Este
material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998,
Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de
pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e
utilizado com fins comerciais.
Revisado
por: Sherry Barbosa
Natal,
julho de 2021
BARRETO,
Margarita. O Turismo na história. In: BARRETO,
Margarita. Manual
de iníciação ao estudo do turismo. 13. ed.
Campinas - Sp: Papirus Editora, 2003. cap. 5. p. 43-57.
Obs: As notas de
rodapé se encontram ao final do texto.
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O TURISMO NA HISTÓRIA
Histórico
do conceito de turismo
O conceito turismo
surge no século XVII na Inglaterra, referido a um tipo especial de viagem. A palavra tour é de origem francesa, como
muitas palavras do inglês moderno que definem conceitos ligados à riqueza e à
classe privilegiada. Isso aconteceu porque, durante o tempo em que a Inglaterra
esteve ocupada pelos franceses (normandos, século X até o XIV), a corte passou
a falar francês, e o
inglês escrito quase desapareceu. A palavra tour quer dizer volta
e tem seu equivalente no inglês turn,
e no latim tornare.
O pesquisador suíço Arthur
Haulot acredita que a origem da palavra está no hebraico Tur que aparece na Bíblia com o significado de “viagem
de reconhecimento”.
Viagens x
migrações
Para uma melhor compreensão da história do turismo, é
essencial retornar à diferença entre o conceito de viagem, que implica apenas deslocamento, e o conceito de turismo,
que implica a existência também de recursos, infra-estrutura
e superestrutura jurídico-administrativa. [nota 01]
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Também é preciso diferenciar viagem
de outro tipo de deslocamento. O homem primitivo migrava, procurando melhores
condições para seu sustento, caça. árvores frutíferas.
Isso não é o mesmo que viajar. Viajar implica voltar, e o homem primitivo
ficava no novo lugar desde que este lhe garantisse o sustento; ele não
tencionava retornar. Muitos povos viveram, durante séculos, de forma nômade, o
que tampouco tem a ver com viagens ou turismo.
Proto-história
do turismo
A proto-história do turismo pode
situar-se na antiga Grécia, entre os fenícios, na antiga Roma, ou até milhões
de anos atrás.
Há autores que situam o começo do
turismo no século VIII a.C., na Grécia, porque as
pessoas viajavam para ver os jogos olímpicos a cada quatro anos (De la Torre
1991, p. 12); outros acreditam que os primeiros viajantes foram os fenícios,
por terem sido os inventores da moeda e do comércio (Mclntosh 1972, p. 09), e é
muito provável que, se fosse realizada uma pesquisa em tempos anteriores, e em
outras culturas, além da greco-romana, encontrar-se-iam antecedentes ainda mais
remotos, chegando-se a supor que o ser humano sempre viajou, seja definitivamente
(migrando) ou temporariamente (retornando). As pesquisas arqueológicas revelam,
por exemplo, que, há 13 mil anos, os grupos humanos habitantes da Caverna de Mas-d’Azil, nos Pirineus franceses, viajavam até o mar e
retomavam (Leakey 1985).
Também se pode falar das viagens dos romanos como antecedentes
remotos do turismo, mas tendo sempre claro que são antecedentes remotos que não
podem ser comparados ao que hoje entende-se por
turismo, fundamentalmente no aspecto socioeconômico. Trata-se de viagens, seja
de prazer, de comércio, de descoberta, realizadas apenas por uma parte da sociedade: os homens
livres — as relações de produção capitalistas da sociedade industrial que
caracterizam o turismo atual não estavam presentes porque os serviços eram
prestados pelo braço escravo.
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Do ponto de vista motivacional,
porém, pode-se dizer que as pessoas estavam movidas pelos mesmos objetivos que
hoje caracterizam o turismo de lazer.
O Império Romano construiu muitas
estradas, o que foi determinante para que seus cidadãos viajassem, entre o
século II a.C. e o século II d.C., mais intensamente
que na Europa do século XVIII inclusive. De Roma saíam contingentes importantes
para o campo, o mar, as águas termais, os templos e os festivais.
Os romanos teriam sido os primeiros
a viajar por prazer. Informações obtidas através de pinturas pré-históricas,
azulejos, placas, vasos, mapas, demonstram que os romanos iam à praia e aos spas, buscando, nas primeiras,
divertimento (há registros pictóricos de moças usando biquíni, jogando bola na
praia), e nos segundos, cura. Houve uma praia chamada Baias, perto da atual
Nápoles e do porto imperial, que era resort
de inverno e de verão. Com o desaparecimento do Império Romano houve um
grande declínio do comércio, as viagens de prazer acabaram e as estradas
começaram a deteriorar-se e até mesmo destruir-se totalmente.
Viagens
obrigatórias (séculos 1I-X d.C.)
Por volta do século V, os invasores
visigodos, ostrogodos, vândalos e burgúndios, conhecidos
corno “povos bárbaros", tinham conseguido dominar a maior parte das
terras do império, que se dividiu em dois. Destes séculos de lutas nada foi
registrado sobre viagens, a não ser os deslocamentos dos próprios invasores,
mas sabe-se, por exemplo, que havia deslocamentos para festas da primavera, e
da colheita, em que era festejado o despertar do urso.
Entre os séculos II e III houve intensa peregrinação à
Jerusalém, à igreja do Santo Sepulcro, que fora construída em 326 pelo
imperador Constantino, o Grande. Esses peregrinos eram chamados palmeiros.
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A partir
do século VI, aproximadamente, registram-se peregrinações de cristãos (chamados
romeiros) para Roma. No século IX foi descoberta a tumba
de Santiago de Compostela, e tiveram início as peregrinações dos chamados
jacobitas ou jacobeus. Tais peregrinações eram feitas por terra e por mar, e
também havia as de budistas para o extremo oriente.
Após a conquista do Santo Sepulcro
pelos turcos, as peregrinações a Santiago tornaram-se tão importantes que, no
século IX, criou-se a irmandade dos trocadores de moeda para atender à
diversidade de moeda circulante no local e, em 1140, o peregrino francês
Aymeric Picaud escreveu cinco volumes com as histórias do apóstolo Santiago e
com um roteiro de viagem indicando como se chegar até lá a partir da França.
Diz-se que este foi o primeiro guia turístico impresso.
Na Idade Média, a sociedade estava composta, de um lado,
pelos proprietários das terras: a nobreza, que fazia a guerra, e o clero, que a
justificava em nome do deus dos cristãos, e, do outro, pelos servos, que
cultivavam as terras dos proprietários, dando-lhes metade da produção obtida
com seu trabalho. Esta sociedade feudal estava baseada na fixação do homem na
terra; era essencialmente agrícola e cada feudo auto-suficiente,
não sendo necessários deslocamentos para fora do feudo, já que não havia
comércio. As antigas estradas feitas pelos romanos foram destruídas pelo longo
tempo de desuso. Viajar, nesse contexto, era perigoso e caro, e implicava
enfrentar muito desconforto, portanto os senhores e clérigos viajavam somente
se fosse imprescindível, por questões administrativas,
oficiais, pela necessidade de saber ou por causa da fé.
As cruzadas, organizadas para recuperar o Santo Sepulcro,
colocaram nos caminhos da Europa muitos viajantes, entre peregrinos, soldados
e mercadores, o que propiciou a transformação das pousadas (antes caridosas) em
atividades lucrativas com a criação, em 1282, do primeiro grêmio dos
proprietários de pousadas, em Florência, que influenciou rapidamente todo o
sistema de hospedagem da Itália. Também nessa época começou o intercâmbio de
professores e alunos entre as universidades européias.
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No século XV, ainda há notícias de
que em Baden-Baden [nota 02] havia multidões de visitantes, motivados pelos
“costumes licenciosos entre homens e mulheres” que aconteciam nos banhos.
Este século também estará marcado
pelo começo de outro tipo de viagens: as viagens transoceánicas de descoberta,
tendo como principais protagonistas os espanhóis e portugueses, e foram essas
viagens que mostraram a existência de um mundo novo que todos passaram a querer
conhecer.
Antecedentes
do turismo moderno (séculos XVI-XVIIÍ)
Há uma teoria que diz que a
geografia determina em parte as culturas. A história do turismo parece
confirmar esta asserção, pois não deixa de ser interessante que o conceito de tour tenha surgido na Inglaterra, uma
ilha, na qual provavelmente sofria-se mais com a falta de comunicação.
No século XVI começou a haver um
incremento nas viagens particulares (não-oficiais).
Nessa época não havia meios de comunicação, a não ser a escrita e mesmo o livro
não era algo de circulação maciça; a forma de conhecer o mundo, outras
culturas, outras línguas era viajando.
Esse primeiro turismo também é diferente do turismo que
conhecemos atualmente, que surge com a modernidade, depois da revolução
industrial, com as relações de produção atualmente praticadas. Essa etapa,
chamada por alguns historiadores de “barroca”, estava caracterizada por uma
viagem realizada por jovens acompanhados de seu professor particular. Não havia
propriamente turismo, mas sim tours,
viagens de ida e volta, realizados pela classe privilegiada, uma minoria rica
(elite), um tour de aventura,
masculino (dizia-se e escrevia-se explicitamente que as mulheres não deviam
viajar), esporádico (eles não trabalhavam, viajavam
quando queriam e podiam) e com uma duração aproximada de três anos. Eles
chegavam ao continente em navios impulsados por velas e faziam sua viagem a
pé, a cavalo ou a lombo de burros.
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A idéia era que os jovens
- que depois viriam a exercer cargos na
classe dirigente, civil ou militar - adquirissem experiência de vida, firmeza
de caráter e preparação para a guerra. Muitos jovens “turistas” morriam em
duelos de espada, já que a arte de duelar era parte de sua educação e defender
a honra em um duelo era um dos valores primordiais daquela época.
Os ingleses dificilmente visitavam a
Espanha, que estava sob 0 domínio da inquisição, sendo considerada a
“besta negra” da Europa; andavam pelas regiões menos íngremes da França,
Alemanha, Itália e Países Baixos. Também os alemães começaram a viajar
bastante. A diversão não era a motivação fundamental, nem também a arte, mas
sim a aventura. Era desejável que o
professor que acompanhava o jovem falasse a língua local do país visitado e
tivesse estado antes para explicar os costumes. Um destes tutores chamou-se
Richard Lasseis e deixou um livro publicado em 1679, An itcilian Voyage [nota 03]
O comércio passava por um período de
grande expansão e, no século XVI, apareceu o primeiro hotel do mundo, o
Wekalet-Al-Ghury, no Cairo (Egito), para atender mercadores; na Itália,
apareceram as primeiras carruagens, que tinham mais luxo do que conforto. Havia
também algumas viagens de prazer; no mesmo século registravam-se 12 spas no continente, para pobres e
doentes, com programas de entretenimento. Havia também excêntricos que
viajavam para realizar feitos notáveis (como atravessar o Monte São Gotardo com uma carruagem).
No século XVII houve uma considerável melhora nos
transportes; inventaram-se a belina, mais rápida, de
duas poltronas e a diligência, mas os serviços eram esporádicos, rudimentares e
lentos; andavam a 4 milhas por hora. As primeiras linhas regulares de
diligências foram de Frankfurt a Paris e de Londres a Oxford, levando, cada
viagem, seis dias. [nota 04]
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Os caminhos eram ruins e sua
manutenção era realizada, em alguns países, pelos donos da terra por onde o
caminho passava, que cobravam pedágio. O primeiro destes
foi instalado em Hertfordshire (Inglaterra), em 1663.
Nos spas, os turistas começaram a se misturar aos doentes para
usufruir da recreação organizada e, pouco a pouco, apareceram spas somente para ricos, entre eles
reis e duques.
Há mais de uma versão sobre qual a
diferença entre o Petit Tour, que
caracterizou os primeiros tempos do turismo, e o Granei Tour. No século XVIII foi publicado um guia divulgando o Petit Tour, que consistia numa visita
ao Vale do Loire e o Granel,
que se estendia por Burdeus, Provenza, Lyon e Paris. Outros autores entendem
que o Granel Tour era Itália
(Veneza e Roma) e o Petit Tour,
apenas Paris.
No início do século, o clima de
guerra na França [nota 05] afugentou os turistas, e os jovens passaram a
visitar a Itália, especialmente Florença e Roma. Dizia-se que quem não
visitasse a Itália sentir-se-ia inferior pelo resto da vida; Roma estava cheia
de ingleses e, em Londres, fundou-se o Clube dos Dilettanti (1734), reservado
só para quem tivesse viajado para a Itália.
Paralelamente, houve uma mudança nas
relações sociais: a revolução industrial acontecida em Manchester e a reforma
protestante marcaram o início do capitalismo organizado. Nesta nova sociedade,
o domínio não podia mais ser exercido pela força; a grande arma doravante seria
a diplomacia. Começou, portanto, a haver uma preocupação mais humanista. O
turismo passou a ser educativo, com interesse cultural. É o período do chamado
"turismo neoclássico”, no qual a viagem era um aprendizado, complemento
indispensável da educação. O filósofo John Locke escrevia que esse aprendizado
era necessário para aprender a controlar os subordinados.
Em 1785 o historiador Gibbon relatava que havia mais de 40
mil ingleses, entre amos e servos, visitando o continente europeu.
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Os ingleses entendiam que todo homem devia conhecer o berço
da civilização greco-romana: o Mediterrâneo. No continente, os alemães também
tinham uma preocupação cultural muito grande nas suas viagens, gostavam de
estudar tudo. O dramaturgo Goclhc preparou sua viagem durante dez anos.
Havia muitas discussões entre os filósofos, porque alguns
diziam que as viagens não educavam, só traziam vícios. Os defensores das
viagens entendiam que as escolas jamais conseguiríam o mesmo resultado
pedagógico permitido pela observação direta dos usos e costumes, da política,
do governo, da religião, da arte de outras nações. Eles entendiam que os jovens
voltariam enriquecidos para exercer cargos políticos e que poderíam transformar
a Inglaterra, país conhecido como terra do comércio, em terra das artes e das
letras.
Nessas discussões, um Lord chamado
Shaftesbury já demonstrava a percepção do potencial econômico do turismo. Ele
preconizava que os jovens deviam visitar o continente e que a Inglaterra devia
ser visitada, pois esse era um novo tipo de comércio interessante. Ao mesmo
tempo, essa foi a época dos maiores assaltantes de
caminhos. No final do século, porém, a Europa pacificou-se e, com mais
segurança, as mulheres começaram a viajar acompanhando os maridos.
Outra coisa que contribuiu com o
desenvolvimento dos transportes e, consequentemente, do turismo foi a necessidade de agilização do serviço postal. Em 1784, John
Palmer introduziu a diligência para transporte rápido de correspondência e,
juntamente com as cartas, começou a levar passageiros.
Até então os turistas, quando tinham
que pousar, faziam-no em residências particulares ou alugavam refúgio. As
pousadas do caminho serviam para trocar os cavalos e para passar umas horas. Em
1774, David Low inaugura o primeiro hotel familiar, em Covent Garden,
Inglaterra.
O século XVIII também marcou a etapa do chamado turismo
“romântico”, quando as pessoas começaram a gostar de ar, montanhas, natureza.
Antes do movimento romântico, ninguém olhava para os Alpes como algo belo; pelo
contrário, há descrições como "horrível", "provoca
senso de horror ’ e outras. Depois a Suíça transformou-se na maior atração da Europa.
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Especialmente
quando os irmãos Lunn introduziram a prática do esqui naquele país.
O final do século
XVIII e todo o século XIX estará marcado pela nova
motivação: o prazer do descanso e da contemplação das paisagens da montanha.
Este tipo de turismo de contemplação da natureza terá cada vez mais adeptos como resultado da deterioração da qualidade de vida nos grandes
centros urbano-industriais.
Até o século XIX. a natureza era vista pelo homem como um desafio, algo
selvagem que devia domesticar; depois da industrialização começa a ser vista
como algo a ser preservado e desfrutado.
O turismo moderno (século XIX)
O surgimento do
turismo na forma que o conhecemos hoje não foi um fato isolado; o turismo
sempre esteve ligado ao modo de produção e ao desenvolvimento tecnológico. O
modo de produção determina quem viaja, e o desenvolvimento tecnológico, como
fazê-lo.
No século XIX, após
o advento da Revolução Industrial (século XVIII), começaram as primeiras
viagens organizadas com a intervenção de um agente de viagens e é esse o começo
do turismo moderno.
Em 1830 a ferrovia
Liverpool-Manchester, na Inglaterra, foi a primeira a preocupar-se mais com o
passageiro do que com a carga. Começava a era da ferrovia, determinante para o
desenvolvimento do turismo.
Em 1841, um vendedor de bíblias, chamado
Thomas Cook, andara 15 milhas para um encontro de uma liga contra o alcoolismo
em Leicester. Para um outro encontro, em Loughborough,
ocorreu-lhe a idéia de alugar um trem para levar outros colegas. Juntou 570
pessoas, comprou e revendeu os bilhetes, configurando a primeira viagem
agenciada. Em 1846, realizou uma viagem similar de Londres a Glasgow (Escócia)
com 800 pessoas, utilizando os serviços de guias turísticos. Era o começo do
turismo coletivo, a “excursão organizada” que atualmente leva o nome de all inclusive tour, package ou pacote.
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Cook deixou sua
marca mas não detinha o monopólio das viagens.
Primeiro trabalhou como operador e depois como agente de viagens. A verdadeira
importância de seu trabalho esteve em oferecer um pacote único de férias. Para
a famosa feira industrial de Londres de 1851 trouxe 165 mil excursionistas de
Yorkshire e, em 1856, levou um grupo à Europa continental.
Em 1865, Cook também fazia reserva de
hotéis e editava um guia denominado: “Conselhos de Cook para excursionistas e
turistas”. Em 1866 realizou seu primeiro tour
pelos Estados Unidos (mas não ficou satisfeito com a adequação dos arranjos
feitos). Em 1867 instituiu o vouchor
hoteleiro, em 1869 levou pela primeira vez um grupo ao Egito e à Terra Santa, e
em 1872 levou um grupo para dar a volta ao mundo, demorando 222 dias. As
inovações de Cook marcam a entrada do turismo na era industrial, no aspecto
comercial. No social, promoveu um significativo avanço, pois seu sistema
permitiu que as viagens ficassem mais acessíveis para os chamados segmentos
médios da população.
O turismo do século
XIX esteve marcado pelo trem em nível nacional, e pelo navio em nível
internacional. A sociedade toda esteve marcada pelas consequências desta
melhora nos transportes nas áreas de comércio, indústria, serviços e na
realocação de mão-de-obra. As pessoas deixaram de trabalhar na terra e passaram
a fazê-lo nas indústrias de manufatura, depois nos transportes, especialmente
na ferrovia e, finalmente, no setor terciário ligado à navegação. Apareceu uma
classe média que passou a ter cada vez melhores salários, podendo pagar
entretenimentos como futebol e corridas de cavalos.
Nos Estados Unidos, as distâncias eram
muito maiores, exigindo mais conforto, o que trouxe como consequência que, no
século XIX, Pullman inventasse o vagão-leito. [nota 06] A necessidade de comunicação
da Inglaterra com sua colônia (Estados Unidos) obrigou ao desenvolvimento da
navegação de alto-mar. Levando correspondência, os navios conseguiam um
subsídio importante que permitia transportar rapidamente
passageiros. O transporte de imigrantes da Inglaterra e da Alemanha foi outro fator importante de estímulo
à navegação. Foi a era dos cruzeiros marítimos para as
viagens de longa distância.
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Outros fatores que
contribuíram para o desenvolvimento do turismo no século XIX foram: segurança,
salubridade e alfabetização crescente. A segurança foi propiciada pelo
estabelecimento de polícia regular; a salubridade, pelo tratamento das águas e
a instalação de esgoto em várias cidades européias, diminuindo o risco de
cólera e tifo. O maior índice de alfabetização do povo levou à maior leitura
dos jornais que, informando, estimulavam o desejo de viajar.
Também teve grande
importância a reivindicação dos trabalhadores por
mais tempo de lazer, para a auto-realização, lazer este que normalmente traduzia-se
em turismo praiano. Este movimento por recreação racional, na Inglaterra, teve
grande apoio por representar uma alternativa aos pubs e à bebida.
Lentamente, a
melhora nos meios de transporte, a vida nas cidades, o trabalho nas fábricas
substituindo o trabalho doméstico irão transformar o turismo em fenômeno
mundial de massas.
No início, a
experiência de férias foi bastante controlada, com os acampamentos (holyday camps), onde todas as
atividades eram organizadas e todos os horários ocupados, num esquema similar
ao adotado atualmente pela rede Mediterranée.Em 1915,
o governo inglês adotou o uso do passaporte, com o qual o tráfego de turistas
passou a ser controlado.
A Primeira Guerra
Mundial demonstrou a importância do automóvel e, como consequência, os anos
entre 1920 e 1940 tornam-se a era do automóvel e do transporte terrestre em
geral.
No período entre-guerras, as férias
remuneradas passaram a ser uma realidade para uma grande parte da população
européia, permitindo que outras classes sociais menos favorecidas
economicamente também começassem a viajar, e que todas as classes começassem a
aspirar a uma viagem de férias. Concomitantemente, começou-se a implantar o
sistema de crediário.
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Em 1929, foi instalado o
primeiro Free Shop, no aeroporto
de Amsterdã (Holanda), fornecendo mais um benefício ao turista, que começou a
comprar mercadorias isentas de impostos, portanto a preços baixos.
A Alemanha e a Itália
foram os primeiros a terem férias totalmente financiadas pelo Estado para a classe
operária, ou seja, turismo social, mas esta atividade foi aproveitada pelos
partidos nazista e fascista para cultuar a pátria através das viagens e dar uma
preparação pré-militar aos jovens, com os resultados por todos conhecidos.
Turismo contemporâneo (1945-1990)
Entre 1939 e 1945 aconteceu a Segunda
Guerra Mundial, durante a qual o turismo ficou praticamente paralisado. Neste
conflito, mostrou- se a eficiência do transporte aéreo e, a partir de 1945, com
a criação da Iata (International Air of Transport Association), que regula o
direito aéreo, o turismo entrou na era do avião.
Depois de 1945, a
internacionalização da economia no mundo ocidental, por meio dos investimentos
feitos pelos Estados Unidos na Europa arrasada (plano Marshall e outros), assim
como a generalização do fordismo como sistema de produção, trouxeram
a formação de mercados de consumo de massa globais, incrementando uma série de
atividades internacionais, dentre elas o sistema bancário e o turismo (Harvey
1989, p. 137).
Em 1949 foi vendido o primeiro
pacote aéreo e, a partir de 1957, o turismo aéreo começou a ser preferido ao
turismo de cruzeiro pelo tempo ganho no deslocamento e pela introdução de
tarifas turísticas e econômicas por avião.
Por volta de 1960 começaram a existiras operadoras
turísticas, que ofereciam pacotes partindo do norte da Europa, Escandinávia,
Alemanha Ocidental e Reino Unido para as costas do Mediterrâneo. Na Inglaterra,
os pacotes também tiveram sua origem depois da Segunda Guerra, pois os vôos
regulares estavam reservados para as missões
oficiais.
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Já no final dos anos 60 o all inclusive tour passou a ser
responsável pela maior parte do movimento turístico.
Na segunda metade do século, a atividade
turística expandiu-se pelo mundo inteiro. O número de agências de viagens
aumentou em conseqüência do crescimento das companhias aéreas, que não tinham
capacidade para colocar suas próprias filiais e preferiam dar a venda de
passagens a varejistas. Nos anos 50 e 60, estas vendiam 75% de passagens aéreas; com o declínio do cruzeiro e da
ferrovia, passaram a depender exclusivamente das companhias aéreas e das
operadoras turísticas. Nos Estados Unidos, porém, as empresas aéreas
preferiram ter suas próprias filiais e as agências trabalham quase
exclusivamente como revendedoras das operadoras de turismo.
A hotelaria passou por uma modificação.
Antigamente os melhores hotéis estavam nos centros das cidades, mas com o
crescimento do turismo automotor, sobretudo nos Estados Unidos, onde o turismo
interno foi sempre significativo, construíram-se hotéis com estacionamento, a
princípio na beira das estradas: motéis (estrutura horizontal) e motor-hotels (estrutura vertical). A
falta de vagas levou as próprias companhias aéreas a investirem na área, como a
Panam, que adquiriu a cadeia Intercontinental e outras formas de alojamento
foram surgindo, como por exemplo os caravannings. [nota 07]
A atmosfera familiar do
hotel antigo, ou da hospedaria, deixou de ser do gosto dos turistas. Surgiram
as primeiras escolas profissionais de hotelaria na Suíça e começou a era das
grandes cadeias de hotéis padronizados e impessoais, [nota 08] que tiveram
origem nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, as pessoas deixaram de acreditar no
poder curativo das águas termais e os spas
precisaram mudar sua natureza, oferecendo outros tipos de tratamento de saúde
(emagrecimento, combate ao estresse, entre outros).
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Na década de 1970
começou, no Primeiro Mundo, a preocupação com o meio ambiente. Os americanos
foram pragmáticos: é preciso cuidar dos recursos naturais porque, caso
contrário, eles deixam de dar lucro. Em outras partes combateu-se a “poluição
por turismo” e hoje o turismo é uma das atividades que mais preserva o meio
ambiente.
Nesta segunda
metade do século também aparecem os órgãos de turismo encarregados de dar a
superestrutura organizacional, legislativa e administrativa para o fenômeno
turístico.
A partir da década
de 1980 começa o período de transição atual, em que estamos entrando
gradualmente no que poderia ser chamado de era do pós-turismo, como será
exposto no capítulo 11.
O turismo na América Latina e no Brasil
Os primeiros países
da América Latina a desenvolver o turismo receptivo foram Chile, Argentina e
Uruguai. Tratava-se de núcleos de praia, no mar.
Se, a princípio, surpreende
o fato de que os primeiros núcleos praianos tenham surgido em regiões frias e
não nas partes tropicais do continente, Acerenza (1991, p. 82) explica que o
fato deve-se aos imigrantes europeus vindos a esses países, que trouxeram o
costume de passar o verão à beira mar em temperaturas similares às encontradas
no novo mundo.
No Brasil, o turismo como fenômeno social
começou depois de 1920. Pode-se traçar um marco com a criação da Sociedade
Brasileira de Turismo, em 1923, que depois se tornaria o Touring Clube. [nota
09] O turismo surgiu vinculado ao lazer; nunca teve cunho de aventura ou
educativo, como na Europa. A partir de 1950, grandes contingentes passam a
viajar, mas, apesar de ser principalmente um turismo de massa, nunca atingiu o
total da população. [nota 10] As classes altas consomem turismo particular e as classes médias, turismo de massas.
Página 57
Ha
algumas instituições preocupadas com o turismo social, porém a crise econômica
atual está fazendo com que cada vez seja mais restrita a faixa de população que
tem acesso a viagens de longa distância ou duração. O meio de locomoção mais
usado é o avião, seguido do carro particular para distâncias curtas dentro do
país. O Brasil praticamente desconhece o turismo ferroviário e uma elite reduzida
faz turismo aquático.
Início
das notas de rodapé
Nota 01, página 43:(Neste contexto será utilizado o
conceito gramsciano de superestrutura, que define instituições difusoras de
valores e ideologias, ou seja, instituições normativas.)
Nota 02, página 47:(Estância termal alemã existente até hoje.)
Nota 03, página 48:(O lutor seria uma espécie de antecessor do guia dos
nossos dias.)
Nota 04, página 48:(Já em 1669, uma viagem Oxford-Londres demorava um dia no
verão, e dois no inverno; e, no início do século XIX, uma carruagem podia lazer
200 milhas por dia.)
Nota 05, página 49:(Tentativa de Luís XIV de anexar a Espanha e, através
dela. dominar também os territórios americanos.)
Nota 06, página 52:(Hoje conhecido como
carro pullman.)
Nota 07,
página 55:(Estacionamentos com água e luz para motor-homes (casas rolantes).)
Nota 08,
página 55:(O Holiday
Inn tem um padrão de mobília idêntico em quase todas as partes do mundo;
até o azul da piscina é especial. O objetivo é que o hóspede, esteja onde
estiver, saiba que acordou no Holiday
Inn.)
Nota 09, página 56:(Para detalhes sobre a
história do turismo no Brasil, ver Trigo 1991, Sobre o turismo na América do
Sul, ver Acerenza 1991, pp. 67-84.)
Nota 10,
página 56:(Acreditam os especialistas que apenas 30%
da população pode fazer turismo.)
Final das notas de
rodapé.