Título: Gestão na
assistência à saúde
Autor: Gonzalo
Vecina Neto e Ana Maria Malik
Este material foi
adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, não podendo ser
reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado por:
Maria Eduarda Benevides Rodrigues
Adaptado em:
outubro de 2024.
Padrão vigente a
partir de março de 2022.
Referência: VECINA NETO,
Gonzalo; MALIK, Ana Maria. Gestão na assistência à saúde. Gestão em Saúde. 2. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. Parte 2, p.101-146.
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Paulo Roberto de Mendonça Motta
Novas
expectativas e complexidade na decisão pública
O objetivo de novas
políticas e ações das organizações de saúde tem sido o de reforçar a
sustentabilidade dos sistemas de proteção, garantindo maior inclusão social e
acesso aos serviços.
No entanto, as instituições
do setor saúde enfrentam, além dos problemas tradicionais, alguns desafios
contemporâneos. Às dificuldades de acesso e de atendimento, com qualidade e
celeridade, se adicionam novos desafios, como maior complexidade da gestão pela
acentuada colaboração público-privada. Ademais, a introdução de novas
tecnologias e a crescente demanda por serviços mais complexos concorrem para o
aumento dramático dos custos.
Atualmente reforçam-se
demandas populares e políticas sobre a qualidade dos serviços de saúde, sobretudo
nos países emergentes (Danis, De Clercq e Petricevic, 2011). Nesses países, a
redução da pobreza ampliou a classe média, melhorou as condições de vida e
proporcionou uma nova perspectiva política e de reivindicações. Ao ingressarem
na classe média, as pessoas buscam o próprio desenvolvimento por meio do
empreendedorismo ou da regularidade do emprego profissional. Surgem, então,
novas expectativas, possibilidades e consciência política.
Antes confinadas à pobreza,
essas pessoas conheciam a administração pública por meio de órgãos
distribuidores do paternalismo político. Como parte da classe média, passam a
lidar com outros órgãos públicos, como os de controle fiscal ou inspetores de
diversas naturezas, inclusive os sanitários, e a ter outra visão da administração
pública por meio de mecanismos de controle. Tornam se mais críticas da
administração pública e mais conscientes da governabilidade: esperam mais
transparência, participação e ética na formulação das políticas públicas. É
interessante notar as reivindicações sobre saúde e educação: antes de ingressar
na classe média, centravam seus pedidos no acesso, depois, passam a reivindicar
a qualidade dos serviços (Grynspan, 2013).
As pressões sobre as
organizações e os gestores do sistema de educação e saúde são mais intensas e
mais críticas em relação à natureza das respostas. A enorme demanda sobre a
qualidade e a escassez de recursos faz os gestores se sentirem limitados ou
quase impotentes diante de um jogo político cujos fatores lhes escapam ao controle.
Torna-se necessária uma
nova compreensão sobre o processo de optar por novas políticas e formulá-las
com foco na interdependência das instituições do setor.
Redes ou cadeias
produtivas
A complexidade e a
interdependência do mundo contemporâneo levam o sistema de bens e serviços a se
caracterizar por redes ou cadeias produtivas englobando não só muitas
instituições públicas como também empresas privadas e organizações não
governamentais.
Atualmente, compreende-se a
formulação de uma política mais pela visão de uma rede e menos pela
correspondência direta da decisão pública com a administração de uma
organização específica. Já é clara a incapacidade de uma organização pública
atuar isoladamente e com autonomia na formulação de qualquer política pública.
A interdependência
acentuada faz pequenas ocorrências, mesmo em pequenas organizações, terem
grandes impactos na gestão de outras grandes instituições. As redes agem na
decisão pública, de forma contínua, produzindo informações, manejando recursos
e distribuindo valores para a sociedade.
Há maior fragmentação
institucional e pluralidade de formas organizacionais interligadas em redes interativas,
bem como maior ambiguidade nas relações público-privadas.
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Ambiguidade nas novas relações público-privadas
Em todas as organizações
existem dimensões públicas e privadas, o grau de dimensão pública depende de
como elas são influenciadas mais pela política ou pelo mercado (Bozeman e
Moulton, 2013).
Defensores de uma
perspectiva clássica da gestão pública argumentam serem as diferenças entre as
organizações públicas e privadas tão grandes que as práticas privadas seriam
totalmente inadequadas, intransferíveis e inúteis ao setor público. Por outro
lado, sobretudo os defensores da nova gestão pública advogam a inserção de
práticas de gestão bem-sucedidas no setor privado.
A dicotomia público-privada
tem sido tratada segundo subestimações e exageros. As diferenças existem, mas
as evidências empíricas ainda não revelam como todos os fatores relevantes são
incompatíveis (Boyne, 2002).
Em princípio, as práticas
gerenciais - públicas ou privadas - são transferíveis, pois ambientes
organizacionais não são significativamente diferentes e as variações são
limitadas.
O caráter público gera
efeitos em equidade e eficiência. Mas, por ser o desempenho causado mais por
características organizacionais e gerenciais, os efeitos do caráter público
tendem a ser menos significativos (Andrews, Boyne e Walker, 2011).
Formas de gestão e de
configuração organizacional podem aumentar a capacidade do gestor público de
moldar dimensões ambientais e organizacionais. As redes contemporâneas mostram
como instrumentos gerenciais modernos podem ter efeitos significativos tanto na
área privada quanto na pública.
As diferenças público-privadas
se reduzem, aproximando cada vez mais uma área da outra (Etzioni, 2013) e
aumentando a necessidade de colaboração. As modernas redes de valor e de
produção revelam imensas possibilidades e necessidades de colaboração entre os
setores público e privado. No entanto, apesar das ambiguidades da interação
público-privada, continua a haver a expectativa da administração pública como
uma fonte controladora para proteger não só a produção de bens e serviços, mas
o próprio interesse público. Na verdade, há ainda na administração pública,
além da função de colaboradora, a função fundamental de reguladora e
incentivadora. Por isso, as preocupações em relação ao papel das organizações
públicas na formulação da política pública continuam acentuadas, apesar da
cooperação entre instituições participantes das redes.
Redes político-sociais
As redes são complexas, com
interligações tanto institucionais como político-sociais. As redes
institucionais são complementadas por redes político-sociais em que ocorre a
troca de informações e de serviços para maior facilidade na decisão e na ação
pública.
Atualmente, a prática
eficiente e eficaz na formulação da política pública depende da capacidade
gerencial de lidar com uma grande rede de funções muito variadas. As redes têm
sido exitosas por: (1) reativar de maneira mais efetiva a conexão entre
diferentes contextos organizacionais; (2) reduzir e vencer obstáculos
administrativos por meio da antecipação de problemas e da informalidade social
nos contatos; (3) facilitar a interação de órgãos públicos e entidades
externas; e (4) ser mais rápida na produção de novas ideias.
A rede impõe à gestão
pública a perspectiva da competitividade ou da maior eficiência na produção de
serviços.
Modelos
administrativos de decisão pública
Normalmente, a expectativa
sobre formulação de política parece ser a de se obter um direcionamento mais
objetivo e eficiente das ações organizacionais, por meio de novas formas de se
fazer opções públicas, de preferência aplicando modernas técnicas de análise.
Os modelos administrativos
visam ajudar dirigentes e analistas de políticas públicas a fazer uso eficaz
das informações e percepções disponíveis no momento da escolha. O bom processo
valoriza a busca eficiente de dados e de objetivos; institui equilíbrio nas reflexões
proporcionando chances razoáveis à manifestação de todas as ideias,
perspectivas e percepções.
Na verdade, a formulação de
políticas caracteriza-se por ser um processo para produzir razões. Dirigentes e
outros participantes necessitam não só justificar suas posições, mas,
sobretudo, atrair apoiadores (Kingdom, 1984). Critérios de razoabilidade e
métodos sofisticados de análise sugerem melhores escolhas e maior certeza
quanto a possíveis resultados. Por isso, muitas vezes se utilizam métodos
analíticos rigorosos, com etapas sequenciais rígidas, na intenção de se chegar
à melhor opção.
A lógica racional significa
alcançar o máximo de serviço em função dos recursos alocados pela sociedade.
O campo da formulação de
política nasceu com uma intenção deliberada de utilizar a sistematização lógica
de dados e conhecimentos para, por meio de análises rigorosas, produzir a
melhor decisão.
Desde que Daniel Lerner e
Harold Lasswell, em 1951, lançaram a ideia de policy Sciences, inúmeros
caminhos foram percorridos (Lasswell, 1951; Dror, 1968; Lindblomm, 1959; 1979;
1980; Wildavsky, 1973, 1997; Fischer, 2003).
Os modelos clássicos
procuram simplificar a realidade para se abstrair da confusão de interesses e
valores, neutralizar emoções e chegar à decisão proclamada como a mais correta
(Simon, 1978). Presumem-se todos os analistas como capazes de ser coerentes e
bem- fundamentados em suas preferências.
Usam-se números e
estatísticas para fornecer o sentido científico e analisar custos diante de
benefícios. Fatores intangíveis e não quantificáveis são evitados para não
complicar a análise, ou, pelo menos, para não a deixarem fora de controle.
Principalmente na área pública, esses modelos buscam proteger analistas não só
das interferências irracionais e das fragilidades do senso comum, mas também
dos interesses ocasionais e particulares da política partidária.
A essência da proposta
racional econômica é introduzir técnicas e métodos para aperfeiçoar julgamentos
e escolhas. A racionalidade lógica, técnica e inteligente contrastaria com a
irracionalidade, o autointeresse e o caos do conflito político. Assim, a
formulação transpareceria envolta na verdade, com razões claras das opções e
voltada exclusivamente ao interesse público.
No entanto, apesar do
crescente rigor dos métodos, analistas e gestores de políticas públicas não
deixam de ser surpreendidos pelas decisões políticas, costumeiramente
contraditórias com suas sugestões e conclusões.
Aos poucos, desenvolveu-se
a crença quanto à impossibilidade de se neutralizar o jogo político ou as
interferências emocionais humanas. Interferências políticas, cortes de
recursos, alterações nas formas de apoio, novas demandas e objetivos,
percepções de risco, sentimentos de vulnerabilidade, vieses mentais e
conjecturas sobre a capacidade de resposta dominam todo o processo de escolha.
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Na verdade, escolhas vão
além de cálculos racionais; são produto tanto de analises lógicas quanto de
impulsos ilógicos. Normalmente essas escolhas se passam em um contexto
organizacional com limites estruturais impostos pela divisão do trabalho,
cultura e uma arena político-administrativa na qual se apresentam a diversidade
e os conflitos de interesses. Há, ainda, a necessidade de respostas rápidas,
fruto de contingências momentâneas e, portanto, baseadas apenas nas informações
já disponíveis.
Esse trabalho valoriza a
perspectiva administrativa centrada no contexto social, político e
organizacional dos analistas e tomadores de decisão, sem desprezar modelos
analíticos, mas vendo-os com suas vantagens, possibilidades e limites.
Na perspectiva
administrativa, o processo de formular políticas e definir objetivos significa
confrontar uma realidade repleta de situações problemáticas, propor soluções,
fazer escolhas e determinar prioridades à custa de opções valiosas e de desejos
pouco viáveis.
Decisões relativas a
problemas complexos requerem muitas informações e envolvem muitas pessoas, além
da consciência de riscos e incertezas sobre os resultados e o impacto na
comunidade.
Por sua complexidade, a
formulação política escapa às possibilidades normais do senso comum, e,
portanto, são necessários modelos para facilitar e aperfeiçoar a forma de
análise e de escolhas. As decisões exigem não só cálculos antecipatórios sobre
a maneira de agir, mas também justificativas ou razões para as escolhas. As
razões servem para fundamentar a responsabilidade dos dirigentes perante suas
comunidades.
Métodos e instrumentos
introduzem novos fatores nas análises, além de conferirem segurança aos
analistas. Se há limites, há também vantagens. Assim, proclamar a formulação
política e a definição de objetivos por métodos racionais ajuda a renovar
expectativas e o otimismo quanto ao aprimoramento de escolhas e ao impacto da
decisão pública. No entanto, parece essencial conhecer os limites de cada
método e, possivelmente, praticar múltiplas perspectivas para facilitar a
melhor compreensão de problemas e de opções para a solução.
A maior consciência sobre
entraves e problemas ativa a atenção às habilidades gerenciais e ao uso de
recursos organizacionais para praticar novas formas de decisão. A seguir se
analisam os principais limites ou obstáculos no uso dos métodos de decisão
administrativa: estruturas organizacionais; os interesses e os recursos de
poder, e as tendenciosidades humanas.
Arena social e organizacional | Os limites estruturais
O processo humano de
escolher entre várias opções e resultados se dá também em um contexto social e
organizacional. Nesse sentido, a formulação de políticas reflete menos a
análise da racionalidade individual de escolha entre interesses individuais
competitivos e mais as negociações e os consensos entre interesses comunitários
divergentes.
Sobretudo na área pública e
em organizações complexas, como as da saúde, a divergência de interesses
perdura em todas as fases de um processo decisório, exigindo a troca de
informações, além da solução de pequenos conflitos. Decisões refletem a
ciência, a arte e o artesanato das possibilidades de acordo com os recursos
disponíveis, as interações coletivas e os comportamentos programados nos papéis
organizacionais.
Os papéis organizacionais
são construídos socialmente, mas, em parte, antecedem o indivíduo e geram
expectativas de comportamento tanto para ele próprio como para os outros. Na
organização já se encontram regras e uma cultura para reger comportamentos ou
uma restrição significativa às racionalidades individual e instrumental. Embora
justificados por alguns fins e princípios, as estruturas organizacionais e os
processos de trabalho são escolhas arbitrárias e, assim, insatisfatórias por
definição. São arbitrárias porque existem sempre outras opções igualmente
justificáveis. Mas essas estruturas influenciam a forma pela qual os
funcionários exercem suas funções, selecionam dados, processam informações,
hierarquizam valores e tomam decisões (Stone, 2002).
Por ter normas,
procedimentos e valores coletivos, a organização tem "razões"
previamente definidas para direcionar opções e ações. A utilidade econômica e
as preferências individuais são apenas algumas das dimensões que influenciam as
escolhas organizacionais. A emoção, a intuição, o apego a valores, a ideação,
as relações pessoais, os conflitos latentes e os interesses de grupos são
recursos igualmente importantes no processo decisório.
As escolhas resultam da
cooperação e da oposição na defesa de interesses próprios e no domínio de
recursos escassos, bem como da espontaneidade humana e das percepções positivas
e negativas entre participantes do processo decisório.
Assim, por estarem
inseridas em uma organização, as pessoas têm menos liberdade de ação, e suas
relações sociais são regidas por alguma racionalidade instrumental, para
facilitar a comunicação, a compreensão mútua e a harmonia social.
O contexto organizacional
tende a ser pouco ordenado: as informações necessárias às decisões normalmente
são incompletas e de baixa confiabilidade, caracterizando assim um ambiente de
risco e incerteza. Portanto, na perspectiva administrativa, são exageradas as
expectativas idealizadas de um problema bem-definido, de uma solução
bem-planejada e de uma implementação previsível. Vários estudos procuram
demonstrar o lado inverso da programação racional excessiva. Por exemplo,
dirigentes e técnicos:
§
Tendem a não aceitar os resultados de análise racionais quando eles
contradizem suas próprias intuições (Isenberg, 1984)
§
Priorizam menos a eficiência das políticas e diretrizes e mais a sobrevivência
da própria organização (Donaldson e Lorsch, 1983), ou mesmo a promoção e
proteção dos valores organizacionais (Selznick, 1972)
§
Normalmente, não objetivam o ganho máximo, mas o nível satisfatório
(Simon, 1947; Peters, 1979)
§
Poucas vezes enfrentam escolhas entre opções competitivas, e, portanto,
dedicam muito pouco de sua vida funcional a examinar custos e benefícios
(Mintzberg, 1975)
§
Preferem modelos simplificados de análise para facilitar suas decisões
(Simon, 1978).
Na verdade, imersos em um
mundo de alterações constantes e em processos intermitentes e fragmentados de
formulação de políticas, dirigentes e analistas contemporâneos, como os da saúde,
se dedicam menos a verificar riscos e probabilidades de cada opção e trabalham
com mais afinco na tentativa de eliminar risco - pretendem fazer as coisas dar
certo.
Arena política | Os interesses e os
recursos de poder
Embora se possa identificar
uma organização de referência para uma decisão pública, a inserção em redes,
aliada à publicidade do tema, a faz perder o controle de etapas importantes do
processo decisório. Matérias de decisão governamental tendem a ser tratadas
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publicamente, e as opções e
possibilidades de ação tornam-se parte de uma luta de poder para valorizar
interesses normalmente conflituosos.
A decisão resulta mais de
entendimentos, acordos e consensos entre grupos de interesses e pessoas do que
de processo racional em uma organização de referência.
A consciência da rede não
inibe as contradições de perspectivas sobre a decisão pública nem as tentativas
de influenciá-la por manejo de recursos de poder. Por isso, mantém-se a busca,
a maximização à proteção das organizações públicas sobre seus recursos de
poder.
Assim, como partícipes de
uma rede de poder, as instituições públicas:
§
Tendem a lutar por mais recursos de poder para ter maior influência no
processo decisório político
§
Procuram valorizar seus interesses em contraposição aos de outros,
gerando conflitos permanentes
§
Buscam maior autonomia e independência, mesmo na consciência de
participar de redes colaborativas
§
Mantêm apenas um mínimo de interesses comuns suficientes para sustentar
a coalizão de poder e se manter viáveis diante da rede produtiva.
A perspectiva das redes não
modifica a visão da formulação de uma política pública como um processo
decisório humano, social e político em que se identificam opções e se fazem
escolhas.
Os recursos de poder são
distribuídos desigualmente, e espelham tanto os jogos de poder quanto as
prioridades governamentais.
Portanto, trata-se de um
processo político não caracterizado por neutralidade; reflete valores, preferências
e interesses das organizações e de seus dirigentes envolvidos na decisão.
No sentido político,
definir objetivos significa procurar um nível de satisfação e consenso para se
iniciar e se prosseguir em determinada ação. O satisfatório não reflete necessariamente
algo que todos julguem positivo, e sim o nível possível de decisão.
Consequentemente, políticas podem ser contraditórias e irracionais, nos
sentidos econômico ou social, e pouco razoáveis no sentido administrativo, mas
perfeitamente lógicas no sentido político.
Na arena política, não há
um objetivo único, mas objetivos diversos que unem e dividem grupos e pessoas.
No jogo político, formular uma diretriz ou definir um objetivo é uma tentativa
de fazer as ideias de um grupo prevalecerem sobre as de outros. Portanto, as
decisões envolvem análises sobre ganhos, perdas e domínio de recursos políticos,
e normalmente são o resultado de negociações e compromissos.
Dirigentes e analistas
envolvidos na decisão pública carregam interesses próprios e apresentam suas
ideias e informações distorcidas e manipuladas conforme seus próprios
propósitos, ainda que explicitamente referenciadas nas expectativas de outros,
sobretudo as comunitárias. As justificativas de uma escolha, a desistência de
opções valiosas e a responsabilidade pela decisão são configuradas em um
processo complexo: contrapõem-se soluções ideais e problemas reais segundo
possíveis compromissos no sistema de ganhos e perdas relativo aos recursos de
poder.
Inicialmente pensavam-se os
métodos racionais como neutros e capazes de unir pessoas. Não se visualizavam
escolhas políticas como preliminares tanto para a definição de problemas quanto
para as propostas de solução. Por envolverem opções políticas, problemas e
soluções, existem simultaneamente, e quase sempre de forma independente.
Politicamente, soluções e objetivos podem existir antes dos problemas. Há
defensores rígidos e mesmo radicais de determinadas soluções sem noção clara de
problemas. Procuram identificar algum problema apenas para justificar a sua
proposta de solução. Outras pessoas têm como projeto ou bandeira política
ressaltar a existência de determinado problema para concentrar atenção na sua
solução. Por isso, vale ratificar a afirmação clássica de que no processo de
decisão existem tanto problemas em busca de soluções
como soluções em busca de problemas (March, 1976; 1988).
Definem-se problemas e
opta-se por soluções não necessariamente em função de diagnósticos sobre a
realidade ou de ideação, mas principalmente em função de como cada analista ou
dirigente se alinha politicamente conforme seus interesses.
Como qualquer outra, uma
política de saúde não é resultado da somente intencionalidade de determinados
agentes, mas também de suas reações às ideias alheias. As reações ocorrem por
motivos e interesses conflituosos, fruto da inserção dos participantes no jogo
político. Visões e propósitos a longo prazo tendem a ser revistos por motivos
políticos. O jogo político é imediatista, a curto prazo e fundamentado em fatos
presentes. Por descartar hipóteses futuras, sempre altera caminhos a longo
prazo, impondo novos acordos e consensos com base em novos fatos. Na prática,
concorre para que decisões e novas diretrizes: (a) tenham um objetivo claro e a
curto prazo; (b) sejam compatíveis com os interesses de vários participantes
do processo; e (c) sejam viáveis, isto é, sua implementação não fira os acordos
políticos preliminares.
Por ser a área de saúde
repleta de situações críticas, os processos de formulação de políticas tendem a
ser contaminados pela premência de soluções imediatas. Assim, para forçar a solução
de problemas prementes, retrata-se com maior ênfase a realidade presente do que
as possibilidades futuras. Portanto, cria-se uma impossibilidade natural de se
conhecer melhor os "dados" futuros, como normalmente exigem os
modelos de análise.
Ademais, o embate no
processo de decidir se torna mais agudo em meio à percepção e à proclamação
constante na área da saúde sobre a escassez de recursos. A escassez aguda reduz
possibilidades: boas alternativas, inclusive as potencialmente mais
consensuais, são descartadas a priori, restando opções insatisfatórias e
arriscadas.
Nesse sentido, todas as
opções podem ser criticadas veementemente desde o início das análises, pois os
conflitos políticos se inserem em todas as etapas do processo decisório.
Apesar de se falar muito em
jogo político, as analogias com o jogo são imperfeitas para caracterizar um
processo decisório administrativo. Nas interações políticas não há
participantes passivos à espera de um resultado. No jogo se aposta e se esperam
os resultados. No processo administrativo, dirigentes e outros atores continuam
a influenciar o processo. O resultado final pode estar bastante distante da
opção inicial. Ao longo do processo, podem se introduzir muitas variáveis, não
só por pressões políticas, mas também por novas intenções e coligações dos
participantes (Beach e Mitchell, 2005).
Arena sociopsicológica | Molduras
mentais e tendenciosidades humanas
As pessoas selecionam
informações de acordo com suas estruturas de referências ou modelos mentais já
estabelecidos. Constituídas por um conjunto de crenças e valores, as molduras
mentais fazem a pessoa perceber a realidade de uma maneira singular e
influenciam tanto a definição do problema quanto os julgamentos, os diálogos
outras etapas do processo decisório.
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Novas informações se
associam às já armazenadas na memória para produzirem um julgamento ou uma
decisão. A análise de opções baseia-se em uma construção mental e social sobre
objetivos para justificar escolhas: significa dar peso ou valorizar determinada
alternativa em função de critérios, objetivos múltiplos e condições contextuais.
Há caminhos racionais relativamente previstos para valorizar dados, fatos e
informações com o intuito de eliminar dúvidas e indicar as melhores opções.
Analistas e dirigentes perseguem essa lógica racional, mas poucos têm
consciência dos desvios e tendenciosidades sociais e individuais inseridas
nesse processo. Normalmente, quanto mais a pessoa julga certas suas análises ou
proposta de solução, mais se fecha dentro de si mesma, e mais vulnerável se
torna às tendenciosidades.
Dirigentes e analistas são
menos matemáticos e calculistas do que as teorias de racionalidade econômica
sugerem. Participantes de um processo decisório são capazes de deliberar e de
escolher os objetivos a alcançar sem necessariamente realizar cálculos
racionais sofisticados. A maioria não conhece processos racionais nem é hábil
em cálculos de utilidade.
As pessoas têm crenças,
valores, expectativas e aspirações. Percebem riscos, têm ansiedade e medo, bem
como dúvidas quanto a opções e resultados. Há variações subjetivas em todas as
estimativas de probabilidade e utilidade. Ademais, dirigentes não desejam necessariamente
maximizar eficiência e ganhos de acordo com suas possibilidades e posses.
Decidem e agem com base em um nível de satisfação individual que às vezes
parece irracional perante as análises econômicas, mas que inspira a opção
humana. A própria preferência não é a única variável relevante no processo
decisório estratégico, emocional ou intuitiva de uma determinada opção pode ser
uma razão suficiente para essa escolha.
Por ser social, interativo
e valorativo, o processo decisório pode romper com a racionalidade sequencial e
permitir escolhas contraditórias com a lógica dos fatos. Nessa inserção, há dois
tipos de ilógica: as tendenciosidades, isto é, vieses pessoais ou ardis que
inadvertidamente colocam as pessoas em situações mais arriscadas e as fazem
evitar opções potencialmente mais eficazes; e as interferências emocionais e
intuitivas, isto é, a valorização de pressentimentos e de emoções sobre a busca
e o arranjo de fatos e dados, permitindo o espontâneo e intuitivo para
justificar opções.
As tendenciosidades
produzem decisões distorcidas e inadequadas à organização e à comunidade:
retiram a lógica do modelo racional (Kahneman, 2012; Russo e Schoemaker, 1989;
Bazerman e Moore, 2012). Os recursos intuitivos enriquecem e dão mais
velocidade ao Processo sem necessariamente dispensar os recursos racionais (Hogarth,
2001).
Como formas comportamentais
de decisão e de ação, as tendenciosidades conduzem as pessoas,
inadvertidamente, a escolhas potencialmente arriscadas ou de menor benefício.
Algumas são corriqueiras e simples, como as inseridas nas percepções
individuais das interações humanas. Nas suas inter-relações com outros, as
pessoas sentem afeto, interesse, amizade, respeito, simpatia e confiança, consideração,
indiferença, desinteresse, descaso, frustrações, antipatias e confiança. De
acordo com esses sentimentos, apoiam ou rejeitam ideias e se dispõem mais ou
menos a se aliar e a cooperar com outros. Exemplos adicionais seriam os
sentimentos de vulnerabilidade perante o risco. Nesses casos, as pessoas podem
buscar dados, mais para reforçar a percepção de segurança e menos para melhorar
a qualidade da decisão.
No entanto,
tendenciosidades funcionam quase como armadilhas comportamentais: tomadores de
decisão raramente estão conscientes dos vieses que os conduzem a opções
potencialmente danosas Veja exemplos a seguir.
Modelos simplificados
A maioria dos analistas e
gestores não usa todas as suas habilidades de raciocínio em todas as decisões.
Pressionados na busca por soluções e para apressar as respostas, evitam
análises mais profundas e efetivas. Na verdade, incorporam suas experiências
passadas e informações novas para construir uma compreensão mais simples sobre
a realidade e ajudar nas suas opções. Acabam por justificar suas escolhas por
verdades gerais simplificadas, regras práticas, modelos heurísticos ou mesmo
frases de efeito e jogos de palavras (Tversky e Kahneman, 1981). Regras
práticas, construídas na experiência dos tomadores de decisão, evitam os custos
de se buscar a informação, mas os fazem vítimas da informação facilmente
disponível e já existente. A quantidade de dados nem sempre melhora a qualidade
da decisão; por vezes significa simplesmente uma tentativa de reduzir a percepção
de risco e da incerteza. O prêmio Nobel Herbert Simon aprovava alguns desses
procedimentos simples como forma de economizar recursos escassos e limitados,
como a capacidade computacional do cérebro (Simon, 1978).
Justificar opções sem
atenção suficiente aos dados e análises favorece a rapidez do processo, mas
impõe riscos e incertezas adicionais, além de desconsiderar alternativas mais
proveitosas e viáveis. Rapidez mas muitos dirigentes
evocam a rapidez para passar a imagem de bons tomadores de decisão e de
segurança em suas opções (Schwenk, 1984; Wang, 2010).
Violação da utilidade e probabilidade
Grande parte do raciocínio
e das análises para decisões envolve pensar sobre probabilidades. Por
experiência, as pessoas aprendem a frequência de eventos cotidianos, e, assim,
podem desenvolver sua intuição sobre as probabilidades de ocorrência desses
eventos.
Em princípio, julgamentos
de probabilidade são variáveis e dependem não só de cálculos estatísticos
sofisticados como de simples intuição dos próprios analistas. Inclua cálculos
ou não, na realidade o julgamento de probabilidade significa essencialmente
atribuir uma medida numérica a uma crença, concedendo-lhe força ou peso diante
de determinadas opções. Cálculos e crenças se interligam nas análises, mas
separadamente podem não coincidir e sinalizar direções opostas.
A decisão contrária à
utilidade e à probabilidade já calculadas se define como violação da lógica
construída. Sem razão aparente, as pessoas, mesmo diante das opções, desprezam
os cálculos das probabilidades e escolhem outros caminhos, por vezes
potencialmente danosos (Baron, 1994).
Há várias tentativas de
explicar ou compreender por que as pessoas agem assim ao tomar decisões, bem
como há um número elevado de evidências para explicar por que as pessoas
sistematicamente violam a racionalidade implícita da teoria da utilidade. Por
diversas razões, inclusive não querer contradizer as próprias crenças, descarta-
se a probabilidade de certas opções ou resultados.
Quanto mais provável a
ocorrência de determinada alternativa, maior peso as pessoas tendem a colocar
na sua utilidade (Lichtenstein e Slovic, 1971; 1973). Assim, as pessoas
distorcem as análises simplesmente por julgarem mais úteis as opções vistas
como mais prováveis.
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Vale ressaltar, também, que
se distorcem probabilidades e se desviam da perspectiva da utilidade porque são
os próprios tomadores de decisão e analistas, com seus vieses, a descreverem as
opções, seus possíveis resultados e probabilidades numéricas. Fazer cálculos
pode significar apenas a seleção de evidências e, através de análises, saber se
as próprias crenças são consoantes às respostas disponíveis.
Confiança excessiva e apego às próprias
crenças e aos hábitos
A autoconfiança excessiva
significa um exagero na estimativa dos próprios conhecimentos, perspectivas e
habilidades. Portadores dessa tendenciosidade carregam um otimismo exagerado
com relação aos próprios julgamentos e decisões, além da convicção sobre a
correção tanto de suas análises como da própria intuição (Klayman, Soll,
González-Vallejo e Barlas, 1999). Sua principal consequência é ver as próprias
ideias como superiores às dos outros e descartar as sugestões alheias.
Ao inflar o efeito de suas
próprias habilidades, essas pessoas subestimam o quanto suas conquistas foram
ocasionadas por fatores contextuais favoráveis e pelo apoio de outros
participantes do processo. Assim, tornam-se irrealistas com relação à validade e
à qualidade das informações, e se veem com maior responsabilidade sobre o êxito
de projetos - mais do que outros atestariam (Albert e Raiffa, 1982).
No sentido positivo,
pessoas superconfiantes veem-se como talentosas fadadas ao sucesso e com grande
capacidade de resposta às adversidades. Temem menos o risco e a incerteza, e,
assim, são mais propensas ao espírito empreendedor. A confiança excessiva se
reforça no entusiasmo com os fatos e as informações que confirmam sua forma de
pensar.
No sentido negativo, a
autoconfiança excessiva faz as pessoas desconsiderarem qualquer aprendizado em
função de erros ou más decisões. Por acreditarem mais no próprio saber,
desprezam informações importantes e avaliam mal o risco e as probabilidades.
Sempre proclamam a sua decisão como a mais acertada: manifestam grandes
intenções, mas com justificativas frágeis. A autoconfiança excessiva se
aproxima mais da arrogância e menos da simples autoconfiança. Ambas as posturas
revelam otimismo quanto à própria capacidade, mas a confiança excessiva
significa um desequilíbrio na autoavaliação. Aparentam arrogância em função do
sentimento de superioridade em relação à maioria dos colegas.
Pessoas superconfiantes
atribuem um peso excessivo àquilo que sabem ou pensam saber; lembram e proclamam
mais os próprios sucessos, mas reprimem ou esquecem seus fracassos.
Atribuição distorcida da causalidade
Na prática cotidiana,
dirigentes e gerentes atribuem causas a comportamentos de forma tendenciosa e,
assim, distorcem suas decisões e ações. Alguns princípios da atribuição
individual de causalidade explicam comportamentos por causas tanto internas
(qualidades pessoais e traços) quanto externas (situação e ambiente),
atribuindo racionalidade ao contexto e irracionalidade à pessoa (Howard, 2000).
Por exemplo, tende-se a
atribuir racionalidade e a explicar por causas externas: (a) comportamento
igual em situações iguais; e (b) comportamento diferente em situações
diferentes.
Ao contrário, tende-se a
atribuir irracionalidade e a explicar por traços de personalidade: (a)
comportamentos diferentes em situações similares; e (b) comportamentos iguais
em situações diferentes
Como na decisão pública as
informações são incompletas tanto sobre situações externas quanto sobre traços
individuais, as atribuições sobre causa tendem a ser prejulgamento ou
tendenciosidade. Exemplos comuns dessas tendenciosidades: ver causas
situacionais mais em seu próprio comportamento e menos no de outros; atribuir o
próprio sucesso a fatores internos e os fracassos a fatores externos; e
atribuir os sucessos alheios a fatores situacionais e os fracassos a fatores
externos.
Ao aplicar a teoria das
atribuições ao comportamento gerencial, Ellen J. Langer revela a frequência com
que as pessoas atribuem às suas habilidades de julgamento a ocorrência de
eventos que confirmam suas crenças (Langer e Roth, 1975; Langer, 1997).
Ao contrário, quando as
contradizem, culpam causas contextuais, fora de seu controle. O resultado é o
gerente associar-se sempre a uma história pessoal de sucesso e emergir
publicamente como um profissional de habilidade superior.
Essa prática é reforçada
pelo julgamento das pessoas sobre si próprias sempre como competentes e capazes
e atribuindo seus erros ao acaso. Na verdade, julgam a si próprias pelas suas
melhores intenções e julgam os outros pelas suas piores ações (Drummond, 2012).
Embora sempre apareçam como
mais corretas, as decisões de grupo não são necessariamente as melhores. Vários
fatores explicam a qualidade da decisão de grupo, principalmente o processo de
análise e escolha. Muitos grupos gerenciam bem as discrepâncias de pensamento
entre seus membros, fazendo-os buscar novos dados e ver novas perspectivas.
Assim, enriquecem os debates, estabelecem consensos mais amplos para melhores
decisões.
Outros, porém, se fecham e
valorizam a coesão e a proteção mútua de seus membros, desestimulando o
pensamento aberto e divergente. Trata-se do pensamento grupista - expressão
cunhada por Irving Janis - para definir a deterioração da eficiência mental e
de observação da realidade, resultado de pressões internas do próprio grupo
(Janis, 1982).
Em suas análises, Irving
Janis relaciona o pensamento grupista como uma forma de confiança excessiva em
nível organizacional e responsável pela baixa qualidade de muitas decisões
(Janis, 1982). A repercussão sobre as falhas no processo decisório relacionadas
com o acidente do ônibus espacial Challenger levou a um grande estudo sobre
pensamento grupista, mostrando como o grupo excessivamente coeso e leal falha,
sobretudo, na análise de informações divergentes (Esser e Lindoerfer, 1989).
O pensamento grupista é uma
forma de mostrar distorções da decisão de grupo. Por se fecharem em si próprios
e agirem com autossuficiência excessiva, esses grupos deixam de usufruir de
pluralidade, interdisciplinaridade e maior lateralidade do pensamento acabam
por reduzir alternativas e identificar poucos objetivos. Em decorrência, o
pensamento grupista naturalmente aliena pessoas de fora como participantes
efetivos do processo decisório. Mesmo que envolvidas em parte do processo, as
opiniões dessas pessoas tendem a ser desconsideradas.
Normalmente, as primeiras
referências para análise dominam o processo decisório e são aceitas com poucos
exames e julgamentos posteriores. Apesar de se obter consenso mais rápido e de
unir a equipe em função de uma decisão, não se examina corretamente o risco por
desprezo às informações discrepantes. A tendência maior do grupo e conformar-se
e não discordar, sobretudo da liderança.
P. 109
A busca de consenso
| As controvérsias básicas
Geralmente, para
se definir uma nova política pública é preciso se aventurar por caminhos
conflituosos em meio a discordâncias acentuadas. Os participantes do processo
poderão discordar em quase tudo, como valores fundamentais de equidade, acesso
e qualidade a detalhes de viabilidade administrativa da própria decisão.
Assim, o processo
decisório e a tentativa de obtenção de consenso se dão em meio a controvérsias
desde a própria definição do problema, projetos de solução, ideais e valores,
até a opção final sobre o caminho a percorrer.
Na verdade, o
processo de formular política e definir objetivos é uma guerra tanto de ideias
quanto de interesses. Nesse embate, as pessoas tentam influenciar outras pelas
suas próprias ideias sobre problemas, soluções, objetivos e meios de
atingi-los.
A maior
dificuldade reside exatamente na obtenção do consenso, inclusive porque as
opções precisam de um tempo suficientemente longo para se firmar, mas também suficientemente
curto para se responder à iminência das necessidades e ao sentido da
oportunidade. Há sempre a consciência de uma realidade dura à espera de
soluções imediatas. Não se pode dar ao tempo a essência da tarefa nem estender
as análises em busca de mais opções; há premência para se iniciar a
transformação, e o processo decisório se torna uma peleja contra ideias e
interesses, mas também contra o tempo disponível.
Para a obtenção do
consenso, as maiores dificuldades e controvérsias estão na definição de
problema, nas escolhas e na ideação.
Definição de
problemas
A crença e prática
comuns veem a decisão pública como uma reação a um problema. A consciência de
um problema provoca a organização, e, em resposta, inicia-se um processo de
escolha. Por ser um fenômeno universal cujas dimensões singulares afetam a
todos de forma comum e particular, a saúde, em seus aspectos administrativos,
se revela pródiga em relatos tanto sobre situações problemáticas como sobre
propostas de solução. Mas definir um problema não significa simplesmente estabelecer
uma distância ou medida entre um objetivo e uma realidade. Problemas também são
fruto de interesses conflitantes e de possibilidades de ação. O objetivo de
determinada política de saúde pode ser evitar o ruim e não necessariamente
atingir o melhor.
A definição de um
problema caracteriza-se por ser uma construção intelectual a partir de uma
percepção singular sobre a realidade. Assim, vários analistas, de acordo com
seus modelos mentais e ideologias podem definir problemas de diversas formas a
partir de uma mesma situação real. Por isso diz-se não haver, na prática,
problemas e sim situações problemáticas que servirão de base para definir problemas
e propostas de soluções.
Situações problemáticas
impressionam, chamam a atenção e provocam a vontade da reação. Pela percepção
negativa da realidade, há sempre um tom político e emocional nessa vontade.
A definição do
problema dá sentido e uma consciência mais ampla do evento percebido na
realidade. Uma definição e conceitos comuns facilitam uma nova forma de comunicação
e de ordenamento das ideias.
Por ser altamente
variável entre gestores e analistas, a percepção de uma situação problemática produz
uma diversidade muito ampla na definição de problema. Naturalmente, na visão de
realidade, analistas favorecem suas preferências e definem problemas de forma a
buscar maior apoio às suas proposições. Assim, a definição de um problema é uma
representação política, estratégica e simbólica de uma situação problemática.
A principal
dificuldade na definição do problema repousa nos relatos de como determinado
evento veio a ocorrer: cada descrição implica uma percepção singular da
situação problemática e uma designação de responsabilidade sobre a ocorrência.
A proposta de solução responde tanto à construção do problema quanto às
proteções individuais sobre a responsabilidade pelos eventos. Por isso, com frequência
se afirma ser a definição do problema também uma função da percepção sobre suas
causas, pois causas se associam a interesses e decisões (Stone, 2002).
A definição de
problemas retrata sempre uma discrepância entre o ideal e a realidade e
variações de percepções conforme a construção da realidade. Percepções
contraditórias oriundas dos mesmos analistas se acentuam ao longo do tempo,
refletindo na redefinição de objetivos e de resultados.
Dessa maneira, os
objetivos sempre serão controversos, e, para serem consensuais, necessitarão de
alto grau de abstração e de generalidade.
Definições
genéricas não garantem um sentido claro de direcionamento futuro, mas em
situações de alto grau de conflito, como na saúde, a generalidade na definição
de objetivos tende a proteger dirigentes contra acusações
de ineficácia no seu alcance. Sem o direcionamento específico, as avaliações
tendem a ser positivas, pois metas amplas e ambíguas são sempre exequíveis.
Escolha
Instado por um
problema, o processo decisório é a busca das possibilidades. Pela variedade de
opções, há dúvidas e consciência sobre riscos e incertezas. Daí a necessidade
de um processo relativamente programado para buscar e analisar dados. O
processo tem o seu tempo porque as pessoas têm ideais, interesses, razões,
motivações e justificativas para participar na definição de objetivos.
Na prática, uma
boa justificativa ou uma boa razão é aquela que, em princípio, consegue persuadir
outros. Como são temporárias, todas as justificativas necessitam de revisão
constante, sobretudo durante a implementação. Alterações na sociedade e no
mercado exigem novas razões para validar a permanência ou a alteração de
determinado sentido de direção.
As discordâncias
se acentuam à medida que se incluem análises sobre execução ou sobre singularidades
do problema em causa. Pessoas não especializadas nos temas, como membros de
comitês externos, falam com vigor sobre demandas e necessidades, mas sentem-se
pouco à vontade e alienadas quando o debate se torna mais técnico. Nesses
casos, pequenos detalhes de execução e a exposição sobre necessidades
comunitárias podem ocupar mais tempo e esforço de análise do que questões
centrais, como justificativas técnicas para altos investimentos em novos
equipamentos.
Por ser político,
o processo decisório público pode se alongar: analistas e dirigentes procuram
mais justificativas sobre escolhas para se protegerem de erros naturais na
implementação e das críticas de opositores. Quanto mais pública e envolvente a
natureza da decisão, mais extensa será a justificativa para as escolhas, e
quanto mais conflituoso o processo, maior a necessidade de justificar a
exclusão de outras opções.
P. 110
Demorar
excessivamente na decisão não necessariamente melhora a sua qualidade, apenas
reflete a dificuldade dos envolvidos diante do risco e a incerteza ou a maneira
como enfrentam as discordâncias políticas.
A ideação se
apresenta na decisão pública não só para contrastar com uma distribuição
injusta e inadequada dos serviços, mas também para inspirar, agregar e gerar
esperança entre os formula- dores e beneficiários das políticas. Assim, definir
objetivos significa idealizar, por exemplo, equidade no acesso e na qualidade
dos serviços.
A ideação reflete
preferências de novas conquistas e inspira comportamentos de mais eficiência e
eficácia no cuidado dos recursos públicos.
Apesar de se
referenciarem em sonhos e valores, as opções ideais não estão imunes a
controvérsias. Por exemplo, embora seja universalmente aceita como um valor
primordial, a equidade pode gerar controvérsias imensas sobre como prover o
acesso e distribuir os serviços. Alguns tomadores de decisão podem ver a
equidade pelo lado dos beneficiários. Nesse caso, examinam mais os graus de
inclusão e exclusão dos serviços em determinada comunidade. Outros analistas
podem valorizar o processo de escolha, determinando a equidade pelo tipo de
análise ou de representação de cada comunidade.
Por outro lado,
vale considerar que ter simplesmente o certo e o errado por antecedência não ocasiona a decisão política mais correta.
A formulação da
política fundamentada unicamente no ideal pode resultar inadequada por
dispensar um mínimo de análise e desprezar as adaptações necessárias a uma
variedade de condições sociais que exigem respostas diversificadas.
Portanto, por
desconsiderar a realidade, a ideação é insuficiente para direcionar uma
organização ou um serviço. A ideação fornece referências sobre desigualdade e
inequidade na distribuição de serviços, mas sem a dimensão empírica não se tem
a percepção das possibilidades, oportunidades, e mesmo do risco e da incerteza.
Considerações
finais | A obtenção do consenso
A formulação de
políticas e definição de objetivos é uma construção social e política. A
decisão administrativa sobre objetivos é uma construção social e política.
Gestores e analistas trazem para análise a imperfeição e a ambiguidade de seus
valores, intenções estratégicas e interesses. Pelas suas intenções, procuram
construir lógica e coerência durante o processo de pensar e decidir.
Mas, as pessoas
não agem de modo totalmente coerente: reagem a posições alheias de forma
imediata ao sentirem potenciais danos às suas propostas e interesses.
A eficácia do
processo de decisão requer dos participantes consciência das contradições e da
diversidade de perspectivas e uma predisposição para o debate e o aprendizado
coletivo. Na tentativa de harmonização, provocam-se novas visões, alternativas
e significados para a organização.
A Valorização da
governança colaborativa para o melhor uso das habilidades e competências. A
complexidade aliada à fragmentação das ações organizacionais em rede faz
crescer entre os gestores o sentimento da necessidade de colaboração. Nada no
mundo produtivo ou na prestação de serviços pode ser realizado sem uma intensa
colaboração e interdependência.
A governança
colaborativa surgiu para responder aos problemas da implementação e politização
da regulação. Seria uma alternativa à prática do antagonismo político na gestão
(Ansell e Gash, 2007).
Ademais, a
governança colaborativa, com base na democracia administrativa, aumenta não só
a cooperação entre órgãos públicos e entidades externas como também a
consideração das sugestões comunitárias (Bingham e O'Leary, 2008; Williams,
2012).
Por ampliar a
participação democrática, as promessas de colaboração nas redes de serviço
sugerem a possibilidade de favorecer o melhor uso das habilidades e
competências de cada organização e consequentemente melhores decisões
políticas.
No entanto, há
ainda obstáculos a vencer em uma sociedade em que o loteamento e a oposição
política convivem na distribuição de funções públicas. Adversários políticos em
função de gestores em redes de serviço tendem a gastar mais tempo e atenção na
defesa de suas áreas de poder do que nos aspectos substantivos da política
pública.
No entanto, as
estratégias de governança colaborativa praticadas nos últimos anos (Ansell e
Gash, 2007) podem favorecer práticas inusitadas de convívio e de debate para
melhores decisões.
Por exemplo,
pode-se criar uma contraposição à fragmentação das redes nos casos de
necessidade de consenso sobre decisões públicas a serem apreciadas por diversos
órgãos. Isso significa criar pontos de decisão e de controle em que os diversos
atores são trazidos a uma instância comum para produzir uma decisão consensual
e conscientizar-se das interdependências.
 Discordâncias,
antes de serem males a evitar, são momentos positivos de pensamento e de
interação construtiva. Centrar a atenção em ideias novas e em práticas
inusitadas leva as pessoas a repensar suas próprias tarefas e a visualizar
novas formas de relacionamento e de distribuição de informações.
Tratada como o
elemento essencial na formulação política, a informação mesmo bem distribuída
é insuficiente na resolução de conflitos ou na obtenção de consenso. Mesmo
acessível de maneira uniforme, a informação é percebida diferentemente por cada
um dos membros de um grupo de análise.
A diversidade de
visões faz todo o processo de decisão tornar-se um aprendizado e uma
negociação, entre pares e interlocutores externos, para a construção de uma
vontade ou intenção comum.
Consensos são
naturalmente frágeis e na maioria das vezes aceitos por condições mínimas,
apenas para garantir a prestação de algum serviço e a legitimidade da forma de
decidir. Na prática, é inútil buscar o consenso em tudo: o processo se torna
excessiva mente oneroso e de resultados altamente duvidosos.
Por vezes,
tenta-se reduzi-lo a debates e análises com ênfase em modelos simplificados.
Retiram-se muitas variáveis, sobretudo as intangíveis, menos quantificáveis e
inerentes às ambiguidades humanas.
Excluí-las das
análises para a decisão favorece a criação de um momento ilusório de consenso,
pois as discordâncias anteriores reaparecerão com toda a força quando da
implementação.
Imperfeições ou
erros na execução de uma política tendem a ser divulgados como resultado da
concessão de um grupo às ideias de outro.
Cada grupo relembra que se não tivesse cedido e se mantido fiel às suas
propostas e princípios nada de errado teria acontecido. Na verdade, as análises
post facto permitem a "manipulação" de fatores
P. 111
do passado e, assim, concluir
pelo que se julgava por antecedência ser o mais correto. Por serem frágeis,
consensos e compromissos políticos sempre deixam margem à reativação de
discordâncias em qualquer momento do processo, principalmente quando
determinada ocorrência serve ao propósito de reativar os valores de propostas
anteriores.
Pressões de tempo e a
solução rápida de problemas prementes tornam inadequados ou inoportunos métodos
prolongados de análise. Na prática administrativa, informações incompletas e
conflitos organizacionais tomam a maior parte da atenção de tomadores de
decisão e analistas. Nesse contexto, alguns consensos e soluções rápidas, ainda
que incompletos, passam a ser mais úteis e atrativos.
Há possibilidades diversas
de se obterem acordos para se prosseguir na definição e execução de políticas.
Por exemplo, para se alcançar consenso sobre meios, normalmente são necessárias
muitas análises ou demonstrações sobre a validade do caminho a ser percorrido.
No entanto, a concordância, em dimensões genéricas, de acesso e equidade nos
serviços pode levar a um melhor diálogo, mesmo havendo discordância quanto aos
meios.
Ao se aceitarem os próprios
limites do processo decisório, procura-se reduzir as razões de cada funcionário
para discordar ou para resistir às determinações coletivas. Ainda que
preliminares e abstratos, os consensos fazem as pessoas se respeitarem umas às
outras e facilitam a concordância sobre algumas ações práticas julgadas
absolutamente necessárias ou urgentes.
A contraposição de ideias e
de interesses políticos pode produzir significados compartilhados, conduzindo a
algum consenso sobre formas de cooperação de ação coletiva para se produzirem
melhores resultados.
Diálogos livres e desfocados permitem avançar
na capacidade criadora e despertam a vontade de construir. Para entender o
sentido do outro e permitir maior harmonia no processo de decidir, as pessoas
necessitam deixar-se vulneráveis a novas perspectivas.
Assim, parece recomendável
uma fase de desprendimento da realidade para a entrada em um mundo mais amplo,
diversificado e aparentemente desconexo. Aos poucos, as novas dimensões e
ideias vão perdendo seu caráter nebuloso. Mesmo inquietas e incomodadas, as
pessoas admitem novas possibilidades e reconhecem a novidade com vigor.
Pelas análises, debates,
imaginação e ideação se adquire a consciência de algumas interdependências
antes ignoradas. Muitas vezes as discussões começam por problemas muito
singulares e depois avançam para as interdependências. Às vezes, é necessário
se permitir, ou mesmo incentivar, a inclusão de ideias fora do foco central
para se encontrarem novas perspectivas sobre o tema em questão.
Muitas análises são
transitórias e servem apenas ao propósito de se chegar a um estágio mais
avançado de definições. Diálogos livres permitem avançar na capacidade
criadora: compartilham-se expectativas e intenções sobre a forma de agir. Assim
se leva o problema a um novo espaço, iluminado de novas ideias, fazendo
descobrir novas Possibilidades. Visualiza-se o diferente não só pela tensão
dialética produzida pelo diálogo, mas também pelo sentir diferente e examinar o
diferente. Unem-se as emoções e as realidades de cada um.
Valorização da capacidade
humana de reconstruir aprimora o processo de formulação de política. Problemas
fazem parte do cotidiano da gerência. Fazem as pessoas tornarem-se críticas da
realidade e frustrarem-se diante da impossibilidade das soluções que julgam
necessárias, mas também provocam nelas a busca de alternativas para levarem a
cabo suas tarefas. As pessoas reconstroem continuamente sua visão de problemas
e de soluções à medida que compreendem novas dimensões produzidas por novos
dados. Valorizar essa capacidade humana de construir e reconstruir é valorizar
o processo de aperfeiçoar a política pública e não de dominá-la em um esquema
analítico restrito, apesar de sua aparente retidão e sofisticação. Na gerência
contemporânea, o processo de obtenção de consenso para definir objetivos é
recorrente e renovado pelas constantes provocações da sociedade. Em um mundo de
mudanças rápidas, todas as políticas e objetivos carregam, desde sua definição,
um caráter de obsolescência, e, portanto, devem ser vistos apenas como uma
referência provisória do presente para o futuro. Ademais, todos os consensos
são vulneráveis às lutas dos recursos de poder por domínio e, portanto, frágeis
desde a sua formulação. Não se trata de deficiências da formulação e sim de
produto de transformações sociais a reacender a necessidade de se atualizar o
decidido.
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Fábio Patrus
Mundim Pena, Ana Maria Malik e Fernanda Martins Viana
Introdução
Nos últimos anos, mudanças
dramáticas têm ocorrido na indústria de serviços de saúde no mundo todo. Por um
lado, a crescente pressão da demanda e a luta pela universalização do acesso
aos serviços de saúde. Por outro, o rápido desenvolvimento e a inovação na
tecnologia médica, fazendo com que os custos do setor venham crescendo com
velocidade cada vez mais elevada, descolando-se dos demais setores da economia.
Nesse contexto de pressão crescente por melhor gestão de custos, associado a
um processo de regulamentação cada vez mais forte, temos presenciado um esforço
grande de profissionalização das organizações de saúde, em busca de melhores
níveis de eficiência e eficácia organizacional.
Nesse cenário, as técnicas
e ferramentas disponíveis no campo da gestão têm sido amplamente adotadas pelos
gestores dos serviços de saúde internacionalmente como forma de melhoria dos
processos, redução dos custos, aumento da produtividade e consequente melhoria
da sua competitividade no setor. No Brasil, os avanços têm sido mais tímidos.
Os processos relacionados
com a gestão estratégica incluem-se nesse movimento e podem contribuir para um
melhor posicionamento da organização e assim viabilizar os meios para alcançar
o novo patamar de desempenho desejado. O processo de gestão estratégica inclui
as seguintes etapas principais e desafios:
§
Análise do ambiente: como avaliar
o ambiente externo e o ambiente interno de forma a extrair oportunidades a
serem exploradas e ameaças a serem minimizadas?
§
Formulação estratégica: quais as
formas de entrada no mercado e de posicionamento estratégico? Como definir o
posicionamento adequado à organização?
§
Execução da estratégia: como
disseminar a essência da estratégia até as bases da organização? Como traduzir
a estratégia em ações e metas operacionais? Como construir e garantir a
adequada implantação dos projetos e dos planos de ação?
§
Controle da estratégia: como garantir
o adequado controle dos resultados do planejamento? Como avaliar a tendência de
resultado da estratégia no médio e longo prazos?
Este capítulo abordará cada
uma das etapas da gestão estratégica e as especificidades de sua implantação na
área da saúde. Antes, porém, de focar o processo de gestão estratégica, é
importante entender como se deu a evolução do seu entendimento e alguns
conceitos e teorias desse campo de conhecimento.
Evolução da gestão estratégica
A aplicação dos conceitos
de planejamento e estratégia à área empresarial se difundiu a partir de meados
dos anos 1960, embora sua origem na área militar remonte ao século IV a.C,
quando Sun Tzu escreveu o texto conhecido no Brasil como "A arte da
guerra". Clavell, dentre outros autores, resgatou os conhecimentos de
estratégia militar escritos por Sun Tzu como sendo aplicáveis ao mundo dos
negócios (Clavell, 1983).
Na primeira metade do
século 20, fase de desenvolvimento e consolidação das indústrias nos EUA, o
objetivo gerencial focava a eficiência do processo produtivo. Acreditava-se que
os gerentes conheciam naturalmente as estratégias de suas empresas. O
planejamento baseava-se em controle orçamentário e financeiro, para períodos de
1 ano, tendo o lucro como objetivo principal e ponto de partida para o alcance
dos demais propósitos da empresa.
Na década de 1950, o mercado
encontrava-se em uma fase estável, com tendências evolutivas previsíveis de
crescimento e baixa
P. 114
competição entre as empresas. O
planejamento avança para 5 anos, período definido como longo prazo. Havia uma
preocupação com o futuro, mas este ainda era visto como "extrapolação do
passado" e as previsões baseavam-se em volume de vendas e não no mercado
(Leitão, 1995).
Nos anos 1960, a
instabilidade do mercado, a redução do crescimento e dos níveis de consumo e o
aumento da competição entre empresas levaram as organizações a buscar novas
formas de planejamento e gestão. Os gerentes passaram a se preocupar com os
conceitos estratégicos na administração e o planejamento adotou a ideia de
segmentação da empresa por unidades de negócio. Essa metodologia é denominada
"carteiras de negócios", em que as forças competitivas de uma empresa
eram comparadas com as oportunidades e ameaças do ambiente externo. Surgiram
metodologias estruturadas para a utilização das estratégias e os orçamentos
evoluíram de "extrapolações do passado" para instrumentos gerenciais
com implicações estratégicas e operacionais.
A década de 1970 foi
marcada pela turbulência acentuada do ambiente externo, com redução do
crescimento econômico global e do mercado e acirramento da competição entre
empresas, e pela atenção voltada à produção no ambiente interno, mas agora com
vistas à qualidade. Produtividade e custos ganharam importância. O horizonte
do planejamento foi ampliado para 5 a 10 anos e encontrava-se dividido em
níveis corporativo, setorial e funcional, a fim de compatibilizar os objetivos
da corporação com as estratégias dos diferentes setores e negócios nela
inseridos. Entretanto, devido a dificuldades na implantação das estratégias e
do reconhecimento da importância do fator humano e da cultura organizacional
para o sucesso dos processos, este planejamento estratégico passou a ser
questionado, o que conduziu ao conceito de gestão estratégica, originado da contribuição
de Hebert Simon e outros pesquisadores da área do comportamento organizacional
(Ansoff, 1977).
A gestão estratégica
enfatiza a integração do planejamento às demais funções administrativas, a
necessidade de a estratégia ficar associada à operação e a importância do fator
humano. É um modelo de gestão a longo prazo e que depende de apoio constante da
alta direção.
Nas décadas de 1980 e 1990,
o planejamento passou a ser visto como agente de mudança em função da
instabilidade crescente do ambiente externo. O conceito de gestão estratégica
foi identificado como mais abrangente que o do planejamento estratégico, pois
abrange os processos de formulação, implementação e controle da estratégia.
Na década de 1990, alguns
autores começaram a questionar os modelos tradicionais de planejamento por
julgarem-nos inadequados a um contexto de rápidas mudanças.
Mintzberg (1994) defende a
substituição do planejamento estratégico (strategic planning) pelo pensamento
estratégico (strategic thinking). O processo de formulação de estratégia deve
ser a captação daquilo que o administrador apreende (soft data, como
experiências pessoais, e hard data, como pesquisas de mercado) e a síntese
desse aprendizado aplicado em uma visão da direção do negócio. O planejamento
seria um processo analítico de programação de estratégias já existentes. Quanto
ao pensamento estratégico, seria um processo de síntese envolvendo intuição e
criatividade, que produziria uma perspectiva integrada da empresa. O argumento
é que, somente a partir de um processo livre, informal e descentralizado em
todos os níveis da organização, é possível desenvolver uma perspectiva
inovadora da corporação (Mintzberg, 1994). Outros, mais ligados à saúde, dizem
que, independentemente de como venha a se usar o planejamento, este é uma
prática (Testa. 1995). Esse mesmo autor sugere que falta desencadear um
processo. Segundo ele, "... ao falar em desencadear um processo estamos
estabelecendo prazos curtos, ou seja, começamos e não pontos de
chegada..." (Testa, 1995, p. 23).
A partir dessa breve
introdução histórica, destacamos quatro correntes teóricas que agregam as
principais teorias explicativas da gestão estratégica e da performance
organizacional: Teoria da Nova Organização Industrial, Teoria dos Recursos,
Escola Austríaca e Teoria das Capacidades Dinâmicas.
Teorias no
campo da estratégia
O entendimento do processo
de definição da estratégia passa necessariamente por compreender quais fatores
impactam direta ou indiretamente o desempenho da indústria e da própria empresa.
Explicar as diferenças de desempenho entre as empresas tem sido uma questão
central nas discussões no campo da gestão estratégica a partir da década de
1990. Enquanto a corrente da teoria da organização industrial defende que
fatores do ambiente da indústria são os principais determinantes do desempenho
da empresa (Porter e outros), os defensores da teoria baseada em recursos
entendem que o ambiente interno da empresa e suas competências únicas
direcionam, de modo predominante, a vantagem competitiva. A discussão gira em
tomo da explicação para o desempenho da organização: se é provocado pelo setor
no qual a empresa está inserida ou por fatores específicos da mesma.
Teoria da
nova organização industrial
Um dos modelos conceituais
mais difundidos para a análise estratégica é o modelo da nova organização
industrial, apoiado nos trabalhos de Edward Mason e Joe Bain. De acordo com
essa tendência, a performance econômica das firmas é o resultado direto de seu
comportamento concorrencial em termos de fixação de preços e custos. Esse
comportamento depende da estrutura da indústria na qual as firmas estão
inseridas (Vasconcelos e Cyrino, 2000).
A análise de Porter sobre a
vantagem competitiva acentua alguns elementos característicos da organização
industrial. Porter compartilha o modelo de Mason e Bain, que tem como unidade
de análise o mercado do setor (por eles denominados "indústria") e
não a firma individual. Ele ainda defende que a lógica dos modelos de
organização industrial é muito clara sobre a causalidade: a estrutura da
indústria determina o comportamento dos agentes econômicos que, por sua vez,
determina o desempenho das firmas.
Para Porter, o
desenvolvimento de uma estratégia competitiva parte da definição de uma fórmula
ampla para como uma empresa irá competir, quais deveriam ser suas metas e quais
as políticas necessárias para cumpri-las. A essência da formulação de
estratégia competitiva é relacionar uma companhia ao seu meio ambiente, sendo o
Aspecto principal a indústria em que a companhia compete. Seu
modelo formulação de estratégia competitiva inclui análise estrutural da
indústria e da concorrência, baseado em cinco forças competitivas: entrantes
potenciais, ameaça de substituição, poder de negociação dos compradores, poder
de negociação dos fornecedores e rivalidade entre os atuais concorrentes. As
cincos forças em conjunto determinam a intensidade da concorrência indústria e
sua rentabilidade e a
P. 115
mais acentuadas
tornam-se cruciais do ponto de vista de vista da formulação de estratégias. Características
técnicas e econômicas de uma indústria são críticas para a intensidade de cada
força competitiva. Uma vez diagnosticadas as forças que afetam a concorrência e
suas causas básicas, a empresa terá condições de identificar seus
ponto fracos e fortes e se posicionar em relação ao seu mercado (Porter,
1980). Porter, na primeira década do século 21, dedicou um livro à área da
saúde, no qual sintetiza e tenta aplicar ao setor alguns temas já trabalhados
em seus artigos mais gerais (Porter e Teisberg, 2007). Mais recentemente, foi
feita uma análise dos textos de professores da Harvad Business School que se
interessaram por saúde (Veloso, Bandeira-de-Mello e Malik, 13).
Teoria
dos recursos
Diferentemente do
modelo de Porter, a teoria dos recursos contesta os pressupostos de
homogeneidade e imobilidade dos recursos e defende que, para cada firma, os recursos
estratégicos são heterogêneos e podem não ser facilmente mobilizados, tornando
a heterogeneidade muito mais duradoura.
Wernerfelt, um dos
primeiros a introduzir a visão da organização a partir de seus recursos, em
1984, define recursos como ativos tangíveis e intangíveis “conectados" à
organização. Como exemplos, cita marca, conhecimentos e tecnologias adquiridos,
processos eficientes, entre outros. Sob essa visão, estratégias de crescimento
devem envolver o equilíbrio entre a utilização máxima dos recursos existentes e
o desenvolvimento de novos (Wernerfelt, 1984).
Barney, em 1991,
ampliou esse conceito e definiu recursos como todos os ativos (tangíveis e
intangíveis), competências, processos organizacionais, informações,
conhecimento e outros atributos controlados por uma organização que a tornam
capaz de conceber e implementar estratégias que melhorem sua eficiência e
efetividade. Barney e outros, apoiando-se na teoria da visão baseada em
recursos (resource based view - RBV), sugerem que as decisões estratégicas
devem partir mais da análise de suas competências, ativos e habilidades únicas
e menos da análise do ambiente competitivo. Uma das críticas em relação às
análises do ambiente externo como ponto de partida para a estratégia é que as metodologias
e fontes de informação do mercado são de conhecimento público. Assim, se as
bases para a construção da estratégia são semelhantes para as empresas, as conclusões
muito provavelmente também o serão. Portanto, o que tornará a estratégia
diferenciada no mercado será a análise baseada nos recursos e nas competências
únicas e exclusivas de cada organização (Barney, 1991).
Barney propôs
quatro atributos para avaliar o potencial desses recursos como fonte de
vantagem competitiva sustentável. São eles:
§
Terem valor, ou seja, serem capazes de
potencializar oportunidades e neutralizar ameaças
§
Serem raros entre os concorrentes atuais e
potenciais
§
Não serem imitáveis ou serem imitáveis de forma
imperfeita
§
Não serem substituíveis por equivalentes.
A premissa
da dificuldade em mobilizar recursos entre empresas do setor baseia-se na
dificuldade dos competidores em imitar ou obter esses recursos, que pode ser
explicada pelos seguintes fatores:
§
Dificuldade da empresa de obter os recursos, que
podem depender de condições históricas únicas, o que irá requerer uma
trajetória de experiência e aprendizado
§
Ligação entre os recursos controlados por uma
empresa e sua vantagem competitiva, que pode não ser compreendida pelos
concorrentes, ocorrendo o que o autor denomina "ambiguidade causal".
Nesse caso, os concorrentes não saberão o que deve ser imitado
§
Dificuldade na obtenção dos recursos inerentes à
complexidade do fenômeno social, que extrapola a capacidade do concorrente em
gerenciá-los. Cita, como exemplo, as características específicas da cultura
organizacional (Barney, 1991).
§
A Figura 8.1 mostra a relação entre os fatores
distintivos dos recursos e a vantagem competitiva sustentável.
Figura 8.1 A lógica da visão baseada em recursos.
Fonte: Barney, 1991, tradução nossa.
P. 116
Escola
austríaca
Outro importante grupo de
contribuições às teorias de estratégia relaciona-se à dinâmica da empresa, dos
mercados e da concorrência, enfatizando mais os processos de mudança e inovação
do que as estruturas das indústrias ou os arranjos estáveis de recursos (Barney
e outros). Os pioneiros deste movimento são economistas da Escola Austríaca,
como Carl Menger, Von Mises, Hayek, Kirzner e Schumpeter. Para eles, a natureza
da competição entre as firmas é independente da estrutura da indústria,
assumindo a dinâmica competitiva e a descoberta das inovações como os fatores
que mais influenciam os níveis de performance das firmas. Nesse sentido, o
mercado, longe de ser equilibrado, é um processo de descoberta interativa que
mobiliza informações divergentes e conhecimentos dispersos. As empresas obtêm
lucros por meio da identificação de oportunidades e da mobilização pioneira de
recursos operacionais pelos empreendedores, sempre buscando inovação e novos
arranjos econômicos.
Teoria das
capacidades dinâmicas
Contribuições da década de
1990 aproveitam as ideias das teorias dos processos de mercado e das teorias
dos recursos e tentam formular uma teoria da formação das competências
organizacionais em ambientes de alta complexidade e mudança constante. Essa
teoria reforça a importância dos recursos como fonte de vantagem competitiva,
porém adiciona à teoria baseada em recursos dois novos elementos diferenciadores:
§
Capacidade de a empresa alavancar seus recursos e competências,
aperfeiçoando e recombinando os recursos existentes para criar novos produtos e
mercados
§
Capacidade de a empresa criar um fluxo contínuo de inovações através do
desenvolvimento de competências ligadas à própria capacidade de gerar novas
competências e recursos. Essa visão traz a concepção de que os recursos são
essencialmente dinâmicos e pautam-se por processo de renovação contínua.
Estudos da
gestão estratégica na área de saúde
Ginter et al. em sua obra,
Strategic Management in Healthcare Organizations, procuram integrar os vários
modelos de gestão estratégica e discuti-los à luz das especificidades da área
da saúde no modelo norte-americano. Segundo os autores, métodos analíticos e
métodos intuitivos são complementares e contraditórios. É difícil iniciar e sustentar
ações organizacionais sem um plano lógico. No entanto, em um ambiente dinâmico,
como a área da saúde, deve-se aprender e estabelecer novos rumos continuamente
(Ginter et al., 1998).
De acordo com Ginter et
al., gestão estratégica é o "processo organizacional para identificar o
futuro pretendido e desenvolver guias de decisão para alcançar esse futuro. O resultado
do processo de planejamento estratégico é um plano ou estratégia" (Ginter
et al., 1998, p. 13). Para os autores, gestão estratégica incorpora liderança e
é vista como atitude. Segundo eles, “para que a gestão estratégica seja
bem-sucedida, todos deveríam ser encorajados a pensar como líderes“ (Ginter et
al., 1998, p. 18). O modelo de Ginter divide a gestão estratégica em quatro
etapas: a análise de situação, a formulação, a implementação e o controle da
estratégia.
A história do planejamento
em saúde na América Latina tem como uma de suas origens reconhecidas um método,
preconizado e divulgado pela Organização Pan-Americana da Saúde (1965), voltado
à programação em saúde e ao chamado planejamento normativo (CENDES/OPS). Nos
anos 1970, surge uma crítica que rompe com estes preceitos e começou-se a falar
em planejamento estratégico e situacional. A partir de 1975, segundo Rivera
(1989) e Chorny (1990) começa a se explicitar o caráter político do
planejamento. Durante os anos 1980, o PES (planejamento estratégico
situacional) começa a ser amplamente difundido no Brasil, e passou a ser
entendido pelos atores do setor saúde, notadamente na área pública, como o
método de planejamento estratégico mais adequado para o setor. Foi difundido
pela Reforma Sanitária Brasileira, por meio de cursos de pós-graduação em
sentido amplo por todo o país (Onocko, 2001). A partir dos anos 1990, surgiu
uma crítica, principalmente fundamentada por Chorny (1990), no sentido de que
boa parte dos modelos de planejamento utilizados na área de saúde está
orientada no sentido de reduzir gastos, privilegiando os meios sobre os fins.
Esta crítica evidenciou que
o objeto da planificação em saúde deixou de ser a produção de saúde para
priorizar a administração eficiente de recursos. Esta contradição é apresentada
por autores mais engajados no setor público e na formulação de políticas do que
diretamente no cotidiano da prestação de serviços. Nesta visão, há quatro
linhas teóricas predominantes (Onocko, 2000; 2001): o resgate do potencial
comunicativo do planejamento estratégico (Rivera, 1992; Gallo et al., 1992); o
subsídio do planejamento estratégico para a gestão democrática (Merhy, 1995;
1997; Campos, 1994); o aprimoramento de uma técnica de planejamento (Cecilio,
1997) e o planejamento frente às teorias da complexidade (Chorny, 1998).
Alinhado com essa visão
mais política do planejamento em saúde, que questiona o pragmatismo e a direcionalidade
do planejamento formal, Rivera sugere que a perspectiva comunicativa assume a
importância do processo gerencial em uma postura dialógica com os diferentes
atores envolvidos, que seja capaz de motivar a construção de projetos que
possam ser assumidos coletivamente como compromissos. Segundo ele, nas
organizações profissionais, como são as de saúde, justifica-se mais um conjunto
de práticas que partilhem a filosofia por trás da gestão do que extensos
processos de formalização de planos. (Rivera e Artmann, 1999).
Testa (1993) afirma que,
além de todas as funções apresentadas em qualquer livro-texto, o planejamento
deveria também estimular o crescimento e as possibilidades de mudança. Testa
(1995) e Onocko (2001) também se apegam à inseparabilidade entre meios e fins,
tornando o planejamento um espaço de produção. Essa autora identifica em seu
levantamento que o planejamento é, com frequência, visto como um ritual, sem
sentido próprio e com predomínio da lógica instrumental. Uma das alternativas a
isso, presente na literatura brasileira, é a de que as organizações devem se
movimentar no sentido de atingir não apenas a eficácia, mas também a promoção
de algum tipo de subjetivação grupal para permitir aos trabalhadores o
envolvimento e a realização no trabalho (Campos, 2000). Este planejamento no
Brasil aparece no marco da Reforma Sanitária dos anos 1980 e se fortalece na
vigência do Sistema Único de Saúde (SUS) (Escorel, 1998).
Uma pesquisa exploratória
feita em 2000 com 6 hospitais dos EUA (região metropolitana de Atlanta) e 4 do
Brasil (região metropolitana da Grande São Paulo) buscou avaliar, a partir de
entrevistas com 40 executivos, o estado da utilização da administração
estratégica nesses hospitais, naquele momento. A análise inclui identificação
de
P. 117
semelhanças e diferenças no processo
de decisão estratégica a partir das peculiaridades do setor e da situação de
competitividade nos diferentes mercados em que estão inseridos. As entrevistas
mostraram evidências de que os executivos dos hospitais brasileiros pesquisados
não mostravam domínio no uso da gestão estratégica, uma vez que:
§
A definição de prioridades nos diferentes serviços não era clara para os
executivos
§
O processo orçamentário apareceu, de forma geral, dissociado do processo
de planejamento
§
A utilização de informações e de indicadores era pouco frequente
§
Os dados nacionais de produção do setor, quando existiam, eram muito
mais a respeito do setor público que do privado.
O estudo mostra que nos EUA
o mercado em saúde já era francamente competitivo, havia mais conhecimento dos
modelos de planejamento, ensinados tradicionalmente nas escolas de graduação ou
de pós-graduação em gestão de saúde. Naquele país, era esperado que os técnicos
prestadores de assistência, de nível de instrução superior ou médio, tivessem
conhecimento das características do setor e estivessem dispostos a colaborar com
os esforços de sua organização. Algumas crises econômicas observadas, causando
desemprego entre todas as categorias profissionais, mexeram na cultura a ponto
de praticamente obrigar a colaboração a fim de garantir a sobrevivência das
organizações. No Brasil, a preocupação com o mercado apenas começava a ser
percebida no ano 2000, principalmente em função da competitividade (envolvendo
concorrentes e operadoras), incluindo necessidade de recursos para incorporação
de tecnologia (que serão necessários para todos, principalmente caso não seja
possível trabalhar em aliança) e mudanças na demanda, tanto em termos demográficos
quanto nosológicos (Malik e Pena, 2003).
Outra pesquisa sobre
administração estratégica, realizada no Brasil em 2003, procurou identificar os
principais temas que integravam a agenda dos executivos de hospitais. A
pesquisa foi feita a partir de entrevistas com 12 executivos de 5 hospitais
brasileiros pertencentes à ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados).
Os resultados mostram que, de alguma forma, todos os executivos estavam
envolvidos em processos de planejamento estratégico, com maior ou menor grau de
formalização. No entanto, o estudo também mostrou que não havia, na maioria
deles, um processo sistemático de estabelecimento de metas e avaliação de
resultados, o que sinaliza para um entendimento do planejamento dissociado do
controle dos seus resultados (Teles, 2003).
Mais duas pesquisas
realizadas em organizações de saúde em 2011 (Ferreira Jr, 2011; Pedroso, 2011),
também no estado de São Paulo, mostraram que os médicos apresentam
características inerentes à sua formação profissional, com impactos na gestão
das empresas, quando assumem responsabilidades na alta administração. Continuam
evidenciando que a saúde apresenta um conjunto de particularidades que lhe
conferem maior complexidade de gestão, obrigando a um conhecimento do setor e a
adaptação de técnicas gerenciais. Nesse momento, era percebida a necessidade de
governança corporativa para organizações do setor, além da já conhecida
governança clínica, e de definição do modelo de negócios a ser seguido.
Finalmente, todos os serviços pesquisados nesses trabalhos usavam o balanced
scorecard (BSC), embora não ficasse claro se isto era uma nova percepção de
ferramenta ou um modismo a ser seguido. Quase todos eles usavam um modelo de
planejamento orçamentário, com análise SWOT. Não foi possível afirmar se
estratégias já eram seguidas formalmente ou se as organizações caminhavam mais
orientadas por intuição.
Etapas do
processo de gestão estratégica
A seguir, discutimos com
mais detalhes as etapas críticas do processo de gestão estratégica, ilustrado
na Figura 8.2: análise de ambiente, formulação estratégica, execução da
estratégia e controle da estratégia.
Análise do
ambiente
A análise do ambiente
consiste na análise do ambiente externo, na análise da concorrência
(identificação dos concorrentes, das suas forças e fraquezas, e antecipação dos
seus movimentos) e na análise do ambiente interno.
A seguir, apresentamos três
modelos de análise do ambiente: análise SWOT, proposta por Andrews; análise
situacional, proposta por Matus; e modelo das cinco forças, de Porter.
Análise SWOT
A metodologia SWOT foi
proposta por Andrews e desenvolvida pela escola de Harvard. Suas iniciais
significam Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats (Forças, Fraquezas,
Oportunidades e Ameaças - FOFA) (Andrews, 1971). A análise do ambiente externo
consiste no processo de extrapolar os limites do serviço e identificar mudanças
e tendências do mercado que possam impactar suas atividades. A análise inclui
avaliação de questões como desenvolvimento tecnológico, legislação,
comportamento do consumidor, mudanças nas relações comerciais e tendências
socioeconômico-culturais. Conforme seu impacto no serviço, as pressões do
mercado são classificadas entre ameaças ou oportunidades. Baseando-se na
concorrência, esse processo consiste em apontar as vantagens e desvantagens do
serviço em relação aos concorrentes. Para análise do ambiente interno, o modelo
propõe a identificação das forças e fraquezas do serviço. Em geral, as forças e
fraquezas de uma organização são resultado: (a) das forças e fraquezas dos
indivíduos que compõem a organização; (b) da forma como essas capacidades
individuais são integradas no trabalho coletivo; e (c) da qualidade da
coordenação dos esforços de equipe (Andrews, 1971).
Algo que em um dado momento
é uma oportunidade pode se tornar uma fraqueza para a mesma organização. Da
mesma maneira, o que é oportunidade para um serviço, para outro pode ser
ameaça. A análise deve ser feita constantemente, para não perder a oportunidade
de perceber as mudanças ocorridas.
Na área da saúde, pode-se
considerar que o primeiro hospital a desenvolver programas de geriatria em uma
comunidade com crescente número de idosos tenha respondido a uma oportunidade
do ambiente. Os que começaram depois já tiveram esta implantação como resposta
a uma necessidade e o último pode ter como ameaça a concorrência com outros
centros especializados. No caso, dispor de equipe especializada em geriatria
seria um ponto forte, e não ter instalações apropriadas seria uma fraqueza.
Análise
situacional I Identificação de macroproblemas e nós críticos
A análise situacional, para
os autores ligados ao Planejamento Estratégico Situacional (PES), como Carlos
Matus, propõe-se explicitamente a não fazer um diagnóstico, mediante uma lista
de fatores e condições, mas sim tentar explicar o que ocorre em uma dada
situação, utilizando alguns elementos explicativos, valorativos. Não
P. 118
Figura
8.2 Processo de gestão estratégica em organizações de
saúde. Fonte: Ginter et al., 2002, tradução nossa.
se
trata de dizer o que ocorre, mas como o que ocorre levou à situação vivida pela
organização e como esta compreensão pode ser utilizada para modificar o status
quo. Dito de outra forma é o cálculo sistemático que relaciona o presente com o
futuro e o conhecimento com a ação. Define a situação "como um espaço de
produção social onde o ator-eixo da explicação situacional desempenha um papel,
assim como os outros atores (incluindo os seus oponentes). Tudo o que ocorre em
termos de produção social depende do ator-eixo e dos outros atores, em
interação com o cenário que os envolve a todos (Matus, 1996). No PES, esta
análise representa o momento explicativo. Esse autor ainda apresenta outros
'momentos', a saber: o normativo, o estratégico e o tático-operacional. A
identificação dos macroproblemas e dos nós críticos é uma das abordagens
utilizadas para a análise situacional.
Um problema é a
discrepância entre o ser (ou a possibilidade de ser) e o deve ser, discrepância
essa que os atores encaram como evitável ou inaceitável frente a um resultado
de um jogo social, que contraria valores e normas do ator diante da realidade.
Considerando a análise situacional, o que é problema para um ator social pode
não o ser para outro (ou até ser uma solução para ele). Assim, a evitabilidade
e a inaceitabilidade são apreciações dos atores sobre o problema, as quais o
levam a defini-lo como tal.
O consenso em torno dos
macroproblemas deve ser construído a partir da participação ativa dos
dirigentes e lideranças-chave da instituição. Para esse objetivo pode ser
adotada a técnica de brainstorming ou técnicas de visualização. As técnicas de
visualização consistem em registrar ideias de modo que todos possam vê-las,
simultaneamente. Quem tem uma informação ou opinião a apresenta por meio de
instrumentos como quadros, blocos de notas, apresentações eletrônicas, entre
outros. A utilização de painéis em que são afixadas cartelas coloridas, de
forma ordenada, é uma técnica de visualização muito utilizada em oficinas e que
potencializa as vantagens trazidas pelo uso das técnicas de visualização (IPEA,
2010).
P. 119
Outra abordagem na
sequência da priorização dos macroproblemas é a identificação dos nós críticos,
feita por meio do processamento da "árvore de problemas" (ou
"fluxograma situacional"), na qual são definidas:
§
As manifestações que melhor descrevem o problema,
expressando-o em forma de descritores. Os descritores cumprem o papel de
enumerar de forma clara os fatos que mostram que o problema existe e tornam
mais preciso o enunciado do problema, para que o mesmo possa ser verificável
por meio da enumeração dos fatos que o evidenciam. Assim, a descrição de um
problema expressa seus sintomas, ou seja, suas evidências na situação inicial,
e estabelece uma linha de base para aferir a mudança esperada com a intervenção
para enfrentar o problema (IPEA, 2010)
§
As causas que determinam o problema
§
As consequências do problema
§
A cadeia lógica multicausal entre os descritores,
causas e consequências.
Assim, a árvore de
problemas deve ser desenhada de maneira clara, sintética e precisa, a partir da
identificação dos descritores, das causas e consequências do problema e da
forma como estão relacionadas entre si. Essas diferenciações entre os
descritores, as causas e as consequências são importantes para orientar as
ações efetivas para a mudança prevista pelo projeto (Rivera, 1995).
A Figura 8.3
ilustra de forma esquemática uma árvore de problemas.
Da mesma maneira
que os macroproblemas, a árvore deve ser construída com a participação dos
principais dirigentes. O grupo pode ser ampliado, com a inclusão de lideranças
diretamente envolvidas nos problemas selecionados. A oficina deve partir do
entendimento e da validação dos macroproblemas priorizados e uma árvore deverá
ser construída para cada problema priorizado, a não ser que eles tenham
naturezas semelhantes e possam ser agrupados. O primeiro momento é a
identificação dos descritores, que parte da resposta à seguinte pergunta: qual
é a causa do fato descrito em d1? Essa pergunta deve ser feita para cada um dos
descritores do problema.
Os descritores de
um problema devem ser capazes de (a) sintetizar as distintas interpretações
sobre o enunciado do problema em um só significado para os atores que o
analisam; (b) estabelecer os fatos que devem ser explicados; (c) verificar o
problema de modo que se possa monitorar, a fim de acompanhar a sua evolução;
(d) servir de referência para a avaliação do impacto do plano sobre o problema
(Matus, 1996).
Após a definição
dos descritores, o passo seguinte é encontrar a causa da causa e assim
sucessivamente, até que o grupo de trabalho se sinta satisfeito com a
explicação. Na sequência, são estabelecidas as relações dos descritores com as
consequências, supondo que o problema não seja resolvido.
A partir da
reflexão coletiva sobre os descritores, suas causas e consequências e suas
relações, é possível estabelecer os nós críticos. De acordo com Matus, os nós
devem preencher simultaneamente três requisitos:
§
A
intervenção sobre esta causa tem impacto decisivo sobre os descritores do
problema e no placar do jogo no sentido de modificá-los positivamente?
§
A causa
é um centro prático de ação? Ou seja, há possibilidade de intervenção, mesmo
que não seja pelos atores que a explicam?
§
É
politicamente oportuno atuar sobre a causa identificada (viabilidade política e
mudanças favoráveis nos problemas)? (Matus, 1996).
Se as três
condições são cumpridas simultaneamente, a causa pode ser selecionada como nó
crítico. Cada nó crítico deve ser o foco prioritário de intervenção, por meio
dos planos de ação, uma vez que terão maior chance de obter êxito sobre os
descritores do problema.
Modelo
das cinco forças
O modelo das cinco
forças de Porter sugere que as empresas devem analisar seu ambiente
competitivo, escolher suas estratégias, e então buscar os recursos necessários
para implementá-las. Esse pressuposto está fundamentado na crença de que as
empresas pertencentes ao mesmo setor têm os mesmos recursos para implementar
Figura
8.3
Modelo esquemático da árvore de problemas. Fonte: modelo adaptado - PES/MAPP -
Artmann, 1993; Rivera, 1995.
P. 120
suas estratégias (pressuposto da homogeneidade dos recursos). Caso, no limite, algum recurso diferente seja introduzido, as empresas terão rápido acesso a ele (pressuposto da mobilidade dos recursos) (Porter, 1985; Rumelt, 1984). Nesse sentido, a fonte de vantagem competitiva está na capacidade de lidar melhor com o ambiente competitivo no qual a empresa está inserida, determinado por cinco forças, a saber:
§ Ameaça de novos entrantes: novos entrantes aumentam a intensidade da concorrência à medida que passam a disputar o mesmo mercado das organizações existentes. No entanto, o grau de ameaça depende das barreiras de entrada ao setor. Se as barreiras forem significativas, essa ameaça tenderá a ser menor. Isso pode ocorrer, por exemplo, em mercados com maiores ganhos com a economia de escala, maior diferenciação de produtos ou serviços, necessidade de altos investimentos para iniciar as atividades ou restrições legais ou governamentais. Na área de saúde, um novo hospital de luxo aberto em uma região de alto poder aquisitivo mexe com todo o mercado local na disputa pelos pacientes e com o mercado como um todo em função dos funcionários que necessita contratar
§ Poder de barganha dos clientes: clientes e consumidores buscarão obter sempre o menor preço possível para um determinado padrão de qualidade ou valor agregado do produto ou serviço. Se os consumidores têm maior poder de barganha, maior será a intensidade da competição neste setor. Operadoras de saúde conseguem preços melhores porque depende delas o número de pacientes que procuram determinado serviço
§ Poder de barganha dos fornecedores: assim como os consumidores, os fornecedores podem afetar a intensidade da competição por meio do poder de controle de preços e da qualidade dos suprimentos fornecidos. Esse poder é maior em setores com menor número de fornecedores, com poucas opções de produtos substitutos, com alta diferenciação ou quando o setor do comprador não for relevante no mercado total do fornecedor. Algumas indústrias farmacêuticas conseguem vender reagentes ao preço que lhes interessa, tendo em vista a necessidade de realização de exames
§ Ameaça de bens ou serviços substitutos: em muitos setores, há uma variedade de produtos substitutos que atendem à mesma função ou que competem entre si, dentre as opções do cliente. É o caso, por exemplo, na área da saúde, das técnicas de cirurgias minimamente invasivas como alternativa de indicação, em casos específicos, às cirurgias abertas
§ Rivalidade entre os concorrentes atuais: a competição entre os concorrentes tenderá a ser maior em mercados onde há muitos concorrentes em níveis semelhantes, crescimento lento da indústria, falta de diferenciação, altas barreiras de saída. Por exemplo, serviços de check-up podem ser vistos como muito semelhantes pelos usuários potenciais.
Formulação estratégica
O processo de formulação estratégica é a etapa seguinte à análise do ambiente. Seja considerando o modelo SWOT, a análise situacional proposta pelo PES ou o modelo das cinco forças, a formulação consiste em identificar objetivos que contribuam para minimizar as ameaças do mercado e as fraquezas internas e potencializar as oportunidades existentes no ambiente e os pontos fortes do serviço. A primeira etapa do processo de formulação é a construção ou validação da missão visão e valores.
A missão organizacional representa uma afirmação que resume a razão de existir da organização e o seu papel principal no atendimento das necessidades de uma determinada clientela. A missão deve ser construída de forma participativa, com o envolvimento de lideranças e equipes, e deve levar em consideração o diferencial da organização para fazer frente aos desafios do mercado, dos concorrentes e do seu próprio ambiente. A missão responde a questões como: Quem somos? O que fazemos?
A visão representa o que os acionistas ou o Conselho de Administração entendem como o futuro desejado da organização, geralmente no prazo de 5 a 10 anos. A visão responde a questões como: O que queremos? Deve ter orientação para o mercado e expressar, de forma visionária, como a empresa quer ser vista pelo mundo. A declaração de visão deve conter 3 componentes vitais: um objetivo ousado definição do nicho de atuação e o horizonte temporal.
Um exemplo é a visão da Wells Fargo. "Ter um milhão de clientes online até o final da década."
No caso da Cleveland Clinic, a visão consta de seu site em fevereiro de 2015, sob o título "a visão do fundador": "tornar-se o líder mundial em experiência do paciente, resultados clínicos, pesquisa e educação."[nota1]
Os valores são as crenças fundamentais que se espera permeiem as ações da organização. Os valores indicam a filosofia da empresa uma vez que especificam os princípios norteadores das suas ações. Indicam atitudes, comportamento e caráter.
Quanto à Cleveland Clinic, seu site explicita que ela foi criada por líderes que acreditavam em princípios simples e assumiam seis valores fundamentais:
§
"Qualidade:
mantemos os padrões mais elevados e os alcançamos medindo os continuamente e
melhorando nossos resultados
§
Inovação:
damos as boas-vindas à mudança, encorajamos a invenção e buscamos continuamente
formas melhores e mais eficientes para atingir nossos objetivos
§
Trabalho
em equipe: colaboramos e partilhamos conhecimentos, para beneficiar os
pacientes e nossos colegas prestadores de cuidado para avançar nossa missão
§
Serviço:
lutamos para superar as expectativas de nossos pacientes e prestadores em
relação a conforto e conveniência
§
Integridade:
aderimos a princípios morais e padrões profissionais elevados,
comprometendo-nos com honestidade, confidencialidade, confiança, respeito e
transparência
§ Compaixão: demonstramos nosso compromisso com cuidado de classe internacional oferecendo um ambiente de cuidado e de apoio para nossos pacientes, familiares e prestadores de assistência."[nota2]
Originários do movimento pela qualidade total, missão, visão e valores passaram a incorporar o menu de gestão da maioria das empresas. Na área da saúde, a formalização e divulgação ampla dessas definições é também uma exigência dos manuais de acreditação, no entanto, nem sempre se conectam de forma consistente ao planejamento estratégico da instituição. Algumas, inclusive, desenvolvem estas atividades mais para responder aos requisitos do avaliador externo do que em função de sua necessidade interna (Malik e Pena, 2003)
P.
121
Ao olharmos a definição da missão, visão e valores de um
conto de organizações de saúde, notamos também que tendem a ser muito
semelhantes, muitas com os chavões "excelência ou segurança
assistencial" ou "foco na superação das expectativas dos
clientes". A sensação que passa para quem as lê é que se tornaram, em sua
maioria, definições burocráticas, feitas para cumprir uma exigência formal,
perdendo assim seu real potencial de comunicar a vocação da instituição e de
conectar todas as partes interessadas à sua estratégia.
Essa reflexão crítica é consistente com a obra
"Start with Why", de Simon Sinek, em que apresenta o que chama de
"golden circle" (círculo dourado) (Sinek, 2009)[nota3]. No texto, ele mostra a
diferença entre aquelas organizações ou líderes que valorizam "o que"
fazem e "como" fazem e se esquecem de demonstrar de forma clara
"por que" fazem. Um dos exemplos citados por ele para demonstrar sua
hipótese é o comparativo entre Dell e Apple. Apesar de ambas serem igualmente
qualificadas para vender computadores, enquanto a Dell comunicava o que fazia e
os diferenciais do seu produto e serviços (o quê e como), a Apple comunicava
suas crenças no "pensar diferente" no desafio ao status quo, na
importância de conectar pessoas (o porquê), como essência que conecta as pessoas
às suas crenças e antecede a venda de produtos inovadores, amigáveis e com
designs atraentes (o como), que vão de computadores a sites de música (o quê).
Um texto extraído de uma palestra do Steve Jobs, à época, presidente da Apple,
reflete esse conceito:
"O que nós somos não
tem a ver com fabricar caixas para que as pessoas possam cumprir suas tarefas.
A Apple é mais do que isso. Em seu âmago, seu valor central, é que nós
acreditamos que pessoas com paixão podem mudar o mundo para melhor. É nisso que
acreditamos."[nota4]
O posicionamento de Sinek, apesar de empírico e não
questionar diretamente a missão das organizações, nos leva a refletir sobre o
quanto os textos da missão e visão das organizações de saúde são pouco
inspiradores, talvez porque elas estejam focadas no "o quê" e no
"como" e o quanto haveria de ganho se fossem elaboradas com foco no
"porquê". Dessa forma, poderiam ser capazes de inspirar, conectar e
trazer mais significado a todos aqueles que interagem com a organização (de
clientes a empregados) em torno das suas reais crenças e motivações.
Essa orientação sobre o objetivo inspiracional de
missão, visão e valores é consistente com a visão de Kotler (1998) que afirma
que uma missão bem difundida e bem explícita pode desenvolver nos funcionários
um senso comum de oportunidade, direção, significância e realização. Torres e
Torres (2008) também afirmam que uma das funções da missão é direcionar e
inspirar as pessoas a convergirem em relação aos seus propósitos em todos os
níveis da organização. Nesse sentido, não deve se limitar a descrever os
objetivos da organização em termos de produtos e clientes (Filho et al., 2010).
A seguir alguns exemplos de missão e visão mais
alinhados com esse objetivo inspiracional:
Organizar as informações
disponíveis no mundo e torná-las acessíveis e úteis para todos." (Missão
da Google)
"Prestar o melhor
cuidado ao doente, pesquisar seus problemas a fundo e educar continuamente
aqueles que servem." (Missão da Cleveland Clinic)
"Cuidar de vidas"
afirmando nosso compromisso com a qualidade médico-assistencial e a segurança
do paciente. (Missão do Hospital Moinhos de Vento)
"A visão do Children's
Health System é uma melhor infância para todas as crianças. Nós visionamos uma
infância em que todas as crianças têm acesso à assistência à saúde, vivem em
comunidades seguras, crescem em famílias economicamente estáveis e atendem a
escolas funcionais em suas comunidades que valorizem cada criança como um ser
humano único." (In: Ginter, 2013, p. 192, tradução nossa).
Estratégias adaptativas, de entrada no
mercado e de posicionamento
Definidas ou validadas a missão, visão e valores,
também denominadas estratégias direcionais, a formulação da estratégia prevê
também a reflexão e decisão acerca de outro conjunto de estratégias com base na
análise do ambiente. Essas estratégias envolvem decisão sobre o crescimento ou
retração do negócio (estratégias adaptativas), mecanismos de entrada ou saída
do mercado (estratégias de entrada) e a forma pela qual a organização pretende
se diferenciar (estratégias de posicionamento). Em cada tipo de estratégia,
deve haver uma avaliação com base nos cenários interno e externo e a escolha de
qual estratégia deve ser implementada. O Quadro 8.1 mostra as várias estratégias
que compõem o mapa de pensamento estratégico, proposto por Ginter.
Estratégias adaptativas
Uma vez definidas a missão e visão organizacionais, a
decisão seguinte passa pelas opções de aumentar, reduzir ou manter o escopo dos
serviços e operações, definidas como estratégias adaptativas.
O
Quadro 8.2 aponta os objetivos de cada uma das estratégias adaptativas.
No Brasil, como exemplo da área da saúde, podemos
citar o caso da Unimed, com estratégia clara de aumento do escopo, por meio da
integração vertical e expansão de mercado. Além de partir para o negócio de
hospitais próprios, desenvolveu uma cooperativa de crédito
Quadro 8.1 Mapa de pensamento estratégico.
Estratégias adaptativas |
Aumento
do escopo: diversificação, integração vertical, expansão de mercado,
desenvolvimento de produto, desenvolvimento de mercado Redução do escopo:
desinvestimento, liquidação, harvesting, enxugamento Manutenção do escopo:
melhoria, manutenção do status quo |
Estratégias de entrada |
Compra:
aquisição, licença, venture capital Cooperação:
fusão, aliança, joint venture Desenvolvimento
interno |
Estratégias de posicionamento |
Estratégias
genéricas: liderança por custo, diferenciação, foco Disciplinas
de valor, liderança em produto, excelência operacional, intimidade com cliente Estratégia
do oceano azul |
Fonte:
adaptado de Ginter et al., 2002. Tradução nossa. |
P. 122
Objetivo |
Estratégia |
Definição |
Aumento do escopo |
Diversificação |
Busca de novos mercados, diferentes do foco de operação central da organização. Pode ser relacionada se a organização opta por entrar em um mercado similar e não relacionada se a organização entra em mercados com produtos de outros setores. |
|
Integração vertical |
Decisão de crescer ao longo do canal de distribuição das operações centrais da organização. Há dois tipos de integração: integração para trás (a montante), quando o crescimento é voltado para a cadeia no sentido dos fornecedores, integração para a frente (a jusante), quando a expansão se dá em direção aos consumidores. |
|
Expansão de mercado |
Esforço de atuar melhor em mercados e produtos já existentes, em geral por meio de estratégia de marketing (promoção, distribuição ou preço). |
|
Desenvolvimento do produto |
Visa à entrada de novos produtos ou serviços nos mercados existentes. Em geral, ocorre por meio da melhoria de produto ou ampliação da linha de produtos existentes. |
|
Desenvolvimento de mercado |
Usado para entrar em novos mercados com produtos ou serviços existentes. Especificamente, pode se dar por meio da expansão geográfica ou busca de novos segmentos de mercado na mesma área geográfica. Um tipo de desenvolvimento de mercado é a integração horizontal em que se buscam novos mercados por meio da aquisição ou afiliação com competidores |
Redução do escopo |
Desinvestimento |
Venda de uma unidade de produção com o objetivo de se retirar de um mercado especifico. Em geral, a unidade continua a ser operada pelo comprador. |
|
Liquidação |
Venda de parte ou todo o ativo da organização a fim de gerar caixa. |
|
Harvesting |
Busca o máximo de receita a curto prazo em mercados já em fase de declínio, antes que o produto ou serviço sejam eliminados. A opção nesse caso é descontinuar os investimentos naquele mercado. |
|
Enxugamento |
Voltado para redução dos custos, redefinição da linha de produtos ou redução da área de atuação dos segmentos de mercado. com vistas ao aumento da produtividade, redução dos tempos de entrega e outros. |
Manutenção do escopo |
Melhoria |
Esforço por melhorar os processo operacionais dos produtos ou serviços existentes, seja por meio de programas de qualidade, aumento da produtividade, redução dos tempos de entrega e outros. |
|
Manutenção do Status quo |
Busca manter a posição atual de mercado, sob a premissa de que a organização possui boa participação de mercado e tem condições de manter essa posição sem novos investimentos. |
Fonte: adaptado de Ginter et al., 2002, tradução nossa.
- a Unicred - e tem buscado novos mercados, por todo o espectro do mercado (Albuquerque, 2006). Também se verifica que é cabível olhar para ela por meio da visão baseada em conhecimento, tendo em vista sua gestão por meio de médicos (Magalhães, 2012).
Como exemplo de adoção de estratégias de diversificação, podemos citar o caso do Fleury S.A., que, em 1989, estabeleceu uma parceria com a Merck Group para teste do antirretroviral contra o HIV. Isso caracterizou a entrada do Fleury no mercado de pesquisas clínicas multicêntricas para testes de novos medicamentos. A empresa hoje é responsável pela logística de coleta, análise de amostras, estruturação de relatórios e transferência eletrônica de resultados, conforme o padrão de qualidade exigido pela indústria farmacêutica e órgãos nacionais e internacionais que regulam estes estudos. Para tanto, criou uma unidade de negócios composta por uma equipe multiprofissional dedicada exclusivamente aos protocolos de pesquisa clínica e mantém contato com mais de 240 centros de pesquisa clínica em todo o Brasil. A ampliação do escopo de atuação ultrapassou os limites do diagnóstico e posicionou a empresa também nos serviços de prevenção e tratamento, caracterizando uma estratégia de diversificação horizontal que visa encontrar outras áreas de atuação para sustentar o crescimento da empresa. Exemplos são a criação do Serviço de Aconselhamento Genético e o Check-up Fleury, em 1999 o Check-up Fitness, em 2003, o Check-up do Viajante, em 2005. Em julho de 2006, a empresa lançou o Check-up Nippon, customizando o serviço para executivos japoneses e seus familiares, com atendimento no idioma nativo e exames específicos para as necessidades desse público (Macedo, 2007). Em 2011, deu mais um passo em seu processo de expansão de mercado, porém, dessa vez a partir do desenvolvimento de novos mercados. A estratégia visava alcançar novas regiões do Brasil e novos segmentos, no caso, os públicos das classes B e C fora do estado de São Paulo. O grupo adquiriu 13 laboratórios em outros estados e resolveu criar nova marca, a A+ Medicina Diagnóstica, que acabou por incorporar sua marca em outras 12 unidades. A aposta partiu da premissa de que em outros estados brasileiros, fora de São Paulo, a empresa de medicina diagnóstica de alto padrão é desconhecida e o poder aquisitivo costuma ser menor em relação ao dos clientes paulistas[nota5].
Também é possível identificar exemplos de aumento de escopo quando um hospital diversifica seu escopo de atuação para oferecer serviços ambulatoriais e de medicina diagnóstica em unidades independentes do hospital ou ainda quando cria um Instituto de Ensino e Pesquisa como discutido respectivamente nos trabalhos de Sato (2004) e Fiorentini (2005).
Estratégias de entrada
Se a decisão for aumentar ou manter o escopo das operações, o passo seguinte será decidir as estratégias de entrada no mercado três métodos principais de entrada no mercado: compra de ativos empresas, cooperação com outras organizações ou desenvolvimento interno de novos produtos e serviços. O Quadro 8.3 descreve as estratégias em cada um desses métodos.
P.
123
Objetivo |
Estratégia |
Definição |
Compra |
Aquisição |
Busca
expandir o mercado por meio da compra de uma organização existente. |
|
Licença |
Compra
ou permissão de uso de um determinado ativo (tecnologia, mercado,
equipamentos) por meio de contrato. Um tipo de licença é a franquia. |
|
Venture
capital |
Investimento
financeiro em uma organização para participar dos benefícios da sua
instalação ou crescimento. |
Cooperação |
Fusão |
Acordo
entre duas ou mais organizações para formação de uma única e nova empresa. |
|
Aliança |
Parcerias
formais entre duas ou mais organizações para alcançar objetivos a longo prazo
em geral inviáveis para as organizações se feitos isoladamente. |
|
Joint
venture |
Combinação
de recursos de duas ou mais organizações em geral para integração das
competências de cada uma em torno de um objetivo comum. |
Desenvolvimento interno |
Desenvolvimento
interno |
Prevê
o uso de recursos próprios para o desenvolvimento de produtos ou início de
novas operações. |
Fonte:
adaptado de Ginter et al., 2002, tradução nossa.
As
estratégias de diversificação do Fleury descritas anteriormente foram apoiadas
por diferentes estratégias de entrada de mercado, como, por exemplo, fusão e
joint venture. Em 1983, o Fleury ampliou seu escopo original restrito aos
serviços de laboratório clínico e passou a incorporar exames de imagem por
meio de joint ventures com equipes médicas de excelência em cada especialidade,
passando a atuar como um centro completo de medicina diagnóstica (Macedo 2007).
Estratégias de posicionamento
Outro
grupo de estratégias está relacionado com o posicionamento da organização no
mercado. Destacamos as estratégias genéricas de Porter (1985), as disciplinas
de valor, de Treacy e Wiersema (1993), e a estratégia do oceano azul, de Kim e
Mauborgne (2004). O Quadro 8.4 mostra o foco de cada uma delas.
Na
área da saúde, é possível identificar, por exemplo, entre os hospitais, aqueles
com estratégia clara de diferenciação. A renovação constante da infraestrutura
física e tecnológica, associada à sofisticação dos serviços de hotelaria e à
qualificação do corpo clínico e assistencial são estratégias que visam aumentar
o valor agregado que sustenta preços superiores, em geral restringindo o acesso
aos segmentos premium.
Execução da estratégia
Para
Kaplan e Norton (2001), há uma crença enganosa de que a estratégia certa é
condição necessária e suficiente para o sucesso do planejamento. Eles estimam
que, em 70% dos casos, o verdadeiro problema não é a má estratégia e sim a
execução inadequada. Pesquisas realizadas pela entidade inglesa The Economist
Intelligence Unit
Quadro
8.4 Estratégias de posicionamento | Tipos e abordagens.
Estratégia de posicionamento |
Diferenciação |
A
diferenciação requer uma abordagem orientada para o valor agregado. O
objetivo principal é redefinir as regras que levam os consumidores a suas
decisões de compra, oferecendo-lhes algo único que seja valioso. Trata-se de
uma escolha estratégica para prover algo de valor aos consumidores que não
seja um preço baixo. |
|
Baixo
custo |
Estratégia
que procura explorar agressivamente oportunidades de redução nos custos por meio
de economias de escala e curvas de aprendizado (efeito da experiência) nos
processos produtivos e de compra. Líderes em custo costumam cobrar menos por
seus produtos e serviços do que seus rivais e buscam uma participação de
mercado substancial atraindo primordialmente consumidores sensíves a preço. |
|
Nicho
de mercado (foco) x mercado amplo |
As
estratégias genéricas de diferenciação e custo devem ser associadas à
estratégia de abrangência de mercado. A abrangência focada em nichos
identifica um mercado específico em que os produtos podem ter interesse de um
grupo bem definido de consumidores. Por outro lado, estratégias voltadas para
o mercado amplo são voltadas para abrangência em todo o mercado. |
Disciplinas de valor (Treacy e
Wiersema) |
Liderança
em produto |
Empresas
que buscam liderança em produto normalmente são voltadas para a inovação
constante, oferecendo maior valor em um fluxo contínuo de produtos e serviços
de última geração. |
|
Excelência
operacional |
Abordagem
estratégica voltada para melhores mecanismos de produção e entrega, em geral
por meio da inovação em seus processos operacionais. |
|
Intimidade
com cliente |
Concentra-se
em construir a fidelidade do cliente, adaptando continuamente seus produtos e
serviços às mudanças de necessidades dos clientes. |
Estratégia do oceano azul (Kim e
Mauborgne) |
Estratégia
do oceano azul |
Os
oceanos caracterizados a partir dos mercados. Oceano vermelho representa os
mercados existentes, com características e regras de jogo bem conhecidas
entre os concorrentes. Oceano azul denota todos os mercados ainda
inexistentes, desconhecidos e ainda a serem explorados. Em oceanos azuis, a
demanda é criada e não disputada. A estratégia do oceano azul pode ser obtida
a partir da procura por criar novos mercados, tornando a competição
irrelevante, criando e capturando novas demandas, eliminando o trade-offentte
valor e custo, alinhando-se todos os processos para a busca de diferenciação
e baixo custo. |
Fonte:
adaptado de Ginter et al., 2002.
P. 124
(2008) apresentam resultados que evidenciam o descompasso entre estratégia e performance na execução das mesmas como a causa principal de insucesso.
Para Charan e Bossidy (2004), a maioria dos executivos não entende a disciplina da execução. Execução não é uma maneira simples de colocar atenção nos detalhes. Ela envolve um conjunto de processos críticos que constituem o suporte do comportamento da liderança.
Embora a formulação e a execução sejam tarefas separadas, elas são interdependentes. Por isso, é necessário haver compromisso e patrocínio, pela alta direção, das iniciativas da organização em todos os níveis, criando mecanismos de controle e incentivos adequados para sua realização.
O processo estruturado de execução da estratégia passa por duas etapas:
§ Desdobramento das estratégias formuladas e definição de seus mecanismos de controle
§ Realização de projetos e ações nos diversos níveis organizacionais.
O desdobramento da estratégia utiliza as ferramentas de gestão que possibilitam o mapeamento dos objetivos e a correlação com os indicadores de desempenho. Esses objetivos são refinados nos diversos níveis hierárquicos e/ou nos processos dos negócios, de forma a determinar os projetos e as ações para a concretização das escolhas estratégicas (Kaplan e Norton, 2004).
Na execução ou implementação da estratégia, os esforços dos diferentes setores da organização - marketing, sistemas de informação, gestão de pessoas e finanças - devem estar direcionados ao cumprimento da missão da organização e da sua visão para o futuro.
Devido ao seu nível de aprofundamento no processo de execução do plano e à sua utilização pelas empresas e aplicabilidade ao contexto das instituições de saúde, optamos por discutir três modelos:
§ O modelo de gestão estratégica que valoriza o foco na execução - Execução Premium - proposto por Kaplan e Norton (2008)
§ A gestão de projetos, segundo o Project Management Institute (2000)
§ A adoção do 5W2H para elaboração de planos de ação
Execução Premium
O Balanced Scorecard (BSC) foi inicialmente concebido como sistema de mensuração do desempenho, quando da sua primeira publicação em 1992. Em 2004, com seu livro Strategy Maps (mapa estratégico), evoluiu para a construção de mapas estratégicos como forma de traduzir e interligar os objetivos estratégicos, seus indicadores e metas. Com a publicação em 2008 do livro The Execu- tion Premium, os autores consolidam um modelo abrangente de gestão estratégica que integra os processos anteriores e inclui os processos fundamentais para converter a estratégia em processo contínuo (Kaplan e Norton, 2008). Por esse novo modelo, o processo de gestão estratégica envolve 6 estágios: desenvolvimento da estratégia, planejamento da estratégia, alinhamento da organização planejamento das operações, monitoramento e aprendizado, testes e adaptação.
O desenvolvimento da estratégia refere-se à fase de formulação estratégica e corresponde às etapas já apresentadas, de elaboração da missão, visão e valores, análise do ambiente competitivo e definição das estratégias do negócio, quanto ao seu escopo e posicionamento.
O segundo estágio, de planejamento da estratégia, prevê a organização dos objetivos estratégicos por meio do mapa estratégico, a definição dos indicadores e metas, as iniciativas e o orçamento necessário para o alcance desses objetivos. O mapa estratégico é utilizado para traduzir a missão e as decisões estratégicas em um conjunto de objetivos e parâmetros de desempenho que servirão de base para avaliação e comunicação dos resultados da gestão estratégica.
O momento seguinte prevê o alinhamento da organização com a estratégia. Essa etapa é fundamental para que se obtenham os melhores resultados em uma organização multifuncional e com várias unidades de negócio. Os gestores devem alinhar as estratégicos de cada unidade de negócio ou unidade funcional com a estratégia da organização, buscando sinergia entre as unidades, a fim de otimizar os resultados.
O quarto momento é voltado para o planejamento das operações no qual busca-se conectar as operações diárias e a estratégia a longo prazo. Nesse estágio, a organização deverá alinhar suas atividades de melhoria de processos com as prioridades estratégicas, de modo a integrar a estratégia aos planos e orçamentos operacionais.
Os momentos de monitoramento e aprendizado e de testes e adaptação serão discutidos posteriormente na seção “Controle estratégia".
As seis fases constituem um sistema circular integrado e abrangente que conecta a formulação estratégica aos planos operacionais e mecanismos de acompanhamento e adaptação, conforme mostra a Figura 8.4.
Gestão de projetos
Um projeto é um esforço temporário empreendido para alcançar um objetivo específico.
Operações e projetos diferem entre si principalmente porque as operações têm um caráter contínuo e repetitivo, ao passo que os projetos têm um caráter temporário e único. Temporário significa que todo projeto tem um início e um término definidos. Único significa que o produto ou serviço é, de algum modo, diferente de todos os produtos e serviços existentes.
Gestão de projetos é a aplicação de conhecimentos, habilidades e ferramentas para execução de atividades, de forma a atender as necessidades do gestor com aquele projeto (Project Management Institute, 2000). Atender a essas necessidades implica adequado gerenciamento das demandas, às vezes conflitantes, entre:
§ Escopo, tempo, custo e qualidade
§ Diferentes expectativas dos públicos envolvidos
§ Requisitos identificados (necessidades) e não identificados (desejos).
Importante destacar que gestão de projetos não se confunde com gestão por projetos. Esta trata de diversos aspectos das operações ou processos da organização como projetos, aplicando-se parte dos conceitos do modelo
Projetos são compostos de processos, que podem ser organizados em cinco etapas:
§ Iniciação do projeto
§ Planejamento do projeto
§ Execução do projeto Controle do projeto; e
§ Encerramento do projeto.
O Quadro 8.5 detalha cada um desses processos.
P. 125
Figura 8.4 Sistema gerencial, vínculo entre a estratégia e a operação. Fonte: Kaplan e Norton, 2008, p. 8.
Metodologia 5W2H para elaboração de planos de ação
O 5W2H é um checklist que auxilia no detalhamento das ações que precisam ser desenvolvidas em cada um dos planos identificados, sejam eles estratégicos ou operacionais. Não se sabe exatamente quem foi o criador do método mas seu uso remonta ao início dos modelos de qualidade total, na década de 1980. A ferramenta serve para o mapeamento destas atividades, uma vez que define o que será feito, quem fará o quê, em qual período de tempo, em qual área da instituição, quanto custará e os motivos pelos quais esta atividade deve ser feita. É uma ferramenta simples e bastante útil, uma vez que tenta eliminar dúvidas que possam surgir sobre um processo ou sua atividade, evitando-se erros no entendimento dos compromissos das áreas envolvidas e indivíduos responsáveis. O Quadro 8.6 resume a metodologia do 5W2H.
Controle da estratégia
O gerenciamento ou controle da estratégia consiste essencialmente em medir os resultados alcançados, compará-los aos objetivos esperados, identificar os gaps e as razões para o desvio e estabelecer ações corretivas, se necessário. Um dos mecanismos fundamentais para o controle da estratégia é o monitoramento dos indicadores associados ao resultado esperado do plano e dos objetivos estratégicos. Esse monitoramento permitirá avaliar a eficácia dos planos, da própria estratégia e das premissas adotadas, por meio da qual é possível verificar a consistência e o alinhamento do conjunto das estratégias. Não iremos aprofundar no tema de gestão dos indicadores, uma vez que faz parte de capítulo específico deste livro.
Porém, o processo de avaliação não se restringe aos resultados do planejamento e deve questionar, periodicamente, a eficácia do próprio modelo e método de construção da estratégia.
Para Kaplan e Norton o controle abrange as fases de monitoramento e aprendizado e de testes e adaptação. Na fase de monitoramento e aprendizado, o foco é a determinação dos resultados do desempenho e das ações de melhoria para as operações e a estratégia geradas pelas novas informações e aprendizado contínuo. Na fase de testes e adaptação avalia-se se as estratégias fundamentais da organização estão funcionando e continuam válidas considerando as mudanças no ambiente competitivo e regulador e o surgimento de novas oportunidades. Se houver necessidade, os gestores atualizam a estratégia e modificam o mapa estratégico e o BSC, estabelecendo um novo ciclo de planejamento estratégico e execução da operação (Kaplan e Norton, 2008).
O controle decorre basicamente de um sistema de feedback contínuo que seja capaz de assegurar o progresso dos resultados na direção de objetivos e metas traçados. Para tanto, terá que fazer uso de um conjunto de padrões e indicadores cuja seleção pode ser orientada por alguns critérios, como, por exemplo, a meta SMART, cujas iniciais significam Specific (Específica), Mensurable (Mensurável), Attainable (Alcançável), Relevant (Relevante), Time-Based (Temporal). Tais critérios sugerem que toda meta deve ser a mais específica possível, ser dimensionada de forma clara, ser possível de ser alcançada, ser relevante para o objetivo proposto e ter um prazo factível para ser cumprida.
Comunicação como desafio para o sucesso da implementação
Um dos pontos críticos do processo de implantação de qualquer plano é a comunicação. A organização deve procurar uniformizar a compreensão nos seus diferentes níveis em torno do foco e dos objetivos estratégicos e garantir, assim, o envolvimento de todos na consecução das metas estabelecidas.
No âmbito da saúde, a comunicação foi abordada em estudo que procurou identificar a percepção de 33 dirigentes de Hospitais Universitários vinculados às Instituições Federais de Ensino Superior acerca de um conjunto de papéis e responsabilidades gerenciais. Enquanto o estudo mostrou alto grau de concordância entre os dirigentes em relação à importância do seu papel na gestão de recursos humanos e negociações, o item que menos dirigentes considerava como sua função foi a responsabilidade na promoção da comunicação interna e da divulgação das informações sobre o Hospital.
Essa conclusão chamou a atenção da autora, uma vez que a prática da comunicação é vista, no século 21, como fundamental para o exercício da transparência de gestão, do controle social e do
P. 126
Quadro 8.5 Processos relacionados com a gestão de projetos.
Grupo de processos |
Processos |
Definição |
Iniciação do projeto |
Abertura do projeto |
Estabelecimento do compromisso pelos responsáveis pelo projeto e início do seu planejamento. |
Planejamento do projeto |
Planejamento do escopo |
Sentença que define o escopo do projeto. Deve deixar claro todo o trabalho requerido e apenas trabalho requerido de modo a se concluir o projeto com sucesso. |
|
Definição do escopo |
Subdivisão do projeto em entregas. As entregas são produtos ou resultados tangíveis e verificáveis do trabalho. As entregas, quando estruturadas do geral para o específico em uma árvore hierárquica, irão compor a Estrutura Analítica do Projeto (EAP). |
|
Definição de atividades |
Identificação de atividades específicas que devem ser executadas para viabilizar as diferentes entregas. |
|
Sequenciamento de atividades |
Sequenciamento das atividades em ordem cronológica e definição das relações de dependência entre elas. Uma atividade cuja conclusão for condição para início da seguinte é predecessora desta. |
|
Estimativa de duração das atividades |
Elaboração de estimativa das horas ou períodos necessários para executar cada atividade. |
|
Desenvolvimento do cronograma |
Sequência ordenada de atividades, com respectivas relações de dependência e prazos. |
|
Planejamento de recursos |
Definição de quais recursos (pessoas, equipamentos, materiais) e em que quantidades são necessários para a execução das atividades. |
|
Definição do orçamento |
Composição do custo total do projeto a partir dos custos de cada recurso necessário. |
|
Desenvolvimento do plano do projeto |
Integração do resultado das etapas anteriores de forma coerente e consistente em um único documento. |
|
Planejamento da qualidade |
Identificação dos padrões de qualidade que sejam relevantes para o projeto e definição dos meios e condições para atendê-los. |
|
Planejamento organizacional |
Identificação, definição e registro dos papéis e responsabilidades de cada um dos envolvidos no projeto. |
|
Planejamento de recursos humanos |
Definição da equipe de trabalho do projeto. |
|
Planejamento de comunicação |
Definição das necessidades de informação e de comunicação das partes interessadas no projeto. |
|
Identificação dos riscos |
Definição dos riscos que podem afetar o projeto e documentar as suas características. |
|
Quantificação dos riscos |
Avaliação dos riscos, suas interações e possíveis impactos nos resultados do projeto. |
|
Plano de resposta aos riscos |
Definição dos planos para responder às oportunidades e ameaças do projeto. |
|
Planejamento de compras |
Definição do que comprar e quando. |
|
Planejamento de solicitação |
Definição dos requisitos para cada aquisição e das fontes potenciais. |
Execução do projeto |
Execução de atividades |
Implementação de cada uma das atividades do projeto dentro das condições definidas na fase de planejamento. |
|
Verificação do escopo |
Confirmação do escopo do projeto. |
|
Controle de qualidade |
Acompanhamento do desempenho do projeto conforme os padrões estipulados. |
|
Desenvolvimento da equipe |
Desenvolvimento de habilidades individuais ou do grupo para manter ou elevar o desempenho da equipe. |
|
Distribuição da informação |
Disponibilizar a informação necessária aos envolvidos no projeto com uma periodicidade adequada. |
|
Solicitação de compras |
Efetivação das cotações e propostas de compras. |
|
Seleção de fornecedores |
Escolha dos fornecedores com base nos critérios e requisitos predefinidos. |
|
Gestão de contratos |
Gerenciamento adequado das condições contratuais estabelecidas com os fornecedores. |
Controle do projeto |
Controle das mudanças |
Coordenação das mudanças ao longo do projeto como um todo. |
|
Controle das mudanças de escopo |
Controle das mudanças de escopo do projeto. |
|
Controle do cronograma |
Controle das mudanças das atividades e respectivos prazos. |
|
Controle dos custos |
Controle das variações ou mudanças no orçamento do projeto. |
|
Controle de qualidade |
Monitoramento dos resultados específicos do projeto em relação aos padrões predefinidos de desempenho. |
|
Relatórios de desempenho |
Coleta e disseminação das informações sobre o desempenho do projeto, incluindo andamento das atividades, evolução dos indicadores e previsão de continuidade. |
|
Controle do plano de resposta aos riscos |
Controle das mudanças nos riscos ao longo da execução do projeto. |
Encerramento do projeto |
Encerramento administrativo do projeto |
Composição dos documentos de todo o processo para o relatório final e formalização do encerramento do projeto. |
|
Encerramento dos contratos |
Encerramento dos contratos, quando aplicável. |
Fonte: PMBOK* Guide, 2000. |
|
|
P. 127
Quadro 8.6 Questões do checklist 5W2H.
Questão |
Abrangência |
What - Oque fazer |
Quais as atividades/etapas a serem realizadas? |
|
Quais atividades são dependentes desta? |
|
Quais atividades são necessárias para o início desta? |
|
Quais os insumos necessários? |
Why - Por que fazer |
Por que essa atividade é necessária? |
|
Por que essa atividade não pode fundir com outra atividade? |
|
Por que A, 8 e C foram escolhidos para executar essa atividade? |
How- Como fazer |
Como essa atividade será executada? |
|
Como acompanhar o desenvolvimento dessa atividade? |
|
Como A, B e C vão interagir para executar essa atividade? |
Who-Quem vai fazer |
Quem executará determinada atividade? |
|
Quem depende da execução dessa atividade? |
|
Essa atividade depende de quem para ser iniciada? |
When - Quando fazer |
Quando será o início da atividade? |
|
Quando será o término? |
|
Quando serão as reuniões presenciais? |
Where-Onde fazer |
Onde a atividade será executada? |
|
Onde serão feitas as reuniões presenciais da equipe? |
How Much - Quanto custará fazer |
Quanto custará essa atividade? |
|
Quais os recursos necessários (equipamentos, recursos humanos, espaço físico, contratações e outros) |
compromisso com resultados, itens presentes na atual agenda da política pública definida para o segmento de Hospitais de Ensino (Caldas, 2008). A comunicação, apesar de descrita como etapa do processo de execução da estratégia, deve estar presente em todas as fases da formulação estratégica, desde a disseminação da missão, visão e valores institucionais até o acompanhamento dos indicadores de eficácia do planejamento.
Outro aspecto importante do processo de comunicação e reconhecer a importância tanto dos processos formais de comunicação quanto da comunicação informal. Processos formais de comunicação por meio da cadeia de gestores não garantem por si o sucesso da comunicação e, por isso, devem conter mecanismos de verificação de sua eficácia e devem se somar a processos menos formais, sendo crítico para ambos os métodos o empenho pessoal da alta direção.
A comunicação se torna atividade gerencial básica nesse sentido, principalmente em organizações de saúde como hospitais, que funcionam 24 h por dia, 365 dias por ano. Um caso de sucesso na área é o de um hospital filantrópico do município de São Paulo, que filmou uma mensagem enviada pela alta direção (CEO e conselho) e esta apresentação era reproduzida em cada plantão, para garantir que todo o corpo funcional do hospital tivesse contato com as mesmas palavras, ditas da mesma maneira, pelas mesmas pessoas. O mesmo gestor ia a todas as sessões e respondia às perguntas levantadas (Arruda, 2006).
Conclusão
Vimos neste capítulo que as várias teorias e metodologias para desenvolvimento da gestão estratégica nas organizações, no entanto, apresentamos de forma destacada duas teorias acerca da análise estratégica e três metodologias de aplicação do planejamento estratégico.
Entre as teorias, destacamos como autores centrais Porter (teoria da organização industrial) e Barney (teoria dos recursos) que diferem quanto à importância de se basear no mercado, com suas oportunidades e ameaças, ou focar primeiro nas competências internas, como recursos essenciais para influenciar o posicionamento da empresa no mercado.
Entre as três abordagens de aplicação do modelo de gestão estratégica, temos o livro-texto de Ginter sobre gestão estratégica em saúde, que aborda de forma abrangente todas as etapas do planejamento, formulação e controle estratégico, bem como suas aplicações na área da saúde. Outra abordagem, trazida originalmente por Carlos Matus, questiona o pragmatismo dos modelos formais e valoriza o contexto político, o papel dos atores e a construção coletiva como fatores críticos de sucesso do planejamento. Por fim, a abordagem mais predominante no meio empresarial, de autoria de Kaplan e Norton, que propõe seis etapas que abordam a formulação estratégica, o alinhamento com as operações, o monitoramento dos resultados e a avaliação do próprio modelo.
O que podemos afirmar é que não há um melhor ou pior modelo a ser adotado e tampouco a decisão deva ser por uma única metodologia. O importante é que a liderança tenha clareza sobre quais as premissas deverão nortear seu processo de gestão estratégica e que o modelo escolhido seja aderente a essas premissas e à cultura de gestão da organização. Por exemplo, para uma organização pública, cujos autores exercem diferentes influências e nem sempre é possível prevalecer a autoridade da liderança, modelos que considerem o contexto político e a construção de consenso entre vários atores talvez sejam mais indicados. Outras organizações, cuja estrutura de comando é mais definida e linear, podem utilizar modelos mais estruturados, como o proposto por Kaplan e Norton. Nossa experiência em diferentes organizações públicas e privadas na área da saúde também mostra que a composição de ferramentas de diferentes autores pode enriquecer em muito o processo de gestão estratégica. Já experimentamos, por exemplo, a aplicação em uma mesma organização hospitalar de três ferramentas para análise situacional: a matriz SWOT, a definição dos macroproblemas e uma autoavaliação segundo padrões de acreditação. A reflexão com base nos resultados obtidos em cada uma dessas aplicações levou a uma análise situacional muito mais consistente, do que se fosse adotada qualquer uma delas isoladamente.
A escolha adequada da metodologia para implementação das estratégias organizacionais nos serviços de saúde deve considerar algumas características desse contexto, dentre as quais destacamos:
■ Desconhecimento ou baixo grau de conhecimento pelas equipes assistenciais e de apoio à operação sobre os conceitos da administração e técnicas gerenciais
■ Coexistência de equipes multiprofissionais, com diferentes formações, em diferentes graus, atuando na execução do processo assistencial
P.
128
■
Processo assistencial, sob o ponto de vista do principal cliente, o paciente,
fragmentado e dificilmente alinhado com a estrutura departamental prevalente, o
que dificulta a integração entre departamentos e a construção de um
planejamento integrado.
Caso a dificuldade maior esteja relacionada com a
pouca familiaridade das equipes envolvidas no processo assistencial com a
atividade de gestão, uma alternativa é a simplificação dos modelos e o
incremento gradual de novos conceitos. Ainda que sejam feitos diversos
treinamentos, a simplicidade do modelo facilita a adesão e pode contribuir para
que todos percebam mais facilmente os resultados do esforço realizado.
A metodologia completa de gestão de projetos,
incluindo avaliação de riscos, controle de planilha de horas e avaliação de
aderência/ resistência das partes interessadas, pode se tornar muito complexa
em um estágio inicial, principalmente em se tratando dos projetos mais
operacionais e de menor impacto.
Em organizações cuja estrutura de serviços de saúde
reflita a etapa do tratamento oferecido (PA, bloco cirúrgico, UTI, internação),
metodologias que promovam essa integração e comunicação interdepartamental são
indicadas. A gestão de projetos como método para operacionalização das ações
pode contribuir, nesse contexto, à medida que promove um esforço de integração
das diversas áreas envolvidas em tomo de um único projeto. Sob esse enfoque,
não haveria o planejamento da área A ou B, mas uma série de projetos envolvendo
atividades de diversas áreas assistenciais e administrativas. Por exemplo, um
Projeto de Ampliação da Capacidade do Centro Cirúrgico envolveria diversas
ações do Departamento do Centro Cirúrgico, Engenharia (obras), Financeiro
(estudos de viabilidade e financiamentos), Gestão de Pessoas (contratação de
pessoal), Comercial (novos produtos, negociação), Marketing (divulgação da nova
unidade) e assim por diante.
Outra conclusão importante é que planejamento não se
esgota na fase de "pensar" a organização. Trata-se de um processo
contínuo que inclui o pensar, o decidir, o agir e o avaliar, que servirá de
base para um novo pensar. Uma das causas do descrédito no qual caiu o
planejamento foi seu entendimento como uma atividade isolada. A crítica era
baseada no argumento de que o pensamento não podería estar descolado da ação.
No início dos anos 1980 nos EUA, a ferramenta foi tão difundida que se criou a
função do especialista em planejamento (planner), que não fazia parte da
estrutura gerencial da empresa. Como consequência, o nível gerencial não
participava desse processo e a implantação não contava com seu comprometimento.
Na área de saúde, havia os planejadores em suas "torres de marfim"
conforme citavam Matus, Testa, Chorny, que deixavam clara a impossibilidade de
o planejamento estar dissociado da execução.
Em teoria, sabemos da importância de iniciar a
sistemática de mensuração a partir do delineamento das estratégias e da necessidade
de discutir a estratégia primeiramente na alta direção. No entanto, na prática,
sabemos que esse processo não acontece de forma linear e a não linearidade não
implica necessariamente fracasso do processo. Se os gestores da base sentirem
necessidade de planejar melhor os seus serviços, não devem deixar de fazê-lo
apenas porque a alta direção ainda não iniciou um processo formal de
planejamento estratégico. A soma dos planejamentos operacionais acabará criando
condições para o planejamento organizacional. Se o nível gerencial estiver
envolvido, isso pode ser suficiente para atuar em consonância com os objetivos
organizacionais, mesmo que estes não estejam formalmente definidos.
Finalmente, um lembrete para desmistificar o
conceito: não é porque algo foi
planejado cuidadosamente que será bem-sucedido e não é porque não foi planejado
que fracassará.
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André Alexandre Osmo
Organização
hospitalar e suas singularidades
O hospital com as características atuais é fato recente. Uma organização como instrumento de intervenção terapêutica, com objetivo de buscar o tratamento e a cura dos doentes, é um conceito relativamente novo. Originariamente, as atividades médicas não abrangiam o processo de internação, mas, na sua evolução, passaram a tê-lo como atividade rotineira, com visitas aos doentes nos hospitais e seu seguimento durante essa fase do tratamento (Gurgel e Vieira, 2002).
Nos seus primórdios, o hospital não surgiu como uma organização para propiciar o tratamento de doentes, mas esteve, sobretudo, relacionado com muitas outras finalidades, fruto das necessidades e transformações da sociedade. A relação da medicina com a organização hospitalar não se deu devido à doença em si, mas como imposição das necessidades econômicas e sociais (Foucault, 1989).
O termo "hospital" surgiu como decorrência de uma determinação do Concílio de Aachen, realizado em 816 d.C., que traduziu para o latim o termo grego nosokhomeion e tornou obrigatória, para os bispos, em suas dioceses, e para os abades, em seus conventos, a construção dos hospitalis pauperum (Antunes, 1991). O vocábulo latino hospes, que significa hóspede, deu origem aos termos hospitalis e hospitium.
O conceito de que o doente necessita de cuidados e de abrigo é anterior à possibilidade de ser tratado por um profissional médico. Nas épocas anteriores, desde a Antiguidade, sempre houve uma mobilização para tentar prover essa necessidade, sendo os templos, os conventos e os mosteiros as primeiras instituições a receber doentes (Antunes, 1991). Inicialmente, o hospital nasceu como local de isolamento. Já existia na Grécia de Esculápio e na Roma Antiga, onde vários templos criados para homenagear esse "sábio Deus" serviam de abrigo aos pobres, idosos e enfermos. Na China, no Ceilão e no Egito, a.C., há registros de hospedarias, hospitais e hospícios, palavras com a mesma raiz latina, onde "almas pias" patrocinavam e cuidavam de peregrinos, crianças, idosos, mendigos doentes (Ribeiro, 1993).
Na Idade Média, o hospital incorporou uma missão essencialmente espiritual (Ribeiro, 1993); a Europa pós-renascimento vivia transformações econômicas, políticas e sociais que compunham um novo reenquadramento urbano. O comércio crescia e as cidades começaram a atrair a população do campo. Além de oportunidades de trabalho, esse movimento trazia problemas de saúde. Remodelava-se o hospital para exercer uma atividade de "higiene" social, configurando-se inicialmente como um "morredouro", um espaço de controle e coerção dos desvalidos, onde a função principal estava remetida à salvação da alma e não à cura das doenças. Nesse momento, o hospital ainda não associava suas atividades à função de tratar doentes Perpassando quase toda a Idade Moderna, os hospitais continuaram a ter um caráter de assistência social. Nesse período, foram utilizados para a segregação de contingentes populacionais considerados perigosos ao convívio comunitário, tais como mendigos, vadios, loucos, imigrantes e os portadores de doenças transmissíveis (Antunes, 1991). O hospital passou a desempenhar, nessa fase, um papel de elemento de contenção de fatores perturbadores das ordens pública e social (Antunes, 1991).
O hospital que surgiu a partir do século 17 introduziu o início de uma grande mudança do modelo anterior; os espaços e as rotinas começaram a se compor em outro sentido - o do domínio do corpo e o da cura das pessoas, inaugurando certo rompimento com o hospital da exclusão (Foucault, 1987).
A "assistência médica" no hospital o transformou em um local de observação de doentes, além da criação, formação e transmissão do saber médico. A doença passou a ser concebida como um fenômeno da natureza que se desenvolve por uma ação particular do meio
P.
131
sobre o
indivíduo. O principal alvo de intervenção não era mais o doente, mas o meio
que o circunda. Em torno de cada doente era preciso constitur "um pequeno
meio espacial individualizado, específico, modificável conforme o indivíduo, a
doença e sua evolução" (Foucault, 1989).
A medicina sofreu grandes reformulações em sua
orientação pragmática nesse período, tornando-se, com o tempo, prática eminentemente
hospitalar, em que o saber médico passou a estabelecer um rígido controle a
respeito de tudo que envolvesse a doença e o doente. Para essa finalidade, foi
necessário que todos os recursos do hospital convergissem às finalidades
médicas, ficando o médico no centro do seu comando funcional e administrativo
(Foucault, 1989).
O modelo hospitalocêntrico de tratamento continuou a
crescer, e as seguidas guerras geradas pelas políticas expansionistas dos
estados absolutistas da Europa tornaram os cirurgiões cada vez mais necessários,
conferindo-lhes um crescente prestígio.
Ocorreram enormes transformações desde os alquimistas
(que contribuíram para o surgimento dos clínicos) até os barbeiros (que, nos
seus primórdios, exprimiam o início das ações cirúrgicas)
Com a cirurgia, se desenvolveram as técnicas de
anestesia e antissepsia. A infecção hospitalar passou a ser alvo de
preocupações Semmelweiss, em 1847, ao incriminar a infecção puerperal por
contato pelas mãos contaminadas, recomendou insistentemente uma tecnologia
singela: lavagem das mãos. As guerras levaram à necessidade da criação de
hospitais militares, que se multiplicaram inicialmente na Europa. A disciplina
e a logística militar são incorporadas por essas instituições e influenciaram o
funcionamento do hospital tal como o conhecemos atualmente, com o cadastramento
dos pacientes, a identificação por leitos e a separação por doenças. Florence
Nightingale exerceu importante papel pelo seu trabalho na guerra da Crimeia e
para a melhora das condições sanitárias dos hospitais. Ela propôs a utilização
de dados estatísticos para criar diagramas e representar graficamente as taxas
de mortalidade durante a guerra (1854-1856). Ao retomar a Londres, em 1856,
ainda utilizando dados estatísticos, mostrou a necessidade de uma reforma nas
condições sanitárias de todos os hospitais militares; criou inúmeros conceitos
na formação dos enfermeiros e na organização dos hospitais. Howard e Fenon, nos
relatos de suas viagens realizadas pela Europa, descreveram o número de doentes
por hospital e sua relação com a quantidade de leitos, as taxas de mortalidade
e de cura; descrições sobre a área física e sua forma de ocupação; as
trajetórias seguidas pelos fluxos de roupas e lençóis utilizados etc. Assim, o
hospital passou a ser um campo documental normatizado, além de um espaço de
cura (Foucault, 1987).
O século 19 marcou o nascimento da medicina moderna,
quando a prática do saber médico se vinculou à racionalidade científica. As
descobertas em diversos campos das ciências da natureza como biologia,
anatomia, bacteriologia e outras disciplinas começam a afastar a medicina do
seu empirismo e iniciam a construção do "hospital científico"
(Ribeiro, 1993). A doença deixa de ser concebida como forma de existência
externa que invade o corpo e passa a ser percebida como decorrência de um
processo com existência relativa aos componentes do próprio corpo. A
racionalidade científica na medicina estruturou a explicação dos fenômenos com
base no estudo das mudanças morfológicas, orgânicas e estruturais (Czeresma,
1997).
Se, anteriormente, o foco de intervenção estava
centrado no meio ambiente, este se desloca para o corpo do indivíduo. Os
estudos de Pasteur trouxeram mudanças radicais para a prática médica. Com a
descoberta do agente etiológico (microrganismo), passou a ser
institucionalizado um tipo de intervenção sobre a doença centrada em seus
aspectos biológicos, o tratamento passou ter a como base a imunização e o uso
de medicamentos. O modelo biológico se tornou hegemônico, dissociando-se do
social. Sob o domínio desse paradigma, as questões sociais e econômicas no
entendimento do processo saúde-doença passaram a ficar obscurecidas e relegadas
a um segundo plano (Czeresnia, 1997).
Ao analisar a prática médica do final do século 19 até
boa parte do século 20, observa-se que esta se divide em pelo menos duas
vertentes: uma, que se desenvolve fora do hospital, nas casas, geralmente para
as classes mais abastadas; outra, no hospital, que se configura como campo de
prática associada ao atendimento dos menos favorecidos.
A prática médica, anteriormente localizada
principalmente no espaço extra-hospitalar, transformou-se e passou a ter no
hospital o seu campo privilegiado. Esse movimento significou a passagem de uma
clínica fundamentada na história natural da doença e seus sintomas aparentes
para outra, fundamentada no conhecimento fisiológico e anatomopatológico, que
procura desvendar o que acontece com o corpo. Um conhecimento com base na
observação e na experimentação - assim nasceu a "propedêutica
armada". Este processo continuou durante todo o século 20 e persiste até
os dias atuais, com o grande desenvolvimento dos campos dos diagnósticos por
imagem, dos conhecimentos da biologia molecular e da genômica.
A organização hospitalar é uma das mais complexas
devido à coexistência de inúmeros processos assistenciais e administrativos
simultâneos, uma grande diversidade de linhas de produção e uma fragmentação
dos processos de decisão assistencial com a presença de uma equipe
multiprofissional e com elevado grau de autonomia individual. Para tanto,
utiliza a tecnologia de maneira intensiva e extensiva; podendo ainda
constituir-se em espaço de ensino e aprendizagem, além de campo de produção
científica.
De acordo com Mintzberg (1995), "o hospital
caracteriza-se por ser uma burocracia profissional do ponto de vista
estrutural, onde o setor operacional tem muita importância, tracionando e
concentrando o poder na organização".
Os mecanismos de controle das atividades profissionais
ocorrem pela padronização das habilidades e conhecimentos necessários
conferidos pelos "órgãos fiscalizadores de classe", externos ao
hospital, das diversas categorias (corporações) profissionais (Conselhos). Isso
confere aos profissionais certa autonomia e independência da gerência local,
pois suas habilidades geralmente são definidas por organismos externos à
organização hospitalar, por meio de normatizações, títulos e provas de
especialidades. O "estado da arte" é considerado um atributo das
próprias corporações profissionais, regulado externamente, apesar de os
profissionais desenvolverem seu trabalho dentro do hospital. Tal condição
enfraquece a vinculação com a organização e pode causar dificuldades como certa
resistência a mudanças eventualmente propostas pela estrutura administrativa da
organização. As categorias profissionais que historicamente detêm o poder
dentro do hospital têm dificuldade em aceitar a necessidade de contenção de
custos e da avaliação do seu próprio desempenho na perspectiva da busca de
resultados e qualidade. Trata-se do receio de perder a autonomia na condução
clínica e na assistência aos pacientes, foco central das suas corporações. Há
também o fator financeiro que, por vezes, não atrai a participação da categoria
médica nos processos gerenciais
Os médicos têm dificuldade em compartilhar o seu
horário de trabalho com programas de gestão (Berwick et al., 1994), em parte
P.
132
porque a
formação médica ainda está fundamentada no modelo flexneriano, que dá ênfase à
clínica em sua dimensão exclusivamente biológica e no qual os aspectos
sociológicos, políticos e administrativos ficam relegados a um segundo plano.
Tais questões são pouco observadas nos currículos das escolas médicas, por isso
há certos obstáculos à adesão dos médicos aos programas de gestão e qualidade
hospitalar (DeLuiz, 2007; Lampert, 2008).
Vários interesses competem entre si na organização
hospitalar, por exemplo: interesses dos usuários e clientes, que demandam
assistência das mais variadas maneiras; interesses dos trabalhadores da saúde,
que buscam seu sustento e boas condições de trabalho; interesses dos acionistas
e proprietários ou das entidades mantenedoras em se tratando de hospitais
privados ou filantrópicos; interesses da rede de fabricantes e distribuidores
de insumos, das empresas seguradoras e de planos de saúde, que estabelecem
relações comerciais com o hospital; e, finalmente, interesses dos poderes
formalmente constituídos na gerência hospitalar e no governo, que têm seu foco
nos objetivos técnicos e no alcance de metas programáticas das políticas de
saúde.
Algumas características são peculiares às organizações
prestadoras de assistência à saúde e devem ser consideradas ao se proporem
modelos de gestão:
·
As leis de
mercado não se aplicam mecanicamente ao setor em decorrência das necessidades
humanas e prioridades não mercantis, que se impõem independentemente dos custos
de produção, valor de mercado e preços praticados. Trata-se de um conceito de
“mercado imperfeito"; ou seja, os compradores dos serviços não detêm todas
as informações sobre os produtos e, na maior parte das vezes, os produtos não
são diretamente comparáveis entre si. Por outro lado, há um princípio de
economia da saúde, denominado lei de Roemer, que enuncia que a oferta de
serviços pode determinar a demanda, de modo que a implantação de um novo
serviço ou nova tecnologia pode determinar novas demandas (nem sempre
associadas à necessidade)
·
A concorrência
não é um elemento forte no ambiente dessas organizações, pois, conceitualmente,
é um segmento cronicamente carente de recursos para a população e,
paralelamente, desprovido de recursos financeiros para os serviços de saúde em
muitos países
·
A variabilidade
da assistência demandada é enorme, e cada paciente se comporta de maneira
diferente, o que dificulta uma rígida padronização do processo de trabalho em
saúde e a racionalização da oferta de serviços
·
Há assimetria de
informação, pois os clientes são geralmente leigos e não conseguem julgar seu
tratamento nem suas necessidades, o que dificulta o exercício das suas opções de
consumo
·
O consumo do
serviço é concomitante à sua produção e, portanto, muitas vezes, não há tempo
para o controle prévio da qualidade, nem estoque para inspeção final
·
A produção do
serviço é executada por uma grande variedade de profissionais de diversos
níveis de escolaridade e formação, com interesses corporativos distintos'
·
■ Parte
significativa da categoria médica apresenta forte resistência aos programas de
gestão, pelo fato de se sentir fiscalizada e tolhida na conduta clínica dos
pacientes diante do controle externo
De acordo com Berwick et al. (1994), os programas de gestão geralmente não intervém diretamente
sobre o ato médico, mas são fundamentais nos processos administrativos da
organização hospitalar e da administração profissionalizada, para que se
alcancem a qualidade e a produtividade nesses serviços. Os setores
administrativos (faturamento, contas médicas, almoxarifado etc.), os serviços
de apoio logístico (lavanderia, transporte), enfim, todas as áreas da
organização que garantem o funcionamento dos setores operacionais devem ser
objeto inicial desses programas. Eles impedem que os setores operacionais
finais desperdicem seu tempo na resolução de problemas administrativos, que não
são o seu foco de trabalho, e se concentrem nas suas funções assistenciais com
melhores resultados.
Origem do hospital no Brasil
No Brasil, os primeiros hospitais surgiram a partir
das duas grandes instituições; a Igreja (por meio das Santas Casas) e o
Exército, principal representante do Estado português.
A primeira Santa Casa que se teve notícia foi criada
em 15 de agosto de 1498, em Lisboa, pelo Frei Miguel de Contreiras, tendo como
patronesse a rainha Leonor de Lencastre, originando a "Confraria de Nossa
Senhora de Misericórdia". Nesse mesmo ano, foram fundadas 10 filiais,
sendo oito em Portugal e duas na Ilha da Madeira. Instituições de grande
importância na sociedade portuguesa foram criadas em um momento de grande
prosperidade econômica durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521), com o
intuito de praticar as 14 obras de misericórdia do catecismo cristão. As
misericórdias portuguesas rapidamente se transformaram em instituições
abrangentes e polifacetadas, que absorviam um espectro variado de práticas de
caridade. Embora fossem confrarias ou irmandades, as misericórdias
distinguiam-se das restantes pela natureza jurídica (que era civil) e pelas
atividades que eram de caráter social.
As Santas Casas no Brasil, originadas das
"misericórdias", seguiram esse modelo. A Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia instalou-se em Olinda desde 1539, e logo depois em Santos (1543),
fundada por Braz Cubas, precedendo a própria organização jurídica do Estado
brasileiro, sendo a primeira instituição hospitalar do país destinada a atender
aos enfermos oriundos dos navios do porto e moradores. Na cidade de São Paulo,
está presente desde 1560. Somam hoje mais de 2.500 em todo o território
nacional, sendo responsáveis por quase 50% dos leitos hospitalares existentes
no país.
Com a fundação do município do Rio de Janeiro, a
cidade também passou a contar com a Santa Casa de Misericórdia. Foi instalada
pelo Padre José de Anchieta para socorrer os tripulantes da esquadra do
Almirante Diogo Flores Valdez, aportada à baía de Guanabara em 25 de março de
1582 com escorbuto a bordo. Em 1727, começou a funcionar o primeiro serviço
hospitalar militar do Rio de Janeiro, no Morro de São Bento, que daria origem
ao Hospital Real Militar.
As 10 primeiras Santas Casas no Brasil foram; Santa
Casa de Misericórdia de Olinda (PE) que, apesar de aparecer como a mais antiga
do Brasil, não existe documentação oficial que comprove a data da sua fundação;
por isso, oficialmente, a de Santos é considerada a primeira do Brasil. Em
sequência; 1543 - Santa Casa de Misericórdia de Santos
(SP), 1549 Santa Casa de Misericórdia de Salvador
(BA); 1582 - Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ); 1551 - Santa Casa de Vitória
(ES); 1599 - Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP); 1602 - Santa Casa de
Misericórdia de João Pessoa (PB); 1619 - Santa Casa de Misericórdia de Belém
(PA); 1657 - Santa Casa de Misericórdia de São Luís (MA); 1792 - Santa Casa de
Misericórdia de Campos (RJ).
Cabe destacar que, na maioria dos continentes e países
onde foram fundadas as misericórdias se anteciparam às atividades estais de
assistência social e à saúde. No Brasil, e em alguns outros países,
P.
133
também
foram as criadoras dos cursos de medicina e enfermagem, como é o caso daquelas
fundadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Porto Alegre. A atuação dessas
instituições apresentou duas fases: a primeira, entre meados do século 18 até
1837, de natureza caritativa; a segunda, a partir daquele período, assumindo
uma natureza filantrópica, e mais recentemente inserindo-se como grande
prestador de serviços ao SUS.
Os primeiros hospitais vinculados a comunidades
estrangeiras formaram as Beneficências Portuguesas. Eram, em geral, entidades
criadas pelas famílias mais ricas de imigrantes, como centros de apoio
financeiro, social e médico aos patrícios recém-chegados. O Real Hospital
Português de Beneficência do Recife (PE) nasceu em 1855. Dois anos depois, foi
criado o Hospital Português de Salvador (BA). Em 1859, surgiram, quase ao mesmo
tempo, a Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro e a Real e Benemérita
Associação Portuguesa de Beneficência em São Paulo.
A criação de hospitais associados a comunidades
estrangeiras foi mais forte em São Paulo. Essa região estimulou a vinda de
centenas de milhares de imigrantes europeus e japoneses, em substituição ao
braço escravo. O mesmo ocorreu na região Sul do país, cenário de sólida
colonização italiana e alemã.
Na virada do século 20, a população brasileira
alcançava 17,4 milhões de habitantes. Em São Paulo, a Hospedaria dos
Imigrantes, centro de triagem, chegou a alojar até 9 mil pessoas de cada vez, contando
com apenas um médico. Isso levou os descendentes de italianos, em melhores
condições econômicas, a fundar, em 1904, o Hospital Umberto I. Em 1890,
famílias britânicas, norte-americanas e alemãs de fé presbiteriana, a partir
da doação da herança de um imigrante nascido em Macau, na China, criaram a
Sociedade Hospital Evangélico, que mais tarde daria origem ao Hospital Samaritano.
O Hospital Alemão da capital paulista foi inaugurado em 1923,1 ano antes do
Hospital Santa Cruz, mantido pela coletividade japonesa. Porto Alegre ganhou
seu Hospital Alemão em 1927. Bem mais adiante, vieram o Hospital Sírio-Libanês
(1965) e Israelita Albert Einstein (1971), em São Paulo.
As grandes campanhas sanitaristas promovidas pelo
governo levaram à criação de hospitais públicos de grande porte,
principalmente no Rio de Janeiro. Inicialmente, foi criado o Hospital de
Isolamento de São Paulo, em 1880, em pleno surto de varíola, que dana origem ao
Hospital Emílio Ribas. Nove anos depois, no bairro carioca do Caju, foi criado
o Hospital São Sebastião, também especializado em doenças infecciosas.
As organizações hospitalares brasileiras estruturam-se
em diversos tipos de associações e representações conforme a sua característica
jurídica e assistencial.
A Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais
Entidades Filantrópicas (CMB), fundada em 1963, em Santos, São Paulo, está
sediada em Brasília. É um órgão de união, integração e representação das
Federações de Misericórdias constituídas nos respectivos estados, bem como das
Santas Casas, Entidades e Hospitais Beneficentes. Atualmente, a CMB é composta
por 14 Federações Estaduais, contendo mais de 2.100 hospitais associados.
Os hospitais filantrópicos e os sem fins lucrativos
foram responsáveis por 37,4% de todas as internações realizadas no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) no decorrer da última década. Dentre essas
internações, destaca-se 38,5% de todo o movimento de partos e cesarianas no
âmbito do SUS.
A Federação Brasileira de Hospitais desde a década de
1960 procura reunir o setor hospitalar brasileiro; é composta por mais de 4.700
hospitais, dos quais grande parte presta atendimentos pelo SUS.
A Associação Brasileira dos Hospitais Universitários e
de Ensino (ABRAHUE), criada em 1989, durante o XXVII Congresso da Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM), associa mais de 120 hospitais de ensino
desde a esfera federal, estadual e municipal, incluindo também hospitais
universitários privados.
A Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)
foi criada em 2001 com 23 hospitais particulares considerados líderes em
qualidade e excelência no Brasil, com o objetivo de promover a congregação associativa
de instituições hospitalares privadas com ou sem fins lucrativos, consideradas
detentoras dos melhores padrões de qualidade e melhores práticas médicas. Em
2009, estava constituída por 39 hospitais e, em 2014, passou a ter 60 membros.
Durante o ano de 2013, os 55 hospitais que a constituíam foram responsáveis por
uma receita bruta de 17,3 bilhões de reais, reunindo mais de 14.700 leitos e
correspondendo a 20% das despesas assistenciais na saúde suplementar.
Uma característica marcante da história dos hospitais
no Brasil foi que, desde seu início, houve uma participação entre entidades privadas,
públicas e filantrópicas, representantes de credos religiosos ou comunidades de
imigrantes, visando ao lucro ou sem finalidade lucrativa, constituindo uma
forte rede público-privada. Tal evolução estabeleceu as bases do que atualmente
podemos vislumbrar em alguns estados brasileiros por meio das Organizações
Sociais de Saúde (OSS), como formas de parcerias público-privadas. Esse modelo
de gestão tem demonstrado grande utilidade e versatilidade para tentar
viabilizar um atendimento hospitalar universalizado de qualidade e eficácia
para a população.
Custos na saúde e seus reflexos no
hospital
O aumento crescente dos custos na área da saúde, em
níveis bem superiores à inflação, tem levado a maior parte dos países do mundo
a uma situação de crise setorial. Nas últimas décadas, a saúde das nações vem
padecendo de três grandes crises:
§
Crise de
eficiência, observando-se gastos crescentes no setor
§
Crise de
eficácia, porque, apesar desses gastos crescentes, registram-se importantes
falhas para alcançar os objetivos desejados
§
Crise de
qualidade, com um número imenso de pacientes e consumidores insatisfeitos com
o produto que recebem.
No Brasil, em particular, as transformações aceleradas
no perfil da população causam grande impacto e obrigam a pensar em novas formas
e processos para os cuidados à saúde.
A população brasileira está vivendo cada vez mais e
continuará assim pelas próximas décadas. Ao contrário de outros países, onde o
acúmulo de riqueza e a maior distribuição de benefícios sociais antecederam a
maior expectativa de vida da população, tal fenômeno ocorre de modo
concomitante no Brasil, levando a grandes desafios. De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem atualmente 20,6 milhões
de pessoas com mais de 60 anos de vida no Brasil, o que representa 10,8% da
população. Em 2060, a expectativa é que sejam 58,7 milhões de pessoas,
correspondendo a 26,7% da população, com todos os reflexos sobre a quantidade
de pessoas economicamente ativas, empregabilidade e sustentabilidade que essa
situação pode configurar.
As mudanças na pirâmide etária também influem no
perfil das doenças na população, aumentando proporcionalmente o número de pessoas
portadoras de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, cardiopatias,
doenças pulmonares obstrutivas, neoplasias e doenças mentais
P. 134
degenerativas crônicas, dentre outras. Essas situações
estão previstas como responsáveis, já em 2020, por 80% da carga total de
doenças dos países desenvolvidos. No Brasil, elas já representam a primeira
causa de mortalidade e de hospitalizações, além de um considerável impacto na
qualidade de vida. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS),
no Brasil, atualmente, 74% das mortes ocorrem por causas crônicas, 14% por
causas infecciosas e 12% por causas externas. Em cada 10 idosos, oito convivem
com pelo menos uma doença crônica.
O nosso sistema de saúde ainda privilegia a
complexidade da atenção e a capacidade de internação como meios de valorar os
cuidados, o que, ao longo do tempo, se tornará cada vez mais insustentável,
tanto do ponto de vista da eficácia da assistência quanto do ponto de vista
econômico. Vive-se, neste momento, uma necessidade de salto estratégico, em que
as instituições e seus profissionais buscam alternativas para minimizar tais situações.
Cabe estudar como oferecer melhores condições de qualidade de vida e
assistência a esses doentes crônicos e superar o modelo
"hospitalocêntrico" por meio de soluções criativas e tecnológicas
associadas aos novos conceitos da integralidade do cuidado. Para isso, será
necessário envolver simultaneamente médicos generalistas, serviços
ambulatoriais gerais e especializados com alta resolubilidade integrados ao
cuidado hospitalar, reabilitação e reinserção social. Isso tudo na construção
de uma lógica da continuidade do cuidado que, em alguns modelos, pode ser
denominada linhas de cuidados.
Pode-se observar nas Figuras 9.1 e 9.2 o
incremento significativo da porcentagem do produto interno bruto (PIB) gasto em
diversas nações do mundo de 1990 a 2002, conforme estudo da OECD (Organization
for Economic Cooperation and Development; em português, OCDE - Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), publicado em 2004, além da grande
variabilidade entre os diversos países.
O Brasil gasta em saúde pública metade do que
países como Espanha, Alemanha, Reino Unido e Canadá investem, sendo que estes
consomem de 7 a 9% do seu PIB.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil
gastou 3,6% do PIB com a saúde pública em 2008. O valor equivale a quase R$ 109
bilhões. Em 2010, o Brasil gastou 4% do PIB, em torno de R$ 127 bilhões.
Figura 9.1 Porcentagem do PIB gasto com saúde, 2002.
Fonte: Adaptada de The Economist - The Health of Nations, July, 17th 2004
Figura 9.2 Incremento da porcentagem do PIB gasto com saúde,
1990-2002. Fonte: Adaptada de The Economist - The Health of Nations, July, 17th
2004.
Para suprir parte das necessidades do país, seria necessário gastar
mais 2% [do PIB], o que representaria um aumento de investimentos de R$ 83
bilhões.
Somando o setor privado (planos de saúde e
gastos particulares), o total dos gastos com saúde no Brasil chega a 8,4% do
PIB. O setor da saúde como um todo
(público e privado) encerrou o ano de 2013 com uma participação de 10,2% do PIB
brasileiro, ante 9,5% em 2012. O cálculo é da Confederação Nacional de Saúde
(CNS), terminando o ano com 3,1 milhões de postos de trabalho, sendo 61% no
setor público e 39% no privado. Desde 2010, o número de empregos no setor
cresceu 19,2%; no entanto, os gastos com saúde ainda estão abaixo da média dos
países da OCDE, principalmente se considerado o setor público.
Na maior parte dos países desenvolvidos, mais
de 70% do gasto com saúde é público e não privado. Na Inglaterra e na França, o
gasto é superior a 80%. No Brasil, o setor público responde por apenas 42%.
Apesar da defasagem existente, de acordo com os dados do Ministério da Saúde
relativos a 2010, os gastos federais com saúde representaram R$ 63 bilhões, mas
o governo quase triplicou os investimentos no setor entre 2002 e 2012, visto
que o valor investido na saúde passou de R$ 28,3 bilhões em 2002 para R$ 95,9
bilhões em 2012, e cerca de R$ 99,3 bilhões em 2013, o que ainda aparenta ser
insuficiente.
Nas Figuras 9.3 e 9.4, verifica-se a projeção
da Organização das Nações Unidas, publicada em 2007 (World Economic and Social
Survey 2007. Development in an Ageing World), relativa ao envelhecimento da
população para as próximas décadas.
Nela, observa-se a proporção de pessoas
economicamente ativas para cada habitante de mais de 65 anos, que são os
agentes efetivos de geração de riqueza nas nações em relação a um número cada
vez maior de pessoas inativas do ponto de vista econômico. Soma-se ainda o fato
de que este grande e progressivamente maior contingente de pessoas que ficarão
à margem do processo produtivo será precisamente composto daquelas que
demandarão maior quantidade de serviços e de gastos com saúde.
P.
135
Figura 9.3 Proporção da população acima de 60 anos do mundo –
ONU, 2005. Fonte: World Economic and Social Survey 2007: Development in na
Ageing World.
Figura 9.4 Pessoas economicamente ativas/pessoas acima de 65
anos. Fonte: World Economic and Social Survey 2007: Development in an Ageing
World.
Apesar desses custos, a National Academy of Sciences
Insitute of Medicine, nos EUA, em seu relatório de 2005, constatou que os efeitos
adversos ocorridos em hospitais americanos respondem anualmente por 98.000
óbitos; os erros de medicação respondem isoladamente por 7.000 óbitos. O
National Committee for Quality Assurance dos EUA, em pesquisa realizada em
3.522 pacientes em 2008, encontrou efeitos adversos em 4,2% dos casos, sendo
45,5% por "erros" de medicação e 25,6% por "erros" de
diagnóstico ou tratamento. Para o Brasil, o reflexo de todo esse quadro é ainda
mais dramático. O aumento galopante dos custos aliados à insuficiência do poder
aquisitivo da população e a um processo regulatório ainda deficiente tem
conduzido a um quadro e dificuldades para os tomadores e prestadores de
serviços do segmento.
No entanto, o financiamento final na esfera privada,
em que cerca de 80% das vidas estão cobertas por planos empresariais e não
individuais, acaba recaindo sobre as empresas do setor produtivo. No Brasil,
dos mais de 50 milhões de beneficiários de planos de saúde, mais de 75% estão
vinculados a planos contratados por empresas. Esse valor corresponde a 25% da
soma de todo o lucro auferido pelas 500 maiores empresas do país.
Diagnosis related groups I Metodologia
para classificação de pacientes hospitalares
Diagnosis related groups (DRG) constituem um sistema
de classificação de pacientes internados em hospitais que a atendem casos
agudos, desenvolvido no final dos anos 1960, por uma equipe interdisciplinar de
pesquisadores da Yale University, EUA, dirigida por Robert B. Fetter e John
Thompson.
Essa equipe teve como objetivo realizar pesquisas nas
áreas de gestão, planejamento e revisão de utilização hospitalar, e foi
motivada principalmente pela demanda gerada com a criação, em 1965, do programa
Medicare. Este determinava que cada hospital pertencente ao programa deveria
ter um comitê de revisão de utilização, assim como um programa para essa
revisão. Esse sistema de classificação busca correlacionar os tipos de
pacientes atendidos pelo hospital, com os recursos consumidos durante o seu
período de internação, criando grupos de pacientes coerentes, similares e
homogêneos quanto ao consumo de recursos hospitalares denominados DRG (Averill,
1985; Burik e Nackel, 1981). Para tal, foi desenvolvida uma metodologia que
utiliza técnicas estatísticas e computacionais, juntamente com conhecimentos de
medicina e dos processos de atendimento hospitalar.
Com base nos DRG, é possível obter um novo tipo de
definição do perfil nosológico dos hospitais (case-mixj, e também de mensuração
do produto hospitalar, possibilitando que se utilize uma abordagem de
gerenciamento com base não apenas na administração dos insumos, como também no
controle do processo do trabalho médico (Fetter e Freeman, 1980; Bardsley e
Coles, 1987).
O desenvolvimento do sistema teve como objetivo
inicial viabilizar o monitoramento da qualidade da assistência e utilização dos
serviços hospitalares. No final da década de 1970, foi adaptado para ser
utilizado como base para o pagamento a hospitais do estado de New Jersey, EUA
e, desde outubro de 1983, está sendo utilizado para o reembolso com base no
sistema de pagamento prospectivo a hospitais que prestam assistência a pacientes
do sistema de seguro americano denominado Medicare (Averill, 1985). Essa
utilização particular dos DRG tem resultado, frequentemente, na percepção
distorcida de que o sistema seja destinado a pagamento e não à classificação de
pacientes (Freeman, 1988).
O desenvolvimento e a utilização nos EUA suscitaram
interesse pelo sistema DRG em vários países, tais como: Reino Unido, França,
Holanda, Bélgica, Alemanha Ocidental, Espanha, Itália, Portugal, Áustria,
Suíça, Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Austrália, Canadá, Coreia e
Brasil, que têm realizado pesquisas no intuito de avaliar a formação de DRG a
partir dos dados disponíveis e verificar os usos possíveis deste sistema tanto
no nível de hospitais quanto no sistema de saúde como um todo (Freeman, 1989).
Tatchell (1985), citando o trabalho de Feldstein,
descreve os custos da assistência hospitalar de 177 hospitais de pacientes
agudos, na Inglaterra e País de Gales, entre 1960/1961, sugerindo que o perfil
nosológico (case-mix) poderia ser uma variável explicativa da variação dos
custos entre hospitais. A partir dessa hipótese, Feldstein dividiu os pacientes
em oito grupos de especialidades, a fim de avaliar o seu perfil em cada
hospital, observando que os hospitais tratavam de modo diferente tipos
semelhantes de pacientes, e que tal diferença era, em grande parte, responsável
pela variação dos custos entre os hospitais. Concluiu que o estudo dos fatores
que influenciam os custos hospitalares pode conduzir a erros de análise ou
resultados distorcidos se as diferenças de case-mix não fossem levadas em
consideração. Com esse estudo, Feldstein especificou o que considerou como
critérios básicos para qualquer mensuração do perfil de pacientes em termos de
consumo de recursos hospitalares:
§
As categorias de
pacientes devem ter significado clínico e não somente conveniência
administrativa
§
As categorias de
pacientes devem ser homogêneas com relação aos recursos consumidos no
tratamento.
P.
136
De acordo com Fetter et al. (1985), o desenvolvimento
de um sistema de classificação de pacientes foi motivado por dois programas de
revisão de utilização sobre o processo de atendimento ao paciente internado, os
quais buscavam identificar os casos atípicos (out layers); ou seja, aqueles que
apresentavam um tempo de internação hospitalar excepcionalmente longo.
Verificaram que, para estudar a gestão hospitalar e a utilização de serviços,
havia necessidade de analisar os cuidados prestados aos pacientes, por serem
estes reconhecidos como a base do processo do trabalho no hospital. Outra
questão também identificada foi a de que os cuidados ou os serviços prestados
diferenciavam-se em função de alguns atributos dos pacientes, tais como: idade,
sexo, diferentes estágios da doença, dentre outros, fazendo-se necessária uma
explícita caracterização dos diferentes tipos de pacientes.
Para facilitar a análise dos dados dos pacientes e
tornar possível maior coerência clínica no resultado final de formação de DRG,
o passo inicial consistiu na definição de grandes categorias diagnósticas (GCD)
por um grupo de médicos. Para sua definição, foram analisadas classificações
americanas de doenças e três princípios básicos foram obedecidos nos quais as
GCD deveriam:
§
Ter consistência
em termos da anatomia, classificação fisiopatológica ou no modo como os
pacientes são tratados clinicamente
§
Agrupar um número
suficiente de pacientes
§
Cobrir
completamente todos os códigos da CID, sem sobreposição.
Para a definição dos grupos mediante a utilização das
informações disponíveis nas bases de dados hospitalares, procurou-se examinar a
frequência relativa dos diferentes tipos de pacientes e identificar suas
características gerais. Para essa análise, foi utilizado um algoritmo
estatístico com base na técnica de regressão múltipla, que, aplicado a esses
dados, indicava tipos de agrupamentos de pacientes que fossem similares em
termos da intensidade de recursos hospitalares consumidos durante a sua
internação. Utilizaram o tempo de permanência como variável dependente, e
testaram diversas variáveis que dividiam os dados em grupos que diferiam no seu
tempo de permanência. Ao obter grupos de pacientes sugeridos pelo algoritmo, verificou-se
que estes incluíam pacientes que, embora tivessem características semelhantes
no que diz respeito ao consumo de recursos hospitalares, apresentavam pouca ou
nenhuma coerência clínica interna. Isso quer dizer que pacientes das mais
diversas especialidades e com diferentes necessidades eram reunidos em um mesmo
grupo (Fetter et al., 1980), ficando evidenciada a necessidade da análise
médica durante o processo de formação dos grupos, para que o produto final não
tivesse apenas um significado estatístico, mas também coerência clínica. Para
tal, foi desenvolvido um programa computacional que, além da interferência de
clínicos durante o processo de avaliação estatística e formação dos grupos,
possibilitava a utilização de bancos de dados extensos com uma liberação rápida
dos resultados (Demlo et al., 1978; Fetter et al., 1980).
A
primeira etapa foi classificar todos os diagnósticos principais e/ou primários
dos resumos de alta, nas GCD correspondentes. A segunda etapa consistiu no
exame da distribuição do tempo de permanência hospitalar em cada GCD, e
retirada do banco de dados de resumos de alta que não preenchiam as
características necessárias à classificação. Na terceira etapa, utilizaram-se o
programa grouper e algoritmos estatísticos para avaliar e sugerir grupos de
pacientes que tivessem um perfil similar. A variável dependente adotada como
referência de utilização de recursos foi o tempo médio de permanência
hospitalar de cada GCD. Diversas variáveis independentes foram testadas
buscando identificar as mais explicativas da divisão dos dados em grupos que
diferiam no seu tempo de permanência. As variáveis analisadas passaram a compor
a classificação quando preenchiam os seguintes critérios:
§
Produziam uma
redução significativa da variância da variável dependente (tempo de
permanência) relativa às outras variáveis
§
Criavam uma
quantidade de grupos gerenciáveis
§
Criavam grupos de
pacientes com tempos médios de internação similares e clinicamente homogêneos
(Fetter et al., 1980).
As variáveis analisadas foram os diagnósticos, os
procedimentos, a idade, o sexo e os serviços clínicos utilizados. Com essas
variáveis, foram realizadas as primeiras partições dos dados em cada GCD,
formando-se assim os primeiros grupos. O processo de formação de cada grupo
poderia terminar após a partição com base em uma só variável ou continuar a
partir de outras variáveis, cumprindo critérios estatísticos ou clínicos
preestabelecidos. Assim, foram definidos os grupos finais, que incluíam
pacientes com um grau razoável de homogeneidade no seu tempo de permanência
hospitalar.
A primeira versão dos DRG foi apresentada em 1973 e
era constituída de 54 GCD divididas em 333 DRG, com base nas variáveis de
diagnósticos primário e secundário, idade e presença ou ausência de cirurgias
específicas.
A utilização dos DRG, juntamente com dados sobre
custos ou de resultados do tratamento, contribui para que a avaliação do desempenho
hospitalar ganhe nova dimensão. Os hospitais podem conhecer melhor os tipos de
pacientes que atendem, os custos incorridos no tratamento dos mesmos,
oferecendo novos subsídios para o planejamento dos seus serviços. O sistema
ainda possibilita comparações entre hospitais, regiões e países, quando se pode
observar variações na utilização de serviços, no processo de tratamento e nos
resultados. O sistema tem passado por diversas revisões nos últimos 20 anos,
resultantes da intensa discussão que ocorreu e ocorre nesse campo, e a maioria
das críticas dirigidas a esse sistema de classificação tem sido objeto de
reflexão e incorporação das suas sucessivas revisões.
Gestão de processos |
Um novo desafio para os hospitais
Um importante desafio para as instituições de saúde é
incorporar os conceitos e as metodologias de gestão de processos em suas
práticas, seus planejamentos e sua governança. A cultura e as ferramentas para
a análise dos fluxos de produção para otimizar e qualificar os resultados há
mais de 5 décadas estão implantadas em alguns ramos da indústria, mas são mais
recentes na área da saúde.
Kaizen (do japonês, "melhora" ou
"mudança para melhor) refere-se à filosofia e às práticas que incidem
sobre a melhora contínua dos processos de manufatura, engenharia e gestão e,
atualmente, também com grande relevância para a área da saúde.
Refere-se a atividades que melhorem continuamente
todas as funções e envolvam todos os funcionários, desde a alta direção até os
trabalhadores das diversas frentes de trabalho ou atendimento. Ao melhorar as
atividades e os processos por meio de sua padronização, kaizen tem como
objetivo eliminar o desperdício. Foi implementado, pela primeira vez, em várias
empresas japoneses após a Segunda Guerra Mundial, sob a influência de empresas
americanas e professores de gestão da qualidade que visitaram aquele país na
ocasião.
P. 137
Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão se encontrava com sérios problemas econômicos. Novas leis trabalhista foram introduzidas pela ocupação norte-americana, contribuindo para reforçar a posição dos trabalhadores nas negociações por condições mais favoráveis de trabalho. Os sindicatos usaram sua força para alcançar acordos duradouros, tendo conquistado uma participação nos lucros das empresas para os trabalhadores, como forma de um bônus pago além do salário básico. Assim, nos anos 1950, foram retomadas as ideias da administração clássica de Fayol e as críticas a elas decorrentes, a fim de renovar a indústria japonesa e desenvolver o conceito de aprimoramento contínuo, Kaizen (Imai 1986; Michael, 2000).
Essa prática (exprimindo uma forte filosofia de vida oriental, se propôs também ser uma cultura organizacional) buscava o bem, não somente da empresa, mas do homem que trabalha nela. Partiu do princípio de que o tempo é o melhor indicador isolado de competitividade, atuando de maneira ampla para reconhecer e eliminar os desperdícios nos processos produtivos, assistenciais e gerenciais.
"Hoje será melhor que ontem e amanhã será melhor
que hoje!" (Imai 1986).
Para o kaizen, é sempre possível fazer melhor, nenhum dia deve passar sem que alguma melhora seja implantada, na estrutura da empresa ou no indivíduo.
O sistema Toyota de produção (STP) é um sistema que foi desenvolvido pela Toyota entre 1948 e 1975, com o objetivo de aumentar a produtividade e a eficiência, evitando o desperdício, como tempo de espera, superprodução, gargalos de transporte e inventários desnecessários, dentre outros (Ohno, 1988).
Taiichi Ohno, Shingeo Shingo e Eiji Toyota, inicialmente, desenvolveram o sistema, que logo se espalhou desde o Japão até o Ocidente. Os fundadores da Toyota estudaram a fundo o trabalho de Deming, que se constituiu no fundamento do sistema proposto.
Na época, predominava o conceito de que a produtividade dos trabalhadores americanos era aproximadamente 10 vezes superior à produtividade da mão de obra japonesa. O fato de a produtividade americana ser tão superior chamou a atenção, e a única explicação razoável encontrada foi que a diferença de produtividade somente poderia ser explicada pelas perdas (desperdícios) no processo de produção japonês. A partir daí, foi necessário estudar um modelo sistemático para identificação e eliminação dessas perdas.
Taiichi Ohno notou que os trabalhadores eram subutilizados, as tarefas eram repetitivas e, além de não haver melhora, existia uma forte divisão (projeto e execução) do trabalho, a qualidade era negligenciada ao longo do processo de fabricação e existiam grandes estoques intermediários. Em função disso, Ohno continuou estudando como aprimorar a gestão dos processos postos em prática na Toyota, tendo como base dois conceitos principais. O primeiro se originou do livro de Henry Ford Today and Tomorrow. mostrando que o movimento da linha de montagem era responsa por estabelecer as bases para a produção. O segundo baseou-se nos conceitos que observou nos supermercados, durante sua visita aos EUA em 1956, que proviam suprimento contínuo das gôndolas. A visão da operação dos supermercados deu a Ohno a ideia de um sistema de tração (sistema puxado), em que cada processo de produção provê os elementos para o processo seguinte de maneira ininterrupta.
Integrando os conceitos de just-in-time, kanban e o nivelamento da produção ou heijunka. Os princípios do modelo Toyota, idealizado por Ohno (Liker, 2005), são:
§ Desafio (criar uma visão a longo prazo, enfrentando os desafios com coragem e criatividade para realizar nossos sonhos)
§ Kaizen (melhorar as operações de maneira contínua, motivados pela inovação e evolução)
§ Genchi genbutsu (vá e veja, ir até a fonte para encontrar os fatos e tomar decisões corretas)
§ Respeito (respeitar o outro, fazendo todos os esforços para entender um ao outro, assumir a responsabilidade e oferecer nosso melhor para construir confiança mútua)
§ Trabalho em equipe (estimular o crescimento pessoal e profissional, compartilhando oportunidades de desenvolvimento e maximizando o desempenho individual e da equipe).
A expressão lean system (sistema enxuto ou magro) teve origem vários anos mais tarde, no final da década de 1980, quando foi fundado o IMVP (International Motor Vehicle Program), um programa de pesquisas ligado ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), destinado a avaliar os rumos da indústria automobilística mundial, realizando um estudo envolvendo 90 montadoras de automóveis de 14 países, com o objetivo de mapear as melhores práticas da indústria automobilística mundial por meio de entrevistas com funcionários, acadêmicos, sindicalistas e membros dos governos. Ao final dos estudos, os resultados evidenciaram uma significativa superioridade da indústria japonesa. Basicamente, o sistema de produção das empresas japonesas produzia carros com a metade das horas-homem, metade do espaço fabril e com 1/3 dos defeitos dos carros produzidos pelas empresas dos demais países. A produção enxuta (do original, em inglês, lean) foi o termo cunhado pelos pesquisadores do IMVP para definir esse novo sistema de produção muito mais eficiente (Toussaint et al., 2010; Womack e Jones, 2003; Alexander, 2012).
A metodologia Seis Sigma (Six Sigma, em inglês) é um conjunto de práticas originalmente desenvolvidas pela empresa Motorola para melhorar sistematicamente os seus processos ao eliminar defeitos. Um defeito é definido como uma não conformidade de um produto ou serviço com suas especificações. Seis Sigma também é definida como uma estratégia gerencial para promover mudanças nas organizações, buscando melhorias nos processos, produtos e serviços para a satisfação dos clientes (Linderman et al., 2003).
Diferentemente de outros tipos de gerenciamento de processos produtivos ou administrativos, a metodologia Seis Sigma tem como prioridade a obtenção de resultados de maneira planejada e clara, tanto de qualidade como no âmbito financeiro.
Os princípios adotados pela equipe da Motorola datam de 1809, quando Carl Gauss, um matemático alemão, publicou a Theoria Motus Corporum Arithmeticae, apresentando o conceito de curva de sino, uma forma que pode sempre representar a variação do que ocorre em um processo controlado. A variação é definida como desvio de expectativa. Todos os processos e atividades apresentam variações inerentes a eles. A variação é inevitável e irrevogável; o difícil, claro, é limitá-la. Um pouco de variação é provavelmente normal, mas variações em excesso podem levar a distorções dos processos (Han e Lee, 2002).
P.
138
Em um sentido mais lato, a Seis Sigma é uma metodologia
para realização de projetos orientados para a resolução dos problemas mais
importantes da organização, com vista a aumentar sua eficiência e
produtividade.
A qualidade não é vista pela Seis Sigma na sua forma
mais tradicional (isto é, a simples conformidade com normas e requisitos da
organização), mas é definida como um amplo esforço com a finalidade de alcançar
objetivos definidos na estratégia organizacional. Projetos Six Sigma seguem
duas metodologias inspiradas pelo ciclo Plan-Do-Check-Act (PDCA), de Shewhart,
amplamente difundidas por Deming, no Japão do pós-guerra.
Essas metodologias se compõem de cinco fases cada uma
e são chamadas pelos acrônimos DMAIC e DMADV DMAIC é usado para projetos
focados em melhorar processos de negócios já existentes; DMADV é usado para
projetos focados em criar novos desenhos de produtos e processos (Breyfogle et
al., 2001).
A metodologia DMAIC:
§
Define the
problem: definição do problema a partir de opiniões de consumidores e objetivos
do projeto
§
Measure key
aspects: mensurar e investigar relações de causa e efeito, certificando que
todos os fatores foram considerados, determinando quais são as relações.
Dentro da investigação, procurar a causa principal dos defeitos
§
Analyse: análise
dos dados e o mapeamento para a identificação das causas-raiz dos defeitos e
das oportunidades de melhoria
§
Improve the
process: melhorar e otimizar o processo com base na análise dos dados usando
técnicas como desenho de experimentos, poka-yoke ou prova de erros, e
padronizar o trabalho para criar um novo estado de processo. Executar pilotos
do processo para estabelecer capacidades
§
Control:
controlar o futuro estado de processo para se assegurar que quaisquer desvios
do objetivo sejam corrigidos antes que se tornem defeitos. Implementar sistemas
de controles estatísticos nos processos ou quadro de produções, e continuamente
monitorar os processos.
§
A metodologia
DMADV é também é conhecida por DFSS (Design
§
For Six Sigma):
§
Define goals:
definição de objetivos que sejam consistentes com as demandas dos clientes e
com a estratégia da empresa
§
Measure and
identify: mensurar e identificar características que são críticas para a
qualidade, capacidades do produto, capacidade do processo de produção e riscos
§
Analyze: analisar
para desenvolver e projetar alternativas, criando um desenho de alto nível e
avaliar as capacidades para selecionar o melhor projeto
§
Design details:
descrever detalhes, otimizar o projeto e planejar a verificação do desenho.
Esta fase se torna uma das mais longas pelo fato de necessitar de muitos testes
§
Verify the
design: verificar o projeto, executar pilotos do processo, implementar o
processo de produção e entregar ao proprietário do processo.
A incorporação na cultura
organizacional é um dos pontos relevantes da Seis Sigma; de modo que as
empresas que implantaram este programa foram as de maior tradição de qualidade
- ou seja já haviam adotado outros programas de qualidade anteriormente. Assim, a implantação da Seis Sigma nas organizações
tem o intuito de incrementar a qualidade por meio
da melhora contínua dos processos, de maneira estruturada, considerando todos
os aspectos importantes para o negócio. Ela também prioriza o aumento da
rentabilidade, pois concentra muitos esforços na redução dos custos da
qualidade e no aperfeiçoamento da eficiência e da eficácia de todas as
operações que atendem às necessidades dos clientes.
Lean Healthcare constitui a utilização de princípios e
ferramentas Lean associados à metodologia Six Sigma e conceitos de excelência
de atendimento para serviços de saúde. Tal utilização teve início nos EUA e no
Reino Unido e, recentemente, em muitos outros países, incluindo o Brasil,
passando a desempenhar um papel importante na melhora da qualidade dos serviços
(Toussaint et al., 2010).
O foco na busca de maior eficiência e produtividade
levou a uma série de implementações de projetos da metodologia Lean Healthcare
A implantação de projetos Lean inclui o desenvolvimento de uma visão
compartilhada e a longo prazo, planos de ação para enfrentar a escassez de
recursos e maior demanda nos serviços, além do envolvimento das lideranças
dentro da organização para apoiar as iniciativas e inserir Lean no DNA das
instituições de saúde.
As primeiras realizações da aplicação do Lean na Saúde
(Lean Healthcare) têm sido responsáveis pela mudança de mentalidade, geração de
novas ideias para o aumento da produtividade e melhora da qualidade dos
processos assistenciais e de atendimento. No entanto, com certa frequência,
esses esforços são realizados de modo fragmentado ou por meio de projetos
setoriais dentro dos hospitais, constituindo ilhas de melhoria, mas que não se
sustentam ao longo do tempo.
A ferramenta Lean, para manifestar todo seu potencial,
precisa ter uma base ampla de aprovação e participação dentro da organização; é
necessário que se torne a "maneira como se fazem as ações dentro da
instituição", em vez de ser somente um agrupamento de projetos (Young e
McCIean, 2009). Para que isso aconteça, é necessário implantar a cultura Lean e
que isso faça parte do trabalho diário de funcionários, coordenadores e
gestores.
Uma série de organizações de saúde no mundo está se
movendo nessa direção, criando o conceito da melhoria diária por meio das
equipes de cada unidade assistencial ou administrativa, propondo novas ideias,
acompanhando o seu próprio desempenho enquanto equipe e procurando atrair os
dirigentes dos hospitais, para que passem cada vez mais tempo próximos à linha
de frente.
A primeira fase da introdução do Lean para os serviços
de saúde se caracteriza por projetos operacionais de melhoria que levam a
avanços na eficiência e desempenho (muitas vezes, em áreas como a de
emergência, laboratório, centro cirúrgico, centros de diagnóstico ou de
assistência ambulatorial). Depois de determinado sucesso inicial, no entanto,
os hospitais muitas vezes se deparam com obstáculos: começam a perder parte dos
resultados dos processos de melhoria ou há uma estagnação das melhoras, ficando
restritas a áreas isoladas. Assim, como somente um pequeno grupo de pessoas foi
envolvido nos esforços iniciais para cada projeto, é difícil ampliar para todo
o hospital, que no seu dia a dia da gestão da unidade está habituado com a
cultura do combate a pequenos incêndios, e dispõe de pouco tempo para se
dedicar a iniciativas de mudança.
Esses avanços, no entanto, mesmo que positivos,
poderão não ter sustentabilidade a longo prazo caso não façam parte de um
sistema integrado de gestão que apoie o engajamento das "linhas de
frente", raiz e causa resolução de problemas e um dos principais focos da
melhoria contínua. A introdução deste paradigma precisa estar apoiada
P. 139
por algo que muitas vezes falta em alguns serviços de saúde: uma cultura
de trabalho padronizado com supervisão e apoio das lideranças (coaching). Este
processo não pode ser realizado em salas de aula, mas nas enfermarias,
conferindo aos funcionários e técnicos confiança e competência para implementar
novas ideias em uma atmosfera em que a inovação é incentivada. Por meio dessa
cultura, todos dentro do hospital precisam entender que a melhora contínua é
parte do seu papel, o que pode simplificar a jornada do paciente, aumentar a
eficiência e reduzir os custos.
"As jornadas e vivências dos pacientes
não são estáticas mas mudam a todo momento; portanto,
a cultura Lean deve estimular os enfermeiros, gestores e médicos para se
adaptar continuamente a esses caminhos por meio da pergunta: 'Como podemos
fazer isso melhor?'." (Alexander, 2012).
Gestão de projetos | Algumas
metodologias
Mais um grupo de ferramentas de gestão para o
alcance dos objetivos estratégicos de uma instituição se refere aos processos
de gerenciamento de projetos. Considerando que a maior parte dos planos de ação
para melhoria contínua e para o alcance de metas pode (e deve) ser gerenciada
como projeto, este conjunto de conceitos e ferramentas pode ser de grande
valia. De acordo com o Project Management Institute (PMI), um projeto é um
conjunto de esforços temporários, com objetivo de criar produtos, serviços ou
resultados únicos. A temporalidade do projeto o distingue dos processos
cotidianos da instituição. Os processos visam assegurar a continuidade da
assistência e das atividades de suporte, são rotineiros e contínuos. Os
projetos buscam o alcance da ação pretendida, envolvem processos descontínuos
com perspectiva de curto, médio ou longo prazo na instituição.
O gerenciamento de projetos (também
apresentado no Capítulo 8 por Pena, Malik e Viana, ao discutirem Gestão
Estratégica em Saúde) envolve um grupo de fases (momentos) descrito como:
inicialização, planejamento, controle, execução e encerramento, que compõem o
ciclo de vida do projeto (Figura 9.5).
Cada fase do projeto é marcada por um ou mais
produtos que deverão ser avaliados e validados antes do início da fase
seguinte. As fases de um projeto podem ser divididas em:
§
■
Inicialização: envolve o provisionamento de recursos financeiros, humanos e
físicos para a execução, e precisa seguir um fluxo de conhecimento e
comprometimento da alta direção da instituição para:
o
Alinhar
o projeto com o planejamento estratégico
o
Validar
a capacidade para executar e concluir o projeto
o
Incorporar
o projeto no cenário institucional quanto à necessidade de recursos
financeiros, técnicos, humanos
o
Identificar
os riscos de imagem, resultados financeiros e políticos, para poder
gerenciá-los e mitigá-los
§
Planejamento:
é marcado pela construção do Plano de Gerenciamento do Projeto (PGP) (Figura
9.6). O esforço envolvido no planejamento está diretamente relacionado com a
complexidade do projeto, quanto mais complexo, maior deve ser o detalhamento do
planejamento. O processo de planejamento é contínuo e permeia todos os ciclos
do projeto. A equipe envolvida no planejamento precisa atualizar e ajustar o
planejado de acordo as modificações autorizadas.
A constituição e a escolha da equipe de
projeto devem levar em consideração a estrutura organizacional existente; ou
seja, se ela é linear, funcional e quase sempre precisa ser matricial. Ao
escolher a
Figura 9.5 Grupo de processos que compõem o ciclo de
vida do gerenciamento de projetos.
equipe de projeto e o processo de definição do escopo, serão estabelecidas as
estratégias para condução do mesmo.
Atualmente, a metodologia de projetos mais
difundida e praticada é a do Project Management Institute (PMI). Há inúmeras
outras metodologias, mas que, em sua maior parte, apresentam conceitos
semelhantes, pois passam pela definição do escopo, planejamento, controle e
execução; suas aplicações, no entanto, podem ser diferentes. O Project Model
Canvas (Canvas) é uma metodologia de gerenciamento de projetos sem a
necessidade de preenchimento de inúmeros documentos e com um menor grau de
burocracia. Com base no conceito Canvas e na neurociência, e alicerçado nos
pilares “conceber, integrar, resolver e compartilhar”, o PMC facilita o
processo de inovação, construção, prototipagem e implantação de novas soluções
e estratégias do negócio com alto grau de dinamismo.
O Ministério da Saúde no Brasil utiliza a
metodologia de Peter Pfeiffer - quadro lógico (QL). Este procura
definir os principais parâmetros de um projeto em uma matriz que contém quatro
colunas e quatro níveis. Nesses 16 campos, é preenchida, resumidamente, a
maioria das informações relevantes sobre o projeto, tais como: objetivos,
resultados esperados, respectivos indicadores que estabelecem metas quantitativas
e qualitativas, fontes em que as informações relevantes podem ser encontradas e
fatores externos que representam riscos e que precisam ser monitorados. A
aplicação do QL é mais apropriada, mas não exclusiva, em projetos de
desenvolvimento, sejam de caráter público e de cunho social ou de
desenvolvimento organizacional. O quadro lógico é um dos instrumentos de planejamento
mais difundidos tanto entre as agências internacionais de desenvolvimento
quanto em instituições nacionais que lidam com projetos de desenvolvimento.
Figura 9.6 Análise das partes interessadas -
gerenciamento de projetos.
P.
140
Governança clínica e gestão da clínica
Governança clínica, tema apresentado e discutido de
maneira mais ampla no Capítulo 17, é um termo originado no âmbito do Sistema de
Saúde Britânico (NHS - National Health Service). Corresponde ao modelo por meio
do qual as organizações de saúde procuram melhorar continuamente a qualidade
dos seus serviços e manter elevados padrões de assistência, criando um ambiente
propício ao desenvolvimento de segurança e excelência no atendimento. Foi dada
muita ênfase ao conceito de governança clínica como um dos mecanismos para
melhoria dos serviços de saúde e da qualidade do sistema de saúde em todo o
Reino Unido (NHS), desde a sua criação em 1997.
A Organização Mundial da Saúde propõe que tal conceito
englobe quatro aspectos principais: desempenho dos profissionais (qualida de
técnica); adequada utilização dos recursos (eficiência); gestão do risco (o
risco de lesões ou doenças associadas à assistência); satisfação dos pacientes
com o serviço prestado.
Na prática, governança clínica em sua formulação atual
constitui uma agregação de processos de melhorias para os serviços de saúde,
composta, pelo menos, dos seguintes processos:
§
Efetividade
clínica, que procura mensurar a extensão que uma intervenção alcança. Inclui a
análise do quanto a intervenção é apropriada, considerando seus custos. Nos
serviços de saúde atuais, a prática clínica precisa ser redefinida à luz das
evidências de efetividade, bem como considerar os aspectos da eficiência e
segurança na perspectiva individual (do paciente e do trabalhador da saúde) e
da comunidade
§
Auditoria clínica
- buscando a revisão do desempenho clínico, para melhora da prática
assistencial, com base na comparação entre resultados e medidas de desempenho e
os padrões acordados - inserida em um processo cíclico de melhoria contínua da
qualidade
§
Gerenciamento de
riscos para os pacientes e acompanhantes, para os colaboradores e para a
instituição
§
Transparência com
a comunicação clara e disseminada sobre os procedimentos relativos a todas as
dimensões da assistência ao paciente e aos processos de atenção à saúde
§
Pesquisa,
desenvolvimento e inovação com disseminação das práticas profissionais com base
em evidências provenientes de pesquisas e gestão do conhecimento, com o desafio
de reduzir as limitações de qualidade e efetividade por meio do uso de
protocolos; gerenciamento de projetos, análise crítica do cuidado em associação
ao processo de pesquisas
§
Educação
continuada.
Tais dimensões são os atributos de uma organização que
se propõe a oferecer um atendimento clínico de alta qualidade. A evolução da
governança da clínica destina-se a consolidar, codificar e universalizar
abordagens políticas capazes de criar organizações em que a responsabilidade
final para a governança repouse nos executivos da organização com essa visão da
qualidade assistencial. Cada organização deve trabalhar, além da sua
responsabilidade pelos resultados (outcomes), com a construção de pactos e
acordos entre as diversas corporações dos profissionais de saúde que compõem o
hospital, devidamente comunicados a toda a organização, objetivando a adequada
assistência aos pacientes.
Todas
as organizações que constituem o complexo de assistência à saúde mostram
variações no seu desempenho em relação aos diversos critérios de qualidade. A
melhora da qualidade deve incidir sobre todo o leque de produtos. Falhas nos
padrões de cuidados, se detectadas por meio de queixas, auditorias ou incidentes
desfavoráveis, devem representar uma rotina de vigilância periódica dessas
instituições.
É imprescindível que a infraestrutura do hospital
possa estar a serviço da governança clínica: tecnologia da informação, educação
e formação dos profissionais, apoio administrativo, núcleos de qualidade parra
oferecer às equipes tempo e espaço adequado para pensar sobre a qualidade dos
seus serviços, análise dos seus dados e planos de melhoria. Além disso, é
necessário encontrar meios de envolver pacientes no processo, visto que, a
princípio, os processos devem estar voltados para eles. A liderança é outro
ingrediente importante no sucesso organizacional. No entanto, a liderança
também é um conceito bastante vago. Dentre os profissionais, muitas vezes,
baseia-se em um modelo do "sábio", em vez de autoridade emanada pela
força da posição. Novas abordagens de ensino de medicina, tais como introdução
da aprendizagem a partir de problemas e educação conjunta com outras
disciplinas profissionais, são passos importantes para melhorar o trabalho em
equipe.
A medicina com base em evidências tem apresentado
grande influência sobre muitos sistemas de saúde do mundo. Acessar e proceder
à apreciação de provas de evidências estão rapidamente se tornando um núcleo de
competência clínica. Cada vez mais, decisões clínicas e políticas de saúde não
são assumidas confortavelmente com base em pareceres isolados. A tecnologia da
informação é cada vez mais necessária para permitir o acesso a bases de dados
especializadas (como a colaboração Cochrane e outros). Embora apresentar
evidências ou fornecer acesso a elas sejam condições necessárias para a adoção
de novas práticas, isso não é suficiente. É imperativa a mudança de
comportamento entre os profissionais da saúde, por meio da qual se consolide o
conceito de que as experiências isoladas não são suficientes e estratégias
multidisciplinares são imprescindíveis para a tomada de decisões. Grande parte
do esforço da medicina com base em evidências para melhorar a tomada de
decisões tem se centrado em intervenções específicas e políticas clínicas. No
entanto, com a governança clínica, espera-se que as boas práticas possam ser
reconhecidas em um serviço e transferidas para outros.
Um serviço de saúde precisa, ainda, aplicar
metodologias eficientes para permitir a generalização das experiências
importantes para todos os seus colaboradores, e para obter, dessa maneira, as
informações necessárias para um julgamento independentemente das queixas de
seus pacientes. Os efeitos adversos de procedimentos e tecnologias precisam ser
analisados de maneira objetiva, buscando avaliar o desempenho dos médicos e de
outros profissionais da saúde quando se transformam em risco não apenas aos
pacientes, mas também à organização onde trabalham.
De maneira concisa, deve-se entender, dentro deste
conceito de governança, os programas de elaboração e implementação de
diretrizes assistenciais (protocolos clínicos), de avaliação e decisão sobre as
diversas tecnologias em saúde, cuja aceitação e operação apresentam gastos para
o hospital e para o paciente, nem sempre com base em boas relações de
custo-efetividade. O apoio das informações obtidas pelas diversas metanálises e
trabalhos da medicina com base em evidências, aliado a estruturas de
organização do corpo clínico dos hospitais que buscam como foco as melhores
práticas para seus doentes, pode se constituir em um dos principais elementos
que esse conceito de governança nos oferece.
Governança clínica é uma ideia para inspirar e
motivar. O desafio para os profissionais de saúde e gestores consiste em
transformar em realidade tal conceito. Para isso, é necessário o desenho
conjunto
P.
141
de muitas
vertentes da vida profissional e gerencial e empenho em procurar um programa
coerente de ação para cada organização de saúde.
O conceito de gestão da clínica é mais recente (nhs -
Department of Health, 1998; Mendes, 2001) e se refere à aplicação de
tecnologias de microgestão dos serviços de saúde, com a finalidade de assegurar
padrões clínicos "ótimos" (reduzir a variabilidade e aumentar a
qualidade). Tecnologias preconizadas
(Robinson e Steiner, 1989; McSherry e Pearce, 2002; Mendes, 2002, 2003):
§
Gestão de riscos
- ouvidoria - sistema de efeitos adversos * Gestão de doenças (patologias) -
consiste na gestão de processos de uma condição ou doença que envolve
intervenções na promoção da saúde, na prevenção no tratamento e na reabilitação
envolvendo o conjunto de pontos de atenção à saúde de uma rede assistencial,
tendo também como objetivo melhorar os padrões qualitativos da atenção, mudar
comportamentos de profissionais de saúde e de usuários e programar as ações e
serviços de saúde * Gestão de casos - processo cooperativo entre gestor de caso
e usuário para planejar, monitorar e avaliar as opções de serviços de acordo
com as necessidades de saúde da pessoa, tendo como objetivo alcançar resultados
de custo-efetividade e de qualidade
§
Listas de espera
são uma tecnologia que normaliza o uso de serviços em determinados pontos de
atenção à saúde, estabelecendo critérios de ordenamento e promovendo a
transparência das decisões
§
Diretrizes
clínicas (guidelines)
§
Auditoria clínica
- consiste na análise crítica sistemática da qualidade de atenção à saúde,
incluindo: avaliação dos procedimentos utilizados para o diagnóstico, tratamento,
uso de recursos e resultados para os pacientes.
Integralidade do cuidado no hospital
Nas organizações de saúde em geral, mas no hospital em
particular, o cuidado é, por sua natureza, necessariamente multiprofissional;
isto é, depende da conjugação do trabalho de vários profissionais. Mecanismos
instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder entre as
várias corporações profissionais ocultam a imprescindível colaboração que deve
existir entre os vários profissionais, como operadores de tecnologias de saúde,
para que o cuidado aconteça. O cuidado (de modo idealizado) recebido pelo
paciente é a soma de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se
complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada entre os vários
cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital. Assim, uma complexa
trama de atos, procedimentos, fluxos, rotinas e saberes em um processo
dialético de complementação, mas também de disputa, vai compondo o que
entendemos como cuidado em saúde. A maior ou menor integralidade da atenção
recebida resulta, em boa medida, da maneira como se articulam as práticas
daqueles que trabalham no hospital.
Alguns
elementos comportamentais complicam o funcionamento e o entendimento da
organização hospitalar. O mais significativo deles corresponde à estrutura de
poder no hospital. Embora se trate de uma organização altamente hierarquizada,
a autoridade no hospital não emana de uma única origem nem flui de uma só linha
de comando, como geralmente ocorre na maioria das estruturas formais de outra organizações. A autoridade no hospital é distribuída
entre a
direção superior, o corpo clínico e o corpo dos demais profissionais,
especialmente os de enfermagem, por se tratar de um conjunto de profissionais
integrados por componentes de diversos níveis acadêmicos e por estarem
incumbidos de distintas responsabilidades assistenciais (Gonçalves, 1987)
Uma das características fundamentais da organização
hospitalar é a importância que assume no seu papel psicossocial. Não constitui
um mero arranjo administrativo e tecnológico no qual pessoas trabalham em
conformidade com as exigências do plano de serviços, ou em conformidade com
linhas de comunicação formais e com comandos formais que operam de cima para
baixo; ela é, acima de tudo, um sistema humano social (Kast e Rosenzweig,
1976).
Dentre os vários grupos que compõem a organização
hospitalar, Pitta (1994) identifica os pacientes e as equipes médica, de
enfermagem e administrativa, além dos outros profissionais que atuam nestas e
outras equipes. São citados também os fisioterapeutas, telefonistas,
nutricionistas, operadores de máquinas e tantos outros que participam da tarefa
de combater as doenças, alongar a duração da vida e até mesmo acompanhar
aqueles que morrem. Portanto, embora seja marcante e necessário o avanço
tecnológico e científico nesse tipo de organização, é o trabalho das pessoas
que determina a qualidade e a eficácia do tratamento. Ao longo do tempo, a
atividade de lidar com a dor, com a doença e com a morte tem sido identificada
como penosa e difícil para todos.
O cuidado hospitalar ocorre no contexto de uma
crescente racionalização das práticas hospitalares (Carapinheiro, 1998),
caracterizada, dentre outras questões, pela decomposição do ato médico global
em inúmeros outros atos diagnósticos e terapêuticos, realizados por vários
profissionais diferentes. Para ilustrar tal fato, basta imaginarmos os cuidados
de um paciente com diabetes internado com um quadro de descompensação. Além dos
cuidados iniciais do plantonista, que o recebe e o interna a partir do
pronto-socorro, ele receberá também cuidados da enfermagem e poderá ser visto,
em algum momento, pelo cirurgião vascular, pelo cardiologista, pelo
endocrinologista, pelo nutricionista, pelo assistente social, pelo psicólogo e pelo
fisioterapeuta. Além disso, ele terá seu corpo escrutinado por uma bateria de
exames, alguns deles bastante complexos, realizados em serviços diferentes e
por profissionais distintos. Uma das sobrecargas (talvez a maior) do processo
gerencial do hospital contemporâneo é conseguir coordenar adequadamente esse
conjunto diversificado, especializado, fragmentado de atos cuidadores
individuais, para que resulte em uma dada coordenação do cuidado (Merhy e
Cecilio, 2002). Tal dinâmica, cada vez mais presente na vida dos hospitais, é
um aspecto central a ser considerado na discussão da integralidade e na sua
correlação com o processo de gestão. Uma questão é pensar o trabalho em equipe
"como somatória de ações específicas de cada profissional, como linha de
montagem do tratamento da doença, tendo a cura como ideal (...), a hierarquia e
a rigidez de papéis codificados" (Nicácio apud Silveira, 2003); a outra é
pensar arranjos institucionais, modos de operar a gestão do cotidiano sobre a
micropolítica do trabalho que resultem em uma atuação mais solidária e
concertada de um grande número de profissionais envolvidos no cuidado. Nessa
medida, o tema da integralidade do cuidado no hospital, como nos demais
serviços de saúde, passa, necessariamente, pelo aperfeiçoamento da coordenação
do trabalho de equipe como um tema para a gestão hospitalar.
Em uma organização hospitalar, é bastante difícil
identificar funções estanques e objetivos claros, como também definir seus
limites de atuação. No entanto, pode-se dizer que o trabalho no ambiente
P.
142
hospitalar
e o modo como é organizado precisam ser analisados e estudados sistematicamente
para melhor compreensão desse tipo de organização.
Por todas as questões apontadas anteriormente, é
necessário pensar modos de fazer a gestão que tomem como referência a produção
do cuidado da maneira mais integral possível e que sirvam, ao mesmo tempo, como
referencial para a intervenção na gestão da micropolítica do trabalho em saúde
desses estabelecimentos. Assim, é preciso fazer a modelagem da gestão como um
todo a partir do cuidado ao paciente. Desde o início da década de 1990, têm
sido experimentadas novas maneiras de "governar o hospital", a partir
de dois movimentos principais: redução dos níveis decisórios (achatamento dos
organogramas) e condução colegiada das decisões, tanto na alta direção como nas
equipes prestadoras de serviço.
Descentralização e democratização das decisões: os
dois eixos capazes de reinventar um hospital de tradição centralizadora e com
fortes esquemas instituídos de dominação e controle. A aposta de fundo deste
tipo de opção é que seja possível, a partir de uma condução mais participativa
do hospital, obter maior grau de adesão dos profissionais para o projeto de
construção de hospitais de boa qualidade. É evidente que outros arranjos e
dispositivos precisam ser implementados na perspectiva da qualificação da
assistência. No entanto, o que deve ser destacado é que esses meios de fazer a
gestão, por suas premissas de democratização do modo de governar, têm como base
uma concepção do mundo caracterizada, dentre outros fatos, pela defesa de uma
sociedade mais participativa, mais solidária e inclusiva que, além de outras
questões, consiga viabilizar um sistema público de saúde universal, qualificado
e sob controle social.
Com tudo que se conseguiu experimentar e inovar,
percebe-se, no decorrer dos anos, que o desejo de "democratizar a vida do
hospital", apesar de parecer tão justo e necessário, encontra dificuldades
na sua implementação, sendo capaz de ser viabilizado apenas parcialmente. Algo
como se o hospital funcione com lógicas instituídas que resistem aos novos
arranjos mais coletivos e menos corporativos. Como se os espaços de
transparência e explicitação de compromissos públicos, como a qualidade do
cuidado, não conseguissem ser totalmente continentes para o mundo real do
hospital, com suas características singulares de funcionamento. Sem desconhecer
que tais arranjos que propiciam uma reflexão mais coletiva e solidária
continuam sendo importantes estratégias de gestão, é necessário interrogar que
outras lógicas do hospital precisam ser mais bem compreendidas e trabalhadas
pela gestão. Foi a partir desse tipo de indagação que a produção do cuidado
passou a ser estudada de maneira mais precisa. Não que não estivesse presente
nas formulações anteriores, mas tratava-se de radicalizá-lo como o eixo do
processo gerencial hospitalar (Merhy e Cecilio, 2002).
Pensar a gestão de um hospital é, antes de tudo,
tentar estabelecer da maneira mais clara possível quais os mecanismos de
coordenação adotados para gerir o seu cotidiano. Nos hospitais, há múltiplos
meios de coordenação, apoiados em lógicas bem diferentes.
Há
um modo de coordenar que se apoia, claramente, na lógica das profissões. O
pessoal de enfermagem conversa entre si para estabelecer escalas de trabalho,
rotinas, trocas de plantão, alternativas para cobrir as faltas de colegas etc.
Seria uma "conversa entre enfermeiro" para organizar o mundo do
trabalho da enfermagem. A referência para este grupo profissional é a chefia ou
diretora de enfermagem do hospital. Os médicos conversam entre si para cobrir
escalas, solicitar pareceres técnicos de outros colegas, em particular para
buscar apoio nas horas em que os problemas dos pacientes são mais desafiadores
e exigem "outra opinião". O mesmo tipo de coordenação pode ser
identificado entre assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, dentistas,
fisioterapeutas e outros profissionais de nível universitário que atuam
diretamente na assistência aos pacientes.
Há outro modo de se fazer a coordenação que segue a
lógica de "unidades de produção". Trata-se de uma coordenação voltada
para "produtos" ou serviços, envolvendo, necessariamente, múltiplos
tipos de profissionais ou uma equipe, como ocorre nas chamadas "áreas
meio", que são as produtoras dos insumos que serão usados no cuidado ao
paciente. Exemplos desta coordenação por unidades de produção: coordenação do
laboratório, da nutrição e dietética, da radiologia, do almoxarifado etc. O
fornecimento do serviço ou produto que caracteriza essas unidades (sua missão)
é garantido pela coordenação de distintos processos de trabalho de vários tipos
de profissionais, que é bem diferente da lógica de coordenação por profissões.
Quando observamos a coordenação das unidades
produtoras de cuidado, não há, em geral, a coordenação unificada ("um
chefe único"), na medida em que esta se faz, de maneira mais visível, pela
lógica das profissões: chefia médica do CTI e chefia de enfermagem do CTI;
chefia médica da maternidade e chefia de enfermagem da maternidade, e assim por
diante. Assim, caso seja possível nomear e reconhecer, de fato, um chefe (de
toda a equipe) do laboratório, um chefe (de toda a equipe) do almoxarifado,
isso não ocorre nas unidades assistenciais: cada profissão zela para preservar
seus espaços de poder e autonomia, segue uma lógica própria de trabalho e de
práticas profissionais e, portanto, de coordenação dos seus cotidianos Seria
possível dizer que o "chefe" (médico) do CTI coordena, de fato, toda
a equipe? Que poder ele tem para interferir na lógica de coordenação do
trabalho da enfermagem? Sabe-se que não. Então, como se explica que, afinal, é
possível realizar o cuidado ao paciente de modo integral, com começo, meio e
fim, do momento da internação até a alta (ou da entrada no PS ou até a saída
com uma receita), caracterizando uma terceira (e crucial) lógica de
coordenação: aquela com base no cuidado?
O delicado processo de coordenação do cuidado é feito
por meio de dois mecanismos principais. O primeiro deles é a criação de
"pontes ou pontos de contato entre as lógicas das profissões: médicos e
enfermeiros e os outros profissionais têm de conversar para que o cuidado se
realize. Uma coordenação "em ato", o encontro de duas práticas, de
dois saberes, em geral caracterizada por uma situação tipo comando-execução,
principalmente na relação entre médico e enfermeiros/corpo de enfermagem. A
prática da enfermagem (e dos outros profissionais) é, em boa medida, comandada,
modelada conduzida, orientada pelo ato médico (central) que detém o monopólio
do diagnóstico e da terapêutica "principal". Tal fato estabelece uma
relação de determinação da prática médica em relação às outras práticas
profissionais, mesmo sem desconsiderar que os profissionais não médicos, todos
eles, conservam sua especificidade e um bom grau de autonomia, próprios de suas
profissões. Pode-se afirmar que esses pontos de contato, esses canais, nem
sempre são livres, bem definidos e vistos ou aceitos como regras do jogo
institucional, e, por isso mesmo, são fonte permanente de ruídos, de tensões e
disputas. A questão que se apresenta refere-se à possibilidade da existência de
um tipo de coordenação menos verticalizado, mais fluido e mais
institucionalizado, centrado no cuidado.
A segunda estratégia para o sucesso da coordenação na
lógica do cuidado é o papel quase silencioso da prática da enfermagem no
cotidiano, de garantir todos os insumos necessários ao cuidado:
P.
143
a
enfermagem articula e encaminha todos os procedimentos necessários à realização
de exames complementares, supervisiona as condições de hotelaria, dialoga com a
família, conduz a circulação do paciente entre as áreas e é responsável por uma
gama muito grande de atividades que resultam, afinal, no cuidado.
A proposta de se fazer a gestão a partir da
integralidade do cuidado tenta dar conta dessas complexas questões. Sua
pretensão é criar mecanismos que facilitem a coordenação das práticas
cotidianas do hospital de maneira mais articulada, com canais de comunicação
mais definidos, sendo mais solidária e com menos conflitos.
Para isso, em primeiro lugar, é necessário entender
que a coordenação do hospital se faz seguindo várias lógicas, de modo que a
lógica de funcionamento de cada unidade de cuidado é apenas uma delas. A lógica
de coordenação das corporações é muito poderosa na vida da organização
hospitalar e, por sua natureza, busca garantir identidades profissionais,
defesa de espaços de autogoverno e relações de dominação - escapa das dimensões
mais coletivas da coordenação e segue reproduzindo-se. A própria lógica da
produção do cuidado e sua micropolítica transcendem o processo de coordenação e
as atribuições de uma equipe assistencial, na medida em que somente pode ser
realizada de forma horizontalizada, percorrendo várias unidades de cuidado do
hospital.
A partir do conhecimento de diversas experiências de
gestão participativa desde o início da década de 1990, é necessário pensar e
experimentar novos arranjos e dispositivos que sejam capazes de atuar sobre a
lógica da coordenação das corporações. Como respeitar a coordenação da
enfermagem como corporação profissional, com seus valores, suas representações,
sua lógica de funcionamento, que lhe garante sua identidade, mas integrando-a,
ao mesmo tempo, a uma lógica de coordenação mais horizontal e interdisciplinar
do cuidado? Como respeitar a autonomia inerente à prática médica, incorporando-a,
no entanto, à lógica do cuidado pensada de maneira mais integral? Como
construir a gestão de modo que a responsabilidade pelo cuidado ocorra em uma
linha de produção contínua, e que se transversaliza, atravessando, sem
descontinuidade, vários lugares do hospital ou até mesmo outros serviços de
saúde? Como submeter toda a lógica da produção dos insumos hospitalares à
lógica da produção do cuidado? Como recriar os espaços colegiados de modo a
torná-los mais continentes a essas várias lógicas? (Merhy e Cecilio, 2002).
As experiências atuais são dinâmicas e seu sucesso
depende de uma tenacidade e persistência da manutenção da participação como
centro da gestão. O grande desafio tem sido a organização das diversas áreas de
produção e de cuidado do hospital em unidades com autonomia de gestão dos seus
recursos humanos e materiais, controle dos seus custos e resultados, focados no
cuidado e submetidos hierarquicamente a este cuidado. A união de gestores, por
vezes 20 ou 30 em “comitês gestores" do hospital, estabelecendo o espaço
de negociação e decisão entre as diversas corporações com uma coordenação
focada na missão institucional, tem construído um modelo interessante. Isso não
está isento de conflitos, mas é passível de resolver os impasses em um clima
participativo, em que a autoridade se alterna conforme o foco de cada situação.
O desafio é distribuir o poder de decisão à linha de frente do cuidado. É
necessário acreditar que, apesar da cultura centralizadora e autoritária das
corporações, seja possível, por meio da experiência participativa e da
coordenação construtiva, elaborar um novo modelo de gestão, com base na
competência das lideranças e na responsabilidade pelos rumos da instituição.
Gestão do hospital
A influência do taylorismo nos hospitais é muito
significativa, a começar pelo movimento pela padronização e pela preocupação
com estabelecimento de métodos uniformes de trabalho. A seleção do trabalhador
e seu treinamento, o planejamento por parte dos superiores e a especialização
decorrente da divisão de trabalho são exemplos dessa influência nas
organizações hospitalares. Para desenvolver suas atividades, o hospital depende
de uma extensa divisão do trabalho entre seus integrantes, de uma estrutura
organizacional complexa com departamentos, equipes, cargos e posições e de um
elaborado sistema de coordenação de tarefas e funções (Trevizan, 1988).
Por serem organizações complexas que utilizam alta
tecnologia, precisam responder rapidamente às exigências do ambiente em
constante mutação. Assim, as organizações hospitalares são afetadas pelas
mudanças ambientais de maneira semelhante à que ocorre nas organizações
industriais e comerciais, sofrendo com a turbulência do ambiente e, portanto,
merecendo atenção especial dos pesquisadores e de seus dirigentes.
Essas organizações são denominadas, por Mintzberg,
"organizações profissionais", nas quais o trabalho de produção exige
qualificação de alto nível e não se presta bem à formalização. O saber e as
habilidades são formalizados por meio de processos de formação profissional, e
as normas são definidas pelas suas respectivas associações de classe,
caracterizando corporações profissionais que ora agem sinergicamente, ora
competem entre si pelo poder da organização. A autonomia profissional também
tende a favorecer a segmentação em grupos com interesses divergentes, o que
explica a dificuldade de promover mudanças nessas organizações. Estas poderiam
ser didaticamente estratificadas em cinco partes do ponto de vista da gestão
(Figura 9.7):
§
As áreas operacionais
§
A linha de mando intermediária
§
O ápice
estratégico
§
A tecnoestrutura
§
O staff de
suporte.
Algumas características distinguem a estrutura das
organizações profissionais das demais:
§
A padronização
das habilidades e não dos processos de trabalho
§
As habilidades
dos profissionais são desenvolvidas fora da organização por meio de treinamento
formal em instituições de ensino
§
O profissional
ingressa no hospital preparado (ou pelo menos deveria), e imediatamente recebe
autonomia e controle sobre seu trabalho
§
Os profissionais
trabalham com relativa independência de seus colegas, mas intimamente
relacionados com os clientes que atendem
§
A dificuldade de
definir e mensurar o produto hospitalar
§
A frequente
existência de dupla autoridade causando conflitos
§
A preocupação dos
médicos com a profissão e não com a organização
§
Altas
variabilidade e complexidade da natureza do trabalho, extremamente
especializado e dependente de diferentes grupos profissionais (Rodrigues Filho,
1990).
Assim,
na organização profissional:
§
A coordenação
necessária entre os profissionais é gerida automaticamente pelas habilidades e
conhecimentos, pelo que aprenderam a esperar uns dos outros
P. 144
Figura 9.7 Organizações profissionais. Fonte:
Mintzberg, 1995.
§
Conforme
o hospital assume as características de instrumento terapêutico, vai se
tornando mais complexo
§
Ao
contínuo aumento da complexidade da assistência à saúde se somam diversas
unidades voltadas a apoiar o trabalho dos profissionais.
Essas unidades são coordenadas por
profissionais, articulando-se como pequenas organizações dentro da organização,
conferindo aos hospitais características de organização diversificada. As
organizações diversificadas são aquelas que, por sua complexidade, exigem
mecanismos de controle por resultados (outputs) (Figura 9.8).
Gonçalves (1987) divide as funções do
hospital em funções externas e internas. As externas são naturalmente
realizadas pelos próprios integrantes da organização, pois se trata de
atividades aplicadas em benefício de pacientes e seus familiares. A primeira
delas é a prestação de atendimento médico e complementar a doentes em regime de
internação. A segunda função refere-se sempre que possível ao desenvolvimento
de atividades de natureza preventiva, fazendo parte da integralidade da
assistência. A terceira é a participação em programas de natureza comunitária,
procurando alcançar o contexto sociofamiliar dos doentes do hospital. A quarta
função é a sua integração ativa no sistema de saúde. A primeira função interna
se relaciona com a participação na formação de seus recursos humanos, buscando
ampliar a capacitação de seus próprios profissionais, além de contribuir para a
formação de integrantes da equipe de saúde. A outra função interna do hospital
é a participação no desenvolvimento de pesquisas em todas as suas áreas de
atividade.
Figura 9.8 Organizações diversificadas. Fonte:
Mintzberg, 1995.
Outra maneira de caracterizar as funções do
hospital é a destacada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o considera
como uma organização de caráter médico-social, com a finalidade de assegurar
assistência médica completa a determinada população e cujos serviços externos
se irradiam até a célula familiar (Borba, 1991)
O hospital é uma instituição considerada
imprescindível para o desenvolvimento da ciência e para a formação de recursos
humanos, uma vez que possibilita descobertas de novos conhecimentos
científicos, por meio da pesquisa, e é utilizado como campo de aprimoramento
técnico de profissionais. Nesse sentido, "o hospital é um de
profissionalização" (Trevizan, 1988).
Hospital como estrutura
empresarial
De acordo com Kaplynsky (1997), as
experiências de empresas que obtiveram sucesso em sua reestruturação passaram
por um processo de três estágios. Primeiramente, as empresas desenvolveram uma
estratégia apropriada às condições de mercado, reconhecendo seus vários
segmentos e compreendendo com detalhes as necessidades dos clientes.
Posteriormente, após definir e aceitar essa estratégia focada no mercado, as
empresas passaram a evidenciar sua própria estrutura organizacional e suas
relações com os fornecedores. Finalmente, partiram para transformar as
observações em ações, desenvolvendo e criando novas estruturas capazes de
assimilar os novos meios de relações gerenciais, funcionais e de relações com
fornecedores.
De maneira geral, no âmbito da área privada,
as organizações hospitalares têm enfrentado níveis acirrados de concorrência,
associados a uma pressão dos financiadores para a redução de custos e preços.
Na esfera pública, a insuficiência da média da remuneração dos serviços e dos
investimentos em tecnologias tem obrigado as instituições a buscar eficiência e
criatividade na gestão, quando possível, em razão de suas limitações. Em ambas
as situações, têm sido necessárias reestruturações organizacionais, devido a:
§
Necessidade
de desenvolvimento de uma cultura organizacional orientada para mudanças, sem
que se perca a coesão e a estabilidade interna, implicando uma visão explícita
e compartilhada da situação competitiva da empresa
§
Necessidade
de descentralizar e delegar às gerências maior autoridade, mantendo a visão de
introdução de mudanças
§
Necessidade
de ação rápida em resposta às oportunidades e ameaças, alcançando alto nível de
qualidade em seus produtos e/ou serviços, tendo ao mesmo tempo de reduzir
custos e aumentar eficiências.
§
Thompson
(1993) sugere, em seu trabalho, que as organizações possam se estruturar em
unidades divisionais denominadas unidade estratégicas de negócio (UEN), que
teriam como principal responsabilidade desenvolver, produzir e comercializar seu(s) próprio(s) produto(s).
Desde meados dos anos 1970 que se vinha
falando na literatura acadêmica de uma espécie nova, as UEN, a partir da
experiência de planejamento estratégico da General Electric. Springer, em 1973,
e WiHiam Kearney Hall, em 1978, foram os arautos de tal conceito. A ideia era
fugir da grande diversificação conglomerada e da organização multidivisional
dos anos 1960 e 1970. Na década seguinte, generalizou-se a ideia de pensar
estrategicamente a atividade da empresa em termos de UEN. No emaranhado dos
departamentos e divisões
P.
145
e no
conglomerado de negócios (muitos deles não relacionado) em que se haviam
transformado as grandes empresas, deveriam ser identificados
negócios
que pudessem ser planejados e geridos independentemente.
No entanto, houve duas tentativas de contestar
seriamente o conceito de UEN nos últimos anos. Primeiro, Prahalad e Gary Hamel
enunciaram o conceito de que a estratégia deveria centrar-se nas competências
nucleares e "abandonar" todo o resto para terceiros. Como
consequência, o movimento de externalização (outsourcing) disparou e as
empresas ficaram mais focadas. Anos mais tarde, uma equipe de The Boston
Consulting Group enunciou o conceito de aptidões distintivas - diferentes das
competências nucleares de que falavam Prahalad e Hamel. As competências
distintivas são muito específicas. como o conhecimento
ou expertise em uma dada tecnologia processo produtivo, enquanto as aptidões
são coletivas e transversais a toda a organização. Contudo, o tema não é uma
unanimidade. Campbel do Ashridge Strategic Management Center, em Londres,
defende a ideia de que, apesar dos enormes esforços dirigidos à definição das
competências nucleares, à reengenharia de processos e ao desenvolvimento de
novos negócios, as empresas de maior sucesso organizaram-se em torno de
unidades estratégicas de negócio.
Fusco (1997) cita que, na sua forma mais básica, a UEN
pode ser encarada como uma unidade de planejamento definida em termos de
necessidades e oportunidades estratégicas, mas que quando o conceito se estende
ao nível operacional, resulta em unidades de negócios relativamente
independentes, com características próprias de negociação e aproveitamento de
oportunidades. As principais vantagens da adoção do conceito da UEN seriam:
§
Obtenção de
unidades operacionais mais focalizadas, proporcionando maior agilidade
operacional e controle das decisões gerenciais
§
Possibilidade de melhoramento
do nível de qualidade, tanto a curto como a longo prazo, propiciando uma
maneira mais eficaz de crescimento
§
Criação de bases
mais consistentes de conhecimentos - condição esta vital para implantação de
sistemas de gestão modernos e sustentáveis
§
Identificação de
agentes geradores e consumidores de recursos, propiciando planejamentos
específicos e adequados para cada setor.
A questão das terceirizações nos hospitais tem estado
permanentemente em pauta dos gestores hospitalares. A necessidade de qualificação,
certificação e sofisticação da operação das áreas de apoio não integrantes do
foco do negócio hospitalar (core business) tem conduzido áreas como limpeza,
lavanderia, segurança, produção alimentos e, em certas situações, a logística
para esse modelo de operação. Desde que desenhados e planejados adequadamente,
tais processos de terceirização têm aprimorado a operação dos hospitais, ao
passo que seus gestores podem se concentrar nas atividades finais, com foco no
cuidado dos pacientes e na eficácia dos seus resultados.
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Página nota de rodapé
Nota 1, página 120: Extraído do site http://my.clevelandclinic.org/abut-cleveland-clinic/overview/who-weare/mission-vision-values em 07/02/2015.
Nota 2, página 120: Idem, ibidem.
Nota 3, página 121: Simon Sinek é consultor de marketing, palestrante internacional e autor do best-seller Start with why: How Great Leaders Inspire Action. Sua palestra está entre as três mais populares no “TED Talks”. Extraído do site www.startwithwhy.com em 07/02/2015.
Nota 4, página 121: Palestra de Steve Jobs na apresentação do posicionamento estratégico da Apple em 2010. Extraído do site: http://www.slideshare.net/aurivan/posicionamento-estrategicoapple em 07/02/2015.
Nota 5, página 122: Extraído do site do jornal O Estado de São Paulo: http:/www.estadao.com.br/noticias/geral,entrevista-grupo-fleury-mantem-estrategia-de-aquisicao-para-2012,813903, em 07/02/2015.