos instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder entre as várias corporações profissionais ocultam a imprescindível colaboração que deve existir entre os vários profissionais, como operadores de tecnologias de saúde, para que o cuidado aconteça. O cuidado (de modo idealizado) recebido pelo paciente é a soma de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital. Assim, uma complexa trama de atos, procedimentos, fluxos, rotinas e saberes em um processo dialético de complementação, mas também de disputa, vai compondo o que entendemos como cuidado em saúde. A maior ou menor integralidade da atenção recebida resulta, em boa medida, da maneira como se articulam as práticas daqueles que trabalham no hospital.

Alguns elementos comportamentais complicam o funcionamento e o entendimento da organização hospitalar. O mais significativo deles corresponde à estrutura de poder no hospital. Embora se trate de uma organização altamente hierarquizada, a autoridade no hospital não emana de uma única origem nem flui de uma só linha de comando, como geralmente ocorre na maioria das estruturas formais de outra organizações. A autoridade no hospital é distribuída entre a direção superior, o corpo clínico e o corpo dos demais profissionais, especialmente os de enfermagem, por se tratar de um conjunto de profissionais integrados por componentes de diversos níveis acadêmicos e por estarem incumbidos de distintas responsabilidades assistenciais (Gonçalves, 1987)

Uma das características fundamentais da organização hospitalar é a importância que assume no seu papel psicossocial. Não constitui um mero arranjo administrativo e tecnológico no qual pessoas trabalham em conformidade com as exigências do plano de serviços, ou em conformidade com linhas de comunicação formais e com comandos formais que operam de cima para baixo; ela é, acima de tudo, um sistema humano social (Kast e Rosenzweig, 1976).

Dentre os vários grupos que compõem a organização hospitalar, Pitta (1994) identifica os pacientes e as equipes médica, de enfermagem e administrativa, além dos outros profissionais que atuam nestas e outras equipes. São citados também os fisioterapeutas, telefonistas, nutricionistas, operadores de máquinas e tantos outros que participam da tarefa de combater as doenças, alongar a duração da vida e até mesmo acompanhar aqueles que morrem. Portanto, embora seja marcante e necessário o avanço tecnológico e científico nesse tipo de organização, é o trabalho das pessoas que determina a qualidade e a eficácia do tratamento. Ao longo do tempo, a atividade de lidar com a dor, com a doença e com a morte tem sido identificada como penosa e difícil para todos.

O cuidado hospitalar ocorre no contexto de uma crescente racionalização das práticas hospitalares (Carapinheiro, 1998), caracterizada, dentre outras questões, pela decomposição do ato médico global em inúmeros outros atos diagnósticos e terapêuticos, realizados por vários profissionais diferentes. Para ilustrar tal fato, basta imaginarmos os cuidados de um paciente com diabetes internado com um quadro de descompensação. Além dos cuidados iniciais do plantonista, que o recebe e o interna a partir do pronto-socorro, ele receberá também cuidados da enfermagem e poderá ser visto, em algum momento, pelo cirurgião vascular, pelo cardiologista, pelo endocrinologista, pelo nutricionista, pelo assistente social, pelo psicólogo e pelo fisioterapeuta. Além disso, ele terá seu corpo escrutinado por uma bateria de exames, alguns deles bastante complexos, realizados em serviços diferentes e por profissionais distintos. Uma das sobrecargas (talvez a maior) do processo gerencial do hospital contemporâneo é conseguir coordenar adequadamente esse conjunto diversificado, especializado, fragmentado de atos cuidadores individuais, para que resulte em uma dada coordenação do cuidado (Merhy e Cecilio, 2002). Tal dinâmica, cada vez mais presente na vida dos hospitais, é um aspecto central a ser considerado na discussão da integralidade e na sua correlação com o processo de gestão. Uma questão é pensar o trabalho em equipe "como somatória de ações específicas de cada profissional, como linha de montagem do tratamento da doença, tendo a cura como ideal (...), a hierarquia e a rigidez de papéis codificados" (Nicácio apud Silveira, 2003); a outra é pensar arranjos institucionais, modos de operar a gestão do cotidiano sobre a micropolítica do trabalho que resultem em uma atuação mais solidária e concertada de um grande número de profissionais envolvidos no cuidado. Nessa medida, o tema da integralidade do cuidado no hospital, como nos demais serviços de saúde, passa, necessariamente, pelo aperfeiçoamento da coordenação do trabalho de equipe como um tema para a gestão hospitalar.

Em uma organização hospitalar, é bastante difícil identificar funções estanques e objetivos claros, como também definir seus limites de atuação. No entanto, pode-se dizer que o trabalho no ambiente


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hospitalar e o modo como é organizado precisam ser analisados e estudados sistematicamente para melhor compreensão desse tipo de organização.

Por todas as questões apontadas anteriormente, é necessário pensar modos de fazer a gestão que tomem como referência a produção do cuidado da maneira mais integral possível e que sirvam, ao mesmo tempo, como referencial para a intervenção na gestão da micropolítica do trabalho em saúde desses estabelecimentos. Assim, é preciso fazer a modelagem da gestão como um todo a partir do cuidado ao paciente. Desde o início da década de 1990, têm sido experimentadas novas maneiras de "governar o hospital", a partir de dois movimentos principais: redução dos níveis decisórios (achatamento dos organogramas) e condução colegiada das decisões, tanto na alta direção como nas equipes prestadoras de serviço.

Descentralização e democratização das decisões: os dois eixos capazes de reinventar um hospital de tradição centralizadora e com fortes esquemas instituídos de dominação e controle. A aposta de fundo deste tipo de opção é que seja possível, a partir de uma condução mais participativa do hospital, obter maior grau de adesão dos profissionais para o projeto de construção de hospitais de boa qualidade. É evidente que outros arranjos e dispositivos precisam ser implementados na perspectiva da qualificação da assistência. No entanto, o que deve ser destacado é que esses meios de fazer a gestão, por suas premissas de democratização do modo de governar, têm como base uma concepção do mundo caracterizada, dentre outros fatos, pela defesa de uma sociedade mais participativa, mais solidária e inclusiva que, além de outras questões, consiga viabilizar um sistema público de saúde universal, qualificado e sob controle social.

Com tudo que se conseguiu experimentar e inovar, percebe-se, no decorrer dos anos, que o desejo de "democratizar a vida do hospital", apesar de parecer tão justo e necessário, encontra dificuldades na sua implementação, sendo capaz de ser viabilizado apenas parcialmente. Algo como se o hospital funcione com lógicas instituídas que resistem aos novos arranjos mais coletivos e menos corporativos. Como se os es­paços de transparência e explicitação de compromissos públicos, como a qualidade do cuidado, não conseguissem ser totalmente continentes para o mundo real do hospital, com suas características singulares de funcionamento. Sem desconhecer que tais arranjos que propiciam uma reflexão mais coletiva e solidária continuam sendo importantes estraté­gias de gestão, é necessário interrogar que outras lógicas do hospital precisam ser mais bem compreendidas e trabalhadas pela gestão. Foi a partir desse tipo de indagação que a produção do cuidado passou a ser estudada de maneira mais precisa. Não que não estivesse presente nas formulações anteriores, mas tratava-se de radicalizá-lo como o eixo do processo gerencial hospitalar (Merhy e Cecilio, 2002).

Pensar a gestão de um hospital é, antes de tudo, tentar estabelecer da maneira mais clara possível quais os mecanismos de coordenação adotados para gerir o seu cotidiano. Nos hospitais, há múltiplos meios de coordenação, apoiados em lógicas bem diferentes.

Há um modo de coordenar que se apoia, claramente, na lógica das profissões. O pessoal de enfermagem conversa entre si para estabelecer escalas de trabalho, rotinas, trocas de plantão, alternativas para cobrir as faltas de colegas etc. Seria uma "conversa entre enfermeiro" para organizar o mundo do trabalho da enfermagem. A referência para este grupo profissional é a chefia ou diretora de enfermagem do hospital. Os médicos conversam entre si para cobrir escalas, solicitar pareceres técnicos de outros colegas, em particular para buscar apoio nas horas em que os problemas dos pacientes são mais desafiadores e exigem "outra opinião". O mesmo tipo de coordenação pode ser identificado entre assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, dentistas, fisioterapeutas e outros profissionais de nível universitário que atuam diretamente na assistência aos pacientes.

Há outro modo de se fazer a coordenação que segue a lógica de "unidades de produção". Trata-se de uma coordenação voltada para "produtos" ou serviços, envolvendo, necessariamente, múltiplos tipos de profissionais ou uma equipe, como ocorre nas chamadas "áreas meio", que são as produtoras dos insumos que serão usados no cuidado ao paciente. Exemplos desta coordenação por unidades de produção: coordenação do laboratório, da nutrição e dietética, da radiologia, do almoxarifado etc. O fornecimento do serviço ou produto que caracteriza essas unidades (sua missão) é garantido pela coordenação de distintos processos de trabalho de vários tipos de profissionais, que é bem diferente da lógica de coordenação por profissões.

Quando observamos a coordenação das unidades produtoras de cuidado, não há, em geral, a coordenação unificada ("um chefe único"), na medida em que esta se faz, de maneira mais visível, pela lógica das profissões: chefia médica do CTI e chefia de enfermagem do CTI; chefia médica da maternidade e chefia de enfermagem da maternidade, e assim por diante. Assim, caso seja possível nomear e reconhecer, de fato, um chefe (de toda a equipe) do laboratório, um chefe (de toda a equipe) do almoxarifado, isso não ocorre nas unidades assistenciais: cada profissão zela para preservar seus espaços de poder e autonomia, segue uma lógica própria de trabalho e de práticas profissionais e, portanto, de coordenação dos seus cotidianos Seria possível dizer que o "chefe" (médico) do CTI coordena, de fato, toda a equipe? Que poder ele tem para interferir na lógica de coordenação do trabalho da enfermagem? Sabe-se que não. Então, como se explica que, afinal, é possível realizar o cuidado ao paciente de modo integral, com começo, meio e fim, do momento da interna­ção até a alta (ou da entrada no PS ou até a saída com uma receita), caracterizando uma terceira (e crucial) lógica de coordenação: aquela com base no cuidado?

O delicado processo de coordenação do cuidado é feito por meio de dois mecanismos principais. O primeiro deles é a criação de "pon­tes ou pontos de contato entre as lógicas das profissões: médicos e enfermeiros e os outros profissionais têm de conversar para que o cuidado se realize. Uma coordenação "em ato", o encontro de duas práticas, de dois saberes, em geral caracterizada por uma situação tipo comando-execução, principalmente na relação entre médico e enfermeiros/corpo de enfermagem. A prática da enfermagem (e dos outros profissionais) é, em boa medida, comandada, modelada conduzida, orientada pelo ato médico (central) que detém o monopólio do diagnóstico e da terapêutica "principal". Tal fato estabelece uma relação de determinação da prática médica em relação às outras práticas profissionais, mesmo sem desconsiderar que os profissionais não médicos, todos eles, conservam sua especificidade e um bom grau de autonomia, próprios de suas profissões. Pode-se afirmar que esses pontos de contato, esses canais, nem sempre são livres, bem definidos e vistos ou aceitos como regras do jogo institucional, e, por isso mesmo, são fonte permanente de ruídos, de tensões e disputas. A questão que se apresenta refere-se à possibilidade da existência de um tipo de coordenação menos verticalizado, mais fluido e mais institucionalizado, centrado no cuidado.

A segunda estratégia para o sucesso da coordenação na lógica do cuidado é o papel quase silencioso da prática da enfermagem no cotidiano, de garantir todos os insumos necessários ao cuidado:


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a enfermagem articula e encaminha todos os procedimentos necessários à realização de exames complementares, supervisiona as condições de hotelaria, dialoga com a família, conduz a circulação do paciente entre as áreas e é responsável por uma gama muito grande de atividades que resultam, afinal, no cuidado.

A proposta de se fazer a gestão a partir da integralidade do cuidado tenta dar conta dessas complexas questões. Sua pretensão é criar mecanismos que facilitem a coordenação das práticas cotidianas do hospital de maneira mais articulada, com canais de comunicação mais definidos, sendo mais solidária e com menos conflitos.

Para isso, em primeiro lugar, é necessário entender que a coordenação do hospital se faz seguindo várias lógicas, de modo que a lógica de funcionamento de cada unidade de cuidado é apenas uma delas. A lógica de coordenação das corporações é muito poderosa na vida da organização hospitalar e, por sua natureza, busca garantir identidades profissionais, defesa de espaços de autogoverno e relações de dominação - escapa das dimensões mais coletivas da coordenação e segue reproduzindo-se. A própria lógica da produção do cuidado e sua micropolítica transcendem o processo de coordenação e as atribuições de uma equipe assistencial, na medida em que somente pode ser realizada de forma horizontalizada, percorrendo várias unidades de cuidado do hospital.

A partir do conhecimento de diversas experiências de gestão participativa desde o início da década de 1990, é necessário pensar e experimentar novos arranjos e dispositivos que sejam capazes de atuar sobre a lógica da coordenação das corporações. Como respeitar a coordenação da enfermagem como corporação profissional, com seus valores, suas representações, sua lógica de funcionamento, que lhe garante sua identidade, mas integrando-a, ao mesmo tempo, a uma lógica de coordenação mais horizontal e interdisciplinar do cuidado? Como respeitar a autonomia inerente à prática médica, incorporando-a, no entanto, à lógica do cuidado pensada de maneira mais integral? Como construir a gestão de modo que a responsabilidade pelo cuidado ocorra em uma linha de produção contínua, e que se transversaliza, atravessando, sem descontinuidade, vários lugares do hospital ou até mesmo outros serviços de saúde? Como submeter toda a lógica da produção dos insumos hospitalares à lógica da produção do cuidado? Como recriar os espaços colegiados de modo a torná-los mais continentes a essas várias lógicas? (Merhy e Cecilio, 2002).

As experiências atuais são dinâmicas e seu sucesso depende de uma tenacidade e persistência da manutenção da participação como centro da gestão. O grande desafio tem sido a organização das diversas áreas de produção e de cuidado do hospital em unidades com autonomia de gestão dos seus recursos humanos e materiais, controle dos seus custos e resultados, focados no cuidado e submetidos hierarquicamente a este cuidado. A união de gestores, por vezes 20 ou 30 em “comitês gestores" do hospital, estabelecendo o espaço de negociação e decisão entre as diversas corporações com uma coordenação focada na missão institucional, tem construído um modelo interessante. Isso não está isento de conflitos, mas é passível de resolver os impasses em um clima participativo, em que a autoridade se alterna conforme o foco de cada situação. O desafio é distribuir o poder de decisão à linha de frente do cuidado. É necessário acreditar que, apesar da cultura centralizadora e autoritária das corporações, seja possível, por meio da experiência participativa e da coordenação construtiva, elaborar um novo modelo de gestão, com base na competência das lideranças e na responsabilidade pelos rumos da instituição.

 

 

 

Gestão do hospital

A influência do taylorismo nos hospitais é muito significativa, a começar pelo movimento pela padronização e pela preocupação com estabelecimento de métodos uniformes de trabalho. A seleção do trabalhador e seu treinamento, o planejamento por parte dos superiores e a especialização decorrente da divisão de trabalho são exemplos dessa influência nas organizações hospitalares. Para desenvolver suas atividades, o hospital depende de uma extensa divisão do trabalho entre seus integrantes, de uma estrutura organizacional complexa com departamentos, equipes, cargos e posições e de um elaborado sistema de coordenação de tarefas e funções (Trevizan, 1988).

Por serem organizações complexas que utilizam alta tecnologia, precisam responder rapidamente às exigências do ambiente em constante mutação. Assim, as organizações hospitalares são afetadas pelas mudanças ambientais de maneira semelhante à que ocorre nas organizações industriais e comerciais, sofrendo com a turbulência do ambiente e, portanto, merecendo atenção especial dos pesquisadores e de seus dirigentes.

Essas organizações são denominadas, por Mintzberg, "organizações profissionais", nas quais o trabalho de produção exige qualificação de alto nível e não se presta bem à formalização. O saber e as habilidades são formalizados por meio de processos de formação profissional, e as normas são definidas pelas suas respectivas associações de classe, caracterizando corporações profissionais que ora agem sinergicamente, ora competem entre si pelo poder da organização. A autonomia profissional também tende a favorecer a segmentação em grupos com interesses divergentes, o que explica a dificuldade de promover mudanças nessas organizações. Estas poderiam ser didaticamente estratificadas em cinco partes do ponto de vista da gestão (Figura 9.7):

§      As áreas operacionais

§      A linha de mando intermediária

§     O ápice estratégico

§      A tecnoestrutura

§     O staff de suporte.

Algumas características distinguem a estrutura das organizações profissionais das demais:

§     A padronização das habilidades e não dos processos de trabalho

§     As habilidades dos profissionais são desenvolvidas fora da organização por meio de treinamento formal em instituições de ensino

§     O profissional ingressa no hospital preparado (ou pelo menos deveria), e imediatamente recebe autonomia e controle sobre seu trabalho

§     Os profissionais trabalham com relativa independência de seus colegas, mas intimamente relacionados com os clientes que atendem

§     A dificuldade de definir e mensurar o produto hospitalar

§     A frequente existência de dupla autoridade causando conflitos

§     A preocupação dos médicos com a profissão e não com a organização

§     Altas variabilidade e complexidade da natureza do trabalho, extremamente especializado e dependente de diferentes grupos profissionais (Rodrigues Filho, 1990).

Assim, na organização profissional:

§     A coordenação necessária entre os profissionais é gerida automaticamente pelas habilidades e conhecimentos, pelo que aprenderam a esperar uns dos outros


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[Descrição da imagem] O diagrama representa a estrutura de uma organização. Ele é composto por cinco partes principais: Primeiro o "Ápice estratégico", localizado no topo do diagram; Seugndo "Tecnoestrutura", representada por uma forma oval à esquerda; Terceiro, "Staff de suporte", representado por uma forma oval à direita; Quarto, "Linha intermediária", situada entre o ápice estratégico e a essência operacional e o quinto e último, "Essência operacional", localizada na parte inferior do diagrama. Abaixo da "Essência operacional", está a palavra "Ideologia". [Final da descrição]

Figura 9.7 Organizações profissionais. Fonte: Mintzberg, 1995.

 

§     Conforme o hospital assume as características de instrumento terapêutico, vai se tornando mais complexo

§     Ao contínuo aumento da complexidade da assistência à saúde se somam diversas unidades voltadas a apoiar o trabalho dos profissionais.

Essas unidades são coordenadas por profissionais, articulando-se como pequenas organizações dentro da organização, conferindo aos hospitais características de organização diversificada. As organizações diversificadas são aquelas que, por sua complexidade, exigem mecanismos de controle por resultados (outputs) (Figura 9.8).

Gonçalves (1987) divide as funções do hospital em funções externas e internas. As externas são naturalmente realizadas pelos próprios integrantes da organização, pois se trata de atividades aplicadas em benefício de pacientes e seus familiares. A primeira delas é a prestação de atendimento médico e complementar a doentes em regime de internação. A segunda função refere-se sempre que possível ao desenvolvimento de atividades de natureza preventiva, fazendo parte da integralidade da assistência. A terceira é a participação em programas de natureza comunitária, procurando alcançar o contexto sociofamiliar dos doentes do hospital. A quarta função é a sua integração ativa no sistema de saúde. A primeira função interna se relaciona com a participação na formação de seus recursos humanos, buscando ampliar a capacitação de seus próprios profissionais, além de contribuir para a formação de integrantes da equipe de saúde. A outra função interna do hospital é a participação no desenvolvimento de pesquisas em todas as suas áreas de atividade.

[Descrição da imagem] O diagrama é apresentado com formas geométricas. Na parte superior, há um contorno que se assemelha a um trajeto curvo, começando com uma linha reta horizontal à direita, que se curva para baixo e à esquerda, formando um círculo, e depois continua para cima e à esquerda, terminando em uma linha reta horizontal. Abaixo desse contorno, há uma linha horizontal que contém quatro formas. As três primeiras formas, da esquerda para a direita, são idênticas e preenchidas em preto. Elas têm uma base retangular com uma parte superior que se assemelha a uma letra "T" estilizada. A quarta forma, à direita, é semelhante às outras, mas é apenas um contorno, sem preenchimento, e tem uma parte superior mais estreita. [Final da descrição]

Figura 9.8 Organizações diversificadas. Fonte: Mintzberg, 1995.

Outra maneira de caracterizar as funções do hospital é a destacada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o considera como uma organização de caráter médico-social, com a finalidade de assegurar assistência médica completa a determinada população e cujos serviços externos se irradiam até a célula familiar (Borba, 1991)

O hospital é uma instituição considerada imprescindível para o desenvolvimento da ciência e para a formação de recursos humanos, uma vez que possibilita descobertas de novos conhecimentos científicos, por meio da pesquisa, e é utilizado como campo de aprimoramento técnico de profissionais. Nesse sentido, "o hospital é um de profissionalização" (Trevizan, 1988).

Hospital como estrutura empresarial

De acordo com Kaplynsky (1997), as experiências de empresas que obtiveram sucesso em sua reestruturação passaram por um processo de três estágios. Primeiramente, as empresas desenvolveram uma estratégia apropriada às condições de mercado, reconhecendo seus vá­rios segmentos e compreendendo com detalhes as necessidades dos clientes. Posteriormente, após definir e aceitar essa estratégia focada no mercado, as empresas passaram a evidenciar sua própria estrutura organizacional e suas relações com os fornecedores. Finalmente, partiram para transformar as observações em ações, desenvolvendo e criando novas estruturas capazes de assimilar os novos meios de relações gerenciais, funcionais e de relações com fornecedores.

De maneira geral, no âmbito da área privada, as organizações hospitalares têm enfrentado níveis acirrados de concorrência, associados a uma pressão dos financiadores para a redução de custos e preços. Na esfera pública, a insuficiência da média da remuneração dos serviços e dos investimentos em tecnologias tem obrigado as instituições a buscar eficiência e criatividade na gestão, quando possível, em razão de suas limitações. Em ambas as situações, têm sido necessárias reestruturações organizacionais, devido a:

§     Necessidade de desenvolvimento de uma cultura organizacional orientada para mudanças, sem que se perca a coesão e a estabilidade interna, implicando uma visão explícita e compartilhada da situação competitiva da empresa

§     Necessidade de descentralizar e delegar às gerências maior autoridade, mantendo a visão de introdução de mudanças

§     Necessidade de ação rápida em resposta às oportunidades e ameaças, alcançando alto nível de qualidade em seus produtos e/ou serviços, tendo ao mesmo tempo de reduzir custos e aumentar eficiências.

§     Thompson (1993) sugere, em seu trabalho, que as organizações possam se estruturar em unidades divisionais denominadas unidade estratégicas de negócio (UEN), que teriam como principal responsabilidade desenvolver, produzir e comercializar seu(s) próprio(s) produto(s).

Desde meados dos anos 1970 que se vinha falando na literatura acadêmica de uma espécie nova, as UEN, a partir da experiência de planejamento estratégico da General Electric. Springer, em 1973, e WiHiam Kearney Hall, em 1978, foram os arautos de tal conceito. A ideia era fugir da grande diversificação conglomerada e da organização multidivisional dos anos 1960 e 1970. Na década seguinte, generalizou-se a ideia de pensar estrategicamente a atividade da empresa em termos de UEN. No emaranhado dos departamentos e divisões


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e no conglomerado de negócios (muitos deles não relacionado) em que se haviam transformado as grandes empresas, deveriam ser identificados

negócios que pudessem ser planejados e geridos independentemente.

No entanto, houve duas tentativas de contestar seriamente o conceito de UEN nos últimos anos. Primeiro, Prahalad e Gary Hamel enunciaram o conceito de que a estratégia deveria centrar-se nas competências nucleares e "abandonar" todo o resto para terceiros. Como consequência, o movimento de externalização (outsourcing) disparou e as empresas ficaram mais focadas. Anos mais tarde, uma equipe de The Boston Consulting Group enunciou o conceito de aptidões distintivas - diferentes das competências nucleares de que falavam Prahalad e Hamel. As competências distintivas são muito específicas. como o conhecimento ou expertise em uma dada tecnologia processo produtivo, enquanto as aptidões são coletivas e transversais a toda a organização. Contudo, o tema não é uma unanimidade. Campbel do Ashridge Strategic Management Center, em Londres, defende a ideia de que, apesar dos enormes esforços dirigidos à definição das competências nucleares, à reengenharia de processos e ao desenvolvimento de novos negócios, as empresas de maior sucesso organizaram-se em torno de unidades estratégicas de negócio.

Fusco (1997) cita que, na sua forma mais básica, a UEN pode ser encarada como uma unidade de planejamento definida em termos de necessidades e oportunidades estratégicas, mas que quando o conceito se estende ao nível operacional, resulta em unidades de negócios relativamente independentes, com características próprias de negociação e aproveitamento de oportunidades. As principais vantagens da adoção do conceito da UEN seriam:

§     Obtenção de unidades operacionais mais focalizadas, proporcionando maior agilidade operacional e controle das decisões gerenciais

§     Possibilidade de melhoramento do nível de qualidade, tanto a curto como a longo prazo, propiciando uma maneira mais eficaz de crescimento

§     Criação de bases mais consistentes de conhecimentos - condição esta vital para implantação de sistemas de gestão modernos e sustentáveis

§     Identificação de agentes geradores e consumidores de recursos, propiciando planejamentos específicos e adequados para cada setor.

A questão das terceirizações nos hospitais tem estado permanentemente em pauta dos gestores hospitalares. A necessidade de qualificação, certificação e sofisticação da operação das áreas de apoio não integrantes do foco do negócio hospitalar (core business) tem conduzido áreas como limpeza, lavanderia, segurança, produção alimentos e, em certas situações, a logística para esse modelo de operação. Desde que desenhados e planejados adequadamente, tais processos de terceirização têm aprimorado a operação dos hospitais, ao passo que seus gestores podem se concentrar nas atividades finais, com foco no cuidado dos pacientes e na eficácia dos seus resultados.

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Página nota de rodapé

 

Nota 1, página 120: Extraído do site http://my.clevelandclinic.org/abut-cleveland-clinic/overview/who-weare/mission-vision-values em 07/02/2015.

RETORNO NOTA 1, PÁGINA 120.

 

Nota 2, página 120: Idem, ibidem.

RETORNO NOTA 1, PÁGINA 120.

 

Nota 3, página 121: Simon Sinek é consultor de marketing, palestrante internacional e autor do best-seller Start with why: How Great Leaders Inspire Action. Sua palestra está entre as três mais populares no “TED Talks”. Extraído do site www.startwithwhy.com em 07/02/2015.

RETORNO 3, PÁGINA 121.

 

Nota 4, página 121: Palestra de Steve Jobs na apresentação do posicionamento estratégico da Apple em 2010. Extraído do site: http://www.slideshare.net/aurivan/posicionamento-estrategicoapple em 07/02/2015.

RETORNO 4, PÁGINA 121.

 

Nota 5, página 122: Extraído do site do jornal O Estado de São Paulo: http:/www.estadao.com.br/noticias/geral,entrevista-grupo-fleury-mantem-estrategia-de-aquisicao-para-2012,813903, em 07/02/2015.

RETORNO 4, PÁGINA 122.