Este material foi adaptado pelo Laboratório de Acessibilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em conformidade com a Lei 9.610 de 19/02/1998, Capítulo IV, Artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Juscilene Maria da Silva.

Natal, maio de 2020.

 

KOUDELA, Ingrid Dormien.  Teoria.  In: KOUDELA, Ingrid Dormien.   Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 1-31.

 

[Todas as notas de rodapé estão no final do texto]

 

 

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1. Teoria

Na prática deve-se dar um passo depois do outro. A teo­ria deve conter toda a marcha.

BERTOLT BRECHT

O conceito de Lehrstück (peça didática) foi, desde a sua in­trodução por Brecht, amplamente difundido e interpretado. Tor­na-se útil iniciar com uma apresentação sumária da história do conceito, através da recepção crítica a que foi submetido. Esse histórico mostrará, ao mesmo tempo, a necessidade de examinar a fundamentação e a utilidade da peça didática pelo próprio Bre­cht.

HISTÓRICO

As análises marxistas das décadas de 50 e 70 sempre descre­veram a peça didática como rua de mão única ou descaminho. Se­ria a peça didática uma fase superada no desenvolvimento da dramaturgia de Brecht?

O consenso de especialistas afirmava que as peças didáticas pertenciam a uma fase de transição no pensamento de Brecht, à qual se seguiu, no final da década de 30, a fase madura do “teatro épico/dialético”.

 

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Via de regra, as peças didáticas foram estudadas à margem ou esteticamente desqualificadas, a partir de pontos de vista artísticos e/ou políticos fixados a priori, que impediam o acesso à sua poética. Essas peças, desprezadas por causa da rigi­dez da ação dramática, foram caracterizadas como “megafone do Zeitgeist”[nota 1], ou “personificação de ideias”[nota 2]. A peça didática, “de uma racionalidade cinzenta”´[nota 3], que ocultava uma “ânsia niilista de autoritarismo sem sentido (...) disciplina e crença”[nota 4], encontrou poucos defensores. Também Willet[nota 5] afirma que “privados de um enredo básico, somos projetados para o campo das palavras e idéias nuas e cruas, as quais nos conduzem a um julgamento (ostensivamente) firme e a uma conclusão (aparentemente) nítida e irrevogável”.

Durante o encontro internacional realizado na Alemanha em 1968 - Brecht-Dialog - evidenciou-se que a peça didática não era uma fase tão superada como se acreditava. Verificou se aí um intenso interesse pela teoria da peça didática de Brecht, tornando necessário repensar teses abandonadas e recolocá-las no contexto histórico e atual.

Através de um seminário sobre as peças de Bertolt Brecht, organizado em 1963-1964 por Karl Otto Conrady, da Universida­de de Kiel, foi iniciado um trabalho de pesquisa por Reiner

 

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Steinweg e Jehns Ihwe, a partir do tema “O Problema da Indivi­dualidade nas Peças de Brecht”. O trabalho realizado durante es­se seminário já apresentava muitos pontos de controvérsia em re­lação aos estudos existentes. A primeira edição maior de Escritos sobre o Teatro (Schriften zum Theater) de Brecht apareceu

nessa mesma época, e os textos até então desconhecidos sobre a peça didática confirmaram a tese formulada no trabalho de Steinweg e Ihwe de que a tipologia da peça didática sempre havia sido avaliada a partir de critérios falsos[nota 6]. A tentativa de descrever com maior detalhe a peça didática partiu de uma elaboração fi­lológica dos esboços, fragmentos e edições das peças didáticas.

A Peça Didática. A Teoria de Brecht para uma Educação Polí­tico-Estética é o resultado desse estudo[nota 7]. O trabalho fundamenta- se na tentativa de reunir e elaborar criticamente o material exis­tente no Arquivo Bertolt Brecht sobre a peça didática, partindo das observações teóricas, com o objetivo de identificar um proce­dimento adequado de trabalho com a peça didática[nota 8]. Um produto paralelo desse estudo é a edição crítica de A Decisão. Edição Crí­tica com uma Indicação para Encenação de Reiner Steinweg[nota 9].

Em uma pré-publicação, destinada a um público mais amplo, Steinweg apresentou pela primeira vez os resultados de suas pes­quisas, no caderno da revista Altemative[nota 10].

 

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Ao conceito geralmen­te aceito de que as peças didáticas seriam a expressão de um período de transição marxista vulgar no pensamento de Brecht, Steinweg contrapõe a tese de que não a peça épica de espetáculo (episches Schaustück), mas sim a peça didática (Lehrstück) con­duz a um modelo de ensino e aprendizagem que aponta para um “teatro do futuro”.

A diferença que Brecht estabelece entre peça épica de es­petáculo e peça didática nunca havia sido levada muito a sério, com uma única exceção: Walter Benjamin nomeia a diferença claramente, em 1932. “A peça didática sobressai como um caso específico, através da pobreza dos aparatos, simplificando e apro­ximando a relação do público com os atores e dos atores com o público. Cada espectador é ao mesmo tempo observador e atuante.”[nota 11]

As afirmações de Steinweg baseiam-se sobretudo em um es­crito de Brecht, datado de 1937, Para uma Teoria da Peça Didáti­ca, onde se lê: “(...) a peça didática ensina quando se é atuante, não quando se é espectador (...) subjaz à peça didática a expecta­tiva de que o atuante, ao realizar determinadas ações, ao assumir determinadas atitudes, repetir determinados gestos etc., seja in­fluenciado socialmente” (17, 1024). Steinweg parte do princípio de que a peça didática é constituída pela “regra básica” - atuação sem espectadores - e pela “regra de realização”, segun­do a qual “padrões estéticos que são válidos para a construção de personagens nas peças épicas de espetáculo (...) não têm função na peça didática”. O ato artístico coletivo com a peça didática realiza-se por meio da imitação e crítica de modelos de atitudes, comportamentos e discursos. Ensinar/aprender tem por objetivo gerar atitude crítica e comportamento político. As peças didáticas são modelos que visam ativar a relação entre teoria/prática, for­necendo um método para a intervenção do pensamento e da ação no plano social.

A teoria da peça didática de Brecht não é um complexo de­limitado dentro de seus escritos teóricos. Ela se constitui de vá­rios pequenos textos, anotações, referências. Muitas vezes, são observações que Brecht faz dentro de contextos diversos, mas que explicitam a gênese e o desenvolvimento da peça didática. Esse material foi reunido e historiografado por Steinweg que, a partir de um estudo filológico, estabelece a teoria de Brecht para uma educação político-estética.

 

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Em Das Lehrstück (1972), Steinweg reúne cento e vinte e cin­co observações de Brecht sobre a peça didática, vinte e duas das quais de autores que Brecht definiu como colaboradores (Eisler, Weill, Hauptmann, Wekwerth, entre outros). Os textos têm níveis de relevância diversos: ao lado de textos que são definidos por Brecht como “teóricos” e observações teóricas sobre a peça didá­tica em geral ou sobre peças didáticas específicas, existem traba­lhos preliminares, observações casuais feitas em contextos total­mente diversos, comunicações pessoais (cartas), nas quais as pe­ças didáticas são apenas mencionadas, e até uma série de textos poéticos. As observações sobre a peça didática foram, segundo o autor, abrangidas em setenta por cento dos escritos. Os textos dedicados explicitamente à teoria da peça didática foram abran­gidos em noventa, noventa e cinco por cento.

A parte analítica do trabalho de Steinweg inicia-se com a es­pecificação do conceito de peça didática. Diante da falta de clare­za com que esse conceito era utilizado pela recepção crítica, Steinweg estabelece a diferenciação entre peça didática e peça épica de espetáculo, recorrendo ao marco de diferenciação da “regra básica”. De acordo com Steinweg, o termo “regra básica” indica que “a determinação de atuar para si mesmo é o pressu­posto para a realização da peça didática como ato artístico”[nota 12]. Através dessa acentuação da regra básica, Steinweg entende o sentido das afirmações recorrentes de Brecht, entre 1929-1956, que qualificam a peça didática como um “tipo de empreendimen­to teatral” efetuado “menos em função dos observadores do que dos atuantes” (15, 239) e cujo objetivo de aprendizagem é alcan­çado quando a peça didática “é vivenciada, não quando é assisti­da” (17, 1024).

A defesa veemente de Steinweg a favor da reabilitação da pe­ça didática culminou na afirmação de que a peça didática e sua teoria conteriam a proposta revolucionária de Brecht para “um teatro do futuro”, enquanto as peças épicas, escritas no exílio, re­presentariam apenas “soluções de emergência transitórias”[nota 13].

O trabalho de reconstrução da teoria didática de Brecht, rea­lizado por Steinweg, que propõe a peça didática como tipologia específica na dramaturgia de Brecht e como fundamento de uma prática pedagógica e teatral, é pioneiro, à medida que até então as explanações teóricas de Brecht sobre esse novo tipo de dramaturgia, quando interpretadas, eram vistas como imprecisas, imatu­ras e contraditórias.

 

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Steinweg demonstrou que os intérpretes de Brecht não entenderam nem os fundamentos teóricos nem os ob­jetivos político-pedagógicos dessa proposta artística.

A conclusão mais polêmica do debate estabelecido por Steinweg foi extraída por Hildegard Brenner. Ela fala de uma “falência exemplar da germanística”[nota 14] e demonstra que a teoria da peça didática de Brecht era avaliada a partir de uma visão artística convencional. Com uma montagem de trechos dogmáti­cos nos textos de Martin Esslin, Benno Wiese, Hannah Arendt, Hans Egon Holthusen, entre outros, demonstra como operava a filologia alemã. Evidencia-se, através de sua análise, que a filolo­gia alemã se opunha a Brecht, nas décadas de 50 e 70, como parte da guerra fria contra a Alemanha Oriental. Em seu livro, Stein­weg detém-se nas pesquisas marxistas, nas décadas de 50 e 60, com a peça didática, considerando também esses resultados errô­neos e insatisfatórios.

Diversos autores fazem sérias objeções ao trabalho de Stein­weg. A reconstrução anistórica de uma teoria da peça didática, que não leva em conta outras reflexões de Brecht acerca da teoria do teatro, escritas entre 1929-1956, encontrou forte resistência por parte de especialistas, que tomaram como provocação a tese de que a peça didática conteria a proposta revolucionária de Bre­cht, em detrimento do teatro épico, escrito no exílio, considerado solução de emergência.

Em O Modelo da Peça Didática de Brecht. Documentos, Ex­periências, Discussão[nota 15], volume que reúne artigos teóricos de vá­rios autores que discutem a teoria da peça didática, aparecem di­ferentes fundamentações para o fato de Brecht não haver feito nenhum esforço importante para dar continuidade ao exercício com a peça didática no exílio.

O germanista alemão oriental, Werner Miltenzwei[nota 16], ar­gumenta que, embora o trabalho de Steinweg traga uma grande contribuirão ao conhecimento sobre Brecht, encobre o processo contraditório através do qual a peça didática se desenvolveu.

 

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Torna-se necessário reconstruir a prática político-cultural e o traba­lho teatral de Brecht daquele período e não apenas o seu univer­so conceitual. Sua crítica dirige-se sobretudo à “regra básica’’ - atuação sem platéia. Afirma que a partir dela foi tornado absolu­to um dos estágios de desenvolvimento da peça didática. As expe­riências com a peça didática foram, de acordo com Mittenzwei, incorporadas por Brecht à teoria do teatro épico, razão pela qual este teria abandonado a prática com a peça didática após 1947.

Também Bercnberg, Gossler e Stosch[nota 17] consideram que Steinweg teria radicalizado uma das estratégias político-estéticas que Brecht desenvolveu no final da República de Weimar. A hipótese de que os enunciados de Brecht formam uma teoria fe­chada e sistêmica levou à busca de unidade em um corpo de tex­tos altamente heterogêneos, conduzindo a uma logicidade que encobre contradições históricas.

A contribuição do germanista australiano John Mitful[nota 18] analisa a função do “estranhamento” na peça didática. Segundo ele, “as dificuldades na recepção da peça didática são também difi­culdades de recepção da teoria do estranhamento, a qual se depa­rou, tanto na crítica burguesa quanto na marxista, com incompre­ensão, sendo rejeitada”. Enquanto a crítica burguesa teria busca­do uma esteticização do “efeito de estranhamento”, ignorando a função filosófico-política e utilizando-a como um meio estilístico estético, a crítica marxista negava em princípio a teoria do estra­nhamento, que não podia ser colocada sob um denominador co­mum com o “realismo socialista” de Lukács. A elaboração da teoria do estranhamento ocorreu exatamente na época das pri­meiras peças didáticas. Mitful mostra que nos textos das peças didáticas a função do estranhamento exerce um papel fundamen­tal e encontra uma aplicação mais conseqüente do que nas peças épicas de espetáculo. A conclusão de Mitful é, portanto, oposta à de Mittenzwei, para o qual a peça didática foi incorporada por Brecht à teoria do teatro épico, exatamente através da elaboração da teoria do estranhamento.

 

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O mérito de Reiner Steinweg foi ter colocado a peça didática, que ficara durante tanto tempo abandonada pela pesquisa, no centro da discussão sobre Brecht. Introduziu lógica no quadro. A provocação produtiva não levou a um caminho de volta ao velho estágio da discussão. Pelo contrário, as críticas apresentadas às suas teses diferenciaram e precisaram a fase de experimentação de Brecht com a peça didática.

O CONCEITO DE PEÇA DIDÁTICA

Brecht escreveu a maioria das peças didáticas em uma si­tuação histórica na qual uma série de circunstâncias tornavam possível a sua realização. Havia os grandes corais e teatros pro­letários que ansiavam por novas formas e materiais políticos. Ha­via grupos de radioamadores e de agitprop que necessitavam rea­lizar seu trabalho político com meios musicais e teatrais sim­ples[nota 19].

 

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Através do empenho de Brecht em reconhecer e representar criticamente a realidade com a ajuda da arte, pode-se observar o desenvolvimento de um processo de aprendizagem. Na fase subs­crita com o título de Versuche (tentativas/experimentos), que vai de 1926 a 1932, a aprendizagem é tematizada de várias formas. A unidade dessa fase resulta do caráter experimental da produção, que deve ser considerada uma tentativa de traduzir os conheci­mentos adquiridos, principalmente a dialética materialista, em formas dramáticas. Várias estratégias político-estéticas foram en­saiadas por Brecht simultaneamente, como a ópera, a peça didá­tica, o “experimento sociológico”. É preciso sublinhar a simulta­neidade de tais experimentações porque essa fase de desenvolvi­mento do dramaturgo foi muitas vezes mal interpretada. Se, por um lado, a peça didática foi tomada pejorativamente como etapa de transição, tendo em vista o alvo do caminho - o teatro épico -, por outro, ela, que foi uma das estratégias políticas no final da República de Weimar, foi tornada absoluta como “modelo do teatro do futuro”. Apontar para o caráter experimental dessa dramaturgia não significa efetuar sua relativização, mas sim uma qualificação que permite discernir as contribuições específicas que as “sugestões” de Brecht são capazes de trazer, justamente a partir da sua radicalidade.

Brecht compreendia o trabalho artístico como produção. A defesa conseqüente, do ponto de vista do produtor, levou-o a uma ampliação significativa das reflexões político-estéticas, que esta­vam voltadas para a realização do teatro épico. “A frente de luta da nova dramaturgia dirige-se no momento menos contra a velha dramaturgia (...) do que contra os teatros estabelecidos, dentre os quais cumpre entender as instituições reais, sejam aquelas susten­tadas por dinheiro do Estado ou empreendimentos comerciais privados” (15, 171). A experiência com o público de teatro da época, com a crítica teatral, mas principalmente com os próprios aparatos (mídia), induziu Brecht a modificar a ênfase da sua teo­ria - de uma discussão de opiniões, ela passou a ser uma luta pe­los meios de produção.

 

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O primado dos aparatos e a monopolização dos meios de produção faziam com que a obra de arte as­sumisse o caráter de mercadoria. Seu valor passava a ser deter­minado por sua utilidade, sua adequação. Com isso, a liberdade do trabalho artístico e a liberdade da própria criação estavam ameaçadas. A realização do ponto de vista do produtor de arte ti­nha como premissa a apropriação social dos aparatos. Brecht an­tecipou a negação do rádio comercial na sua Teoria do Rádio (18, 119) e descreveu os limites da indústria cinematográfica no “ex­perimento sociológico” do Processo dos Três Vinténs (18, 139). Ambos os escritos constituem hoje reflexões teóricas importantes sobre a teoria da mídia e são ainda extremamente atuais. Brecht já trabalhava nessa época com Walter Benjamin, e os esclareci­mentos feitos mais tarde em “A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução”[nota 21] encontram ressonância nos Versuche.

“Realizar um novo teatro significa proceder a uma Funk- tionswechsel (troca de função) do teatro existente” (15, 314). A luta pela “troca de função” do teatro-ópera, proclamada por Bre­cht, era ao mesmo tempo uma busca de novos meios de pro­dução. Ela esbarrava em dificuldades. A nova produção dramáti­ca estabelecia exigências para o espectador. O interesse científico por um público produtivo, que não fosse apenas constituído de compradores casuais - mas que acorresse ao teatro como massa “organizada” e “teatralizada” -, participante da comunicação estético-política, era uma premissa problemática para uma re­cepção favorável às novas peças. O principal impedimento foi o primado da mídia. As instituições culturais colocaram-se contra a proposta de Brecht de provocar a “troca de função” dos aparatos. Em um song para a peça Happy End, ele faz um relato de seu projeto:

[Início de citação] Seguindo em parte o hábito de meus iguais Em parte a incumbência,

Escrevi uma poesia para o rádio

Relatando o vôo de um aviador sobre o oceano Atlântico

No ano passado.

Fiz um plano detalhado para a sua utilização

Novas tarefas dos aparatos a serviço da pedagogia

E mandei imprimir tudo segundo meu direito de escrito

 

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Relendo depois de algumas semanas o que estava impresso

O plano me pareceu impossível.

As grandes instituições

Eram nele mencionadas pelo nome.

O plano correspondia a um exame preciso

Dos aparatos existentes e

Indicava infantilmente os sinais inconfundíveis

Que surgiam das necessidades das massas,

Repousava na concentração crescente dos meios de produção E na especialização das forças de trabalho,

Na necessidade urgente de formação intelectual de muitos,

Para servir nossas máquinas, cada vez mais apuradas.

E almejava facilitar a mecanização do trabalho necessário

Um simples treinamento do intelecto para a mecânica.

Muitas razões geraram o plano daquele exercício público,

Nova utilização dos aparatos existentes não aproveitados.

E o desculpavam diante dos especialistas, mas

Quantas razões falassem a seu favor - faltava ao menos uma

Para realizar o plano.

Refletindo sobre aquela razão, que faltava,

Diante de tantas razões existentes (8,329).[Final de citação]

A “troca de função” do teatro foi impossível. Na tentativa de utilizar aparatos técnicos e sociais para os objetivos da peça didá­tica, grupos de sala de aula, corais etc., logo esbarraram em em­pecilhos semeados pela ordem social, capitalista, vigente. A mí­dia, como o rádio e o filme, teria que parar de servir aos interes­ses de poucos, se quisesse estabelecer a comunicação com a cole­tividade. A mídia teria que funcionar em favor do interesse da maioria, se quisesse transformar ouvintes passivos em produtores ativos, que não apenas ouvem (são ensinados), como também fa­lam (ensinam).

A preocupação com a pedagogia é recorrente nos textos so­bre a teoria da peça didática, sendo que o conceito está em Brecht sempre intimamente ligado ao sistema de organização do Es­tado. No texto cujo título é Pedagogia, escrito por volta de 1930, afirma:

[Início de citação]Em todas as formas de organização do Estado até agora existentes (elas fo­ram construídas sobre diferenças de classe), a infra-estrutura determina a supe­restrutura ideológica, a cultura. Os resultados práticos mais importantes desta foram, sem dúvida, os usos e costumes. Que estes últimos interferem na infra-es­trutura sempre foi sublinhado pelos dialéticos. No novo Estado sem classes (que não é mais um Estado), é dada pela primeira vez a possibilidade de determinar esta relação funcional - as relações se tomam diretas, a infra-estrutura e a supe­restrutura formam uma unidade (...) (20, 78).[Final de citação]

 

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A peça didática foi concebida por Brecht com o objetivo de interferir na organização social do trabalho (infra-estrutura). Em um Estado que se dissolve enquanto organização fundamentada na diferença de classes, essa pedagogia deixa de ser utopia. Por outro lado, é justamente o caráter utópico da experimentação com a peça didática - concebida para uma ordem socialista do futuro - que garante o seu realismo político. “Em tempo algum”, disse Brecht, “a sugestão de Schiller de transformar a educação política em uma questão de estética foi tão obviamente sem pers­pectivas como hoje” (18,165).

O papel que tem o teatro no estabelecimento da relação fun­cional entre infra-estrutura e superestrutura é esclarecido pelo texto A Grande e a Pequena Pedagogia, que constitui um escrito chave para compreender o projeto pedagógico de Brecht:

[Início de citação] a grande pedagogia modifica totalmente o papel da atuação, ela supera o sistema de atuantes e espectadores, só conhece atuantes que são ao mesmo tem­po estudiosos, a partir da lei fundamental - onde o interesse de cada um equiva­le ao interesse do Estado e o gesto compreendido determina a maneira de agir de cada um - o jogo de imitação se torna uma das partes mais importantes da pedagogia, enquanto isso, a pequena pedagogia realiza, durante o período de passagem para a primeira revolução, apenas uma democratização do teatro, mas a divisão permanece, os atuantes serão formados, na medida do possível, a partir de amadores (os papéis serão construídos de forma que amadores permaneçam amadores), os atores profissionais e todo o aparato teatral precisam ser utiliza­dos com o objetivo de enfraquecer as estruturas ideológicas burguesas, as peças e a forma de interpretação precisam transformar o espectador em homem de esta­do por isso não devem apelar para o sentimento do espectador, o que lhe permi­tiria reagir esteticamente, mas sim para a sua razão, os atores devem estranhar personagens e processos para o espectador, de forma que chamem a sua atenção, o espectador precisa tomar partido em vez de se identificar[nota 22].[Final de citação]

Brecht estabelece através desse texto[nota 23] um plano operativo para o teatro. A “pequena pedagogia”, a ser realizada com ama­dores, representa, segundo Brecht, apenas uma democratização do teatro, isto é, o teatro mantém a sua velha função. Permanece a divisão entre atores (ativos) e espectadores (passivos), entre os que ensinam e os que aprendem.

 

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A pequena pedagogia se dife­rencia do teatro burguês pelo fato de já possuir uma intenção pe­dagógica e pelo fato de trabalhar com amadores, cujos papéis de­vem ser construídos “de forma que amadores permaneçam ama­dores”. Com essa determinação fica claro que o teatro com ama­dores é uma fase preparatória, ou um exercício preparatório para a grande pedagogia. Para a “pequena pedagogia”, Brecht identifi­ca um espaço de tempo, durante o qual teria aplicabilidade: “o período de passagem para a primeira revolução”. Parece aqui re­ferir-se à fase da primeira transformação decisiva da ordem social capitalista. Se a “pequena pedagogia” foi planejada para a fase da primeira revolução proletária, então a “grande pedagogia” pres­supõe uma transformação radical. Só então o princípio “onde o interesse de cada um equivale ao interesse do Estado” teria vali­dade.

Essa mesma conceituação pode ser reencontrada no Frag­mento Fatzer (Fatzerfragment), onde se lê:

[Início de citação] nossa atitude nasce de nossas ações, nossas ações nascem da necessidade, quando a necessidade está organizada, de onde nascem então nossas ações? quando a necessidade está organizada, nossas ações nascem de nossa atitude[nota 24].[Final de citação]

A referência a um espaço de tempo (“período de passagem para a primeira revolução”) permite a interpretação de que o plano operativo para o teatro se daria através de uma sucessão de três momentos: a sociedade capitalista, a sociedade socialista e a sociedade sem classes.

Ainda que a realização da peça didática em toda a sua di­mensão constitua uma utopia, seu efeito seria muito restrito, se se tratasse apenas de analogias formais, de experimentos e exercí­cios ao lado da realidade social e não também dentro dela. Brecht denomina Ideologiezertrümmerung (desmantelamento da ideolo­gia) o processo através do qual a base das instituições formadoras de ideologia é abalada - quando a sua utilização no interesse de poucos é esclarecida e concretamente posta em discussão e a ideologia por ela divulgada é confrontada com a sua prática. As apresentações públicas adquirem função política ao demonstrar a tarefa e as possibilidades da peça didática. Todas as apresen­tações públicas de peças didáticas, encenadas por Brecht, tinham esse caráter de demonstração.

 

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As apresentações públicas da peça didática adquirem, portanto, tal como O Processo dos Três Vinténs, encenado por Brecht, o caráter de soziologisches Experiment (experimento sociológico), que tornam “visíveis as contra­dições imanentes à sociedade”. Assim como o processo da ópera de três vinténs, tais apresentações das peças didáticas visam pro­vocar as instituições e clarificar sua estrutura. Nesse sentido, a proposta da peça didática representa também uma crítica da so­ciedade capitalista, ou pode contribuir com ela.

Mas as apresentações públicas da peça didática não consti­tuem o seu objetivo último e nem o mais importante. Pelo contrá­rio, Brecht enfatiza seguidamente que a peça didática “não neces­sita de público” (o que levou Steinweg a estabelecer a “regra bá­sica” - atuação sem platéia). As peças didáticas contêm também ou sobretudo a preocupação genuína de Brecht como educador. No texto Teoria da Pedagogia, escrito em 1930, o objetivo de es­tabelecer um procedimento que reunisse teatro, política e apren­dizagem está claramente expresso por Brecht:

[Início de citação] Os filósofos burgueses estabelecem uma grande diferença entre o atuante e o observador. Essa diferença não é feita pelo pensador. Se mantivermos essa di­ferença, então deixaremos a política para o atuante e a filosofia para o observa­dor, quando na realidade os políticos deveriam ser filósofos e os filósofos, políti­cos. Entre a verdadeira filosofia e a verdadeira política não existe diferença. A partir desse reconhecimento, aparece a proposta do pensador para educar os jo­vens através do jogo teatral (grifo nosso), isto é, fazer com que sejam ao mesmo tempo atuantes e espectadores, como é sugerido nas prescrições da pedagogia. O prazer de observar apenas é nocivo ao Estado, assim como o é o prazer da atuação apenas. Ao realizar, no jogo, ações que são submetidas à sua própria ob­servação, os jovens são educados para o Estado. Esses jogos devem ser inventa­dos ou executados de forma que o Estado tenha um proveito. Sobre o valor de uma frase ou de um gesto não decide portanto a beleza, mas sim se o Estado tem algum proveito quando os jogadores enunciam a frase, executam o gesto e en­tram em ação. O proveito que o Estado deve ter poderia ser minimizado por ca­beças estreitas, se por exemplo só deixassem os jogadores realizar as ações que lhes parecessem socialmente úteis. Pois justamente a representação do associal por aquele que se tornará cidadão do Estado será útil ao Estado, principalmente se for efetuada a partir de modelos precisos e grandiosos. O Estado pode melho­rar os impulsos associais do homem ao solicitá-los (eles que nascem do medo e da ignorância) de uma forma perfeita e quase inacessível ao indivíduo sozinho. Este é o fundamento da utilização do teatro na pedagogia (17,1022).[Final de citação]

A Teoria da Pedagogia permaneceu fragmentária, embora Brecht tivesse anunciado um texto onde faria dela uma análise detalhada. No texto acima transcrito é explicitada a proposta de “educar os jovens através do jogo teatral” e “utilizar o teatro na pedagogia”.

 

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Assim como os espectadores e/ou ouvintes devem ser transformados de passivos em ativos, através da “mudança de função” do teatro, também na relação ensinar/aprender reencon­tramos o princípio ativo. “O prazer de observar apenas é nocivo ao Estado, assim como o é o prazer da atuação apenas”, e “edu­car os jovens através do jogo teatral” significa “fazer com que se­jam ao mesmo tempo atuantes e observadores”. Ao realizar “ações que são submetidas à sua própria observação”, o aprendi­zado efetivo se realiza mediante a relação íntima entre teoria e prática. Brecht refere-se aqui à definição de aprendizagem que formulou mais tarde, dizendo que cada jogador acabará por ad­quirir “a noção prática do que é a dialética” e que a peça didática deve ser vista exclusivamente como “exercícios de flexibilidade destinados àquela espécie de atletas do espírito como devem ser os bons dialéticos”[nota 25]. A dialética é caracterizada como método de comportamento e pensamento. Nesse sentido, a peça didática é concebida como modelo para uma relação dialética entre teoria e prática.

No texto talvez mais explícito de Brecht sobre a teoria da pe­ça didática, assim denominado Para uma Teoria da Peça Didática, escrito em 1937, formulou a hipótese que fundamenta sua teoria:

[Início de citação] A peça didática ensina quando nela se atua, não quando se é espectador. Em princípio, não há necessidade de espectadores, mas eles podem ser utiliza­dos. A peça didática baseia-se na expectativa de que o atuante possa ser influen­ciado socialmente, levando a cabo determinadas formas de agir, assumindo de­terminadas posturas, reproduzindo determinadas falas.

A imitação de modelos altamente qualificados exerce um papel importante, assim como a crítica a esses modelos por meio de alternativas de atuação (im­provisação) bem pensadas.

Não é necessário absolutamente que se trate apenas da reprodução de ações e posturas valorizadas socialmente como positivas; da reprodução de ações e posturas associais também se pode esperar efeito educacional.

Padrões estéticos, que são válidos para a criação de personagens da peça de espetáculo, estão fora de função na peça didática. Caracteres especialmente sin­gulares, únicos, não aparecem, salvo se a singularidade e a unicidade constituí­rem o problema de aprendizagem.

A forma da peça didática é árida, mas apenas para permitir que trechos de invenção própria e de tipo atual possam ser introduzidos. (Em Horácios e Curiácios, por exemplo, pode haver antes de cada batalha um duelo de palavras dos generais, na Decisão é possível inserir livremente cenas inteiras, e assim por dian­te.)

 

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Para a forma de atuação valem as instruções do teatro épico.

O estudo do efeito de estranhamento é indispensável.

O domínio intelectual de toda a peça é imprescindível. Mas não é reco­mendável encerrar todo o ensinamento sobre a peça antes da atuação em si.

Em princípio, o efeito de aprendizagem também pode ser atingido quando o atuante conta com parceiros que representam no filme.

A música de acompanhamento pode ser feita de forma mecânica. Por outro lado, é proveitoso para os músicos criar a música para apresentações mecânicas (filme); eles têm então a possibilidade de experimentar sua própria invenção dentro de limites dados pela peça.

Também para a atuação deve-se buscar, nos limites de certas determi­nações, uma atuação livre, natural e própria ao atuante. Não se trata, natural­mente, de um adestramento mecânico nem do restabelecimento de tipos médios, ainda que seja almejado o restabelecimento de um alto nível médio.

Na peça didática é possível uma enorme diversidade. Durante as apresen­tações de A Peça Didática de Baden-Baden, o autor do texto e o autor da música ficavam no palco e interferiam constantemente. O autor do texto indicava aos clowns, abertamente, o local para as suas apresentações e, quando a multidão as­sistiu, com grande inquietude e aversão, ao filme que mostrava homens mortos, o autor do texto deu ao locutor a tarefa de exclamar, no final: “Mais uma vez a ob­servação da representação da morte (foi) recebida com aversão - e o filme foi repetido duas vezes” (7,1024).[Final de citação]

Embora não haja necessidade de espectadores, eles podem ser utilizados. Possibilidades dessa utilização são, por exemplo, discussões e “troca de diálogo entre os coros e os espectadores”, que ocorrem também nas duas versões da Peça Didática de Ba­den-Baden sobre o Acordo, e Brecht exemplifica aqui que, na De­cisão, podem ser introduzidas livremente cenas inteiras “e assim por diante”. No caso de apresentações públicas, é permitido usar outros recursos, como música, filme etc., sendo que Brecht enfa­tiza igualmente aí a experimentação a partir de “invenção pró­pria”. O princípio da improvisação deve ser mantido também du­rante a apresentação da peça didática. Brecht dá o exemplo da Peça Didática de Baden-Baden, onde o autor interferia no proces­so da apresentação.

O princípio da improvisação é entendido como um projeto desenvolvido por um grupo de indivíduos que se reúnem para fa­zer um experimento a partir de uma moldura predeterminada (fornecida pelo texto). Nesse contexto, “trechos de invenção pró­pria e de tipo atual podem ser introduzidos”. O princípio da im­provisação é contraposto à forma “árida” da peça didática, ou melhor, justifica a estrutura dramatúrgica dessas peças. Através da combinação entre invenção própria e moldura do texto, dá-se o processo de comportamento livre e disciplinado.

 

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A “influência” a ser exercida sobre o atuante não visa fixar idéias, mas, posto que o pensamento deve permanecer livre, mo­dificar o método de pensar. O “efeito educacional” é atingido através da imitação. A imitação não pode ficar restrita ao modelo fornecido pelo texto. À medida que Brecht enfatiza a “crítica a esses modelos por meio de alternativas de atuação” e “trechos de invenção própria e atual”, a imitação também se dirige necessa­riamente a objetos (eventos, gestos, tons de voz, atitudes de com­portamento) que foram experimentados fora do texto, na realida­de de cada participante. Esse é um pressuposto para o efeito pe­dagógico da peça didática. A atualização do texto só pode reali­zar-se através do vínculo que o atuante estabelece com sua pró­pria experiência (com o seu cotidiano). A aparente contradição entre imitação e crítica se dissolve, se for admitido que toda imi­tação pressupõe também uma modificação do modelo. Nesse sen­tido, a imitação já contém a crítica. Brecht entende a imitação como “elaboração de material existente” (15, 223).

Portanto, “reproduzir/copiar” significa para Brecht também modificar. Essa modificação não deve se deter nem mesmo diante do texto. A “aridez” da peça didática se dissolve face à partici­pação do sujeito ativo que irá realizar o experimento. Brecht propõe que seja resgatado o processo de criação que deu origem ao texto. Evidência disso são as várias versões, a reescritura das peças didáticas pelo próprio Brecht.

Se, de um lado, Brecht considera que “padrões estéticos, vá­lidos para a criação de personagens da peça de espetáculo, estão fora de função na peça didática”, de outro, afirma que “o estudo do efeito de estranhamento é indispensável” e que “para a forma de atuação valem as instruções do teatro épico”. Ele faz a seguin­te ressalva: “Personagens especialmente singulares, únicas, não aparecem, a não ser que a singularidade e unicidade constituam o problema de aprendizagem”.

Se, para atingir o “efeito de estranhamento” no palco do tea­tro épico, faz-se necessário um alto grau de maestria, Brecht julga que, para a peça didática, o “estudo do efeito de estranhamento é indispensável”, ou seja, ele é parte intrínseca do procedimento com a peça didática. A peça didática torna, portanto, o novo mé­todo de representação acessível a qualquer pessoa. Já no plano do espetáculo, ele parecia a Brecht inatingível, mesmo com especia­listas, em 1953 (16, 798).

Brecht acredita que a atuação deve buscar, no âmbito de cer­tas determinações, uma atuação livre, natural e própria ao atuante.

 

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Aparentemente contraditória, a conclusão aqui seria que, dado o fato de o atuante imitar modelos, ele tem a possibilidade de se confrontar como indivíduo com esses modelos.

Em uma conferência pronunciada na Suécia, em 1939, sobre “teatro experimental”, Brecht afirma:

[Início de citação] (...) para o teatro amador contemporâneo (de trabalhadores, estudantes e atores crianças), a libertação da obrigação de provocar hipnose se faz sentir de forma especialmente positiva. Toma-se possível estabelecer limites entre a atuação de amadores e atores profissionais, sem que uma das funções básicas do teatro deva ser abandonada (15, 303).[Final de citação]

Benjamin estabelece uma diferença importante entre o teatro épico, em que o gesto representa um “meio artístico” do “tipo mais sutil”, e a peça didática, em que o gesto “é um alvo imedia­to”[nota 26]. A partir dessa diferenciação torna-se possível compreender por que o efeito de estranhamento é indispensável nos procedi­mentos com a peça didática. A função básica do teatro é mantida, à medida que trabalhadores, estudantes e atores crianças são le­vados a trabalhar com o gesto, sem serem submetidos a processos de identificação - “libertação da obrigação de provocar hipno­se”.

A íntima relação entre gesto e atitude aparece no texto Para uma Teoria da Peça Didática:

[Início de citação] assim como (determinados) estados de espírito e cadeias de pensamentos levam a atitudes e gestos, também atitudes e gestos levam a estados de espírito e cadeias de pensamentos.

o tensionamento dos músculos do pescoço e a suspensão da respiração po­dem ser observados como fenômenos que acompanham a raiva (ou são con­sequência dela), no entanto, ao tensionar os músculos do pescoço e prender a respiração, pode-se também provocar a raiva, transferir o peso do corpo para uma das pernas, manter os músculos tremendo, girar o globo ocular etc. podem causar medo nota 27].

Em uma poesia que permaneceu como fragmento, Brecht deixa claro o princípio de relação e reversibilidade entre gesto e atitude:

[Início de citação] Operar com determinados gestos

pode modificar o seu caráter

 

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Modifique-o!

Quando as pernas ficam mais altas do que a bunda A fala é diferente, e a maneira da fala Modifica o pensamento (8, 377).[Final de citação]

No ensaio Vale a Pena Falar sobre o Teatro Amador?, Brecht fundamenta o processo educacional através do teatro. Tudo aqui­lo que contribui para a formação do caráter realiza-se, de acordo com Brecht, na primeira fase da infância, onde ele frisa novamen­te a reversibilidade entre gesto e atitude. A imitação exerce aí um papel básico:

[Início de citação] Muitas vezes a gente se esquece o quanto é teatral a educação do homem. A criança experimenta, muito antes de estar munida de argumentos, de forma to­talmente teatral, como deve se portar. Quando acontece isto ou aquilo, é preciso rir. Ri quando não deve e não sabe bem por quê. Na maioria das vezes, fica con­fusa quando lhe perguntamos por que riu.

E assim também chora com os outros. Não chora lágrimas apenas porque os adultos o fazem, mas sente também, ao chorar, sincero pesar. Isso se vê em enterros, cujo significado as crianças não apreendem. São processos teatrais que formam o caráter. O homem copia gestos, mímica, falas. E as lágrimas surgem do pesar mas também o pesar surge das lágrimas. O adulto não é diferente. Sua educação não pára nunca. Só os mortos não são transformados por seus iguais. Isso explica o significado do jogo teatral para a formação do caráter.

Tampouco a arte permanece imune à maneira como é exercitada na sua manifestação mais comum, despreocupada e ingênua. A arte do teatro é a mais humana e difundida de todas as artes, aquela que é mais praticada, ou seja, aque­la que não é exercida apenas no palco como também na vida. E a arte do teatro de um povo ou de uma época deve ser julgada como um todo, como um orga­nismo vivo, que não é saudável se não for saudável em todos os seus membros. Esta também é a razão pela qual vale a pena falar de teatro amador (15, 433)[nota 28].[Final de citação]

 

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O fato de que estados de espírito e cadeias de pensamentos levem a posturas corporais e movimentos passíveis de serem percebidos fisicamente é um pressuposto de senso comum. Brecht constrói a sua teoria da peça didática sobre o fato de que causa e efeito nessa relação entre pensamento e sua expressão física po­dem ser invertidos. O primeiro relato de Histórias do Sr. Keuner (Geschichten von Herm Keuner), deixa claro o princípio:

[Início de citação] “Sábia no Sábio É a Atitude.

Veio conversar com o Sr. K. um professor de filosofia e lhe falou de sua sa­bedoria. Após algum tempo, o Sr. K. lhe disse: “Você está sentado de forma incômoda”. O professor de filosofia ficou bravo e disse: “Não é sobre mim que eu queria saber mas sobre o conteúdo daquilo que falei”. “Não tem conteúdo”, disse o Sr. K. “Vejo que anda desajeitado e não há alvo que alcance. Você fala de modo obscuro, e não há clareza que, falando, crie. Vendo sua atitude, não me in­teressa o seu alvo” (12, 375).[Final de citação]

Não apenas o sentimento, também o pensamento é, segundo Brecht, influenciado pelas atitudes corporais. O título da primeira história do Sr. Keuner é “Sábia no Sábio É a Atitude”, e as atitu­des negativas para o pensamento são “sentar-se de forma incô­moda”, “andar sem destino” - causas de pensamentos e falas “obscuros” (sem alvo).

No caderno do programa para a apresentação pública da Pe­ça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo, Brecht afirma:      

[Início de citação] A peça didática, formada por algumas teorias de caráter musical, dramático e político, tendo por objetivo um exercício artístico coletivo, foi escrita para o au- toconhecimento dos autores e daqueles que dela participam e não para ser um evento para quaisquer pessoas. Ela não está sequer concluída (...).[Final de citação]

“Experimento” não tinha, portanto, para Brecht apenas um sentido estético formal. Nesse contexto vale a pena introduzir uma nota biográfica. Brecht justifica que “experimentos” sempre o interessaram mais do que “experiências” pelo fato de ter “estu­dado originariamente ciências naturais” (20, 96). A preocupação em “protocolar” as reações das pessoas submetidas ao ‘“experi­mento”, Diz-que-Sim/Diz-que-Não, revela o caráter científico dos Versuche, que continham uma proposta programática.

No texto denominado Instituto sem Espectadores (data prová­vel, 1929), escrito em um Caderno de Notas, Brecht afirma:

[Início de citação] (...) o caminho dessa dramaturgia leva, de um lado, ao grande drama dialético materialista (forma épico-documentária), (que é) na realidade apenas restau­ração do teatro existente, e, de outro, ao teatro didático ativo, um novo instituto sem espectadores, onde os jogadores são ao mesmo tempo ouvintes e falantes

 

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sua realização reside no interesse de uma causa pública coletivista, sem divisão de classes[nota 29][Final de citação].

O “grande drama dialético materialista” (forma épico-docu­mentária) é claramente avaliado por Brecht como “apenas res­tauração do teatro existente”. Já o “teatro didático ativo” é apre­sentado como uma inovação, um novo instituto sem espectadores, onde os jogadores são ao mesmo tempo ouvintes (receptores) e falantes (emissores).

Os experimentos de Brecht com a peça didática, que tinha por meta o “interesse de uma causa pública coletivista, sem di­visão de classe”, foram concretizados através de uma seqüência de tentativas, onde ele se confronta com o problema da aprendi­zagem. Em um texto datado de 1929, denominado Conversa sobre Clássicos, à indagação de Ihering sobre qual constituiria, de seu ponto de vista, o valor dos textos clássicos, Brecht responde:

[Início de citação] Para determinar este valor, devemos fazer um experimento intelectual. Imaginemos simplesmente que qualquer obra clássica, tomemos o Fausto ou Guilherme Tell seja representada por garotos, em uma escola. O senhor acredita que isto teria um valor para os garotos? O senhor ou outras pessoas teriam um proveito dos movimentos que iriam realizar, das atitudes que iriam assumir? Es­ses garotos estariam mais aptos para a vida do que outros, ou a sociedade da qual participam seria favorecida com isso? Responda seriamente, o que mais te­riam feito esses garotos, além de dizer belas palavras e realizar gestos nobres? Em que situações teriam sido colocados, onde a vida os colocará novamente? Nossas obras clássicas foram feitas para o olho apenas, não para serem úteis (...) (15,182).[Final de citação]

Brecht submete o teatro a uma prova dialética. Não apenas o exemplo - a realidade transformada em teatro é submetida a um exame, como também a aprendizagem daquele que acompanha o exame (espectador e/ou atuante) é posta à prova.

No texto cujo título é Equívocos sobre a Peça Didática, data­do de 1931, que também é fragmentário, a qualidade da própria aprendizagem é submetida a exame:

[Início de citação] algumas tentativas da dramaturgia mais recente, que se utiliza de uma for­ma de representação épica (narrativa), uma dramaturgia antimetafísica, dialética, não-aristotélica, foi discutida publicamente sob a denominação de “peça didáti­ca”, tendo sido incompreendida e imediatamente imitada na sua forma exterior, diante dessa experiência avassaladora, parece questionável se a denominação

 

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“peça didática” não foi muito infeliz e se a ênfase dada ao ensinamento, através dessas peças e da forma de representá-las, não foi um grave erro. o quadro-negro pode ser útil para dar aulas, a sua introdução oficial nos locais de diversão e ex­periência pode até ter significado demonstrativo, mas não constitui a parte mais importante do ensinamento, ao menos ele, sem o ensinamento, não possui espe­cial interesse, não se pretendia oferecer à pretensão individualista e ao mercanti­lismo de literatos uma forma dramática e teatral nova. foi errado, portanto, ar­riscar equívocos? era possível evitá-los?

para evitar um novo equívoco: a questão não deve ser se no interesse do ensino teria sido melhor esconder a intenção de ensinar, muitas pessoas, entre elas as mais “avançadas”, exigem de fato que o ensinamento seja oculto, querem ser ensinadas de uma forma subterrânea, refinada, intrigante, detestam o dedo em riste, e querem conhecer através da flor. já do ponto de vista social, o dou­trinário é tido como deselegante. eu seria injusto com meus amigos que querem conhecer através da flor (de forma graciosa), se não considerasse seriamente suas propostas e ponderações, eles acreditam - sem levar em conta os efeitos do choque social - antes na eficácia pedagógica de uma forma de ensino de tipo concreto, que permanece no puramente contemplativo e resiste à abstração. te­mem o choque social. é relativamente fácil mostrar-lhes que esse choque é de­terminado socialmente e caracteriza apenas uma camada social que entende por aprendizagem algo muito bem determinado - a apropriação da cultura, a com­pra de uma mercadoria - e percebe o estudo como algo que os torna aptos para a carreira, portanto, uma camada que para nós não pode ser ensinada e é excluí­da. eles, como nós, entendem a aprendizagem como um processo, sendo que se trata de um processo vitalício e constante de adequação às circunstâncias, só o concluem ao morrer, não se ressentem quando são ensinados. entendem não apenas que devem ser ensinados pelas circunstâncias como também pelos ho­mens, e sabem até que as circunstâncias são em grande parte produzidas pelos homens, que também podem ser ensinados. pois é justamente esse tipo de cir­cunstâncias, que de outro modo seriam fenômenos fetichistas do destino, o que as torna passíveis de serem manipuladas, mas eles querem conhecer através do caminho da experiência - da experiência sensível, da vivência. eles querem o en­volvimento, não querem ser confrontados, diante deles é necessário defender o conceito da peça didática, da dramaturgia pedagógica, ela é defendida, ao ser aprofundada.

portanto, agora não se coloca mais a questão: deve-se ensinar? agora a questão é “como se deve ensinar e aprender?”[nota 30][Final de citação]

Brecht critica nesse texto o equívoco a que foi submetida a peça didática, especialmente por seus imitadores, à medida que ela foi imitada “na sua forma exterior”. Ele se pergunta se tais equívocos poderiam ser evitados, se a denominação “peça didáti­ca” não teria sido muito infeliz, e a ênfase dada ao ensinamento nessas peças, um grave erro. Brecht não se aprofunda mais no problema do equívoco.

 

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Limita-se a acentuar que “não pretendia oferecer à pretensão individualista e ao mercantilismo de literatos uma forma dramática e teatral”.

A pergunta formulada por Brecht sobre a possibilidade de evitar o primeiro equívoco leva-o a dedicar a segunda parte do texto a um outro possível equívoco, diferente do primeiro, o qual se refere à “introdução oficial” (da peça didática) “nos locais de diversão”, onde ela assume “significado demonstrativo”.

A pergunta formulada no final do texto como se deve ensinar e aprender é um dos temas centrais da Compra do Latão.

O dramaturgo indaga:

- E como se aprende, a partir da experiência? Pois no teatro não se vê apenas, mas também se experimenta. Existe melhor forma de aprendizagem?

Ao que o filósofo responde:

- Aí devemos examinar como se aprende através da experiência, sem que elementos de comentário sejam nela introduzidos. Existem muitos momentos que impedem o aprender e/ou o tornar-se mais esperto ao experimentar. Por exemplo, quando determinadas mudanças da situação se processam de forma demasiado lenta, imperceptivelmente, como se costuma dizer. Ou quando, através de outros incidentes, a atenção é dispersada. Ou quando se buscam as causas em acontecimentos que não eram causa. Ou quando aquele que experi­menta tem fortes preconceitos.

DRAMATURGO: Ele não pode abandonar seus preconceitos através de de­terminadas experiências?

FILÓSOFO:   se tiver refletido. Mesmo assim, ainda pode esbarrar em

obstáculos.

DRAMATURGO: Mas então “fazer por si mesmo” não é a melhor escola?

FILÓSOFO:   A experiência que é transmitida através do teatro não é um fazer por si mesmo. É errado acreditar que toda experiência é um experimento e querer retirar da experiência todas as vantagens que tem um experimento. Há uma enorme dife­rença entre uma experiência e um experimento (16, 527)[nota 31].

 

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Brecht estabelece aqui uma diferenciação para o conceito de aprendizagem. O texto insinua uma visão crítica do princípio pedagógico leaming by doing, que se limita a expor o aluno a uma si­tuação de aprendizagem, sem que haja uma problematização do objeto da aprendizagem. Brecht refere-se aos “elementos de co­mentário” que “devem ser introduzidos na experiência”. Ou seja, a reflexão deve conduzir o processo de aprendizagem, transfor­mado, então, em experimento. Em outro trecho da Compra do Latão, a questão da aprendizagem é colocada a partir da perspec­tiva do espectador. A pergunta é retomada quando o dramaturgo exige: “O ensinamento deveria ser imperceptível”. Ao que o filó­sofo responde: “Acredite, aqueles que querem o ensinamento imperceptível não querem ensinar” (16, 638).

Através do teatro épico, Brecht propõe ao mesmo tempo uma nova escritura dramatúrgica, uma nova prática de encenação e uma nova técnica de atuação. O teatro, espaço mediador entre o espectador e o mundo, é colocado a serviço de uma verdadeira pedagogia social: interrogando-se diante das contradições de uma realidade que a cena já não lhe apresenta mais como evidente, mas sim como passível de ser transformada, o espectador se pre­para para agir sobre o mundo e modificá-lo. Já nas notas sobre a ópera Grandeza e Decadência da Cidade de Mahagonny verifica- se a preocupação pedagógica:

[Início de citação] O espectador do teatro dramático diz: “Sim, eu também já senti isso”. “Eu sou assim." “O sofrimento desse homem me comove, pois é irremediável.” “É uma coisa natural.” “Será sempre assim.” “Isso é que é arte - tudo ali é eviden­te.” “Choro com os que choram e rio com os que riem.” O espectador do teatro épico diz: “Eu nunca pensaria nisso”. “Não é assim que se deve fazer.” “Que coi­sa extraordinária, quase inacreditável.” “Isso tem que acabar.” “O sofrimento desse homem me comove porque seria remediável.” "Isso é que é arte.” “Nada ali é evidente.” “Rio de quem chora e choro com os que riem” (17,1009).[Final de citação]

Dentro do grande objetivo de Brecht, ao relacionar arte e pedagogia, é possível reconhecer intuitos de níveis diversos. Se nas notas para a ópera Mahagonny o objetivo estava voltado para uma mudança de atitude no espectador, a teoria da peça didática propõe a preocupação do dramaturgo com o processo da apren­dizagem, através da mudança de atitude do participante de um experimento pedagógico.

Na década de 20, ao lado de Brecht, vários artistas preocupa­ram-se com o aprofundamento e a facilitação do processo educa­cional.

 

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Para ampliar o horizonte e a capacidade de expressão dos menores abandonados em consequência da Revolução Russa, Makarenko apresentava toda semana uma peça de teatro[nota 32]. En­quanto o grande pedagogo soviético assumia a função rígida (mas genialmente bem realizada) de diretor teatral e só encenava “grandes obras” diante do público, Asja Lacis estava, nessa mes­ma época, mais interessada numa “educação estética” de largo alcance.

Eu queria levar as crianças a perceber que seus olhos vêem melhor, seus ouvidos ouvem melhor e suas mãos constroem, a partir do material disforme, coisas úteis[nota 33].

Para a consecução desses objetivos, pareciam-lhe inoportu­nas peças escritas para crianças, que as submeteriam à vontade de um diretor. Em lugar de textos, introduziu o “jogo improvisacional” no qual o coordenador da atividade fica em segundo plano.

O Programa para um Teatro Infantil Proletário, escrito em função das experiências desenvolvidas por Asja Lacis com meno­res abandonados na Rússia do pós-guerra, data de 1928. Asja La­cis descreve em suas memórias as contribuições de Benjamin ao seu trabalho:

[Início de citação] Em 1928, falei de meu trabalho a Johannes R. Becher e Gerhard Eisler. Eles gostaram do modelo de uma educação estética para crianças. Propuseram que organizasse um teatro infantil no Liebknechthaus. Faria o planejamento. Walter Benjamin já ouvira falar, em Capri (1924), de meu teatro infantil e de­monstrara intenso interesse. Vou elaborar o programa, disse-me ele, para fun­damentar e descrever seu trabalho prático de forma teórica. E ele o escreveu, na realidade. Mas nas primeiras versões, o meu trabalho é apresentado de maneira confusa e complicada. No Liebknechthaus o pessoal leu-o e deu risada. Foi isso o que Benjamin lhe escreveu! Devolvi o programa a Benjamin para que o redigisse de forma mais clara. Assim surgiu o Programa para um Teatro Infantil Proletário, na segunda versão (a primeira ainda não foi encontrada)[nota 34].[Final de citação]

É incerto se as experiências de Asja Lacis com o teatro infan­til em Orel chegaram até Brecht. Embora Asja Lacis enfatize que “fez um relato detalhado a Benjamin de seu trabalho, em Capri” (1924), não se sabe se ele falou sobre o assunto com Brecht.

 

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“Não existe nenhuma informação, até onde pudemos verificar, de que Brecht tenha conhecido o programa de Benjamin.”[nota 35]

Os esforços de Asja Lacis em favor de um teatro infantil pro­letário faziam parte da tentativa de solucionar um dos problemas mais difíceis da pedagogia pós-revolucionária na União Soviética. As conseqüências da Guerra Mundial, da Revolução e da crise econômica de 1921-1922 fizeram com que os besprisomye, bandos de crianças e jovens abandonados, atingissem a cifra de sete mi­lhões em 1922.

O trabalho de Asja Lacis com um teatro infantil proletário em Orei destinava-se à educação de menores abandonados, im­possível de ser realizado em instituições tradicionais. Os bespri­sornye raramente haviam passado por um processo de escolari­zação ou possuíam qualquer experiência de vida familiar. O obje­tivo da educação proletária não era transmitir ensinamento, ins­trução, informação, como Benjamin acentua no programa:

[Inicio de citação] Nós perguntamos com simplicidade, mas jamais deixaremos de perguntar pelos instrumentos de uma educação proletária baseada na consciência de classe. Para isso, vamos prescindir, nas partes seguintes, do ensino científico, pois muito antes que as crianças possam ser ensinadas de uma forma proletária (em questões ligadas à técnica, à história de classe, à eloquência etc.) precisam ser educadas proletariamente. Começamos com o quarto ano de vida[nota 36].[Final de citação]

Benjamin sublinha a importância da “improvisação” no pro­cesso pedagógico:

[Início de citação] (...) em todas elas (as várias formas de expressão) a improvisação permanece como central; pois, em última instância, a apresentação é apenas a síntese impro­visada de todas. A improvisação predomina; ela é a constituição da qual emer­gem os sinais, os gestos sinalizadores. A “encenação" ou “teatro” deve, justa­mente por isso, ser a síntese desses gestos, pois manifestam-se de maneira ines­perada e apenas uma única vez (grifo no original), mostrando-se portanto como o autêntico espaço do gesto infantil. Aquilo que se extrai à força da criança, co­mo desempenho acabado, jamais pode medir-se em autenticidade com a improvi­sação (...) todo desempenho infantil orienta-se, não pela eternidade dos produ­tos, mas sim pelo instante do gesto. O teatro, enquanto arte efêmera, é infantil[nota 37].[Final de citação]

 

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Em uma fase mais avançada do experimento, quando as crianças “exigiram que a fantasia e as habilidades adquiridas fos­sem materializadas em objetos”, foi ensaiada uma peça infantil de Meyerhold (Alinur, a partir de O Garoto de Estrelas, de Oscar Wilde), por meio de um processo de “improvisação com mate­riais concretos”. Dado o desejo manifestado pelas crianças, o tra­balho foi mostrado para toda a cidade.

Não é certo que Benjamin tenha assistido à apresentação. Seu “programa” propõe que, em face da apresentação, o educa­dor recue para um plano secundário:

[Início de citação] (...) pois nenhuma sabedoria pedagógica pode prever como as crianças, através de milhares de variações surpreendentes, concentram em uma totalidade teatral os gestos e habilidades treinados. Se já o ator profissional considera freqüentemente a estréia uma ocasião para restar as mais felizes variações no papel estu­dado, a criança leva o gênio da variação a plenos poderes. A encenação con­trapõe-se ao treinamento pedagógico como libertação radical do jogo, processo que o adulto pode tão-somente observar, (...) a encenação é a grande pausa cria­tiva no trabalho de educação, (...) durante a apresentação as crianças sobem no palco e ensinam e educam os atentos educadores. Novas forças, novas inervações surgem à luz, das quais o diretor jamais teve qualquer vislumbre durante o traba­lho. Ele vem a conhecê-las somente nessa selvagem libertação da fantasia infan­til. Crianças que fizeram teatro dessa maneira libertaram-se em tais encenações. Sua infância realizou-se no jogo. (...) Esse teatro infantil é ao mesmo tempo, pa­ra o espectador infantil, o único proveitoso. Quando adultos representam para crianças, irrompem patetices (...) verdadeiramente revolucionário é o efeito do sinal secreto (grifo no original) do que está por vir, o qual fala através do gesto infantil[nota 38].[Final de citação]

O sucesso da “educação moral e estética”, relatado por Asja Lacis, deveu-se em grande parte à sua personalidade. O problema social dos besprisornye na União Soviética não poderia talvez ser resolvido através do teatro infantil proletário. Seria por demais extenso e complexo alongar-se sobre as implicações do trabalho de Asja Lacis (política cultural da União Soviética etc.).

A fundamentação teórica de Walter Benjamin visa à “edu­cação estética”, ao “desenvolvimento de capacidades estéticas e morais das crianças”. Esta educação precisava ser realizada no âmbito de uma tarefa que tinha por objetivo apreender a criança como um todo e liberar suas capacidades, que estavam traumati­zadas.

 

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A função do educador devia ser limitada à de um observador, evitando-se qualquer direcionamento estratégico ou impo­sição de uma ideologia. Nessa concepção, orientada pela ideia da auto-regulação dos interesses infantis, Asja Lacis dava às crianças a possibilidade de exercitarem suas aptidões através do desenho e pintura, música, escultura, ginástica e teatro.

O conceito de peça didática de Brecht deve ser compreendi­do como uma síntese crítica entre as várias tendências que procu­raram relacionar teatro e pedagogia. Ele se dirigiu a crianças, mas as peças didáticas foram também realizadas por adultos (A Peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo e A Decisão). Qua­tro dos seis textos e dois fragmentos que constituem as peças didáticas de Brecht foram escritos especificamente para ser usa­dos por crianças em escolas. As peças didáticas trazem subtítulos que explicitam essa preocupação. O Vôo sobre o Oceano foi cha­mado por Brecht de “peça didática para rapazes e moças” - “um empreendimento pedagógico” Diz-que-Sim/Diz-que-Não foi denominada “ópera escolar” e “peça didática para escolas”, A Exceção e a Regra e Horácios e Curiácios receberam a designação de “peça sobre dialética para crianças”. Também o Fragmento Fatzer e O Malvado Baal, o Associai são peças didáticas. A Peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo e A Decisão foram compostas para corais operários.

Brecht escreveu ainda um texto, que não é peça didática no sentido estrito, mas merece referência nesse contexto, Vida de Confúcio (Leben des Kung Fu Tse), composto para um teatro que tem crianças como atores. Nas observações para a peça, diz:

[Início de citação] Poderá parecer que não se fará justiça ao nobre objeto, confiando a repre­sentação a crianças. É preciso objetar que, para crianças, apenas os objetos mais elevados são suficientemente altos. Além disso, a representação de uma vida co­mo essa no teatro, mesmo quando empreendida pelos melhores atores, manterá sempre uma certa imperfeição, e o autor prefere as imperfeições na represen­tação de crianças às imperfeições na representação de artistas adultos, (...) crian­ças não são capazes de representar sutis interioridades psicológicas - uma forte razão para confiar a elas a representação de uma grande figura pública que for­mulou informações úteis. É necessário tratar objetos profundos com alegria e cumprimentar autoridades com benevolência: que os intérpretes infantis prepa­rem uma recepção como essa para o grande professor (7, 2991).[Final de citação]

Na peça, um grupo de crianças que estava jogando bola deci­de brincar de escola. Nesse jogo dentro do jogo, o menino mais velho quer ensinar “boas maneiras” aos seus parceiros mais jo­vens. Passa a representar o “grande e legendário rei Yen”, en­quanto os outros garotos se transformam em seus generais.

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O rei oferece, como sinal de sua aprovação pela vitória no combate do qual participaram, “um pote de gengibre real”. O general Fu, convidado a apresentar-se à frente e receber o gengibre que lhe é oferecido, coloca a mão dentro do pote e, gulosamente, enfia na boca a maior quantidade possível. O mesmo se dá com o general Tao. O rei Yen/professor mostra para o menorzinho “como ele deve receber o pote real se quiser demonstrar cortesia”:

[Início de citação] (para o menor) Segure você o pote (como o menor também quer agarrar o pote com voracidade). Não! Com as duas mãos! Agora você é o grande e le­gendário rei Yen enquanto eu represento o general (o menor segura o pote). Primeiro, faço um cumprimento. Assim. Com isso dei a entender que considero grande demais o presente. Mas como o rei Yen me oferece o pote pela segunda vez, eu o recebo, depois de ter feito mais um cumprimento para mostrar que só aceito o pote para obedecer-lhe. Mas como recebo o pote? Com voracidade? Como um porco que quer devorar uma bolota? Não. Calmamente e com cortesia (ele o faz). Quase com indiferença, mas com grande estima. Ponho a mão com indiferença. Como ponho a mão? (7, 2989).[Final de citação]

O procedimento é repetido. Cada general experimenta no­vamente o gengibre e come gulosamente. Somente o menor aprendeu a lição de boas maneiras. Enquanto os dois meninos maiores saem correndo para jogar bola, o menor, que ganharia como recompensa o resto do gengibre, abana tristemente a cabe­ça - o pote real está vazio. O rei Kung conclui com a máxima:

[Início de citação] Acredito que duas coisas sejam necessárias para que a nobre discrição seja mantida ao comer um pote de gengibre: primeiro, o mais sutil sentimento de cor­tesia, e segundo, um pote cheio.[Final de citação]

A lição instaura o processo dialético. Os meninos cantam no final:

Pouco gengibre

Pouca cortesia

Pois a cortesia é uma coisa bela

E o gengibre é uma coisa doce (7, 2991).

Sobre o que versa a lição? Ensinar boas maneiras à mesa? Quando se pode ser cortês? Quem pode ser cortês? Em determi­nada situação, valores maniqueístas passam a ser relativizados.

A peça propõe um Theaterspiel (jogo teatral) - expresso no texto pelo recurso do jogo dentro do jogo: meninos brincando de bola que decidem brincar de escola.

 

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Através da relação professor/alunos (o mais velho dos meninos, o professor, faz de conta que é o rei Yen, enquanto seus parceiros passam a desempenhar o papel de generais) é proposto um novo jogo: rei/generais. Essa sucessiva proposição do jogo dentro do jogo conduz à consciência da representação do papel, o que ainda é acrescido da estratégia da troca de papéis, explicitamente apresentada pelo autor: “Por­que agora você é o grande e legendário rei Yen, enquanto eu re­presento o general ”.

Em oposição a Lacis, Brecht utiliza “modelos de ação” (tex­tos). A improvisação é introduzida a partir do texto e “deve ser bem pensada”, segundo Brecht. O conceito de peça didática, par­tindo de equívocos, foi muitas vezes mal interpretado. Não se tra­ta de ensinamentos a um público através de um autor ou diretor à medida que se entenda por ensinamento a transmissão de idéias e/ou pontos de vista. Os atuantes “ensinam” a si mesmos. Eles aprendem por meio da conscientização de suas experiências, e a peça didática é um meio de aprendizagem.

Apesar das relações que é dado estabelecer entre a peça didática e a teoria do teatro épico, será útil tratar a peça didática como um campo de estudo específico. Ela propõe uma prática pedagógica que se fundamenta em uma teoria político-estética di­ferenciada e com significação própria. Nesse sentido, o exercício com a peça didática representa uma alternativa séria para a pe­dagogia.

 

Início das notas de rodapé:

Nota 1, página 2: Ernst Schumacher, Die dramatischen Versuche Bertolt Brechts 1918-1933, Berlim, Das Europäische Buch, 1977, p. 184. (Publicado em 1954, é o primeiro trabalho sobre a dramaturgia de Brecht, desde os inícios até Santa Joana dos Matadouros. Foi editado ainda em vida de Brecht e baseia-se em depoimento do dramaturgo, Helene Weigl e colaboradores. Rico em materiais, contém infor­mações importantes para a história do teatro e a dramaturgia da República de Weimar. Toda produção inicial de Brecht é entendida como provisória. A obra do dramaturgo marxista é vista como uma oposição à obra do jovem Brecht. O livro é um clássico na pesquisa sobre Brecht.)

Nota 2, página 2:     Werner Mittenzwei, Bertolt Brecht. Von der Massnahme zu Leben des Ga­lilei, Berlim, Aufbauverlag, 1977 (4ª ed.), p. 64. (Análise marxista ortodoxa a par­tir do princípio do realismo socialista. Orientação baseada na política cultural do Partido Comunista. Crítica à tendência de Brecht para a abstração [peças didáti­cas], a tipificação e a parábola. Valorização das peças “realistas”, historicamente concretas - Terror e Miséria do Terceiro Reich, Os Fuzis da Sra. Carrar, Vida de Galileu).

Nota 3, página 2: Marianne Kesting, Das epische Theater. Zur Struktur des modernen Dra­mas, Stuttgart, 1959, p. 74.

Nota 4, página 2: Martin Esslin, Brecht. Das Paradox des politischen Dichters, Munique, 1970, p. 221.

Nota 5, página 2: John Willet, O Teatro de Brecht, Rio, Zahar, 1967, p. 88.

Nota 6, página 3: Jehns Ihwe e Reiner Steinweg. Das Problem der Individualität in den Stücken Bertolt Brechts, Kiel (trabalho não publicado, encontra-se no Arquivo Bertolt Brecht), 1964.

Nota 7, página 3: Reiner Steinweg, Das Lehrstueck. Brechts Theorie einer politisch-ästhetis­chen Erziehung, Stuttgart, Metzler, 1972.

Nota 8, página 3: Reiner Steinweg, Untersuchungen zu den Lehrstücken Bertolt Brechts, Kiel, 1965 (trabalho não publicado, encontra-se no Arquivo Bertolt Brecht).

Nota 9, página 3: Reiner Steinweg, Die Massnahme. Kritische Ausgabe mit einer Spieleinlei­tung von Reiner Steinweg, Frankfurt, Suhrkamp, 1972. (A edição crítica de A De­cisão documenta a história do texto - a partir de 1930 - e observações de Eisler e Brecht sobre a peça. Além das cinco versões do texto poético, o livro traz um aparato crítico para a interpretação, que inclui sinopse, verso por verso, das vá­rias versões, gênese da história do texto, observações teóricas dos autores sobre A Decisão e textos de fundamentação teórica -, principalmente a conferência de Lenin no III Congresso da Juventude Comunista. Além de críticas e ensaios so­bre A Decisão, a edição contém ainda uma bibliografia e indicações de encenação pelo editor.)

Nota 10, página 3: Reiner Steinweg, “Das Lehrstück - ein Modell des sozialistischen Theaters”, in: Alternative 78/79, Berlim, 1971, pp. 102-116.

Nota 11, página 4: Walter Benjamin, Versuche über Brecht, Frankfurt, Suhrkamp, 1981, p. 36.

Nota 12, página 5: Reiner Steinweg, Das Lehrstück (1972), p. 87.

Nota 13, página 5: Reiner Steinweg, “Das Lehrstück - ein Modell des sozialistischen Theaters”, in: Alternative 78/79, pp. 102-116.

Nota 14, página 6: Hildegard Brenner, “Die Fehldeutung der Lehrstücke. Zur Methode einer bürgerlichen Wissenschaft", in: Alternative 78/79, Berlim, 1971, pp. 146-54.

Nota 15, página 6: Reiner Steinweg, Brechts Modell der Lehrstücke. Zeugnisse, Erfahrungen, Diskussion, Frankfurt, Suhrkamp, 1976.

Nota 16, página 6: Werner Mittenzwei, “Die Spur der Brechtschen Lehrstücktheorie. Ge­danken zur neueren Lehrstückinterpretation”, in: Steinweg (1976), pp. 225-254.

Nota 17, página 7: Berenbert, Gossler e Stosch. “Das Lehrstück. Rekonstruktion einer Theorie oder Fortsetzung eines Lernprozesses?”, in: Brechuliskussion (Joachim Dyck editor), Stuttgart, Dronberg-Taurus, 1974, pp. 121-171.

Nota 18, página 7: John Mitful, “Zur Funktion der Verfremdung in den Lehrstücken", in: Steinweg (1976), pp. 287-295.

Nota 19, página 9: O teatro de agitprop e a peça didática foram identificados por apresen­tarem semelhanças (Robert Bnistein, O Teatro de Protesto, p. 275). Kurella [“Ein Versuch mit nicht ganz tauglichen Mitteln” (Kritik der Massnahme), in: Steinweg (1972), p. 390] repreendeu Brecht em 1931 por “não ter-se tomado conhecido no movimento de massa dos grupos de agitprop (até a encenação de A Decisão). Eisler, autor da música de A Decisão, já trabalhava havia muito tempo com o grupo de agitprop Rotes Sprachrohr (Megafone Vermelho)[nota *]. Brecht dificilmente igno­rava o fenômeno do movimento de massa do agitprop. O objetivo imediato do agitprop era ser uma arte de apresentação pública, que devia convencer no exato momento da apresentação. Existem alguns pontos de correspondência entre agitprop e peça didática, embora constituam propostas diferentes (Silvana Gar­cia, Teatro da Militância). Enumeramos, entre as semelhanças que caracterizam estas duas propostas artísticas:

a. a situação da apresentação (antes ou após reuniões, em espaços públicos etc. - encenações não convencionais) obrigava a uma rápida troca de papéis (o que impedia a identificação com a figura apresentada) e levava a uma econo­mia de adereços e cenários;

b. a utilização frequente de corais cantados e falados, o que remonta também a uma origem prática (em grupo, o amador fica mais seguro, e, com algum exercício, passa a ser mais bem entendido);

c. o paralelo mais importante deve ser buscado no elemento improvisacional, que caracteriza tanto o agitprop como a peça didática.

Nota *, pagina 9: Hans Eisler. Em uma observação sobre A Decisão, escrita em 1931, afirma: “(...) a prática nos ensinou que devemos diferenciar entre música feita para às características de peça didática. Outro texto que algumas vezes é erroneamen­te entendido como peça didática é A Padaria. Embora também esteja elaborada com pobreza de aparatos, ela não tem a estrutura característica das peças didáti­cas. Brecht explicita claramente no texto acima a sua preocupação com o “expe­rimento pedagógico", realizado através de uma sequência de tentativas que ca­racterizam a peça didática como um objeto específico.

Nota 21, página 11: Walter Benjamin. “A Obra de Arte na Época de suas Técnicas dc Re­produção”, in: Waller Benjamin, São Paulo, Abril 1975, V. XLV1I1 (Col. “Os Pensadores”).

Nota 22, página 13: Arquivo Bertolt Brecht, in: Steinweg (1976), p. 51.

Nota 23, página 13: Mantivemos as minúsculas nos textos transcritos de Brecht toda vez que ele se utilizou desse recurso.

Nota 24, página 14: Idem, p. 47.

Nota 25, página 16: Europe, Revue Mensuelle 35, in: Alternative 78/79, p. 131. 

Nota 26, página 19: Walter Benjamin, Versuche über Brecht, p. 36.

Nota 27, página 19: Arquivo Bertolt Brecht, in: Steinweg (1976), p. 141.

Nota 28, página 20: Berenberg, Gossler e Stosch em Brechtdiskussion, p. 131, ao interpreta­rem esse texto da teorida da peça didática de Brecht, apontam para alguns indi­cadores de caminho, no sentido de determinar a origem da relação que Brecht estabelece entre atitude e gesto. Ela pode ser encontrada já em Lessing (1754), que no fragmento Der Schauspieler (O Ator) faz um esboço para uma “obra onde serão desenvolvidos os fundamentos de toda a expressividade corporal” (Lessing, Lessings sämtliche Schriften, vol. 14, pp. 179-189). A relação entre atitude e gesto desempenha um papel importante na Ausdruckspsychologie (psicologia da ex­pressão), tendo sido estudada por autores como Johann Engels, Charles Darwin e Wilhelm Wundt.

Nota 29, página 22: Arquivo Bertolt Brecht, in: Steinweg (1976), p. 54.

Nota 30, página 23: Idem, p. 129.

Nota 31, página 24: Brecht utiliza os termos Erlebnis, que traduzo por “experiência”, e Ex­periment, que traduzo por "experimento". O verbo erleben tem o significado de viver, chegar a uma certa idade, experimentar, podendo ser colocado como equi­valente ao termo inglês experiencing.

Nota 32, página 26: A. S. Makarenko, Poema Pedagógico. São Paulo, Brasiliense, 1985, V. II.

Nota 33, página 26: Asja Lacis, Revolutionär im Beruf. Berichte über proletarisches Theater, über Meyerhold, Brecht, Benjamin und Piscator (editado por Hildegard Brenner), Munique, 1971, p. 26.

Nota 34, página 26: Idem, p. 26.

Nota 35, página 27:  Berenberg, Gossler e Stosch in: Brechidiskussion, p. 139.

Nota 36, página 27: Walter Benjamin, A Criança, o Brinquedo, a Educação. São Paulo, Summus, 1983, p. 83.

Nota 37, página 27: Idem, p. 86.

Nota 38, página 28: Idem, p. 87-88.