Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Andressa Raniely

Natal, setembro de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Contratos bancários In______. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 35, p. 416-435.

 

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Capítulo 35

CONTRATOS BANCÁRIOS

 

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1.            ATIVIDADE BANCÁRIA

Por atividade bancária entende-se, juridicamente falando, “a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda nacional ou estrangeira”. Esse conceito é extraído da definição legal de instituições financeiras (LRB, art. 17). Abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito.

Estabelecendo-se um paralelo com a atividade industrial, pode- -se dizer que a matéria-prima do banco e o produto por ele oferecido ao mercado é o crédito. Como todo conceito jurídico, porém, o de ati­vidade bancária suscita algumas dificuldades em sua aplicação, o que tem gerado dúvidas quanto à natureza bancária de certos contratos.

Para se exercer atividade bancária, é necessária autorização governamental. O órgão competente para expedi-la é o Banco Cen­tral do Brasil, autarquia da União integrante do Sistema Financeiro Nacional, a quem a lei atribuiu, entre outras, as funções de emitir a moeda, executar os serviços do meio circulante, controlar o capital estrangeiro e realizar as operações de redesconto e empréstimo a instituições financeiras. Para funcionamento no Brasil de institui­ções financeiras estrangeiras, a autorização é dada por decreto do Presidente da República.

A lei estabelece pena de reclusão de um a quatro anos para o exercício de atividade bancária sem autorização do Banco Central ou, se foro caso, da Presidência da República (Lei 7.492/86, art. 16).

As instituições financeiras adotam sempre a forma de sociedade anônima. Sua administração, no entanto, submete-se a regras especí­ficas e é controlada pelo Banco Central. Esse controle compreende, entre outros mecanismos, a aprovação do nome dos administradores eleitos pelos órgãos societários, a fiscalização das operações realiza­das, a autorização para a alienação do controle acionário ou para a transformação, fusão, cisão ou incorporação, bem como a decretação do RAET, intervenção ou liquidação extrajudicial.

 

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Para um contrato ser bancário, o primeiro requisito é ser uma das partes necessariamente um banco. O outro requisito é a inserção da função econômica do contrato no contexto do exercício da atividade bancária. Assim, se o contrato tem a função de “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros”, então somente uma instituição financeira devida­mente autorizada pelo governo poderá contratá-lo. E, neste caso, o contrato é definido como bancário.

Claro está que não basta a presença do banco em um dos polos da relação contratual para que o contrato seja bancário. Uma instituição financeira se envolve em muitos negócios jurídicos, tais como a locação, a compra e venda de imóveis, a aquisição de programa de computador etc. Estes diversos con­tratos não se tornam “bancários” somente em razão da participação do banco como contratante. Será bancário se cumprir função econômica inserida na atividade bancária, hipótese em que é indispensável a presença do banco na relação contratual.

São bancários aqueles contratos que somente podem ser feitos com um banco, ou seja, aqueles que configurariam infração à lei caso fossem celebrados com pessoa física ou jurídica não autorizada a funcionar como instituição financeira.

As operações bancárias são costumeiramente divididas pela doutrina em típicas e atípicas. São típicas as relacionadas com o crédito e atípicas as presta­ções de serviços acessórios aos clientes, como a locação de cofres ou a custódia de valores.

As operações típicas, por sua vez, subdividem-se em passivas (em que o banco assume a posição de devedor da obrigação principal) e ativas (em que o banco assume a posição de credor da obrigação principal). Geralmente, entre uma instituição financeira e cada um de seus clientes, estabelecem-se várias relações jurídicas. Se uma pessoa “abre conta” num banco, celebra contrato de depósito bancário; se obtém cheque especial, firma contrato de abertura de crédito; ao autorizar débitos automáticos (impostos, taxas, duplicatas), outoiga mandato ao banco etc.

Dessa complexa gama de relações nascem contratos com características próprias, que reclamam configuração jurídica específica. O depósito bancário, por exemplo, tem tantas peculiaridades que, rigorosamente falando, não pode ser considerado espécie de depósito. Daí a importância do estudo em separado dos contratos bancários.

 

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Algumas operações creditícias oferecidas pelas instituições financeiras ao mercado de consumo estão sujeitas à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (arts. 3.°, § 2.°, e 52). Se o trabalhador tem o salário depositado em conta-corrente junto a certo banco, ele é consumidor de serviços prestados por este banco ao mercado de consumo. Está, portanto, sob a tutela do CDC. Contudo, o contrato bancário feito com empresário, no contexto da exploração de uma atividade empresarial, presume-se que o contratante não é vulnerável como os consumidores. Aliás, se o empresário apenas intermedeia o crédito, a sua relação com o banco não se caracteriza juridicamente como consumo. Neste caso, o CDC não incide e o direito comercial rege o contrato.

Em todas as suas operações, a instituição financeira manterá sigilo das informações relacionadas às operações ativas e passivas ou serviços prestados (LC 105/01,art. l.°). É a regra do sigilo bancário, que visa proteger o direito à intimidade dos que contratam com bancos. Prevê a lei exceções à regra do sigilo bancário, em que prevalecem interesses superiores aos ligados à prote­ção da intimidade: a) investigação de crime, em qualquer fase do inquérito ou processo judicial (art. l.°, § 4.°); b) ordem do Poder Judiciário, que deve zelar pela conservação do caráter sigiloso do dado informado (art. 3.°); c) ordem do Poder Legislativo, no exercício de sua competência constitucional e legal de fiscalização da Administração Pública (art. 4.°); d) requisição da autoridade fiscal, após iniciado o regular procedimento tributário (arts. 5.° e 6.°); e) requisição do Banco Central ou CVM (arts. 2o e 7 °);f) requisição do CADE, na investigação de infração contra a ordem econômica (LIOE, arts. 9.°, XVIII, e 13, VI, a). Salvo nessas seis hipóteses, a divulgação pela instituição financeira, ou por terceiros, de informações relativas às operações bancárias constitui crime de quebra de sigilo, punido com reclusão de 1 a 4 anos (LC 105/01, art. 10).

 

2. OPERAÇÕES PASSIVAS

Nos contratos bancários compreendidos na categoria das operações pas­sivas, a instituição financeira assume o polo passivo da relação negociai; isto é, ela se toma devedora, levando-se em conta a principal obrigação contratada.

Os contratos ligados às operações passivas têm a função econômica de captação dos recursos de que necessita o banco para o desenvolvimento de sua atividade.

 

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Os principais contratos dessa natureza são o depósito bancário, a conta-corrente bancária e a aplicação financeira.

O depósito bancário é contrato pelo qual uma pessoa (depositante) entrega valores monetários a um banco, que se obriga a restituí-los quando solicitados. É o mais corriqueiro dos contratos bancários. A entrega e restituição dos recursos monetários são registradas em conta-corrente e o cheque é um dos instrumentos de solicitação de restituição dos recursos depositados.

O depósito bancário é contrato autônomo. Guarda inequivocamente proximidade com o depósito irregular e com o mútuo, mas não pode ser entendido como espécie deste ou daquele. O depósito irregular tem por objeto coisa fun­gível, e o depositário se obriga a restituir bem do mesmo gênero, quantidade e qualidade do depositado. Estes elementos podem ser identificados na relação entre o depositante de recursos monetários e o banco, mas a instituição finan­ceira, a partir do contrato de depósito bancário, passa a titularizar a propriedade dos valores depositados e não a simples guarda, como ocorre em relação ao depositário no depósito irregular. A relação entre o cliente e o banco, nesse contrato, é de verdadeira fidúcia.

Por outro lado, há no depósito bancário elementos do contrato de mútuo, que é o empréstimo de coisa fungível. O depositante encontra-se perante o banco em situação similar ao do mutuante em face do mutuário. Mas trata-se apenas de similitude, por não ser da essência do depósito bancário a remuneração pela permanência dos recursos em mãos do banco e, outrossim, o depositante pode unilateralmente resgatar o bem objeto do contrato. Tais características afastam o depósito bancário do mútuo.

Há três modalidades de depósito: a) à vista, em que o banco obriga-se a restituir ao depositante (ou a terceiro por ordem do depositante), total ou par­cialmente, os recursos depositados imediatamente após a ordem recebida; b) a pré-aviso, em que, ordenada pelo depositante a restituição, total ou parcial, dos recursos depositados, deve o banco providenciá-la em determinado prazo contratado entre as partes; c) a prazo fixo, em que o depositante não pode soli­citar a restituição dos recursos antes de determinada data.

Os depósitos bancários desta última categoria (a prazo fixo) são geralmente remunerados. As Cadernetas de Poupança são produtos oferecidos pelos bancos que, sob o ponto de vista contratual, representam depósito bancário a prazo fixo. A definição do prazo mínimo para resgate pode ser condição da remune­ração, como nas Cadernetas de Poupança, ou do próprio negócio. Assim, no primeiro caso, o depositante que pretender a restituição dos recursos antes do prazo perde a remuneração; no segundo, o depositante sequer pode solicitá-la antes do prazo fixado.

 

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O depósito bancário é contrato real, isto é, somente se aperfeiçoa com a entrega do dinheiro pelo depositante ao banco. Normalmente celebrado por prazo indeterminado, extingue-se por resilição unilateral de qualquer das par­tes. Também a compensação é causa extintiva do contrato, podendo o banco debitar da conta do depositante o valor de créditos líquidos de que seja titular. Por fim, extingue o contrato a falta de movimentação pelo prazo de 30 anos (Lei 370/37), hipótese em que o banco deve recolher ao Tesouro Nacional os recursos existentes na conta do depositante.

Outro contrato da categoria das operações passivas é a conta-corrente. Trata-se de contrato diferente do depósito bancário, embora vulgarmente se tome um pelo outro. A conta-corrente é o contrato pelo qual o banco se obri­ga a receber valores monetários entregues pelo correntista ou por terceiros e proceder a pagamentos por ordem do mesmo correntista, utilizando-se desses recursos. Guarda semelhança com o depósito bancário, porque o banco tem a obrigação de restituir os recursos mantidos em conta-corrente ao correntista imediatamente após a ordem deste. Mas é contrato de função econômica mais ampla, porque, por meio dele, o banco presta serviço de administração de caixa para o correntista. Essa particularidade, ademais, o distancia também do contrato de conta-corrente não bancário.

É contrato consensual; ou seja, aperfeiçoa-se mesmo antes de o correntista entregar qualquer dinheiro ao banco, ficando a conta a ser dotada, por exemplo, por recursos entregues ao banco por devedores do correntista, em pagamento a crédito deste.

A aplicação financeira, por sua vez, é o contrato pelo qual o depositante autoriza o banco a empregar em determinados investimentos (ações, títulos da dívida pública e outros) o dinheiro mantido em conta de depósito. O depositante terá direito à remuneração do valor investido, conforme o sucesso obtido pelo banco na utilização dos recursos, observadas as normas estabele­cidas pelas autoridades monetárias. São normalmente associados aos fundos de investimentos. Na hipótese, não há que se falar em mandato ou corretagem, porque o cliente não pode fixar orientação ao banco quanto à melhor forma de empregar os seus recursos. Tal emprego será feito de acordo com os critérios que o próprio banco adotar, observado o regulamento do fundo. Cuida-se, assim, de contrato autônomo.

 

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3. OPERAÇÕES ATIVAS

Os contratos bancários relacionados com operações ativas são aqueles em que o banco assume a posição de credor da obrigação principal. Comumente, em qualquer relação contratual, as partes têm obrigações ativas (a receber) e passivas (a prestar). Somente é possível, portanto, adotar-se o critério de classificação aqui referido considerando-se a posição ativa ou passiva do banco no tocante à obrigação principal. Dessa forma, por exemplo, na abertura de crédito, o banco é essencialmente o credor, mas isso não significa que não tenha nenhuma obrigação perante o cliente. Ao contrário, na abertura de crédito, cabe ao banco pôr à disposição do cliente os recursos contratados.

Pelos contratos ligados à categoria das operações ativas, os bancos conce­dem crédito a uns clientes, valendo-se dos recursos que, por meio de contratos da categoria das operações passivas, captou junto a outros clientes. Essa inter­mediação do crédito configura a essência da atividade bancária. Os principais contratos bancários de operações ativas são: mútuo bancário, desconto, abertura de crédito e crédito documentário.

 

3.1. Mútuo bancário

O mútuo bancário é o contrato pelo qual o banco empresta ao cliente certa quantia de dinheiro. A matriz dessa figura contratual evidentemente é o mútuo civil, definido como empréstimo de coisa fungível (CC, art. 586). O mútuo ganha contornos próprios quando o mutuante é instituição financeira. Em especial, no que diz respeito à taxa de juros.

O mútuo bancário é contrato real, e somente se aperfeiçoa com a entrega do dinheiro objeto do empréstimo, pelo banco mutuante ao cliente mutuário. Antes disso, inexiste contrato e, consequentemente, nenhuma obrigação se pode imputar ao banco, se ele, mesmo após concluídas as tratativas com o cliente, não lhe entregar o dinheiro.

O mutuário, após receber o dinheiro mutuado, tem as seguintes obriga­ções: a) pagar o valor emprestado; b) pagar a correção monetária, se prevista; pagar juros, encargos e demais taxas constantes do instrumento de contrato; amortizar (pagar antecipadamente) o valor emprestado nos prazos estabe­lecidos contratualmente.

O banco mutuante, por sua vez, não assume nenhuma obrigação perante o mutuário. Trata-se, portanto, de contrato unilateral, em que somente uma das partes (o mutuário) é obrigada.

 

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Não vigora para o mútuo bancário a limitação nas taxas de juros prescrita pelo Código Civil (arts. 406 e 591; Decreto 22.626/33). Tem entendido a jurisprudência que o art. 4.° da LRB, ao atribuir competência ao Conselho Monetário Nacional para disciplinar as taxas de juros a serem praticadas pelas instituições financeiras, excluiu os contratos bancários da limitação legal imposta aos juros dos mútuos civis.

Quanto à forma, o mútuo bancário somente exige instrumento público se houver garantia real hipotecária (ressalvada a hipótese de emissão de cédula de crédito, com oneração de bem imóvel, quando é dispensada a escritura pública).

Questão interessante relativa ao contrato de mútuo está relacionada com a impossibilidade de o mutuário obrigar o mutuante a receber a devolução do valor emprestado antes do prazo contratado, com vistas a obter a redução proporcional do valor dos juros. Não existe esta possibilidade porque a expec­tativa do mutuante é a de fazer emprego remunerado de seu capital; expectativa que seria frustrada, ao menos em parte, pelo pagamento antecipado. O direito protege o interesse do mutuante e fixa a regra de que a devolução do valor em­prestado antes do prazo contratualmente estabelecido somente pode ocorrer com a sua concordância. Essa regra tem apenas uma exceção, prevista no CDC, segundo a qual, no mútuo em que o mutuário é juridicamente consumidor, ele tem direito ao pagamento antecipado do devido com redução proporcional de juros e demais acréscimos (art. 52, § 2.°).

Por fim, defino “financiamento” como sendo o mútuo bancário em que o mutuário assume a obrigação de conferir determinada finalidade ao dinheiro emprestado, como, por exemplo, investir no desenvolvimento de uma atividade econômica ou adquirir a casa própria.

No financiamento, o banco tem direito de proceder a vistorias confirma- tórias ou, mesmo, entregar o dinheiro emprestado diretamente a terceiros (a incorporadora do imóvel adquirido com financiamento, p. ex.). Uma das razões disso se encontra no fato de que, por vezes, há crédito bancário subsidiado por programas governamentais para o fomento de determinadas atividades econô­micas ou destinado ao equacionamento da questão habitacional. Neste caso, com o objetivo de se evitarem desvios ou distorções, a instituição financeira tem não só a prerrogativa, mas até o dever de se assegurar quanto ao adequado emprego dos recursos financiados.

Há na doutrina quem conceitue diferentemente o financiamento, tomando-o pelo contrato em que o banco adianta ao cliente os recursos necessários a determinado empreendimento, para reavê-los junto a devedores do financiado.

 

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3.2. Desconto bancário

O desconto bancário é o contrato em que o banco (descontador) antecipa ao cliente (descontário) o valor de crédito deste contra terceiro, mesmo não vencido, recebendo-o em cessão.

O banco, ao pagar pelo crédito descontado, deduz do seu valor a importân­cia relativa a despesas e juros correspondentes ao lapso temporal entre a data da antecipação e a do vencimento. O seu ganho nesse negócio decorre exatamente dessa dedução, sem a qual a operação não seria atraente à instituição financeira.

Na análise da natureza jurídica desse contrato, dividem-se os doutrinadores. Há quem considere a transferência do crédito como verdadeiro pagamento pro solvendo de contrato de mútuo celebrado entre o banco e o cliente. Outra parte da doutrina configura o desconto como contrato misto, conjugação do mútuo bancário e dação de crédito. E há também os que veem na hipótese um verdadeiro contrato autônomo.

O desconto pode ter por objeto a antecipação de crédito constante de qualquer instrumento jurídico. Normalmente, contudo, os bancos descontam apenas os chamados títulos bancáveis, ou seja, os títulos de crédito em geral. Isto é fácil de se entender. Pelas regras aplicáveis aos títulos de crédito, os “ad­quirentes” destes instrumentos estão preservados diante de eventuais exceções oponíveis pelos devedores ao credor originário; garantia que não existe na cessão civil de crédito.

Dessa forma, os títulos de créditos favorecem a circulação do crédito por eles documentados. Uma instituição financeira, ao descontar uma cambial, está tutelada em seus interesses pelos princípios do direito cambiário (cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações). Assim, ela se dispõe mais facilmente a descontar um título de crédito do que um crédito documentado em instrumento de outra natureza.

Nesse contexto, o descontário transfere ao banco o seu crédito e recebe deste uma importância correspondente ao respectivo valor, mas deduzido de despesas, juros e outras parcelas contratadas. Quando se trata de título de crédi­to, a transferência se faz mediante endosso. Normalmente, o banco-descontador (endossatário) não aceita a inserção, no endosso, da cláusula “semgarantia”, porque quer resguardar o seu direito de crédito contra o cliente-descontário (endossante).

É importante acentuar que, embora o endosso seja indispensável à perfei­ção do desconto de título de crédito, há outros negócios jurídicos entre banco e cliente decorrentes também do endosso de títulos.

 

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Quer dizer, o banco pode re­ceber título endossado por seu cliente sem a configuração do desconto bancário.

São pelo menos trés situações em que o banco recebe, por endosso, títulos de crédito de seus clientes: a) o cliente contrata o serviço de cobrança prestado pela instituição financeira, praticando endosso-mandato, mediante o qual a investe na qualidade de mandatária para o recebimento do crédito devido por terceiro; b) o cliente contrai mútuo bancário e oferece em penhor os créditos por ele titularizados, praticando o endosso-caução, que investe o banco na qualidade de credor pignoratício; c) o cliente transfere o seu crédito ao banco, que passa a titularizá-lo em virtude do endosso. Nas duas primeiras, o endosso é impróprio, enquanto na última, é próprio. Somente no caso de endosso próprio, pode haver desconto bancário.

Trata-se de contrato real, que se aperfeiçoa com a transferência do crédito ao descontador. A partir de então, fica o banco com a obrigação de antecipar o valor contratado.

Se o crédito transferido for pago no vencimento, pelo terceiro devedor, extingue-se a relação contratual entre descontário e descontador. Caso con­trário, o banco poderá optar por uma das seguintes alternativas: a) cobrança judicial do devedor do título descontado, fundamentando-se na titularidade do crédito; b) cobrança judicial do endossante (descontário), com fundamento no direito cambiário, sendo nesta hipótese indispensável o protesto do título dentro do prazo legal para a conservação do direito creditício; c) cobrança ju­dicial do descontário, com fundamento no contrato de desconto, caso em que o protesto do título descontado é facultativo.

Essa terceira alternativa somente é cabível em razão de se configurar o desconto bancário um contrato autônomo. Qualquer entendimento diverso no tocante à sua natureza implicaria o reconhecimento ao banco apenas dos direitos decorrentes do endosso ou da cessão. Em outros termos, se fosse nega­do ao desconto bancário o caráter de negócio jurídico autônomo, a instituição financeira deveria ser tratada simplesmente como uma endossatária (se o objeto do desconto é título de crédito) ou cessionária (se o objeto é diverso, como, p. ex., um contrato administrativo). Como endossatária, ela perderia o direito creditício contra o endossante se não providenciasse o protesto em tempo hábil (salvo a inserção no endosso da cláusula “sem despesas”), e como cessionária nem sequer teria, em regra, direito de regresso contra o cedente (Cap. 18, item 3).

 

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Exatamente porque se trata de contrato autônomo, o banco pode cobrar do descontário o crédito não pago pelo terceiro devedor, fundando-se apenas nos direitos emergentes da relação contratual nascida com o desconto.

Por vezes, o banco descontador desconta, ele próprio, junto a outra institui­ção financeira o crédito que descontou. Essa operação denomina-se redesconto. Apenas o Banco Central pode receber créditos dos bancos mediante redesconto (LRB.art. 10, X).

3.3. Abertura de crédito

Pelo contrato de abertura de crédito, o banco põe certa quantia de dinheiro à disposição do cliente, que pode ou não se utilizar desses recursos. Em geral, contrata-se que o cliente somente irão pagar juros e encargos se e quando lançar mão do crédito aberto. Associada a contrato de depósito, costuma-se designar a abertura de crédito pelo nome de “cheque especial”.

Cuida-se de contrato consensual e bilateral, em que a marca distintiva é a disponibilização de recursos financeiros. Comumente, os bancos não cobram comissão apenas pela disponibilização do dinheiro ao cliente, mas poderiam fazê-lo se entendessem conveniente sob o ponto de vista negociai. Os juros, correção monetária e encargos, por sua vez, são devidos em regra a partir da efetiva utilização do crédito aberto.

Há duas modalidades de contrato de abertura de crédito: a) a abertura simples, em que o cliente, uma vez utilizado o crédito, não tem a faculdade de reduzir o montante do devido antes de determinado prazo; b) a abertura em conta-corrente, bem mais usual, em que o cliente pode, mediante entradas, reduzir o débito perante a instituição financeira.

3.4. Crédito documentário

Esse contrato, de larga utilização no comércio internacional, define-se pela obrigação assumida por um banco (emissor), perante o seu cliente (ordenante), de proceder a pagamentos em favor de terceiro (beneficiário), contra a apresentação de documentos. Estes documentos estão relacionados a negócio realizado entre o ordenante (como devedor) e o beneficiário (como credor).

Com o crédito documentário, assim, o importador pode contratar uma instituição financeira para que ela realize pagamento em favor do exportador, à vista dos documentos representativos das mercadorias. A função econômica do crédito documentário é de suma importância.

Ele implica, para o comprador (no exemplo, o importador), o financiamen­to da operação, porque normalmente restituirá ao banco em prestações o valor recebido à vista pelo beneficiário.

 

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E configura, para o vendedor (o exportador), uma garantia de pagamento, em virtude da solvência da instituição financeira.

O crédito documentário é contrato autônomo, resultante da conjugação de diversos outros contratos. O banco emissor age como mandatário do or- denador, mas entre ambos também há abertura de crédito. Entre ordenante e beneficiário, estabelecem-se relações jurídicas outras, como a compra e venda.

No crédito documentário conhecido por revolvingcredit, nota-se também a presença do contrato de conta-corrente, pois o valor do crédito disponibiliza­do ao beneficiário, pelo banco emissor, varia de acordo com as entradas feitas pelo ordenante.

Firmado o contrato com o ordenante, cabe ao banco confirmar a disponibilização do crédito junto ao beneficiário, mediante a emissão da “carta de crédito”. Após expedir as mercadorias vendidas, o beneficiário, munido da carta e dos documentos comprobatórios do cumprimento das obrigações assumidas perante o ordenante (por exemplo: o documento de embarque das mercadorias em determinado navio), solicita ao banco emissor o pagamento. Por vezes, uma segunda instituição financeira (chamada “banco correspondente”) interfere no negócio, intermediando as relações entre o banco emissor e o beneficiário do crédito documentário.

Importante registrar que a instituição financeira concedente do crédito documentário não assume nenhuma responsabilidade em virtude da relação contratual estabelecida entre ordenante e beneficiário. Perante o ordenante, tem apenas a responsabilidade de proceder à rigorosa conferência dos docu­mentos apresentados pelo beneficiário, observando as instruções fornecidas e os usos e costumes. Perante o beneficiário, responde somente pelo pagamento do valor constante da confirmação do crédito. Se as mercadorias entregues não atendem às especificações do pedido de compra, se há vícios ou desatendimento de prazos, tais aspectos dizem respeito unicamente às relações entre ordenante e beneficiário.

A Câmara de Comércio Internacional tem estabelecido, desde 1929, a uniformização da disciplina geralmente adotada nos contratos de crédito documentário (Uniform Customs and Practicefor Commercial Documentary Credits - UCP). Para que o contrato se submeta à disciplina dessa uniformização, devem as partes fazer expressa referência às normas desta entidade.

 

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4. CONTRATOS BANCÁRIOS IMPRÓPRIOS

A doutrina diverge na definição da natureza bancária de determinados contratos, em relação aos quais debatem os autores sobre a necessidade ou não da participação, em um dos polos da relação negociai, de uma instituição financeira devidamente autorizada a funcionar.

É o caso da alienação fiduciária em garantia, da faturização, do arrenda­mento mercantil e do cartão de crédito. Proponho denominar-se este conjunto de contratos de “bancários impróprios”.

 

4.1. Alienação fiduciária em garantia

Por alienação fiduciária entende-se aquele negócio em que uma das par­tes (fiduciante), proprietário de um bem, aliena-o em confiança para a outra (fiduciário), a qual se obriga a devolver-lhe a propriedade do mesmo bem nas hipóteses delineadas em contrato.

Destaco a natureza instrumental do negócio. A alienação fiduciária será sempre um negócio-meio a propiciar a realização de um negócio-fim. A fun­ção econômica do contrato, portanto, pode estar relacionada à viabilização da administração do bem alienado, da subsequente transferência de domínio a terceiros ou, em sua modalidade mais usual, à garantia de dívida do fiduciante em favor do fiduciário.

A alienação fiduciária em garantia (AFG), introduzida no direito brasileiro pela Lei de Mercado de Capitais, em 1965 (Lei 4.728/65 - LMC), é espécie do gênero alienação fiduciária. Trata-se de contrato instrumental de um mútuo, em que o mutuário-fiduciante (devedor), para garantia do cumprimento de suas obrigações, aliena ao mutuante-fiduciário (credor) a propriedade de um bem. Essa alienação se faz em fidúcia, de modo que o credor tem apenas o do­mínio resolúvel e a posse indireta do bem alienado, ficando o devedor como depositário e possuidor direto desta. Com o pagamento da dívida garantida pela AFG, resolve-se o domínio em favor do fiduciante, que passa a titularizar a plena propriedade do bem dado em garantia.

Embora seja negócio de larga utilização no financiamento de bens de con­sumo duráveis, nada impede que a alienação fiduciária em garantia tenha por objeto bem já pertencente ao devedor (STJ, Súmula 28). O objeto do contrato pode ser bem móvel (infungível ou fungível) ou imóvel.

a)            Bem móvel infungível Quando o contrato tem por objeto bem móvel infungível (e é celebrado no âmbito do mercado financeiro ou de capitais ou se destina a garantir créditos fiscais ou previdenciários), a mora ou o inadimplemento do fiduciante acarreta a pronta exigibilidade das prestações vincendas e possibilita ao fiduciário requerer em juízo a busca e apreensão do bem móvel objeto do contrato. Faculta a lei a venda da coisa pelo credor fidu ciário indepen­dentemente de leilão, avaliação prévia ou interpelação do devedor. Justifica-se essa prerrogativa em virtude de titularizar o credor o domínio resolúvel da coisa dada em garantia. Requerida a busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente, o fiduciante poderá pagar todo o valor devido em razão do contrato de mútuo garantido (e não somente emendar a mora) e, com isso, receber de novo a posse do bem e passar a titularizá-lo livre de ônus.

Note-se, a busca e apreensão e a consolidação da propriedade são meios ágeis de efetivação da garantia manejáveis apenas pelos credores fiduciários de contratos celebrados no contexto do mercado financeiro ou de capitais ou des­tinados à garantia de débitos fiscais ou previdenciários (Deere to-Lei 911/69, art. 8.°-A). Os demais credores em decorrência de AFG de bens móveis infungíveis têm apenas a alternativa de promover a execução do crédito; encontram-se em posição semelhante a do credor pignoratício.

b)            Bem móvelfungível. A AFG de bem móvel fungível só pode ser feita como operação no âmbito do mercado financeiro ou de capitais, ou para garantir créditos fiscais ou previdenciários (LMC, art. 66-B). A efetivação da garantia é feita por aqueles mesmos meios ágeis (busca e apreensão e consolidação da propriedade).

c)            Bem imóvel Quando a alienação fiduciária em garantia tem por objeto bem imóvel, aplicam-se os arts. 22 a 33 da Lei 9.514/97, que instituiu o sistema de financiamento imobiliário. Não é o caso de busca e apreensão porque os di­reitos do credor fiduciário se tornam efetivos por meio apenas da consolidação da propriedade do bem em seu nome. Essa consolidação decorre da falta de purgação da mora, perante o Registro de Imóveis, pelo devedor regularmente intimado (art. 26).

A natureza bancária do contrato de alienação fiduciária em garantia é discutível. Apesar de sua considerável utilização por empresários que exploram atividade não bancária, em especial os consórcios de automóvel, grande parte da doutrina e da jurisprudência tem considerado que apenas instituições finan­ceiras regularmente estabelecidas poderiam celebrar tal modalidade de contrato como mutuante-fiduciária. Esse entendimento baseia-se, sobretudo, no fato de o negócio jurídico em questão ter sido introduzido no direito nacional em diploma legislativo voltado especificamente à disciplina do mercado de capitais.

 

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A solução para a controvérsia da natureza bancária da AFG deve ser pesquisada na análise da extensão do art. 17 da LRB. Se a AFG se encontrar compreendida entre as operações ali descritas, então não restariam dúvidas de que somente aos bancos estaria autorizada a realização do contrato. Caso contrário, revelando-se a AFG negócio estranho ao universo delineado pelo conceito legal de atividade bancária, a qualquer mutuante seria lícito contratar garantia dessa natureza. O fato de o legislador ter optado por tratar da disciplina do negócio nesta ou naquela lei poderá representar, no máximo, falta de rigor na técnica legislativa, mas não um dado hermenêutico de relevância, mormente quando redunda em limitação da liberdade contratual, princípio que decorre da liberdade de iniciativa, constitucionalmente assegurada.

A AFG de bem móvel infungível ou de imóvel não é, portanto, negócio exclusivo de instituição financeira (quando o objeto da garantia é bem móvel fungível, o contrato é legalmente definido como bancário). A sua natureza, como a de toda alienação fiduciária, é meramente instrumental, de negócio-meio. Dessa forma, no âmbito do direito privado, pode estar associada a mútuo bancário ou civil ou mesmo a qualquer outro contrato, ainda que não exclusivo de banco. A função econômica da AFG não está necessariamente abrangida pela “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros”, essência da atividade bancária; embora possa, por evidente, estar associada a essas operações.

É certo que as garantias conferidas pela AFG ao credor são bem mais consistentes se é ele for instituição financeira (pois, nesse caso, considera-se o contrato celebrado no contexto do mercado financeiro). Também têm as mes­mas substanciais garantias os que operam no mercado de capitais e a Receita Federal. De qualquer modo, a inexistência de meios ágeis para a efetivação da garantia fiduciária para os demais credores não é propriamente impeditivo à celebração do contrato por pessoas privadas que não sejam instituições finan­ceiras; é apenas desmotivador.

 

4.2. Faturização (factoring)

Faturização - ou “fomento comercial” - é o contrato pelo qual uma socie­dade empresária (faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de exercente de atividade econômica, empresária ou não (faturizado), prestando a este os serviços de administração de crédito.

 

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Como se pode perceber, quando o exercente de atividade econômica conce­de crédito aos consumidores ou aos compradores de seus produtos ou serviços, ele passa a ter mais uma preocupação empresarial, consistente na necessidade de se administrar a concessão do crédito. Isto compreende não somente o con­trole dos vencimentos, o acompanhamento da flutuação das taxas de juros, os contatos com os inadimplentes, a adoção das medidas assecuratórias do direito creditício, como também a cobrança judicial propriamente dita. Além disso, o empresário, ao conceder crédito, assume o risco de insolvência do consumidor ou do comprador.

Claro que, em tese, o empresário não está obrigado a abrir crédito a quem procura os produtos ou serviços por ele oferecidos. Contudo, a competição econômica, por vezes, não lhe dá outra alternativa. Se não criar facilidades de pagamento aos seus consumidores, o empresário pode perdê-los para o concorrente.

O contrato de faturização tem a função econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus clientes. Por esse negócio, a faturizadora presta ao empresário o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. Com a faturização, a faturizadora assume as seguin­tes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores do faturizado; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização.

Há duas modalidades de faturização: a) quando a faturizadora garante o pagamento das faturas antecipando o valor ao faturizado (conventional facto­ring); b) quando a faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no vencimento (maturity factoring).

A modalidade conventional compreende três elementos: serviços de administração do crédito, seguro e financiamento, enquanto a modalidade maturity abrange apenas a prestação de serviços de administração do crédito e o seguro.

No plano doutrinário, a natureza bancária do conventional factoring é indiscutível, à vista da antecipação pela faturizadora do crédito concedido pelo faturizado a terceiros, o que representa inequívoca operação de intermediação creditícia abrangida pelo art. 17 da LRB. Já em relação ao maturity factoring, em razão da inexistência do financiamento, há dúvidas quanto ao seu caráter bancário. Conforme ensina Newton De Lucca, no entanto, se a faturizadora assumir os riscos do inadimplemento das faturas objeto do contrato, a faturi­zação se revestirá, também neste caso, de nítida natureza bancária.

 

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No plano regulamentar, contudo, não se considera o factoring espécie de contrato bancário, em qualquer de suas modalidades. O Banco Central já con­siderou, no passado, a faturização um contrato bancário. Atualmente, porém, nenhuma norma veda a exploração da atividade de faturização de créditos a não exercentes de atividade bancária.

As empresas de fomento mercantil (as faturizadoras) também devem manter, a exemplo das instituições financeiras, sigilo sobre as suas operações (LC 105/01, art. l.°,§ 2.°).

 

4.3. Arrendamento mercantil (leasing)

Na definição doutrinária, arrendamento mercantil é a locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário de, ao seu término, optar pela compra do bem locado.

O arrendamento mercantil é contrato atípico, para os fins de direito privado. Rege-se pelas cláusulas contratadas, entre as quais a que autoriza o locatário, por ato unilateral de vontade praticado no fim do prazo de locação, adquirir o bem locado, amortizando no preço da aquisição os valores pagos a título de aluguel.

A lei, preocupada com as repercussões tributárias do arrendamento mer­cantil, definiu-o como o negócio realizado entre uma pessoa jurídica (arrenda­dora) e uma pessoa física ou jurídica (arrendatária) cujo objeto é a locação de bens adquiridos pela primeira de acordo com as especificações fornecidas pela segunda e para uso desta (Lei 6.099/74, art. 1,°, parágrafo único). Para o direito tributário, só é arrendamento mercantil o contrato que atende a este conceito.

Dessa forma, um arrendamento mercantil que não se enquadre na definição legal, embora seja locação com opção de compra para o direito privado, será considerado simples compra e venda a prazo, para os fins de tributação (Lei 6.099/74, art. 11, § l.°). Em suma, uma coisa é a disciplina das obrigações dos contratantes entre eles - para esta finalidade, prevalecem as cláusulas fixadas no respectivo instrumento. Outra coisa é a disciplina das obrigações dos con­tratantes perante o fisco - nesta hipótese, somente o arrendamento mercantil que atende às especificações legais será tido como tal.

Assim, a lei não admite que se considerem, para fins fiscais, como arrendamento mercantil determinadas modalidades desse contrato, tais como o sei/ leasing (em que as partes são coligadas ou interdependentes) e o leasing em que o arrendador é o próprio fabricante do produto arrendado. Tais operações receberão o tratamento tributário da compra e venda a prazo. Por outro lado, o leasing back (em que a arrendadora adquire o bem a arrendar da própria ar­rendatária) deve ser tributariamente tratado como arrendamento mercantil.

 

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Pode ser objeto de arrendamento mercantil o bem imóvel ou móvel de produção nacional, bem como os de produção estrangeira autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (Lei 6.099/74, art. 10).

A exploração da atividade de leasing está disciplinada pela Res. BC 2.309/96, que distingue duas modalidades de contrato: o leasing financeiro e o operacional. A primeira se caracteriza, basicamente, pela inexistência de resíduo expressivo. Isto é, para o exercício da opção de compra, o arrendatário desembolsa uma importância de pequeno valor, devendo a soma das prestações corresponden­tes à locação ser suficiente para a recuperação do custo do bem e o retorno do investimento da arrendadora. Na segunda modalidade, como essa soma não pode ultrapassar 75% do custo do bem arrendado, o resíduo a ser pago pela arrendatária, no momento da opção de compra, tende a ser expressivo. O resí­duo pode ser pago antecipadamente, obrigando-se a arrendadora a restituí-lo, caso o arrendatário não opte pela aquisição do bem.

Há julgados, porém, que consideram a cláusula de valor residual garantido (VRG) uma distorção do leasing, determinando que os direitos e obrigações das partes sejam tratados como se o vínculo entre elas fosse o de compra e venda a prazo.

Outro aspecto a acentuar é o da responsabilidade pelos danos decorren­tes do uso da coisa arrendada. Enquanto a arrendatária não exerce a opção de compra, a arrendadora tem a posição contratual de locadora e a situação jurídica de proprietária do bem. Em princípio, portanto, deveria responder por danos provenientes do uso do bem de sua propriedade. Mas, não obstante, a jurisprudência tem entendido que não se pode responsabilizá-la neste caso. A Súmula 492 do STF, referente à responsabilização dos locadores de veículos, não tem sido aplicada às sociedades operadoras de leasing.

No tocante à discussão sobre a sua natureza bancária, é inequívoco que o exercício da opção de compra pelo arrendatário importa a caracterização do pagamento dos aluguéis como verdadeiro financiamento. Se o arrendatário, no entanto, não se vale da faculdade de adquirir o bem, inexiste qualquer ca­racterística nessa relação contratual que possa sugerir a natureza bancária. O próprio legislador não vinculou a celebração do contrato à qualidade de ins­tituição financeira da arrendadora, tributando como arrendamento mercantil também aqueles contratos de que nenhum banco participa. No mesmo sentido, o Conselho Monetário Nacional decidiu que as operações de arrendamento mercantil somente podem ser exploradas por sociedades anônimas dedicadas essencialmente a essa atividade ou por instituições financeiras especificamente autorizadas.

 

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As sociedades dedicadas ao arrendamento mercantil são consideradas instituições financeiras também para os efeitos da lei do sigilo bancário (LC 105/01,art. l.°,VII).

4,4.        Cartão de crédito

Pelo contrato de cartão de crédito, uma instituição financeira (emissora) se obriga perante uma pessoa física ou jurídica (titular) a pagar o crédito con­cedido a esta por terceiro, empresário credenciado por aquela (fornecedor).

O cartão de crédito, propriamente dito, é o documento pelo qual o titular prova, perante o fornecedor, a existência do contrato com a instituição financeira emissora. Importante mecanismo na mobilização do crédito ao consumidor, o cartão de crédito é usado pelo titular nas suas compras de produtos ou serviços comercializados pelo fornecedor. O valor dessa compra, por força do crédito que o fornecedor dá ao titular, será pago, sem qualquer acréscimo, na data do ven­cimento mensal do cartão, diretamente à emissora. Esta, por sua vez, repassará o valor do pagamento ao fornecedor, mediante a exibição das notas de venda.

Trata-se de contrato bancário, na medida em que a emissora, na verdade, financia tanto o titular como o fornecedor. O primeiro pode, em virtude de disposição contratual, parcelar o valor da compra, em vez de pagá-lo totalmente no vencimento mensal do cartão. Este parcelamento, por certo, acarreta o pa­gamento de juros e correção monetária. Já o fornecedor, de posse das notas de venda, pode negociar o recebimento antecipado, com deduções equivalentes ao pagamento de juros e encargos.

Mesmo se o titular pagar todas as suas dívidas com o cartão integralmente na data de vencimento mensal e o fornecedor não negociar a antecipação do valor das notas de venda em seu poder, o cartão de crédito estará instrumen­talizando uma operação de intermediação de recursos financeiros, de inegável natureza bancária.

A lei do sigilo bancário elencou as administradoras de cartão de crédito entre as instituições financeiras que devem conservar sigilo sobre suas operações e serviços (LC 105/01, art. l.°, VI).

Cabe ressaltar que o fornecedor não está obrigado a conceder crédito a seus consumidores. Portanto, não se pode obrigá-lo a aceitar pagamento mediante cartão de crédito. Mesmo o fornecedor credenciado pode condicionar a aceitação do cartão de crédito a valores mínimos de compra, para que a transação conserve o interesse para a sua empresa.

 

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Eventualmente, ele poderá responder perante a sociedade emissora, que o descredenciará ou cobrará multa contratual. Mas perante o titular, nenhuma responsabilidade advém ao fornecedor credencia­do pela recusa na aceitação do cartão de crédito. O essencial na análise desse negócio é não se perder de vista que o uso do cartão apenas instrumentaliza a concessão de crédito feita pelo fornecedor ao titular.