SÓFOCLES. Antígona. Tradução:
Millôr Fernandes. 4ª edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996. (Formato DOC
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Este
material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade Informacional – LAI da
Universidade Federal de Goiás - UFG, em conformidade com a Lei 9.610 de
19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46, permitindo o uso apenas para fins
educacionais de pessoas com deficiência visual, não podendo ser reproduzido,
modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado por: Juliana Espíndola de Castro.
Revisado por: Wanessa Parreira da Silva.
Adaptado
em: maio de 2019.
ANTÍGONA -
autor: Sófocles
Quem foi Antígona, filha de Édipo, aquele que sem
conhecê-los, matou pai e casou-se com a própria mãe, tornando-se rei de Tebas
Mas ser filha dele (e portanto sua também irmã) significa mais do que isto. Na
arte de Sófocles, o destino ultrapassou os limites de vida de Édipo, trazendo conseqüências para sua filha Antígona e os irmãos. A jovem,
aqui, enfrenta sozinha o tirano Creonte e torna-se o elo principal do
desencadeamento do destino, dirigido contra o rei por sua própria
inconsequência. “A vida é curta e um erro traz um erro. Desafiado o destino,
depois tudo é destino” diz o coro. É também o destino de toda a cidade o que se
engendra entre os dois oponentes, entre dignidade e o medo. “Se alguém
perguntar quem for Antígona", que respondam: “foi aquela que morreu antes
de Tebas". A coragem de assumir o destino.
Antígona
CENA: Tebas, praia em frente ao Palácio Real,
onde outrora residia Édipo. Ao fundo o palácio, com três portas, das quais a
maior; no centro. É madrugada do dia em que os irmãos de Antígona, Etéocles e Polinices, morrem
lutando às portas de Tebas. Tendo fugido os argivos,
atacantes da cidade, Creonte, o rei, é o grande herói do dia. ANTÍGONA --
Ismênia, minha adorada irmã, existe ainda alguma desgraça que Zeus não nos
tenha infligido por sermos filhas de Édipo? Tudo quanto é doloroso e funesto,
tudo quanto é infame e vergonhoso caiu sobre as nossas cabeças sem diminuir a
fúria desse deus. Da estirpe orgulhosa e sofrida de Laio,
resta só nós duas. E agora, essa proclamação que nosso comandante lançou a toda
Tebas. Que sabes dela? Ouviste alguma coisa? Ou ignoras que os que amamos vão
ser tratados como inimigos? ISMÊNIA Não
ouvi coisa alguma, nem de mal nem de bom, sobre nossos irmãos, desde a hora
infeliz em que trocaram golpes fatais às portas da cidade. A última coisa que
ouvi foi o tropel dos cavalos de Argosfugindo noite
adentro. Nada mais me chegou de que eu pudesse me alegrar ou entristecer.
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ANTÍGONA Eu bem sabia. Por isso te trouxe aqui
fora, para que ninguém nos ouça. ISMÊNIA ---- O céus! Teu rosto antecipa a
angústia do teu coração.
ANTÍGONA Um e outro, os dois, ambos — nossos
irmãos morreram nessa guerra sem fim que travamos contra Argos, por umas
miseráveis escavações de argila e cobre. Polinices,
quase menino, acreditava em Argos e morreu por ela. Etéocles,
ainda mais jovem, lutou até o fim, defendendo do próprio irmão a última porta
de Tebas. Separados na vida, também não poderão se reencontrar sob o manto da
terra. Para Etéocles, que morreu nobremente pela
pátria e pelo direito, Creonte ordenou pompas de herói, respeito total e
detalhado a todos os ritos e costumes. Mas o corpo do desgraçado Polinices, o traidor, não terá sepultura.
Vieram me dizer o edital do rei proclama que
ninguém poderá enterrá-lo, nem sequer lamentá-lo, para que, sem luto ou
sepultura, seja banquete fácil dos abutres. Esse é o edital que o bom Creonte
preparou para ti e para mim — para mim, sim! --- e que virá aqui comunicar mais
claramente aos que pretendem não tê-lo entendido. Sua decisão é fria, e ameaça
quem a desrespeitar com a lapidação, morte a pedradas. Agora sabes tudo. Logo
poderás demonstrar se tu mesma és nobre ou se és apenas filha degenerada de uma
raça nobre.
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ISMENIA
Minha pobre irmã, se o caso é esse, que importa o que eu faça ou o que
eu não faça?
ANTÍGONA
Pergunto se queres dividir comigo o trabalho e o perigo.
ISMENIA Com que aventura me tentas? Que sentido
têm tuas palavras?
ANTÍGONA Procuro teu auxílio para enterrar um
morto.
ISMÊNIA
morto que Tebas renegou?
ANTÍGONA O morto que se revoltou.
ISMÊNIA
Você tem a audácia de enfrentar o edital de Creonte e a ira do povo?
ANTÍGONA — Nenhum dos dois é mais forte do que o respeito a um costume sagrado.
Enterro meu irmão, que é também o teu. Farei a minha e a tua parte se tu te
recusares. Poderão me matar, mas não dizer que eu o traí.
ISMÊNIA Ai de mim! Lembra, irmã, que nosso pai
morreu odiado e vilipendiado, depois que, juiz terrível, encontrando nele mesmo
o culpado que tanto procurava, arrancou, com as próprias mãos, ambos os olhos.
Depois a mãe e esposa, duas mulheres numa só, abandonou a vida pendurando-se
numa corda ignominiosa.
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Hoje a
terceira desgraça: perdemos, num só dia, dois irmãos, um derramando o sangue do
outro, se dando mutuamente o golpe de extermínio. E agora nós --- nós duas
sozinhas — pensa bem que fim será o nosso, mais miserável do que todos, se
desprezarmos o decreto do rei, desafiarmos sua força. Não, temos que lembrar,
primeiro, que nascemos mulheres, não podemos competir com os homens; segundo,
que somos todos dominados pelos que detêm a força e temos que obedecer a eles,
não apenas nisso, mas em coisas bem mais humilhantes. Peço perdão aos mortos
que só a terra oprime: não tenho como resistir aos poderosos. Constrangida a
obedecer, obedeço. Demonstrar uma revolta inútil é pura estupidez.
ANTÍGONA
Pois obedece então a teus senhores e glória a ti, irmã. Eu vou enterrar
o nosso irmão. E me parece bela a
possibilidade de morrer por isso. Serei amada para sempre pelos que sempre amei
e junto deles dormirei em paz. Devo respeitar mais os mortos do que os vivos,
pois é com eles que vou morar mais tempo. Mas você é livre para ficar com os
vivos e desonrar os mortos.
ISMÊNIA Eu não desonro nada; apenas não me sinto
com forças para desafiar o Estado.
ANTÍGONA
Se a explicação te satisfaz, vive com ela; eu vou colocar terra sobre o
corpo humilhado do meu pobre irmão.
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ISMÊNIA Vai, irmā
infeliz. Não tenho tua coragem nem tua indignação e fico aqui tremendo de temor
por ti.
ANTÍGONA
Poupa teu medo que a mim me basta o meu. Não é por não ter medo que
tomou esta atitude. Cuida bem de tua vida, que vale, desde já, menos que a
minha. ISMÊNIA --- Pelo menos esconde bem tua intenção, não fala a ninguém do
que pretendes. Se ainda mereço alguma confiança, fica tranqüila:
também não direi nada a ninguém.
ANTÍGONA
Não, denuncia! Fala a todos, conta a qualquer um! Se pretendes com o
silêncio diminuir meu ódio, estarás cometendo um erro irreparável. Proclama o
que eu faço em toda parte.
ISMÊNIA As
chamas da tua loucura me gelam de terror.
ANTÍGONA A minha loucura e a minha imprudência
velam a honra de um morto querido. Me arriscando por ele não corro o risco de
uma morte inglória.
ISMÊNIA
Vai então, da terra ao morto. Embora louca, a tua ação é cheia de
ternura. Sai Antígona pela esquerda do espectador. Ismênia entra no palácio por
uma das portas laterais. Entra o Coro
dos anciãos de Tebas.
CORO Raio
de sol, o mais brilhante que já surgiu na Tebas das Sete Portas, ilumina com
sua luz gloriosa os troféus e os tesouros, os homens e as armas que
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conquistamos do inimigo derrotado. Mostra ao povo
os escudos brancos antes tão orgulhosos e agora melancolicamente abandonados no
campo de batalha pelos donos em fuga. Irmão, conta em todas as cidades
helênicas, como o inimigo chegou a ameaçar nossas moradas: como apontou para o
peito de nossos guerreiros suas dez mil lanças sedentas de sangue: como foi
derrubado por Zeus, que tem horror às bocas cheias de jactâncias e lançou seus
raios de fogo sobre o capitão, que já cantava vitória na entrada principal da
amada Tebas. Como o inimigo caiu, tocha na mão, o baque do seu corpo contra a
terra ensurdecendo e apavorando os seus, transformando em gritos de terror as
correntes de ódio com que nos ameaçavam, virando a nosso favor a roda da
fortuna. Foi-lhes contrária a sorte, abateu-se sobre eles o punho do destino.
Sete capitães nas sete portas contra sete chefes guerreiros tebanos se mediram
e entregaram a Zeus, por intermédio nosso, o tributo de suas armaduras
destruídas. Dois desses capitães não viram o fim da luta, dois filhos do mesmo
pai, na mesma mãe gerados, irmãos mas inimigos, mortos um pelo outro, ambos
vitoriosos e ambos derrotados. Agora cabe esquecer a guerra, enterrar nossos
mortos e aproveitar as riquezas conquistadas. Cantos e coros a noite inteira no
santuário dos deuses!
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E que Baco, filho de Tebas, dirija a nossa
alegria e faça a nossa dança estremecer a terra. Entra Creonte, pela porta
central do palácio, acompanhado de dois assistentes. Veste-se com garbo real.
CORO Mas
eis aí que vem Creonte, filho de Meneceus, um novo chefe para um destino novo. Que intenção
terá, convocando com tanta urgência a Assembléia dos
Anciãos de Tebas?
CREONTE
Homens de Tebas, convoquei-os, anciãos e conselheiros da cidade, porque
sempre foram fiéis ao trono e ao poder de Lajo.
Depois mantiveram o mesmo respeito à pessoa de Édipo, enquanto governante, e
logo demonstraram igual lealdade aos descendentes do desgraçado rei. Façam com
que o povo todo saiba que a cidade está de novo em paz e segurança. Os deuses
novamente nos protegem depois de tantas provações. O chão de Tebas é agora o
duro leito de repouso dos que riam de nós. Ainda riram, mas como caveiras,
corpos em pleno vento, sem pátria nem tumba. Os abutres já nem podem se
levantar do solo, saciados que estão da carne do inimigo. Mas meu chamado tem
outra importância: já é do conhecimento de todos que os dois rebentos másculos
da estirpe de Édipo caíram na batalha, cada um maculado pelo sangue do outro,
cabendo a mim agora sentar no trono e assumir todos os seus poderes como
parente mais próximo dos mortos.
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Todos bem me conhecem, sabem bem da retidão e
clareza com que sempre agi. Mas não se conhece verdadeiramente um homem, sua
alma, sentimentos e intenções, senão quando ele administra o poder e executa as
leis. Quero lhes prometer ouvir sempre os mais sábios, calar quando preciso,
falar se necessário e jamais colocar o maior interesse do melhor, amigo e do
mais íntimo parente acima da mais mesquinha necessidade do povo e da pátria.
Com estas regras simples, agirei sempre para que esta cidade de memória curta
não esqueça mais uma vez quais foram os resultados da batalha e não confunda,
mais uma vez, o suor dos que combateram furiosamente com o suor do medo
misturado à poeira da fuga.
Por estas regras simples eis o que disponho sobre
os filhos de Édipo: Etéocles, que morreu defendendo a
cidade, deverá ser sepultado com todas as pompas militares dedicadas ao culto
dos heróis. Mas seu irmão, Polinices, amigo do
inimigo que nos atacava — Polinices -- que voltou do
exílio jurando destruir a ferro e fogo a terra onde nascera — e conduzir seu
próprio povo à escravidão, este ficará como os que lutavam a seu lado -- cara
ao sol, sem sepultura. Ninguém poderá enterrá-lo, velar-lhe o corpo, chorar por
ele, prestar-lhe enfim qualquer atenção póstuma.
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Que fique exposto à voracidade dos cães e dos
abutres, se é que esses quererão se alimentar em sua carcaça odienta.
O sentido da minha decisão é que, mesmo depois de
mortos, não devemos criar heróis e infames de maneira idêntica. Nunca, enquanto
eu for rei, Tebas dará tratamento igual ao criador e ao justo.
CORIFEU
Tua vontade será respeitada, filho de Meneceus,
tanto para o amigo como para o inimigo da cidade. Tens o direito e o poder de
determinar qualquer ação, seja com relação aos mortos, seja com relação a nós,
os vivos.
CREONTE Cuidem
então para que minha ordem seja cumprida. Faço dos senhores os fiscais da minha
decisão.
CORIFEU É tarefa pesada demais para nossa idade,
Creonte. Entrega esse dever a alguém mais jovem.
CREONTE
Não se trata de ato material de vigilância. Meus guardas já estão a
postos, velando um dos cadáveres para que seja respeitado e o outro para que
ninguém se atreva a lhe prestar a menor
reverência.
CORIFEU E que exigem mais de nós, então?
CREONTE
Que não tenham a menor condescendência para os que ousem me desobedecer.
CORIFEU Não conheço ninguém tão louco que vá
cortejar morte tão certa.
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CREONTE
Quem jamais saberá de que ousadias é capaz a ambição humana. O
cumprimento de minha dura decisão é a primeira prova de obediência que exijo do
povo que governo. Quem a desrespeitar morrerá, tão certo quanto eu ser, agora,
o rei de Tebas. Um guarda entra pela direita.
GUARDA Meu
soberano, não vou me desculpar dizendo que estou sem fôlego porque vim
correndo. Ao contrário, vim até devagar pois muitas vezes parei no meu caminho
pensando se devia continuar, ou se não seria mais sábio voltar para de onde eu
vim. Minha alma me dizia: "Imbecil, por que essa pressa toda em busca do
castigo?" Mas se eu voltava atrás a coisa piorava: “Desgraçado",
dizia o pensamento, “não pára no caminho. Se Creonte
souber por outro o que aconteceu, teus dias estão contados." Foi esse
debate, senhor, entre a certeza que empurra e a dúvida que freia, que
transformou um caminho curto numa estrada longa. Mas enfim, passo a passo, depois
de muita parlamentação entre mim e eu mesmo, cheguei, como vê, e por chegar
aqui estou, pois pelo menos uma coisa eu concluí— a mim não poderá acontecer
nada que não esteja no meu próprio destino.
CREONTE E
por que tanto medo e tão pouco fôlego?
GUARDA
Antes de lhe dizer o que foi feito, eu gostaria de lhe dizer que não fui
eu que fiz, nem vi quem fez, e acho que ninguém pode ser castigado pelo que não
fez nem viu.
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CREONTE Já
vi muita gente pagar apenas por falar demais. Que crime você tenta encobrir com
esse mar de palavras sem sentido?
GUARDA meu
rei, ninguém gosta de ser arauto de desgraças. O cadáver, alguém o enterrou
rapidamente e desapareceu. Quando vimos, o morto estava coberto de pó e terra
seca, e havia em volta outros sinais de que se tinham cumprido os ritos
piedosos.
CREONTE
Me custa acreditar. A audácia é inconcebível! Quem foi?
GUARDA
Ninguém sabe. O chão estava liso, não havia marcas de enxada ou
picareta. A terra, dura e seca, sem traço de rodas ou qualquer marca que
pudesse levar ao criminoso. Quem praticou o ato não deixou vestígio. O corpo,
quando o descobrimos à primeira luz do dia, não estava bem enterrado, tinha em
cima uma poeira fina e alguma terra, como se alguém quisesse apenas mostrar seu
desafio ao decreto real. Também não havia em volta qualquer pegada de fera ou
cão faminto que, atacando os despojos, pudesse ter nos confundido.
Imediatamente começamos a nos acusar uns aos outros, aos gritos e impropérios,
e quase chegamos a nos agredir mutuamente, pois éramos todos réus, todos
juízes. Cada um jurou da maneira mais violenta a sua própria inocência,
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cada qual pedir para si próprio o mais duro
castigo, caso fosse culpado. Até que afinal uma voz mais sensata nos fez ficar
ainda mais apavorados, pois era desgraça igual fazer ou não fazer o que ela
propunha. Aconselhou que um de nós devia vir aqui te contar tudo em todos os
detalhes. Como não aparecesse um voluntário, a sorte foi tirada e coube ao
infeliz, aqui presente, o azar do prêmio. E aqui estou eu que não queria vir
nem sou bem-vindo, pois te repito, meu rei — sei muito bem que ninguém ama um
portador de más notícias.
CORIFEU
Creonte, uma reflexão: isso bem pode ser obra dos deuses.
CREONTE
Cala que o que você diz só faz aumentar a minha cólera e mostra que és
tão estúpido quanto velho. Ninguém vai me convencer de que os deuses iriam
proteger o covarde cuja intenção era justamente profanar os templos, pilhar os
pilares e os tesouros sacros. A não ser que, de agora em diante, os deuses
tivessem resolvido proteger a vilania. Não, o que há são intrigas de cidadãos
descontentes comigo, que criticam minha proclamação e conspiram e murmuram,
abanando a cabeça com descrença. Se recusam a curvar a nuca ao jugo do poder.
Foram eles, bem sei, que tentaram e subornaram alguém para a tarefa infame.
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Os homens não inventaram nada mais nefasto do que
o dinheiro. Corrompe as cidades, destrói os lares, mina as almas mais honestas
levando-as a atos cruéis ou vergonhosos, ensina perfídia ao mais ingênuo e
conduz até o santo ao sacrilégio. Mas fiquem certos, todos os que cobraram um
preço por essa traição, que cedo ou tarde vão pagar por ela um preço bem maior.
Quanto a ti: ouve bem o que te digo e juro: se não me trazes aqui o culpado
desse sacrilégio, um culpado palpável, vivo e humano, não te darei apenas a
morte por castigo, mas muito, muito mais. Porque, assim, os que virem a ti e
teus companheiros empalados vivos em uma estaca aprenderão que o dinheiro do
crime não se lega e que nem tudo pode ser fonte de lucro.
GUARDA Para homens humildes como eu, chega o
momento em que todo gesto é um gesto errado. Que faço agora? Falo, calo, vou ou
fico?
CREONTE O
simples som de tua voz me irrita. É mais - sábio que partas para encontrar
alguém mais miserável sobre quem possas lançar a culpa. Ou logo descobrirás que
o dinheiro que recebeste era vendendo a vida.
GUARDA Ai de mim! Dizem que a justiça é lenta mas
não existe nada mais veloz do que a injustiça.
CREONTE
Brinca com as palavras! Dou-te este direito. Mas se não inventares bem
depressa um réu para o teu crime, verás que um lucro criminoso rapidamente se
transforma em amargo prejuízo. Entra no palácio.
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GUARDA Que
outro qualquer procure e encontre esse culpado. Não eu. Que o destino apanhe ou
não apanhe, minha cara aqui ninguém vê mais. Os lugares onde vivem os poderosos
são insalubres demais para o homem do povo. Confesso que até hoje nada me
aconteceu tão espantoso quanto sair
daqui com vida. Sai.
CORO
Muitas são as coisas prodigiosas sobre a terra mas nenhuma mais
prodigiosa de que o próprio homem. Quando as tempestades do sul varrem o
oceano, ele abre um caminho audacioso no meio das ondas gigantescas que em vão
procuram amedronta-lo: à mais velha das deusas, à Terra eterna e infatigável, ano
após ano ele lhe rasga o ventre com a charrua, obrigando-a a maior fertilidade.
A raça volátil dos pássaros captura, muita vez, em pleno vôo.
Caça as bestas selvagens e atrai para suas redes habilmente tecidas e
astuciosamente estendidas a fauna múltipla do mar, tudo isso ele faz, o homem,
esse supremo engenho. Doma a fera agressiva acostumada à luta, coloca a sela no
cavalo bravo, e mete a canga no pescoço do furioso touro da montanha. A
palavra, o jogo fugaz do pensamento, as leis que regem o Estado, tudo ele
aprendeu, a si próprio ensinou. Como aprendeu também a se defender do inverno
insuportável e das chuvas malsās.
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Vive o presente, recorda o passado, antevê o
futuro. Tudo lhe é possível. Na criação que o cerca só dois mistérios terríveis,
dois limites. Um, a morte, da qual em vão tenta escapar. Outro, seu próprio
irmão e semelhante, o qual não vê e não entende. Se não resiste a ele, é
esmagado. Se o vence, o orgulho o cega e vira um monstro que os deuses
desamparam. Só o governante que respeita as leis de sua gente e a divina
justiça dos costumes mantém sua força porque mantém sua medida humana. Em mim
só manda um rei: o que constrói as pontes e destrói muralhas. Entra Antígona
acompanhada pelo Guarda.
CORIFEU — Mas que coisa espantosa é essa que
estou vendo? Que portento dos deuses? Poderei por acaso fingir que não a
conheço, que não sei que essa que aí está é a bela Antígona, filha infeliz do
desgraçado Édipo? Que significa isso? Você é prisioneira? Desrespeitou o édito
do rei? Deixou-se surpreender num ato de loucura? GUARDA — Eis aqui quem
praticou o ato. Foi surpreendida quando tentava sepultá-lo. Mas onde está
Creonte? Creonte entra apressado.
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CORIFEU
Ei-lo que chega no momento exato.
CREONTE Que foi que aconteceu que torna minha
chegada assim tão oportuna? GUARDA — Meu rei, diz o provérbio que ninguém deve
jurar que não beberá mais desta água, que jamais fará isto ou aquilo. Porque
assim que juramos, tudo muda e nós também mudamos. Apavorado por tuas ameaças,
eu tinha me prometido jamais botar os pés aqui de novo. Mas logo estou de volta
porque peguei esta jovem no momento exato em que cuidava de enterrar o morto. E
agora, senhor, deixo-a contigo, para que a interrogues, julgues, castigues, e,
se permites, me vou o mais depressa, antes que outra confusão me envolva.
CREONTE
Onde, como e quando ela foi presa?
GUARDA
Repito que enterrava e consagrava o morto e agora sabes tudo. CREONTE —
Repetes o que te contaram ou foste testemunha?
GUARDA
Conto o que aconteceu: voltamos para o posto de vigília, apavorados com
ruas terríveis ameaças, limpamos o pó e a terra que cobria o corpo já em estado
de putrefação e nos sentamos perto, numas pedras, de costas para o vento, pois
o mau cheiro era insuportável. Cada um procurava ter os olhos mais abertos do
que o outro, e todos se punham aos palavrões e às ameaças se alguém, cedendo ao
cansaço, cochilava.
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Assim vigiamos até que o disco do sol ficou a
pino, cegando a todos com sua luz terrível. Súbito um vento quente nos envolve
num turbilhão de areia em brasa. O redemoinho se abate sobre as árvores,
arranca folhas, escurece o céu, enche toda a planície de destroços mil.
Fechamos os olhos e enfrentamos tremendo aquilo que só podia ser a maldição
celeste. Quando, enfim, passou a tempestade, esfregamos os olhos e vimos essa
mocinha aí, soltando gritos de horror e angústia como um pássaro desesperado
por perder os filhotes.
Foi exatamente o que ela fez ao ver o cadáver de
novo descoberto. E também proferia terríveis ameaças e lançava maldições sobre
os autores do que chamava de heresia. Cavando do chão, com as próprias unhas o
pouco de terra que podia, cobriu de novo o morto, ao mesmo tempo que, de uma
ânfora de bronze trabalhado, bebia e derramava sobre ele a tripla libação sagrada.
Vendo isso caímos sobre ela a prendemos sem que demonstrasse o mais leve
receio. Acusada do que fazia e do que tinha feito, não negou coisa alguma, me
deixando ao mesmo tempo alegre e triste. Pois é tão bom a gente se livrar de
uma desgraça quanto é penoso desgraçar os outros. Porém, sou franco, a mim o
que interessa mais é a minha própria pele.
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CREONTE
Você que está aí agora com a
cabeça curvada para o chão, você nega ou confessa a acusação?
ANTÍGONA
Confesso tudo. Não nego coisa alguma.
CREONTE Ao
Guarda. Ela te livra de qualquer acusação. Vai embora. Sai Guarda. A Antígona.
— Agora responde, sem muitas palavras, minha proibição não tinha chegado ao teu
conhecimento?
ANTÍGONA
Como podia alguém ignorar? Foi divulgada na cidade inteira.
CREONTE
Foi então um desafio bem premeditado?
ANTÍGONA Tu o compreendeste. A tua lei não é a
lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua
proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes
e os Estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de
ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram. Não, eu não iria
arriscar o castigo dos deuses para satisfazer o orgulho de um pobre rei. Eu sei
que vou morrer, não vou. Mesmo sem teu decreto. E se morrer antes do tempo,
aceito isso como uma vantagem. Quando se vive como eu, em meio a tantas
adversidades, a morte prematura é um grande prêmio. Morrer mais cedo não é uma
amargura, amargura seria deixar abandonado o corpo de um irmão.
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E se disseres que ajo como louca eu te respondo
que só sou louca na razão de um louco.
CORIFEU
Eis a filha inflexível de um pai obstinado; incapaz de se curvar ao
infortúnio.
CREONTE
Mas aprendi na vida que muitas vezes as vontades mais duras são as que
mais se amesquinham quando cedem: a dureza do próprio ferro se dissolve quando
levado ao fogo. E basta um palmo de freio para domar o cavalo mais selvagem. Há
os que mandam e há os que obedecem. 'Não há espaço para orgulho no peito de um
escravo. Ela já tinha mostrado sua insolência desafiando minha lei. Não
satisfeita exibe agora uma insolência maior se vantajando
do feito.
É evidente que eu sou mais homem, e ela o homem
se eu deixar impune a petulância. Não, embora tenha sido gerada por minha
própria irmā, esteja mais próxima do meu sangue
do que todos os que veneram Zeus no meu altar, nem ela nem a irmā escaparão a uma morte horrenda, pois sei muito
bem que a outra é cúmplice do crime. Tragam-na aqui -- acabei de vê-la aí
dentro agora mesmo, fora de si, agindo como louca. É comum almas fracas ficarem
possuídas de uma convicção inabalável enquanto tramam, na sombra, a traição.
Surpreendidas porém, pouco resistem e caem em desespero. Não sei o que é maior
em mim, se meu desprezo por essas criaturas ou meu ódio pelas que tentam
glorificar seu crime com palavras.
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ANTÍGONA
Que pretendes fazer comigo além de me matar?
CREONTE
Mais nada: isto me basta.
ANTÍGONA
Então por que esperas? Nada do que disseres poderá me agradar e nada o
que eu disser só poderá te ser agradável. A glória que eu buscava eu tenho e
ninguém mais me tira — a de dar a meu irmão um enterro digno. Todos aqui se
apressariam em concordar com o que eu fiz se não tivessem a língua travada pela
covardia. Mas essa é a vantagem dos tiranos — impor pelo medo tudo o que dizem
e fazem.
CREONTE Ainda palavras. Não há um só tebano que
pense igual a ti.
ANTÍGONA É o que eu duvido. Controlam a língua,
eis tudo.
CREONTE Não te envergonhas de lançar tal suspeita
sobre toda a cidade? ANTÍGONA - Se pensam como eu e calam estão errados. Se não
pensam o que penso estão errados. Ninguém pode chamar de crime honrar um irmão.
CREONTE E
o que ele matou, não era irmão?
ANTÍGONA
Irmão, sim. Filhos de um mesmo pai e de uma mesma mãe.
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CREONTE E você não o ofendeu, honrando o que
lutava contra ele?
ANTÍGONA Ele próprio não diria isso.
CREONTE Como? Concordaria em que honrasse um
traidor com cerimônias iguais às dele que deu a vida pela pátria?
ANTÍGONA Polinices não
era um escravo, era irmão dele. Também morreu em combate.
CREONTE Repito: combatendo contra a pátria que Etéocles defendia.
ANTÍGONA Combatendo Creonte, que Etéocles defendia
CREONTE O que importa é que havia uma guerra e a
guerra tem dois lados. Polinices escolheu o lado
errado.
ANTÍGONA Não é o que dizem os cidadãos de Argos.
Tu sabes muito bem que eles perderam a batalha mas não se consideram
derrotados. Afirmam que usas o cadáver para aterrorizar os que poderiam se
passar para o lado deles.
CREONTE Assim, andas ouvindo o inimigo?
ANTÍGONA O povo fala. Por mais que os tiranos
apreciem um povo mudo, o povo fala. Aos sussurros, a medo, na semi-escuridão, mas fala.
CREONTE Pois diga a esses que você chama de povo
que não falem mais. É o que aconselho aos que
amam a vida.
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ANTÍGONA O
mais apavorado é o que semeia o medo. A violência é mãe da violência. Ontem foi
meu irmão. Hoje sou eu. A quem, agora, se dirige tua intimidação? CREONTE — A
todos que pregam a desunião em Tebas.
ANTÍGONA A
eterna ameaça: a desunião enfraquecerá a pátria e ela cairá nas mãos de forças
estrangeiras. Assim o governante obriga o cidadão a curvar a cabeça a qualquer
prepotência.
CORO Não dê muita atenção ao que ela diz,
Creonte, filho de Meneceus. É o desespero quem fala.
Tu que esqueces que foi Creonte que acabou de nos dar a magnífica vitória sobre
Argos.
ANTÍGONA E
todos se esquecem de que foi Tebas quem começou a luta, por ambição de Creonte.
É Tebas quem, vencedora agora, avança sobre Argos destruída para impor seu
domínio a um povo quase irmão. Não nasci para o ódio, mas para o amor.
CREONTE
Fica contente então. Logo vais encontrar sob a terra todos os que te são
caros. Entra Ismênia.
CORIFEU Eis que aparece Ismênia no umbral da
porta, a amável Ismênia, chorando agora pela irmã querida. Uma nuvem de
angústia e de amargura altera lhe o rosto admirável.
CREONTE Aí
está ela, a que anda sempre se arrastando pelos cantos do palácio e preparando
para beber meu sangue. Alimentei dois monstros à sombra do meu trono, duas
víboras para me devorarem. Vem, confessa, participaste também da traição ou
vais jurar que ignoravas tudo?
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ISMËNIA Se minha irmā
permite, eu também sou culpada. Também participei, sou cúmplice.
ANTÍGONA Nunca! A justiça não admite que eu
concorde com isso. Você não aprovou meu ato nem eu permiti que me ajudasse.
ISMENIA Ainda é tempo de te dar minha aprovação.
E peço que me deixe repartir com você a sua culpa. Se se reconciliar comigo
talvez nosso irmão morto me perdoe também a inesitação
de antes.
ANTÍGONA Não queira repartir agora a culpa
daquilo em que não teve coragem de botar as mãos. Vive você. Minha morte basta.
ISMENIA Sem ti, irmã, que me interessa a vida? A
quem mais dedicar o meu amor? ANTÍGONA -- A Creonte, que te interessa tanto.
ISMÊNIA Por que zombar de mim dessa maneira
inútil?
ANTÍGONA Para esconder a pena que tenho de ti.
ISMËNIA
Então deixa que eu vá contigo.
ANTÍGONA Minha decisão está tomada. Salva tua
vida que eu não te invejo. ISMENIA --- Quem te inveja
sou eu, Antígona. Você morre em paz.
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CREONTE
Senhores, não é necessário muita perspicácia para verificar que são
ambas loucas, essas duas jovens. Uma é maluca de nascença. A outra acaba de
ficar neste momento.
ISMÊNIA Eu
gostaria, Creonte, que tu nos mostrasse qualquer criatura que conservasse seu tranqüilo bom senso ante tal desgraça.
CREONTE Foi ela quem a procurou desafiando um
poder muito maior que ela. ISMÊNIA —A diferença entre nós, Creonte, é que nós
duas ficamos loucas diante da desgraça e tua desgraça virá de tua loucura.
Condenas à morte a noiva de teu filho. CREONTE --- Não existe só um prado
fértil. Não existe só uma mulher no mundo. ISMÊNIA -- Hémon
concorda?
CREONTE Hémon é meu
filho, e meu comandante mais eficiente. Sabe que só decido o que é melhor e
está acostumado a obedecer.
ANTÍGONA Meu pobre Hémon,
como teu pai te julga bem, te julga mal.
CREONTE Basta! Não me interessa mais ouvir falar
do assunto.
CORIFEU Está decidido, que roubarás a esposa de
teu filho?
CREONTE Quem o decide é o destino. Aos guardas.
Levem daqui estas mulheres e que de agora em diante sejam vigiadas todo o
tempo. Pois mesmo os mais arrogantes se apavoram e procuram escapar quando vêem que a morte se aproxima. Saem Antígona e Ismênia,
levadas pelos guardas.
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CORO Felizes os que não provaram na vida o gosto
da aflição. Desgraçada da casa que os deuses escolheram para atormentar. Porque
os que moram nela pagam para sempre a escolha fatal.
Eu vi, os meus antepassados viram, que desde tempos
imemoriais os herdeiros de Laio herdam o poder e o
destino trágico. Uma geração não redime outra geração e a raça continua olhando
no infinito sem avistar jamais o fim de suas desditas. Os deuses implacáveis
não descansam, o ódio do céu não se limita. Agora mesmo Antígona, um raio de
esperança, brilhava suavemente na mansão de Édipo. Mas eis que num instante a
luz se transforma em sangrenta nódoa por causa de um punhado de poeira
oferecido a um morto e de algumas palavras imprudentes que não soube calar.
Porém, Creonte, embora haja os preferidos do
infortúnio e os preferidos da sorte, uma verdade maior impõe sua verdade: “Nada
de grande é dado ao ser humano que não venha acompanhado da dor
correspondente." Assim, não pisa demais teu inimigo porque é terrível quem
chega ao fim do desespero. É invencível o que não tem nada a perder. Cuidado
para que a infinita desgraça que vês hoje não te pareça, amanhã, ventura
gloriosa comparada ao que te acontecer. Entra Hémon.
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CORIFEU Mas aí vem Hémon,
teu filho mais novo. Olha que expressão sombria. É evidente que já sabe do
destino de Antígona. Antígona, que é o destino dele.
CREONTE Quando eu quiser adivinhos mando chamar Tirésias. Por enquanto prefiro enfrentar o
imediato. Que fazes aqui quando se necessitam na frente de combate? HÉMON --
Aproveitei a trégua momentânea, entreguei o comando a Megareu.
Meu irmão é mais velho e mais experiente.
CREONTE O comando eu o entreguei a ti. Que quer
dizer esta visita inesperada?
HÉMON Notícias sombrias me alcançaram no meio da
batalha.
CREONTE Por acaso vens envenenado de ódio contra
mim ou reconheces que como chefe de Estado agi em defesa da Pátria e, como pai,
procurei teu benefício? Estás comigo em qualquer decisão ou, como outros,
procuras analisar maliciosamente cada gesto que faço?
HÉMON – Meu pai, eu te pertenço. E tua sabedoria
desde cedo traçou para mim as regras que eu sigo sem hesitação. Nenhum noivado
poderia ser mais importante do que te conservar como meu guia.
CREONTE — Meu coração é grato por pensares assim.
Para isso temos e criamos filhos. Para que honrem a nós e
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nossos amigos e saibam enfrentar conosco os
mesmos inimigos. Renúncia pois a essa
mulher que na certa, não saberia manter nem a ordem em teu lar nem o calor do
teu leito. Uma mulher assim só encontrará companheiro ideal nas profundezas da
terra. Foi a única de todos cidadãos apanhada em aberta desobediência.
Eu não poderia decepcionar o povo que fez tantos
sacrifícios e nem meus homens em armas, que deram suas vidas pela causa,
permitindo que ela tratasse nossa vitória com desprezo.
Não adianta ela apelar para as ligações de sangue
e parentesco. Pois se não consigo governar minha própria casa, como poderei
manter minha autoridade na parte mais ampla do
Estado? Só se sabe comandar quem comanda até o mais ínfimo detalhe. Só
se sabe comandar quem desde cedo aprende a obedecer. A pior peste que pode
atacar uma cidade é a anarquia. Não estou disposto a deixar a indisciplina
corroer meu governo comandada por uma mulher. Se temos que cair do poder, que
isso aconteça diante de outro homem.
CORIFEU Para nós, se a idade não diminuiu nossa
percepção, tuas palavras são plenas de sabedoria.
HEMON Pai, a maior virtude do homem é o
raciocínio. Não tenho a capacidade e muito menos a audácia --- para duvidar da sensatez do que disseste.
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Contudo, posso admitir que haja outra opinião
igualmente sensata. Espero que não te ofendas se te contar que procuro, para
minha própria informação, e para a tua, ouvir o que se fala contra o trono. Considero
isso parte do meu ofício de soldado e parte de minha lealdade ao pai e
soberano. A ti, nenhum cidadão viria dizer o que se murmura na sombra e nas
esquinas:
“Nenhuma mulher – murmuram todos – jamais mereceu
menos destino tão cruel, morte tão infamante. Essa que ousou tudo para não
deixar o irmão ser pasto dos cães, e dos abutres, devia ser coroada pelo povo,
carregada em triunfo, vestida numa túnica de ouro.” Esse é o murmúrio
clandestino que corre por aí. Para mim não existe nada mais precioso do que o
teu bem-estar. Se te conto o que ouvi é só para que conheças que sobre o mesmo
assunto há mais de uma versão. Sábio é o que não se envergonha de aceitar uma
verdade nova e mais sábio é o que a aceita sem hesitação. Quando a tempestade
cai sobre a floresta, os abutres que se curvam à ventania resistem e
sobrevivem, enquanto tombam gigantes inflexíveis. Domina a tua cólera e cede no
que é justo. Jovem que sou, sei que o que digo vale muito pouco: acho que o
ideal era nascermos todos sábios, sem precisarmos aprender nada de ninguém. Mas
como isso acontece raramente, é bom ouvir opiniões contrárias.
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CORIFEU
Senhor, acho que farias bem dando atenção às palavras de teu filho, e tu
também, Hémon,ganharias ouvindo teu pai, pois ambos
falaram certo e con cautela.
CREONTE De nada vale minha experiência? Devo
aprender com um homem dessa idade?
HÉMON De tudo o que eu falei escolhe apenas o que
é sensato. Examina meus méritos, não a minha idade.
CREONTE De
que méritos falas? O de defender desordeiros?
HÉMON Para
os desordeiros te aconselho a morte. Os que ouvi cochichando eram homens do
povo, quase todos soldados. Comentavam também que não temos reservas para
perseguir o inimigo até as portas de Argos.
CREONTE O
que se ouve reflete quase sempre o que se quer ouvir. Estás descontente com as
ordens de combate?
HÉMON Há um profundo descontentamento.
CREONTE Que pretendes agora, me ensinar a
governar?
HÉMON Te pergunto também: tenho que respeitar
resposta tão infantil?
CREONTE Por quê? Achas que devo governar com a
opinião alheia?
HÉMON Nenhum Estado pertence a um homem só.
CREONTE A cidade então não é de quem governa?
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HÉMON
Pensando assim serias um bom governador, mas de um deserto. CREONTE
—Vejam a fúria com que defende uma mulher.
HÉMON Se te sentes mulher. Só estou te defendendo
de ti mesmo.
CREONTE Miserável! Combate: o próprio pai. Em meu
lar só tenho alimentado inimigo que se aliam a outros inimigos em todas as
esquinas da cidade. Se não conse- gue
me afastar do trono é só porque tem uma ambição sem causa. Um para fugir à
luta, outro para escapar ao fisco, aquele por um pedaço de terra, este por uma
mulher, todos são contra mim. Não te pedi, nem te permito que me fales como um
deles. Fala como meu filho, a quem tão cedo confiei minhas melhores tropas.
HÉMON Mais do que como teu filho, falou pela
verdade. Repito: toda a cidade aprova a ação de Antígona, mesmo os que condenam
Polinices.
CREONTE É fraqueza fazer menos do que eu fiz. Não
basta apenas destruir o traidor. É preciso que seja exposto à execração para
que fique o princípio: OS QUE SE DEIXAM CORROMPER SÃO ABATIDOS. Se a minha mão
tremer, estou perdido. Se a minha voz hesitar, cairão sobre mim. E tu, que
ignoras tudo ou quase tudo, pedes-me que escutes a voz do povo. Essa voz que
gagueja frases sem sentido. Para fertilizar o solo é necessário força. Não se
pergunta ao solo se deseja a lâmina do arado.
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HÉMON Uma ordem generosa produz muito mais
frutos. Para os que governam saber esquecer é salutar.
CREONTE Para os governados ainda é mais. Por que
não esqueces essa por quem tanto te expões? Largaste as tropas para interpelar-mė. Defendes mais a ela que a Tebas.
HÉMON Defendo apenas a justiça.
CREONTE
Confundes justiça com o desejo de levá-la para o leito.
HÉMON Isso é o que eu chamaria de uma grossa
estupidez se não tivesse sido dito por meu pai.
CREONTE Tua audácia cresce.
HÉMON Que queres: falar sozinho e não ouvir
respostas?
CREONTE Fique certo porque é definitivo: essa
mulher não será tua. Pelo menos neste lado da vida.
HÉMON A morte dela não matará só a ela.
CREONTE Agora é uma ameaça. Fala claro que ainda
sou o teu pai, mas já não te compreendo. Vais pagar muito mais caro do que
pensas o insulto e o desafio.
Tragam aqui essa mulher odienta para que morra na
presença dele — sob o testemunho do olhar do noivo.
HÉMON
Nunca. Não penses que vou ficar aqui olhando com horror passivo a tua
monstruosidade. Olha bem para o meu rosto: nunca mais teus olhos me verão.
Continua, enquanto puderes, teus atos de demência sempre haverá um lacaio que
se fingira teu amigo e dirá que ninguém tem mais bom senso do que tu. Em tom
profético. Enquanto fores rei. Sai.
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CORIFE! Lembra-te, Creonte, que o jovem que saiu
daqui desesperado é teu filho mais moço. A dor que leva na alma é muito
perigosa nessa idade.
CREONTE
Que ele sofra e ameaçe o que bem entender seu desespero não salvará da morte essas duas
mulheres.
CORIFEU
Pretendes então mandar matar as duas?
CREONTE.
Não. Escapou-me a sentença. Uma não tem culpa do que a outra fez. CORO
--- E a que morte pretendes condenar Antígona?
CREONTE Enquanto o povo se distrai nas praças,
festejando a vitória, ela será enviada para um lugar deserto, enterrada viva
numa gruta de pedra, nas montanhas. Lá não lhe chegará um som de voz humana e
poderá conversar em paz com seus mortos queridos. Receberá como alimento apenas
a ração de trigo e vinho que os ricos fúnebres mandam dar aos mortos. É isso:
para se manter viva terá que se alimentar com a comida dos mortos. Entra.
CORO Quantas vezes uma fúria excessiva é apenas a
fraqueza apavorada. Mas é tão mortal quanto uma força verdadeira. A filha de
Édipo veste traje de luto e se prepara para enfrentar a sua hora, enquanto ao
longe se ouvem os cantos e os risos pela vitória que nunca é total, jamais sem
mácula. Mas o vinho de Baco é irresistível depois de uma batalha prolongada. Ó
deus do amor, tu que venceste sempre, mesmo quando as aparências diziam que
estavas derrotado. Ao sol do deserto em desespero, nas minas de sal cego ou sedento;
no mar tranqüilo ou furioso, o homem ama, e por amor
tantas vezes sucumbe. Mas nunca é do amor que parte a violência e sim dos que,
incapazes de amar, odeiam. Antígona sai do palácio acompanhada pelos guardas.
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E eis que vendo o que vejo não respeito lei nem
lealdade. Não é possível se conterem as lágrimas ao ver Antígona caminhando
para o sono no qual tudo se acaba.
ANTÍGONA Vejam bem, cidadãos de meu país, reparem
como Antígona dá o primeiro passo de seu último caminho. Com que angústia olho
o sol que não verei de novo. Hades, o deus que fecha
para sempre os olhos de todos os seres, a mim me conduz viva para as margens do
além. Me tiram o véu de noiva, me dão o véu do luto, e eu vou, sem cortejo nem
cantos nupciais, infeliz prometida do deus da escuridão.
CORO Mas caminhas para a morte escoltada pelo
respeito dos que te conheceram. Em tua cabeça há um halo de glória. A doença
não consumiu teu corpo. O tempo não desgastou teu rosto. Senhora do teu próprio
destino, única entre todos, desces viva ao mundo dos mortos.
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ANTÍGONA Ah, bem me avisaram do destino terrível
que caiu sobre a filha de Tântalo, no alto do monte Sipila.
As pernas presas por uma avalanche, seu corpo vivo ficou exposto ao tempo. As
heras cobriram-lhe o tronco, confundindo-se com seus membros, impedindo-lhe os
últimos movimentos. Dizem que não morreu, exposta ao céu, ao vento e à luz dos
astros. É sempre inverno lá. E dos seus olhos caem límpidas lágrimas de neve.
Quando me contaram essa história eu não sabia que os deuses me preparavam igual
destino.
CORO Ela era uma deusa, filha de deuses. Nós
somos humanos, filhos de mortais. Vês? Terás o glorioso fim reservado às
divindades.
ANTÍGONA
Sei, zombam de mim. Em nome de meus pais, não podem ao menos esperar que
eu vá embora, têm que rir de mim na minha cara? Ah, minha cidade, ah, Tebas dos
mil carros, ah, homens ricos e poderosos de minha cidade. Sejam ao menos
testemunha de que um dia, sem um amigo para chorar o meu destino e pela força
de leis que desconheço, penetrei viva numa tumba no coração da montanha,
sepultura espantosa. Ai de mim, que não tenho lugar na vida nem na morte, ai de
mim, sem lar entre os vivos, estrangeira entre os mortos.
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CORO - Com extrema audácia tu te lançaste contra
o duro pedestal do trono da justiça. Estás aí, caída, e a justiça está lá,
inalterada. Mas se te consola saber, tua provação já estava escrita. Estás
pagando ainda o crime de teu pai.
ANTÍGONA
Agora tocaste no ponto mais dolorido que há dentro de mim – a sorte de
meu pai. E me vem o horror do leito de minha mãe, o tenebroso leito onde ela
dormiu com o próprio filho. De que gente infeliz, de que desgraçado instante se
gerou meu miserável ser. Nada de estranho então que agora eu esteja aqui
abandonada e maldita, caminhando sozinha ao encontro deles. Ah, meu irmão, um
gesto de amor por ti me traz a morte. Vivo, era bom estar viva a teu lado.
Morto, me matas.
CORO O poder, posto em causa, não pode recuar.
Perdida pela cólera, tu que esqueceste de que a cólera não é um privilégio teu.
Ela aumenta na proporção do poder. Teu impulso foi tua perdição.
ANTÍGONA - Sem prantos, sem parentes, sem marido
é impossível retardar o meu destino. Infeliz, não tornarei a ver o luminoso
círculo do sol: em volta de mim, nenhuma lágrima. Nenhum soluço de amigo me
acompanha.
Entra Creonte.
CREONTE Não sabem que as lamúrias não cessariam
nunca se deixássemos os condenados à morte dizer tudo o que sentem? Fora com
ela, depressa, levem-na daqui. Quando estiver enterrada na montanha, como
ordenei, na escuridão, e só, ela que decida se deseja morrer ou prefere viver
emparedada. Não pretendo sujar minhas mãos com o sangue dela. Mas isso é certo
– viva o que viva jamais voltará a contemplar o dia.
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ANTÍGONA Tumba, alcova nupcial, eterna prisão de pedra,
seja o que seja, lá esperam mortos sem número, para abrir seus braços de sombra
a esta infeliz que desce à sepultura sem ter provado o gosto da existência.
Levo comigo a esperança de ser bem recebida por ti, meu pai, saudada com
alegria por ti, minha mãe, esperada com ternura por ti, meu irmão; pois na hora
da morte eu não os abandonei. Os corpos de meus pais, lavei-os e vesti-os com
minhas próprias mãos, encomendei-os aos deuses, pratiquei sobre eles os ritos
funerários. E é por ter ousado fazer o mesmo com teu corpo em ruínas, meu irmão
Polinices, que me dão a recompensa de te encontrar na
morte.
Contudo, os cidadãos sensatos apóiam
e dão razão ao meu comportamento. Sabem que se eu fosse a mãe de um filho e o
visse morto, ou se meu marido morto estivesse apodrecendo ao sol, eu não
enfrentaria a fúria da lei nem a incompreensão da maioria.
Qual a norma insensata – alguns vão perguntar –
que preside o meu comportamento? É que perdido um marido, não faltaria outro
para me dar outro filho. Mas com pai e mãe já nas sombras do sepulcro a vinda
de outro irmão não é mais possível.
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Eis porque coloquei acima de tudo as honras que Polinices merecia. E por um gesto de piedade me apontam
como ímpia. Porque respeito os mortos dizem que sou sacrílega. Mas breve, meu
destino cumprido, eu saberei dos próprios deuses se errei eu, ou se erraram os
meus juízes. Se o erro é deles, me falta imaginação para lhes desejar um fim
pior do que o que me impuseram.
CORO A mesma fúria sempre, como um vento fatal,
sopra em tua alma.
CREONTE Não demorará para que verifiques todas as
tuas dúvidas. Quanto a mim, que não duvido, não temo. Levem-na. Já retardaram
demais minha sentença.
ANTÍGONA Tu, Creonte, e todos os que te apóiam contra mim verão o meu cadáver e o de meu irmão se
multiplicarem por milhares nessa guerra sem fim. A vitória de uma batalha
enlouqueceu a todos e se atiraram sobre o chão do inimigo, na cobiça da posse
de uma terra que não lhes pertence. Mas já percebem que uma coisa é uma luta
meritória em defesa do próprio lar, da própria vida, e outra, mais difícil, a
luta pela conquista da cidade alheia, em terreno estranho.
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Já me chegou aos ouvidos que os campos estão
cheios de cadáveres nossos, que como Polinices não
recebem nem sagração nem sepultura. E agora não é por determinação mas por
incapacidade tua.
Ó, pátria de meus pais, terra de Tebas. Aqui vou,
com humildade, orgulhosa última filha da casa de teus reis. Se alguém perguntar
quem foi Antígona que respondam: foi aquela que morreu pouco antes de Tebas.
Sai, acompanhada pelos guardas.
CREONTE Ah, os que fazem predições em causa
própria. Quando o mundo acaba para eles, gritam que o mundo acaba.
CORO - Ei-la que vai ligeira, por entre os arcos
e as guirlandas dos festejos. Terrível é a misteriosa força do destino:
percorre distâncias infinitas e atravessa muralhas para ferir aqueles que
escolheu. Dele não escapa o rei, o bravo, o forte, o poderoso, porque o vai
apanhar, no céu, o raio, no mar, a tempestade, na terra, a peste ou o inimigo.
Mais forte do que o destino é a cegueira dos que não querem ver. Antígona
assistiu se forjarem espadas em fornos camuflados. E não indagou por quê. Viu
gente estranha em palácio trazendo mensagens misteriosas. E continuou tecendo o
seu véu de noiva sem buscar decifrá-las. As praças ficaram mais vazias, o frio
da morte atingiu muitos lares, mas a filha de Édipo só despertou do sono quando
ouviu o grito de terror em sua própria porta. Olhem agora metade da população
de Tebas que se embriaga e canta. A luz das fogueiras faz com que não vejam
nada na escuridão em volta. Nem poderiam chegar aqui gritos de dor distantes.
Entra Tirésias, conduzido por um menino.
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TIRÉSIAS Se celebram vitórias prematuras, a culpa
não é minha. Só se devem usar os louros quando já estão secos. Quando verdes,
seu gosto é muito amargo.
CREONTE Que é que isso significa? Pretendes me
assustar?
TIRÉSIAS Tu saberás uma e outra coisa se
decifrares bem os sinais da minha arte. Estava eu sentado no rochedo dos
augúrios, no local onde costumam se reunir todas as aves, quando ouvi um
barulho aterrador vindo do céu. Eram os pássaros se atacando uns aos outros em
desespero, com o bico e com as garras se rasgavam as carnes mutuamente, e as
vozes de todos, que em geral entendo, como se fossem humanas, tinham-se
transformado numa indecifrável algaravia. Tomado de pavor fiz acender logo a
pira do holocausto. Mas nenhuma chama se ergueu do sacrifício. A gordura das
coxas de animal pingava sobre as brasas produzindo borrifos violentos e uma
fumaça negra, O fígado explodiu soltando o fel. E os ossos descarnados
apareceram mais brancos que o normal.
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CREONTE Se entendo bem, é um terrível vaticínio
em tempo de vitória.
TIRÉSIAS
Descrevo-te os sinais como me foram descritos por este menino. Ele é meu
guia como eu sou de tantos. O que te digo é que meus ritos falharam e foi em
vão que implorei aos deuses um sinal, repetindo inutilmente a imolação. Todos
sabem que és tu o culpado da doença que ataca o nosso Estado. Os oratórios dos
lares e os altares dos templos foram maculados, um e todos, por pássaros e
cães, que devoraram pedaços da carcaça do filho de Édipo. Os deuses não estão
aceitando nossas orações e nossos sacrifícios. Nenhuma ave do céu solta um
grito feliz de bom augúrio desde que provaram a gordura de um defunto. Pensa
bem em tudo que te digo, meu filho. A hora do erro chega a todo ser humano. Mas
quem logo a percebe e se corrige é menos tolo, menos infeliz, tem menos culpa.
Não apunhala quem já não tem vida. Perdoa o morto. Poupa o cadáver. Só desejo o
teu bem, e é por teu bem que falo. Nada mais sábio que aceitar um conselho
quando ele vem em nosso benefício.
CREONTE - Velho, você e todos juntos atiram
dardos contra mim como se não houvesse outro alvo no universo. E usam sobre
mim, também, o anátema de todas as feitiçarias. A tribo dos videntes há muito
que me usa, é uma raça que não me tem poupado.
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Conheço muito bem esses teus pássaros. Eles voam
ao sabor de teu interesse. Sei que se abrir meus cobres eles voarão também de
acordo com a minha vontade. Enche tua bolsa com o ouro branco de Sardes ou com o ouro das Índias, se preferes. Mas nada me
obrigará a dar sepultura ao traidor. Nem que as águias de Zeus venham buscar
pedaços da carriça para horrorizar o Olimpo. Pois nenhum homem mortal por mais
putrefato que esteja poderá infectar os deuses. Presta atenção, carcomido
Tirésias, mesmo os mais espertos falham desgraçadamente quando enfrentam
propósitos ignóbeis com belas palavras, inspirados pelo amor do lucro.
TIRÉSIAS Ai de mim! Quem me dera ser um pouco
mais jovem. Na minha idade já não posso ter a ambição de que me acusas.
CREONTE A idade não te livra de culpa. Há os que
morrem roubando e amealhando, como se a vida fosse eterna.
TIRÉSIAS
Usas o teu poder contra indefesos. Ofendes porque não temes punições.
CREONTE
Que disse eu que não fosse verdade?
TIRÉSIAS
Que profetizo com intuitos baixos.
CREONTE Todos sabem que a tribo dos profetas não
resiste ao suborno.
TIRÉSIAS
Todos sabem que a raça dos tiranos só pensa em subornar.
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CREONTE
Esqueces de que falas a teu rei?
TIRÉSIAS
Como posso esquecer, se foi ouvindo meus conselhos que tu salvaste Tebas
e subiste ao trono?
CREONTE És um adivinho hábil e te sou grato, mas
preferes sempre vaticinar o mal.
TIRÉSIAS Se é assim me calo. Pois o que sei não
te traz alegria.
CREONTE Fala. Lembra porém que não negocio as
minhas decisões,
TIRÉSIAS Pois saiba então o fato que uma vez
sabido tu amaldiçoarás, pois não poderás mais esquecer: o sol não completará
muitas viagens e já estarás pagando com um ser saído de tuas próprias entranhas
a vida que acabas de enterrar e o morto que não deixaste sepultar. Repete agora
que eu só falo por dinheiro. Que me vingo de ti porque não fui recompensado.
Muito pouco tempo vai passar antes que gemidos de homens e mulheres comecem a
se fazer ouvir em teu próprio palácio. Um tumulto de ódio vai se erguer contra
ti de todos os caminhos onde passarem tuas tropas deixando mortos aos cães e
aos abutres. Pois tu falas de ambição. E no entanto os deuses se espantam vendo
como a tua aumenta dia a dia. Tua guerra continua.
CORO A
guerra terminou. Apenas se persegue o inimigo para assegurar nossa vitória. O
povo se embriaga de alegria. E os butins de guerra chegam a Tebas trazendo as
riquezas conquistadas.
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O homem partiu, ó rei, deixando conosco suas
terríveis profecias. Mas não sabemos o que temer mais em tudo o que ele diz: se
os augúrios que ouviu dos deuses ou as conclusões que tirou da própria
experiência. Quando o conhecemos, ele e nós ainda tínhamos os cabelos pretos, e
sabemos que nunca houve mais respeitável profeta na cidade.
Respeita-o tu também, mais uma vez, te
aconselhamos. Manda que a juventude de Tebas volte dessa guerra distante.
Perdoa Antígona o mal que ela não fez. Quem sabe ainda há tempo para aplacar as
fúrias.
CREONTE O
peso da decisão cai sobre minha cabeça, esmaga meu orgulho, mas já não tenho
escolha. A guerra, que poderia ter terminado quando o inimigo abandonou o cerco
ao redor de Tebas, já escapou agora ao meu controle. Fui obrigado a castigar Polinices para satisfazer alguns de meus comandos. A
condenação de Antígona, sei bem, fez muitos descontentes, entre eles Hémon, meu filho e capitão de minhas tropas. Disse que não
o verei mais e eu não quero mais vê-lo. Resta-me Megareu,
que poderá a todo instante mandar-me um mensageiro anunciando a vitória
definitiva sobre Argos. Aí, mais seguro do trono, poderei ser tão humano quanto
queiram.
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CORO Cede
agora, Creonte, enquanto há tempo.
CREONTE - Agora pedem que ceda. Mas antes estavam
todos a meu lado, enquanto tinham a certeza de que o cristal, o bronze e o
mármore de Argos seriam todos nossos. Quando isso parecia fácil, a guerra
parecia justa.
CORO A campanha foi longa demais e começamos a
pagar diante de ti teus próprios erros. Até que começaste a agir conosco com
mais crueldade do que com o inimigo.
CREONTE Percebo que a fala pueril de uma menina
minou a todos.
CORO Ela tinha todo o direito de tratar como
tratou a Polinices. Era irmão dela.
CREONTE O chefe do Estado tinha todo o direito de
tratar como tratou o traidor.
CORO O
direito de respeitar os mortos é mais sagrado.
CREONTE A
guerra criou um direito novo. E vocês mesmos o sancionaram.
CORO Quanto tempo nosso direito novo privará
Tebas da paz entre seus filhos?
CREONTE Apenas o tempo de vencermos Argos. Entra
Mensageiro, quase morto.
MENSAGEIRO
Senhor, um golpe terrível. Perdoa-me que eu seja um mensageiro da
desgraça. Teu exército está completamente destroçado dentro de Argos, batido em
fuga, ou aprisionado. Teu filho Megareu está lá,
morto, atravessado por uma flecha fatal, mas é apenas um corpo a mais, entre as
centenas de corpos abandonados no campo de batalha. Só lutam até o fim os que
não têm a coragem de fugir.
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CREONTE Megareu, meu
pobre filho.
MENSAGEIRO Foi um golpe infeliz do novo capitão.
Assim que Hémon partiu, depois de lhe entregar o
comando, Megareu reuniu todas as tropas para um outro
assalto, embora muitas vozes discordassem e nenhum soldado estivesse em
condições de luta. Era evidente sua intenção de tentar a vitória num ataque
audacioso que o colocasse à altura de teu outro filho. O ardor com que partiu,
a lucidez dos comandos e a segurança de que estava possuído deram a todos, por
algumas horas, a certeza de que, enfim, o inimigo estava derrotado. Mas, pouco
a pouco, a cidade devastada foi-se erguendo traiçoeiramente contra nós, se
transformando em tumba para os nossos. Os que escaparam vêm aí, em todos os
caminhos, feridos, sangrando, mutilados, perseguidos sem dó pelo inimigo. Corri
uma noite e um dia para pedir-te que mandes cobertura ou os nossos serão
massacrados até o último homem.
CREONTE Que cobertura se me resta apenas minha
guarda? Que proteção se Megareu está morto?
CORO Tens que salvar os vivos. Corre.
CREONTE
Pra onde? Que faço? Já não sei.
CORO
Esqueces que tens outro filho, maior comandante do que Megareu? Vai a ele e entrega-lhe o comando.
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CREONTE
Ele não aceitará, depois de tudo.
CORO Hémon conhece bem o seu dever. Vai, filho de Meneceus, enquanto há tempo. Liberta a jovem do seu túmulo
de pedra, enterra o morto em campa piedosa e põe nas mãos de Hémon a salvação de Tebas. É o que nos resta.
CREONTE Hémon, filho
querido, agora que teu irmão já não existe, a dor de sua perda me traz o terror
de te perder. Mas vamos travar juntos nossa guerra vã contra o destino. Venham
comigo todos e tragam machados. Não deixem que meu coração fraqueje vendo a
destruição que causei por não reconhecer que havia leis antes de mim. Sai com
criados e guardas.
CORO Ó tu que tens mil nomes, predileto de Zeus
Tonitruante, Baco, glorioso filho e protetor de Tebas, manda apagar as
fogueiras desse festejo prematuro, pois a fumaça do luto já sobe de nossas
chaminés. O inimigo não estava morto como diziam arautos levianos – apenas
beijava a terra maternal pedindo-lhe novas forças. Não fugira como cantava a
precipitação dos nossos chefes – procurando abrigo na floresta fizera de cada
árvore um terrível aliado. Não se entregara, como comunicava a empáfia da
proclamação geral. Quando vimos tinha entregado apenas velhos e feridos, bocas
que tínhamos que alimentar ou trucidar, enquanto eles ficavam mais
desembaraçados para a luta.
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E agora, os que cantavam choram. Os que poderiam
ter concedido uma paz honrosa e humana já não têm voz nem direito de implorar a
paz e aprendem mais uma vez a verdade cansada – toda espada tem dois gumes.
Nossas sete portas são agora sete terríveis ameaças. Mas as fúrias ainda não
parecem satisfeitas e mandam à frente do exército de Argos um inimigo ainda
pior: a peste. Ó dono das vozes negras da noite,
envia depressa a luz da aurora, pois se ela demora ninguém mais lhe saberá
dizer onde é que existiu Tebas. Que Hémon consiga
reagrupar nossas tropas em fuga é tudo o que nos resta de esperança.
E já vivemos bastante para saber quão terrível é
uma cidade depender de um homem. Entra Mensageiro. Que notícias, mensageiro?
MENSAGEIRO
Nenhuma que eu possa transmitir sem horror. Habitantes das casas de Anfion e Cádamo, não há posição
que o homem atinja em sua vida mortal que se deva invejar ou lastimar. Não se
diga que um homem é isto ou que não foi aquilo, que é perverso ou bom, sábio ou
estulto, antes que a morte chegue e com ela o balanço final de toda a vida. A
fortuna eleva e a fortuna humilha dia a dia, faz felizes e infelizes hora a
hora. Foi apenas há um momento que Creonte salvou esta terra da desgraça:
vestiu com justiça a toga do juiz, empunhou com propriedade o cetro do monarca.
Reinou, um breve instante, pai glorioso de filhos principescos. Um giro só da
roda da fortuna, e eis que perdeu tudo. Pois no estado em que está já não o
conto entre os vivos.
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CORO Que
nova desgraça pretende anunciar com tão terrível prólogo?
MENSAGEIRO
Hémon morreu. E não foram mãos estranhas que o
mataram.
CORIFEU Só
podem ter sido então as mãos do rei.
MENSAGEIRO
Hémon matou-se com suas próprias mãos,
enlouquecido pelo crime do pai.
CORIFEU Ó,
amargo Tirésias, adivinho fatal! Tu prevês a desgraça ou a provocas? Entra
Eurídice. Cala-te agora, que vem aí a infeliz Eurídice, mulher de Creonte, mãe
de Hémon. Pode ser apenas coincidência ou já terá
chegado a seus ouvidos o rumor da maré do infortúnio que nos cerca.
EURÍDICE
Gente de Tebas, amigos desta casa, quando me dirigia para o altar de
Palas, ouvi algumas das palavras que pronunciaram. O som do ferrolho, no
momento em que eu abria a porta, impediu-me de perceber com exatidão o alcance
da nova desventura. Mas já enfraquecida pela morte recente de meu filho Megareu,
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não resisti ao terror de mais uma desgraça e caí
sem alento nos braços das escravas. Agora estou mais calma e imploro que me
contem sem crueldade mas com precisão a amplitude do mal que me pertence.
MENSAGEIRO Senhora, lhe dou testemunho do que vi
e prometo não deixar nada sem ser dito. Por mais que doa a verdade, dói menos
que a mentira, pois dói uma só vez. Guiei Creonte até a região deserta em que
jazia Polinices, ou os restos podres e dilacerados
daquilo que ainda ontem sorria com esse nome. Rezamos à deusa dos caminhos e
pedimos a Plutão que contivesse sua ira. Lavamos o corpo com água consagrada e,
juntando aqui e ali alguns gravetos, respeitosamente incineramos os restos do
morto e seus poucos pertences. As cinzas foram, enfim, dadas à terra e sobre
elas fizemos um túmulo modesto. Partimos então em direção da câmara nupcial de
Antígona, onde a donzela esperava a morte emparedada viva. Alguém que ia na
frente ouviu um gemido de homem partindo da masmorra e veio, apavorado, avisar
o nosso rei.
Quando nos aproximamos, o clamor saído das pedras
se tornou ainda mais confuso enquanto o rei, desesperado, gemia e gaguejava
angustiado: “Desgraçado de mim! Mil vezes desgraçado se o que pressinto for
verdade. Essa é a voz do meu filho ou os deuses enganam meus ouvidos. Depressa,
servidores fiéis, entrem depressa! Se alguém passou vocês também podem passar.”
Afastando um pouco mais a pedra da entrada, penetramos acompanhados do rei, que
parecia louco. E, na parte mais profunda do sepulcro, descobrimos Antígona
enforcada, num laço feito com o próprio véu. Hémon,
abraçando-a pela cintura, chorava o amor perdido e invectivava o pai como
assassino.
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Mas Creonte, na dor do pai, ignorando a fúria do
amante, perguntou aos soluços: “Meu filho, que cegueira é essa? Ficaste louco?
Vem comigo, eu te imploro!” Hémon não respondeu.
Olhou-o com um olhar gelado e cuspiu-lhe na cara, ao mesmo tempo que num gesto
feroz atirava um golpe de espada contra ele.
Errando o golpe e vendo Creonte correr,
apavorado, Hémon jogou todo o peso do corpo contra a
espada, que o atravessou sinistramente, lado a lado. Moribundo, ainda abraça
Antígona com os braços frouxos e no espasmo da morte lança um jato de sangue na
face pálida da morta.
Morto abraçado a morto, lá ficaram. Eurídice sai.
CORIFEU A
senhora saiu sem uma palavra, boa ou má, como se a tragédia não a atingisse.
Como interpretam isso?
MENSAGEIRO
Estou também perplexo. Talvez que já tão dilacerada pela calamidade
anterior esteja incapaz de sofrer mais. Ou se conteve em público para dar
expansão à sua dor apenas na solidão da alcova.
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CORIFEU
Que sei eu? A continência excessiva é tão excessiva quanto o desespero.
Vai e procura protegê-la de si própria. Sai Mensageiro. Entra Creonte,
acompanhado de servos, e traz na mão a túnica e a espada de Hémon,
manchada de sangue.
CORO Eis o
que resta de nossa grandeza. Um velho trôpego que aperta contra o peito
dolorido as relíquias do filho malsinado. O tirano já não tem poder. O herói já
não tem vida. Tebas é um desespero, e o inimigo avança.
CREONTE
Olhem para mim e vejam a que preço aprendi a ser humano.
CORO Desgraçado de ti que aprendeste tão caro e
já tão tarde. Que não ouviste as vozes de conselho e confundiste o teu poder
com o teu direito. A todos nos perdeste.
CREONTE
Que deuses traiçoeiros me apontaram os caminhos que segui e nos quais,
me perdendo, perdi minha alegria? Entra Mensageiro.
MENSAGEIRO
Senhor, a dor com que entras em casa é semelhante à dor que lá dentro te
espera. A rainha morreu, igual ao filho na morte desgraçada – com golpes que
desferiu no próprio peito.
CREONTE Ó
céus insaciáveis, cujo ódio nenhum sacrifício diminui. Eu já estava morto e
outro golpe me mata em segunda vez. Quantas vezes preciso purgar os erros
cometidos? Quantos corpos dos que me cercam serão precisos para saciar a ira
divina?
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O meu não basta? Ergue o manto e a espada. Tebas
de Sete Portas, eis tudo que resta da estirpe de Laio.
Meu filho é morto e a espada com que iria deter o inimigo aqui está, manchada
do seu próprio sangue. Só então exibe a espada. Não temos mais comando nem
vontade. Não sei para onde olhar nem onde buscar apoio. Levem-me daqui. Para
onde eu possa morrer exposto ao tempo, a fim de que meu corpo desonrado acalme,
enfim, a ira dos deuses e aplaque a fúria do exército inimigo. Para que Tebas
não morra comigo. Sai, acompanhado pelos servidores.
CORO A
vida é curta e um erro traz um erro. Desafiado o destino, depois tudo é
destino. Só há felicidade com sabedoria, mas a sabedoria se aprende é no
infortúnio. Ao fim da vida os orgulhosos tremem e aprendem também a humildade.
Já tarde Creonte se oferece em holocausto. Tebas morre com ele. O inimigo
avança.
FIM
.