Este material foi adaptado pelo
laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte,
em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46.
Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência
visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins
comerciais.
Revisado por: Mariana Julia do
Nascimento Pereira.
Natal, setembro de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Compra e venda mercantil. In_____. Novo manual de direito comercial: direito de empresa.
29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 33, p. 398-403.
Página 398
Capítulo 33
COMPRA E VENDA MERCANTIL
Página 399
1.
NATUREZA
MERCANTIL DA COMPRA E VENDA
A compra e venda é mercantil
quando comprador e vendedor são empresários. Trata-se do contrato elementar da
atividade empresarial. Numa esquematização simples, o comércio pode ser
explicado como a sucessão de contratos de compra e venda. O importador compra o
produto do fabricante sediado no exterior e o revende ao atacadista, que o
revende ao varejista e assim por diante.
Muitas vezes convém a dois
empresários entabularem negociações de cunho geral, com
o objetivo de agilizar e facilitar os negócios. O supermercado pode contratar
como atacadista de laticínios a aquisição destas mercadorias por um ano,
fixando as condições básicas para o conjunto de contratos de compra e venda que
celebrarão naquele período (por exemplo: quantidade, preço, locais de entrega).
Neste caso, costuma-se chamar o negócio acertado entre os empresários de contrato de fornecimento. Note-se que não há, na relação
interempresarial correspondente ao fornecimento, nada mais que uma série de
contratos de compra e venda, cujas cláusulas foram negociadas em termos gerais,
para facilitar a administração dos negócios de cada contratante. O contrato de
fornecimento não configura modalidade de colaboração (Cap. 34).
A compra e venda mercantil é, na
maioria das vezes, contrato sujeito às normas do Código Civil. Por ser contrato
entre empresários, porém, sujeita-se a regime específico em caso de falência
(item 4). Eventualmente, pode-se configurar, na relação contratual entre empresário-comprador e empresário-vendedor, uma compra e venda sujeita ao
CDC. Será este o caso se o empresário-comprador for consumidor, na acepção legal
do termo (Cap. 8, item 3), ou estiver em condição
análoga a de consumidor.
Página 400
2. FORMAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA MERCANTIL
A compra e venda mercantil é
contrato consensual, ou seja, para a sua constituição é suficiente o encontro
de vontades do comprador e do vendedor. Basta que eles se entendam quanto à
coisa e ao preço para que o vínculo contratual se aperfeiçoe.
No tocante à coisa, pode tratar
se de bem de qualquer espécie (imóvel, móvel ou semovente). Eles poderão ser corpóreos ou incorpóreos, repelindo se apenas a venda dos
considerados fora do comércio, ou seja, os insuscetíveis de apropriação e os
legalmente inalienáveis. Além disto, a coisa pode ser própria ou alheia, sendo
bastante usual no comércio a venda de bens que o vendedor ainda não adquiriu,
mas deverá fazê-lo, em razão da atividade econômica
por ele exercida.
Em relação ao preço, registre se
que este deverá ser pago em dinheiro. Caso contrário, cuidar se á de troca e
não de compra e venda. Deverá ser previsto o pagamento em moeda nacional, em
regra, posto que o direito brasileiro só admite o pagamento de compra e venda
em moeda estrangeira quando se trata de importação ou exportação (Decreto Lei
857/69, art. 2o, 1).
A regra geral para a fixação do
preço é a da plena liberdade das partes, em perfeito ajuste com o princípio da
liberdade de iniciativa estabelecido pela Constituição.
Observados, assim, tais limites
jurídicos, os empresários celebram contrato de compra e venda mercantil quando
entram em acordo relativamente à coisa e ao preço. A execução do contratado
pode, no entanto, estar subordinada ao implemento de uma condição. É possível,
por exemplo, condicionar se a venda à aprovação do comprador quanto à qualidade
do bem. São as chamadas vendas a contento, usuais no ramo de bebidas ou
vestuário. Outra possibilidade é a de se estipular a entrega da coisa vendida
em determinado lugar e prazo, sob pena de resolução da avença. Ou, então, a
previsão da cláusula de retrovenda, pela qual a vontade do vendedor de
readquirir o bem, manifestada em certo prazo, opera como condição resolutiva da
compra e venda.
Em relação à execução, a compra e
venda pode ser imediata, diferida ou continuada. Na primeira hipótese, as
partes devem cumprir as obrigações assumidas logo após a conclusão do
contrato. Na segunda, comprador e vendedor estabelecem uma data futura para o
cumprimento das respectivas obrigações, como na compra e venda a termo, muito
comum nas Bolsas de valores ou de mercadorias. Na terceira, têm se as chamadas
vendas complexas, em que a execução do contratado se desdobra em diversos atos,
como, por exemplo, no contrato de fornecimento ou de assinatura.
Página 401
Celebrado o contrato de compra e
venda mercantil, o comprador assume a obrigação de pagar o preço e o vendedor a
de transferir o domínio, ou seja, proceder à entrega da coisa no prazo. Se o
primeiro não cumpre a sua parte na avença, responde pelo valor devido, além das
perdas e danos ou da pena compensatória e demais encargos assumidos. Já, se o
vendedor não cumpre a obrigação de entregar a coisa, o comprador poderá optar entre o
direito à indenização por perdas e danos ou o cumprimento do contrato (CC, art. 475).
Além de transferir o domínio da
coisa vendida, o vendedor também se compromete a responder por vício
redibitório (CC, art. 441) e por evicção (CC, art. 447). O primeiro se verifica
quando o bem entregue não corresponde às especificações acordadas entre as
partes, no sentido de se revelar impróprio ao uso a que se destina ou de
reduzido valor. Por evicção se entende o dever de defender em
juízo a venda perante terceiros reivindicantes da coisa objeto do contrato. Tal
dever inexiste se o comprador tinha ciência da reivindicação e assumira o risco
correspondente.
No que diz respeito a
responsabilidade pelo transporte da mercadoria transacionada, cabe ao vendedor
as despesas com a tradição (CC, art. 490). Como esta se opera no lugar
em que se encontra o bem vendido, é, em princípio, do vendedor a obrigação de
providenciar a entrega no estabelecimento empresarial do comprador, contratando
os serviços de transporte por sua conta e risco.
Obviamente, as partes podem
estabelecer disposição diversa, atribuindo ao comprador parte ou a totalidade
das despesas e riscos inerentes ao transporte da mercadoria. Isto é, aliás,
bastante comum. Para uniformizar esta distribuição de responsabilidades entre
as partes, principalmente nas transações entre empresários estabelecidos em
países diferentes, a Câmara de Comércio Internacional (CCI) convencionou
algumas cláusulas padrões, os Incoterms. Estas cláusulas foram criadas em
1936 e já passaram por sucessivas revisões (1953,1967,1976,1980,1990 e 2000),
sendo que a última delas data de 2010.
De acordo com os Incoterms 2010,
a compra e venda está agrupada em 4 diferentes classes, segundo a distribuição
entre as partes das despesas relativas à tradição. Têm se, então, contratos de
partida (Grupo “E”), de transporte principal não pago (Grupo “F”), de
transporte principal pago (Grupo “C”) e de chegada (Grupo “D”).
Em relação aos contratos de
partida, estabelece se, pela cláusula EXW (Ex Works - local de retirada), que o
comprador assume com exclusividade os custos e riscos relativos ao recolhimento
das mercadorias do estabelecimento do vendedor,
devendo pagar todas as despesas necessárias a tradição dos bens transacionados,
inclusive o carregamento no veículo de transporte, o seguro e o desembaraço
alfandegário.
Página
402
Para os contratos de transporte
principal não pago, são previstas 3 cláusulas: FCA (Free Carrier - local indicado), em que se
convenciona caber ao vendedor o pagamento do desembaraço para a exportação e a
entrega das mercadorias, no local designado, ao transportador contratado pelo
comprador, o qual assume também todas as demais despesas; FAS (Free Alongside Ship - porto de embarque indicado), pelo
qual se obriga o vendedor a transportar o bem transacionado até um determinado
porto, cabendo ao comprador as despesas com o desembaraço para a exportação,
embarque das mercadorias, seguros e outras necessárias; e FOB (Free On Board- porto de embarque indicado), em
que as despesas com o transporte da mercadoria até um certo porto, com o
embarque desta no navio e com o desembaraço para a exportação, correm por conta
do vendedor, sendo as demais encargos do comprador.
Com referência aos contratos de
transporte principal pago, os Incoterms 2010 estabelecem 4 cláusulas: CFR (Cost
and Freight - porto de destino indicado),
segundo o qual competem ao vendedor as despesas relativas a entrega das
mercadorias no porto de destino convencionado, responsabilizando se pelo
transporte, embarque e desembaraço para a exportação, mas transferindo ao
comprador os riscos de perda ou dano, em razão de ocorrências havidas após o
embarque da coisa vendida no navio atracado no porto de origem; CIF (Cost, Insurance and Freight - porto de destino indicado), por
meio do qual o vendedor assume todas as despesas com o transporte até um
determinado porto, incluindo seguro marítimo e desembaraço para a exportação;
CPT (Carriage Paid To...- local de destino indicado), que
reserva ao vendedor as despesas com o transporte das mercadorias até uma
localidade designada, salvo as relativas à perda ou dano destas, que são
transferidas ao comprador; CIP (Carriage and Insurance Paid To...- local de destino indicado),
significando que o vendedor arca com as despesas de transporte das mercadorias
até determinada localidade, inclusive as relacionadas com a perda ou dano
durante o transporte.
Finalmente, os contratos de
chegada comportam 3 cláusulas: DAT (Delivered at Terminal - indicação do terminal de
destino), em que o vendedor se obriga por todas as despesas até o desembarque
das mercadorias vendidas num terminal; DAP (Delivered at Place - indicação do lugar de
destino), em que ele é obrigado pelas despesas até a mercadoria ficar
disponível ao comprador, num determinado lugar, diferente de um terminal,
cabendo a este último pagar o desembarque; e DDP (Delivered Duty Paid-local de destino indicado), segundo
o qual o vendedor
coloca as mercadorias disponíveis ao comprador no local designado, no país de
importação, respondendo, em decorrência, pelas despesas de transporte, seguro e
desembaraço para a importação.
Página 403
3.
ESPECIFICIDADE DA
COMPRA E VENDA MERCANTIL
A especificidade da compra e venda mercantil está
na disciplina das consequências para o vendedor da instauração da execução
concursal do patrimônio do comprador. A
execução concursal do devedor consiste na falência (se o comprador é empresário ou sociedade empresária) ou insolvência (quando não é). Pois bem, a regra geral, aplicável
à compra e venda civil, é a de que o vendedor pode exigir, na insolvência do
comprador, uma caução antes de proceder à entrega da coisa vendida (CC, art.
495).
Na compra e venda mercantil, os direitos do
vendedor, na falência do comprador, variam segundo o momento em que se
encontrava a execução do contrato quando da quebra. Em alguns casos, o vendedor
tem o direito a restituição da coisa; em outros, à notificação do administrador
para que seja decidido se seu contrato será resolvido ou deverá ser cumprido.
Mas, em nenhuma circunstância, pode o vendedor na compra e venda mercantil
exigir do comprador falido (isto é, da massa falida) a prestação de caução do
pagamento como condição para fazer a entrega da coisa vendida. O art. 495 do CC
não se aplica a compra e venda mercantil, sujeitas às regras específicas da LF, e nisso reside sua
especificidade.
A razão do tratamento específico da compra e venda
mercantil, na hipótese de instauração do concurso de credores do comprador, é
compreensível. No giro econômico, as mercadorias e
insumos constituem um elemento de extrema importância para a sobrevivência das
empresas. O legislador deve procurar compatibilizar, de um lado, os interesses gerais dos credores e os
particulares do vendedor, de forma a que as coisas vendidas ao falido e não
entregues possam ter a alocação mais apropriada para a
economia. Dal a complexidade da disciplina da matéria quando a compra e venda é
mercantil. Na civil, pode a lei cuidar da proteção exclusiva dos interesses do
vendedor, caso instaurada a insolvência do comprador, porque a coisa objeto de
contrato não circula como mercadoria ou insumo de nenhuma atividade
empresarial.