Título: Turismo
e Antropologia: contribuições para um debate plural.
Autor: Roque
Pinto, Xerardo Pereiro
Este
material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998,
não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Adaptado
por: Bruno Trindade
Imagens
descritas por:
Adaptado
em: Julho de 2022.
Padrão
vigente a partir de março de 2022.
Referência: PINTO, Roque; PEREIRO, Xerardo.
Turismo e antropologia: contribuições para um debate plural. Revista Turismo & Desenvolvimento, n. 13 e14,
p. 447- 454, 2010.
P. 447
Turismo e Antropologia:
contribuições para um debate plural
ROQU E PI NTO* [nota *] [ roquepintosantos@gmail.com ]
XERARDO PEREIRO** [nota
**] [ xperez@utad.pt ]
Resumo | Pretende-se aqui indicar alguns dos
principais contributos da antropologia para os estudos sobre o turismo,
tendo-se em conta suas aportações ao tema nos campos
teórico-epistemológico, metodológico e deontológico. A antropologia tem se
debruçado sobre o turismo tanto no âmbito da sua compreensão como um fenómeno
de amplas consequências do mundo social, quanto na provisão de uma
ferramentaria metodológica, auxiliando no refinamento da abordagem qualitativa
nos campos de investigação e análise da actividade,
especialmente através de etnografias baseadas na pesquisa participante e no uso
comparativo destas. E, dentro de uma perspectiva aplicada, estudos
antropológicos têm colaborado na implementação de políticas e práticas voltadas
para um turismo sustentável, buscando minimizar os impactos negativos da actividade nas comunidades receptoras. Desse modo,
considerando que o paradigma de análise e entendimento do turismo segue baseado
em premissas de origem económica e mercadológica, a antropologia do turismo vem
se projectando nas últimas décadas como um
contraponto qualitativo a tais abordagens, provendo uma aproximação holística e
integrada a outros campos disciplinares.
Palavras-chave | Turismo, Antropologia, Antropologia
do Turismo.
Abstract | This article intents to indicate some of the major contributions
of anthropology to studies of
tourism, taking into account their
contributions in the theoretical-epistemological, methodological
and applied fields. The anthropology has been concerned
with the tourism both in its understanding as a phenomenon of far-reaching consequences of the social world, as well as in the provision of
a methodological tool, assisting
in the enhancement of qualitative research in the fields of research
and analysis, especially through ethnographies based on research participant
and the comparative
use of them. And within an
applied perspective, anthropological
studies have collaborated to implement policies and practices for sustainable tourism in order to minimize the negative impacts of activity
on the host communities. Thus, whereas the paradigm
of analysis and understanding of tourism is
following based on assumptions of economics and
marketing, anthropology of tourism has been
proposed in recent decades as a qualitative
approaches counterpoint, providing
a holistic and integrated approach to other fields disciplinary.
Keywords | Tourism, Anthropology, Anthropology of Tourism.
P. 448
1.
Antecedentes do turismo na antropologia
Com a queda do
prestígio do estruturalismo francês e do cognitivismo estadunidense a
antropologia no plano internacional vem experimentando, nas últimas quatro
décadas, uma espécie de pulverização epistemológica, no âmbito do que se
convencionou chamar de crise de representação. Simultaneamente a esse processo
emergiram na arena antropológica novas estratégias de investigação e de
abordagens teóricas, como as formas simbólica, interpretativa, hermenêutica ou
fenomenológica, bem como os movimentos desconstrutivistas pós-moderno e pós-
estruturalista, e as apropriações antropológicas pelos estudos culturais (Reynoso, 1986, 2000; Trajano Filho, 1998; Clifford, 2002).
Dentro da produção académica, estratégias discursivas e metodológicas baseadas
na historicização, dialogização e narrati-
vização da praxis
disciplinar se tornaram vias quase que incontornáveis a partir da virada
crítica da década de 1970 (Stocking, 2002).
À guisa de uma reacção ao criticismo e ao relativismo epistemológico
radicais, presenciou-se no fim do século uma espécie de revisionismo teórico e
metodológico, além da reabilitação da etnografia como especificidade
metodológica e analítica da antropologia (Peirano,
1997), num movimento semelhante ao desagravo do conceito de cultura e da
cientificidade disciplinar, plasmado no que alguns autores chamam de uma
viragem neo-positivista.
É no bojo dessa
dinâmica que o turismo passa a figurar, na tardia década de 1970, no rol dos objectos de investigação da antropologia. Dentro da jovem
tradição académica da sócio-antropologia do turismo,
considera-se como texto fundador (Simonicca, 2001 e
2007; Smith, 1989; Pereiro, 2009; Santana Talavera, 2009) o artigo de Théron Núnez “Tourism,
tradition and acculturation: weekendismo in a mexican village”, publicado em
1963 na revista Ethnology (Núnez,
1963)1 [nota 1].
Nos anos de 1972 e
1973, respectivamente, Cohen apresenta uma primeira tipologia e MacCannell discute o problema da autenticidade no turismo,
este último buscando uma clara interlocução com Boorstin,
que no começo da década de 1960 publicara um trabalho sobre os “pseudo-eventos” no contexto da América do Norte (Boorstin, 1961; MacCannell,
2003).
Em 1974, no âmbito do
congresso da American Anthropological Association, na Cidade do México, pela primeira vez
reuniu-se um grupo de antropólogos para discutir especificamente o tema do
turismo, resultando na publicação do que viria a ser uma espécie de divisor de
águas e espoletador de um novo campo de investigação
na antropologia, o livro Host and Guest:
The Anthropology of Tourism, apresentando uma perspectiva sumamente pessimista
da actividade, sublinhando principalmente suas
consequências negativas sobre as comunidades receptoras (Smith, 1992 [1989];
Cohen, 2005). Alguns anos depois o mesmo grupo (com algumas adições e
deserções) revisa os trabalhos publicados anteriormente, reflectindo
numa visão mais relativizada, considerando o peso de outros factores
de mudança social nas comunidades receptoras que tendencialmente se atribuía ao
turismo (Smith e Brent, 2001).
Nas décadas seguintes
se viu um grande crescimento quantitativo e qualitativo da antropologia do
turismo, especialmente na Commonwelth e na Europa
ocidental, embora este campo de investigação ainda seja percebido com certa
reserva pela comunidade antropológica mais ampla (Crick, 1992; Nash, 1996;
Burns, 2002; Leah Burns, 2004).
P. 449
Com efeito, vale notar a importância da presença de
antropólogos, a partir desse momento, no desenho do produto turístico e o
esforço daqueles para, no contexto aplicado, buscar soluções práticas para a
minimização dos efeitos negativos do turismo e para uma activação
patrimonial sustentada nas comunidades receptoras (Santana Talavera, 2009;
Pereiro, 2009).
2. O turismo como objecto
antropológico
A própria natureza ontológica do turismo demanda um esforço
conjugado de várias disciplinas, considerando todos os problemas daí derivados.
Classificado como uma indisciplina (Tribe, 1997) ou
mesmo uma pós-disciplina (Coles, Duval e Hall, 2005), a penetração do turismo
pela antropologia foi marcada por uma pauta estabelecida mais ou menos nas
décadas de 1970-1980, segundo as proposições de autores como Cohen, Dann, MacCannel, Jafari, Nash, Smith ou Grabrun,
que de algum modo estabeleceram os principais pontos a serem problematizados e
que viriam a
ser
sedimentados por gerações posteriores de investigadores.
De
facto, ao definirem alguns temas a serem privilegiados nos estudos do turismo -
o “encontro” e seus “impactos” nas comunidades receptoras; o turismo enquanto
ritual; o turismo como uma réplica imperialista; a perspectiva semiológica ou o
tema da autenticidade -, os trabalhos pioneiros suscitaram uma série de estudos
posteriores (ratificando-os ou refutando-os), resultando numa espécie de
cristalização de alguns eixos de investigações no campo da antropologia do turismo.
Por
outro lado, a antropologia, como as demais disciplinas sociais, liga-se ao
turismo num plano em que a produção de conhecimento deste se dá mediada por um
núcleo estabelecido e orientado pelo sector empresarial (figura 1), como
ressalta Tribe (2004). Com isso, tem-se uma
multiplicidade de interesses que inclusive definem as eleições macro
relacionadas às formas de aproximação ao objecto
(investigações teóricas x trabalhos aplicados; foco humanista x foco
empresarial; uma orientação mais ou menos comprometida com a sociedade
receptora x uma orientação voltada para a mercadotecnia,
etc.).
Figura 1 | esquema de produção de conhecimento
no campo do turismo, baseado em tribe (2004).
P. 450
Nesse contexto, a
antropologia do turismo, consciente da escala global desta actividade
e manejando um marco teórico sistémico e processual (Santana Talavera 1997;
Santana Talavera e Pinto, 2008), lança luzes sobre as regularidades do encounter (Simonicca, 2007) e
suas implicações económicas, políticas e sociais (De Kadt,
1991; Smith, 1992; Jurdao Arrones,
1992; Burns, 2002), bem como sobre o componente simbólico que involucra a
prática turística (Nash, 1996; Barretto, 2009) e sobre as disposições que
subjazem à conduta do turista (Urry, 1999; MacCannel, 2003).
Considerando o turismo
como um “consumidor de culturas” e o turista como depositário de uma pauta
cultural que se torna itinerante (Santana Talavera, 2003; Pereiro, 2009), a
relação desta com o turismo - ou o interesse da primeira pelo segundo - dá-se a
partir de quatro valências:
i. De uma perspectiva
metodológica, traduzida no uso extensivo da ferramentaria etnográfica,
nomeadamente o trabalho de campo baseado na pesquisa participante;
ii. De uma abordagem conceitual, privilegiando o aspecto
holístico (e inescapavelmente social) do turismo, buscando inter-conexões
com aspectos sociais que impingem-no, tanto nas
sociedades emissivas quanto receptivas; e dando a ver os processos complexos
que se conformam a partir das interacções
estabelecidas no destino - e cujos efeitos podem se prolongar no tempo e no
espaço (Pinto, 2006);
iii. Do uso da etnografia como evidência científica,
oferecendo não só o produto da descrição etnográfica como instrumento
analítico, como também lançando mão do método comparativo, fundado na tradição
etnológica, como um recurso para a avaliação e mesura da actividade
turística em diversos contextos empíricos, notadamente com ênfase nos seus
efeitos na sociedade receptora (Pinto, 2008);
iv. De uma deontologia antropológica, especialmente no
auxílio a políticas e práticas voltadas para um turismo sustentável ou
minimizador de impactos negativos nas comunidades receptoras, levando a cabo um
conhecimento instrumental no âmbito da antropologia aplicada, mormente
utilizada em contextos rurais ou de comunidades autóctones (Grünewald, 2002;
Pereiro Pérez y Smith Inawinapi, 2007).
Desse modo, a
antropologia do turismo - entendida como estudos antropológicos sobre o turismo
(Santana Talavera, 2009), e que divide o objecto com
disciplinas contíguas e destas passa a compartir
enfoques, métodos e técnicas2 [nota 2] - tem se dedicado a alguns temas-problemas,
segundo sua própria dinâmica e trajectória.
Dentro do amplo rol dos
objectos cotejados por antropólogos ligados ao
turismo, um dos paradigmas mais proeminentes é aquele classificado por Simonicca (2001 e 2007) como o modelo do tempo livre (leisure, loisir) ou político-económico, que dá proeminência ao lazer como
estatuto necessário para o turismo, incluindo aí as pré-condições materiais
para o primeiro e a iniludível assimetria que marca a actividade
turística.
Esse modelo se centra
no turismo como uma possibilidade derivada do tempo livre (desobri-
gação das actividades e dos
constrangimentos quotidianos), da disponibilidade de crédito ou poupança
(acumulação pecuniária individual derivada do excedente colectivo)
e uma orientação social para a viagem (Smith, 1992; Smith e Brent, 2001; Graburn e Barthiel-Bouchier,
2001; Cohen, 2005).
Nesse sentido é particularmente
importante averiguar os dispositivos de mediação entre as sociedades que geram
e as que recebem turistas, no âmbito de uma divisão internacional do trabalho e
das assimetrias políticas e económicas no plano global, originadas por uma
desigualdade estruturante que
P. 451
marcaria as relações entre visitantes e
visitados como uma metonímia do contexto económico e político mais amplo (numa
figuração tipo primeiro e terceiro mundos). Sua
descrição mais incisiva adquire forma no trabalho de Nash (1992), para quem o
turismo seria uma emulação do imperialismo, pressupondo, nesses termos,
aproximações que nivelam-no a um signo de aculturação
e a um instrumento de poder político-ideológico.
O que subjaz a essa
argumentação é a assunção de um mundo organizado segundo um modelo
centro-periferia, donde as zonas turísticas seriam os locais de relaxamento e
de descarga de tensões acumuladas nas metrópoles emissoras de turistas,
representando as “periferias do prazer” ou satélites recreativos, áreas que
funcionariam como zonas de reposição psíquica e energética - pressupondo a
geração de um estado alterado de consciência dos trabalhadores no momento em
que estes se revestem de turistas - para a manutenção do sistema produtivo como
um todo (Jafari, 2005; Krippendorf,
2001).
Essa perspectiva
económico-política de abordagem ao turismo enfatiza o componente ideológico -
através de narrativas e imagens - na formatação do destino, que pressupõe o
estabelecimento de uma relação transitória e desigual entre os que trabalham e
os que fruem (Jurdao Arrones,
1992; De Kadt, 1991; Smith, 1992; Gascón
e Canada, 2005).
Nesse sentido, vários
autores reconhecem o
imbricamento entre
política e turismo como um campo importante de investigação para a melhor
compreensão do funcionamento do sistema turístico como um todo (Chambers, 2000;
Boissevain, 2007). E o destino turístico como uma
instância privilegiada de investigação (Santana Talavera, 2009; Simonicca, 2007), especialmente por representar o ponto de
confluência do sistema produtivo do turismo e ser o território donde se
processa a fruição do seu produto.
Assim, o destino
turístico aportaria importantes questões referentes às relações de poder, por
um lado, e por outro, ao simbolismo que conforma o lugar turístico no contexto
mais amplo da sociedade. Inclusive pelo fato do
turismo ser marcado por redes de interacção entre
diferentes atores dotados de distintas motivações e em diferentes posições
sociais, tanto nas sociedades emissivas quanto nas receptivas. Desse modo, as
disposições políticas, económicas e culturais são vectores importantes no
processo de modelagem de um espaço físico ordinário que é activado
para o turismo através de estímulos sensoriais e da manipulação do imaginário
(Santana Talavera e Pinto, 2008).
Nesse contexto o
turismo não só representaria um conjunto de actividades
altamente vulnerável ao seu entorno político, como também se configuraria como
um espaço de tensão que transcende o mero território de fruição turística: ele
se configura também como uma arena de disputas no campo do planeamento e
execução de políticas públicas e da repartição dos benefícios pecuniários do
turismo. E tais disputas se estenderiam desde o poder de definir efectivamente os contornos da economia política e delinear
formas de desenvolvimento local (De Kadt, 1979;
Smith, 1992; Jurdao Arrones,
1992; Boissevain, 2007) até o poder de nomear,
classificar e legitimar o que seria autóctone, típico ou “identitário”, isto é,
o poder de definir as “fronteiras do lugar” (Bianchi, 2003).
Assim, a própria
ambiência turística se converte num palco de poder modelado segundo as próprias
narrativas e imagens que o definem enquanto espaço turístico, um espaço cuja
condição de existência é o estabelecimento de relações transitórias e assimétricas
entre os que servem e os que são servidos (Smith e Brent, 2001; Nash, 1996; Simonicca, 2001; Santana Talavera, 2009).
Desse modo, as
capilaridades do poder que se verificam nesse “múltiplo e móvel campo de
relações de forças instáveis” (Foucault, 1993) contribuem para fortalecer o
carácter de subserviência através da dominação e do controlo do território
pelas elites locais a serviço do aparato turístico internacional
P. 452
(Nash, 1992; Smith, 1992; Gascón
y Canada, 2005), inclusive reforçando essas assimetrias ao tornar auto-evidentes e “naturais” tais formas de dominação.
Tais dispositivos de
vigilância e domesticação não se encontrariam apenas na óbvia relação
patrão-empregado-cliente/turista, mas sim no fulcro da própria concepção do
território como espaço turístico, no sentido de que o turismo pode desempenhar,
como indica Chambers (2000), um relevante papel tanto na política nacional
quanto local, uma vez que tende a reforçar padrões de dominação e de controlo
político. Nesse sentido, percebe-se um imbricamento quase orgânico, por um
lado, entre a formação da imagem turística, a própria concepção do turismo e
seus modelos de desenvolvimento, e por outro, a estrutura política local que
lhe dá suporte e modela seu horizonte de possibilidades (Pires, 2003).
3.
Conclusão
De acordo como Simonicca, a antropologia do turismo tem como objecto de análise fundamental o encontro (encounter) que se produz na relação de aceitação mútua
entre o hóspede e o anfitrião (guest/host) dentro de
um espaço antrópico e natural específico (território): “A mobilidade humana que
se origina em tal contexto se manifesta de várias formas nas fronteiras
culturais e revela graus distintos de conflitos identitários em relação aos
sujeitos implicados”. (Simmonica, 2007: 28).
Conforme Santana Talavera
(2009), os sujeitos de estudo antropológico do turismo compõem o conjunto de
indivíduos que desempenham algum papel ou são afectados
no e pelo cenário turístico, é dizer, um universo social conformado segundo as
diferentes fases do sistema de produção do turismo, desde sua concepção até sua
conclusão, desde a sociedade emissiva, a viagem, a fruição, até o retorno do
turista, contabilizando-se inclusive os investidores e responsáveis pelo
“desenho” do produto turístico, que podem até mesmo situarem-se espacialmente
fora tanto da sociedade emissiva quando da
receptiva3 [nota 3].
Desse modo, desde o
ponto de vista da investigação social, a actividade
turística se apresenta como um fenómeno total (Hernández Ramírez, 2006) e,
nesses termos, a ferramentaria epistémica e metodológica de que dispõe a
antropologia parece bem se adequar à complexidade multifacetada e à natureza
altamente mutável do turismo.
Assim, assumindo que,
para além de uma mera relação mercantil (Barretto, 2003 e 2009), o turismo é um
objecto transversal e que representa uma actividade humana complexa, integral, relacional, sistémica
e holística 4 [nota
4]
(Pinto, 2008; Santana Talavera and Pinto, 2008;
Santana Talavera, 2009; Pereiro, 2009), as implicações teóricas derivadas dos
estudos antropológicos sobre o tema apontam para uma perspectiva inter/multi/transdisciplinar e
compreensiva, em que as relações de poder5 [nota 5], as regularidades e as
mudanças sociais, a ritologia e o simbolismo que
revestem a actividade figuram como arenas
privilegiadas de investigação.
Como derivação das
assertivas epistemológicas, tem-se que, do ponto de vista do método, a
antropologia do turismo procura abordar seu objecto
desde uma perspectiva sistémica e processual, tendo como principal ferramenta
de campo a descrição etnográfica baseada na observação participante, fixando-se
como elementos básicos das unidades
P.
453
de
estudo os lugares, os atores sociais e os eventos significativos para a
investigação; e das unidades de observação, os processos, as regularidades, as
ações particulares e as variáveis do sistema (Santana Talavera, 1997).
Desse
modo, a contribuição principal da antropologia para os estudos sobre o turismo
reside na conjugação da descrição etnográfica com uma abordagem teórica
compreensiva, o que permite delinear um modelo metodológico totalizador do
sistema turístico com vistas a superar as visões redutoras que confinam suas
múltiplas dimensões e consequências em cunhos limitados como “sector”,
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Página de nota de rodapé
Nota *, página 447: Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da
Bahia (Brasil) e Professor Assistente na Universidade Estadual de Santa Cruz
(Brasil).
Nota
**, página 447: Doutorado em Antropologia
Social pela Universidade de Santiago de Compostela e Professor Auxiliar no
Departamento de Economia, Sociologia e Gestão, Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro / CETRAD.
Nota 1, página 448: O texto “Sul movimento dei foresteri
in Italia e sul dinero chi
vi spendono”, publicado por Bodio
em 1899, pode ser considerado o primeiro texto acadêmico sobre o turismo a
partir de um ponto de vista das ciências sociais. Em 1930 vem à baila o
trabalho de L. von Wiese, intitulado “Fremdenverkehr als zwischenmenschliche Beziehung”
(Santana Talavera, 2009). Trinta anos depois é publicado um trabalho mais
extenso sobre o tema, num marco mais estritamente sociológico, de autoria de Knebel. Contudo, estas obras representam apenas incursões
isoladas no campo do turismo, que só conheceria estudos sistemáticos de cariz sócio-antropológico a partir da tardia década de 1970.
Nota 2, página
450: Obviamente
não se está a falar aqui de um ecletismo teórico-metodológico permissivo e
estéril (Hernández Ramírez, 2006), mas sim de uma simbiose inter
e multidisciplinar necessária, em conformidade com a natureza do objeto.
Nota 3, página 452: Pode-se pensar, nesse caso, nos corporate
groups europeus que implantam resorts privados em
África ou na costa brasileira, por exemplo - e, por conseguinte, elucubrar
sobre o grau de responsabilidade daqueles em relação ao território turístico.
Nota 4, página 452: Nesse sentido, o turismo é pensado como um sistema
aberto, dinâmico, flexível e adaptável, concebido enquanto um conjunto
articulado de relações relativamente estáveis entre as partes de um todo.
Nota 5, página 452: Relações de poder que se estabelecem não apenas dentro do
espaço turístico, mas também nas sociedades emissoras e nos bastidores da arena
turística. Considera-se aqui, para efeitos teóricos e metodológicos, as transacções económicas como uma forma específica de relação
de poder dentro de um espectro mais amplo dos sistemas de dominação.