Revisado
por: Mariana Julia e Andressa Raniely
Natal,
setembro de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Direito falimentar. In:_____. Novo manual de
direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, parte 4, cap. 24. p. 300-
310.
QUARTA PARTE - DIREITO FALIMENTAR
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CAPÍTULO
24
TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR
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1. PRINCÍPIOS
APLICÁVEIS À CRISE
DA EMPRESA
Quando
uma empresa entra em crise, é necessário sempre investigar a causa. Isto
porque, há duas situações muito distintas a considerar, sob o ponto de vista
jurídico. De um lado, há as crises causadas por fatores de ordem exclusivamente
econômica, em tudo fora do controle da sociedade empresária, de seus
administradores e sócios; de outro, há as desencadeadas ou mesmo amplificadas
por atos ilícitos (fraudes e irregularidades de qualquer natureza) de administradores
e sócios da sociedade empresária.
É
importante ter presente essa distinção, porque a crise da empresa nem sempre
decorre de má administração ou ilicitudes. Muitas vezes ocorre de os sócios e
administradores adotarem, com o máximo rigor, todas as medidas necessárias e
recomendáveis para o desenvolvimento da empresa, agindo escrupulosamente dentro
da lei e da ética - e, mesmo assim, o negócio simplesmente não dá certo. Nessa
hipótese de crise da empresa causada por fatores exclusivamente econômicos, em
tudo fora do controle de sócios e administradores, evidentemente nenhuma
responsabilidade pode ser imputada a estes.
A
crise pode ter afetado a economia como um todo ou dizer respeito apenas a uma
empresa ou grupo empresarial em particular. No primeiro caso, não há dúvidas de
que os fatores macroeconômicos fogem do controle de sócios e administradores
das empresas atingidas. Mas, mesmo no segundo caso, evitar a crise também poderia estar
além do alcance de sócios e administradores. Afinal, uma empresa pode não ter
sucesso, mesmo quando todas ao seu redor prosperam, e muitas vezes não se
consegue nem ao menos entender as razões desse descompasso. O risco empresarial
por vezes desencadeia perdas supreendentes, ou seja, insuscetíveis de
antecipação para economistas e administradores de empresa.
Os
princípios aplicáveis à crise da empresa devem naturalmente atentar a essas
situações, destacando aquelas em que não é racional, jurídico, nem moral
atribuir aos sócios e administradores da sociedade empresária em crise, qualquer
responsabilidade pelas suas consequências. Eles foram, tanto quanto os
credores, vítimas do risco empresarial.
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São
quatro os princípios aplicáveis à crise da empresa:
Princípio
da inerência do
risco. Não há como neutralizar ou mitigar o risco empresarial. Qualquer empresa
pode se frustrar, mesmo aquela organizada a partir dos mais acurados preceitos
da administração de empresas, alicerçada em projeções econômicas as mais
precisas possíveis, que incorpora o conhecimento científico mais avançado, que
está cercada de todas as cautelas éticas e cumpre a lei com exatidão. Fatores
isolados ou macroeconômicos, conjunturais ou estruturais, sempre estão à
espreita e podem arruinar os mais honestos e dedicados esforços de
investidores, empreendedores e empresários. Desse princípio: segue-se ser
necessária a investigação, a ser feita nos processos ligados à crise da empresa
(falência e recuperação judicial) das razões desta, para, quando for o caso,
responsabilizar quem a tiver causado.
Princípio
do impacto social da crise da empresa. Em tomo da empresa gravitam variados
interesses, muito além dos titulados pelos sócios da sociedade. ' empresária.
Os trabalhadores, em geral, se interessam pelos postos de trabalho que ela
oferece, e os empregados têm interesse na manutenção de seus empregos. Os
consumidores estão interessados nos produtos ou serviços fornecidos, ao
mercado. A geração de tributos é do interesse geral, assim como é a promoção
de riqueza local, regional, nacional ou global. Quando a empresa entra em
crise, todos esses interesses são ameaçados. Para tentar proteger tais
interesses, que transcendem os dos sócios da sociedade empresária em crise, o
direito cria instrumentos destinados à preservação da atividade econômica
(recuperação : judicial, continuação do negócio do falido etc.).
Princípio
da transparência. A crise da empresa não prejudica somente a sociedade
empresária e seus sócios. Também os credores são inevitavelmente | atingidos em
seus direitos. Assim, os processos judiciais relacionados à crise da empresa
devem ser transparentes, para que todos possam controlar a adequada liquidação
do ativo e satisfação do passivo (na falência) ou avaliar í pertinência do plano de recuperação e
do sacrifício que ele impõe aos credores (na recuperação judicial).
Princípio
do tratamento paritário dos credores. A crise certamente dificulta ou; impede
que a sociedade empresária honre integralmente os seus compromissos com os
credores. Deste modo, não podendo todos receberem a totalidade de;.
seus créditos, o mais racional é que eles sejam classificados levando em conta
a necessidade (trabalhadores têm grande preferência), as garantias concedidas
(o credor hipotecário será atendido com o
produto da venda do bem hipotecado) e outros critérios. Dividindo-se os
credores em classes, os recursos disponíveis podem ter uma destinação mais
justa.
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Sabe-se
que a garantia dos credores é representada pelos bens do patrimônio do devedor.
Isto quer dizer que, em ocorrendo o inadimplemento de qualquer, o credor poderá
promover, perante o Poder Judiciário, a execução de tantos bens do patrimônio
do devedor quantos bastem à integral satisfação de seu crédito. A execução processar-se-á, em
regra, individualmente, com um exequente se voltando contra o devedor para dele
haver o cumprimento da obrigação devida.
Quando,
porém, o devedor tem, em seu patrimônio, bens de valor inferior à totalidade de
suas dívidas, quando ele deve mais do que possui, a regra da individualidade da
execução toma-se injusta. Isto porque não dá aos credores de uma mesma
categoria de crédito chances iguais de receberem seus créditos. Aquele que se
antecipa na propositura da execução possivelmente receberá a totalidade do seu
crédito, enquanto os que se demoram (até porque eventualmente nem tinha ainda
vencido a respectiva obrigação) muito provavelmente não receberão nada, porque
encontrarão o patrimônio do devedor já totalmente exaurido.
Para
se evitar essa injustiça, conferindo as mesmas chances de realização do
crédito a todos os credores de uma mesma categoria, o direito afasta a regra da
individualidade da execução e prevê, na hipótese, a obrigatoriedade da execução
concursal, isto é, do concurso de credores (antigamente denominada execução
“coletiva”). Se o devedor possui em seu patrimônio menos bens que os
necessários ao integral cumprimento de suas obrigações, a execução destes não
poderá ser feita de forma individual, mas terá que ser concursal. Ou seja, deve
ser feita mediante uma execução que abranja a totalidade dos credores, a
totalidade dos bens, todo o passivo e todo o ativo do devedor.
Isto
é o que se entende por par conditio
creditorum, princípio básico do direito falimentar. Os credores do devedor
que não possui condições de saldar integralmente suas obrigações devem receber
do direito um tratamento paritário, dando-se aos que integram uma mesma
categoria iguais chances de efetivação de seus créditos.
Desta
forma o direito tutela o crédito e especialmente o crédito comercial,
possibilitando que melhor desempenhe sua função na economia e, consequentemente,
na sociedade. As pessoas se sentem menos inseguras em facilitar o crédito quando podem contar com esse
tratamento paritário na hipótese de vir o devedor a encontrar-se em situação
patrimonial que o impeça de honrar; totalmente seus compromissos.
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A falência é a execução concursal do devedor empresário.
Quando o devedor com bens no patrimônio insuficientes para o pagamento das
dívidas não exerce profissionalmente atividade empresária, a execução concursal
chama-se execução contra credor insolvente e é, naturalmente, diversa da
falência. O direito falimentar refere-se, assim, ao conjunto de regras jurídicas
pertinentes à execução concursal do
devedor empresário, que são diferentes das aplicáveis ao devedor civil (não
empresário).
A
falência, como um regime diferenciado de execução concursal do empresário,
importa liberar tratamento mais benéfico ao devedor exercente de atividade
econômica sob a forma de empresa que o concedido as pessoas em geral. E isto se
pode perceber pelas seguintes diferenças exemplificativas entre um e outro
regime:
a) Recuperação da
empresa - faculdade aberta pela lei exclusivamente aos devedores que se
enquadram no conceito de empresário ou sociedade empresária, a recuperação
judicial possibilita a reorganização das empresas exploradas pelo devedor, com
maior ou menor sacrifício dos credores, de acordo com plano aprovado ou
homologado judicialmente. Por meio do plano de recuperação dá empresa, o
devedor pode postergar o vencimento de obrigações, reduzir seu valor ou
beneficiar-se de outros meios aptos a impedir a instauração da execução
concursal. O devedor civil não tem nenhuma medida com esta extensão; Na melhor
das hipóteses, a lei prevê a possibilidade de suspensão da execução concursal
se o devedor obtiver a anuência de todos os credores (CPC/1973< j art. 783;
CPC,art. 1.052).
b)
Extinção das obrigações - o devedor empresário em regime de execução concursal
tem as suas obrigações julgadas extintas com o rateio entre os quiro- j
gráficos de mais de 50% do devido após a realização de todo o ativo (LF, art.
158, II); ao passo que as obrigações do devedor civil, em regime de execução
concursal, somente se extinguem com o pagamento integral do devido
(CPC/1973, art. 774; CPC, art. 1.052). Um empresário que entra em falência com
um patrimônio de valor suficiente para pagar 100% dos credores com preferência
e mais de 50% dos quirografários poderá obter a declaração de extinção das
obrigações; logo após a realização de seu ativo e rateio do produto apurado.
Se, em seguida, adquirir novos bens, os credores existentes ao tempo da
falência não terão direito de executar seus créditos no patrimônio recomposto;
já o devedor civil na mesmíssima situação poderia
ter o seu patrimônio reconstituído executado até o integral pagamento do
passivo, salvo o decurso do prazo de 5 anos do encerramento do processo de
insolvência (CPC/1973, art. 778; CPC, art. 1.052).
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Estas são duas das diferenças
entre o regime de execução concursal civil (execução contra devedor insolvente)
e o comercial (falência). Além delas, há diferenças no campo do direito das
obrigações, processual e penal.
Para que se instaure o processo
de execução concursal da falência, é necessária a concorrência de três
pressupostos: a) devedor empresário; b) insolvência; c) sentença declaratória
da falência. Os dois primeiros pressupostos são examinados neste capítulo, enquanto
o último é objeto do capítulo seguinte.
3. DEVEDOR SUJEITO À FALÊNCIA
Por ser o regime de execução
concursal do devedor empresário, em princípio, estará sujeito à falência todo
e qualquer exercente de atividade empresarial.
O profissional que o direito
considera empresário, pessoa natural ou jurídica, é o executado no regime de
execução concursal falimentar. Como visto anteriormente
(Cap. 1), empresário é quem exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (CC, art.
966). Neste conceito, enquadram-se
os que exploram atividade dos mais variados segmentos: supermercado, hotel, atacadista de gêneros
alimentícios, varejista de roupas, fábrica de calçados, estacionamento, agência
de publicidade, concessionária de automóveis, construtora, restaurante,
editora, livraria, indústria química, farmácia etc. A lei não considera
empresários os profissionais liberais, artistas e, quando não registrado no
Registro de Empresas, o explorador de atividade rural (agricultura, pecuária, extrativismo etc.) (CC, arts. 966, parágrafo único, e 971).
Sempre que o devedor é legalmente
empresário, a execução concursal de seu patrimônio
faz-se pela falência. Em outros termos, quando o devedor
explora sua atividade econômica
de forma empresarial - caracterizada pela conjugação dos fatores de produção: investimento de capital,
contratação de mão de obra, aquisição de insumos, desenvolvimento ou compra de
tecnologia -, não sendo capaz de honrar suas obrigações no vencimento (ou
estando presentes outros fatos tipificados em lei), o juiz deve instaurar um
processo de execução concursal destinado à satisfação dos credores, no quanto
for possível. Este processo é a falência.
Em determinados textos legais,
está explícito o não cabimento do regime jurídico-falimentar por se tratar de
devedor civil, não empresário. É o caso das cooperativas, em que a lei, ao fixar que ditas pessoas
jurídicas não se sujeitam à falência, limita-se, a rigor, ao mero
esclarecimento de algo que decorre já da própria inexistência de natureza
empresarial nelas. Mesmo se a lei fosse silente acerca do assunto, não estariam as
cooperativas sujeitas ao direito falimentar.
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Em
situação bastante diferente se encontram, no entanto, algumas categorias de
empresários, que o legislador, por razões varias, determinou fossem excluídas
total ou parcialmente do regime jurídico-falimentar.
Por
exclusão total do regime falimentar entende-se a disposição de lei que reserva,
para a hipótese em que o devedor empresário tem menos bens em seu patrimônio do
que o necessário ao pagamento de seus débitos, um processo ou procedimento de
execução concursal diverso do falimentar. E por exclusão parcial a disposição
legal que estabelece um processo ou procedimento de execução concursal do
devedor empresário alternativos ao falimentar. O empresário excluído totalmente
da falência não poderá, em nenhuma hipótese, submeter-se ao processo falimentar
como forma de execução concursal. Já o empresário excluído parcialmente da falência,
em determinados casos discriminados por lei, poderá ter a falência decretada.
Estão
totalmente excluídos do regime falimentar: a) as empresas públicas e sociedades
de economia mista (Lfi art. 2.°, 1), que são sociedades exercentes de atividade
econômica controladas direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de direito
público (União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municípios); b) as
câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira,
sujeitos de direito cujas obrigações são sempre ultimadas e liquidadas de
acordo com os respectivos regulamentos, aprovados pelo Banco Central (as
garantias conferidas pelas câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e
de liquidação financeira destinam-se, por lei, prioritariamente, à satisfação
das obrigações assumidas no serviço típico dessas entidades) (Lfi art. 193); c)
as entidades fechadas de previdência complementar (LC 109/2001, art. 47).
Entre
os empresários parcialmente excluídos do regime falimentar, podem ser
lembradas: a) as instituições financeiras, às quais destinou o legislador o
processo de liquidação extrajudicial (Lei 6.024/74), sob a responsabilidade do
Banco Central; b) as sociedades arrendadoras que tenham por objeto exclusivo a
exploração de leasing, sujeitas ao mesmo regime de liquidação extrajudicial
previsto para as instituições financeiras (Res. BC 2.309/96); c) as sociedades
que se dediquem à administração de consórcios, fundos mútuos e outras
atividades assemelhadas e se sujeitam a procedimento de liquidação
extrajudicial idêntico ao das instituições financeiras (Lei 5.768/71, art. 10);
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d) as seguradoras, que devem ter a falência
requerida pelo liquidante nomeado pela SUSEP (Superintendência de Seguros
Privados), quando frustrada a liquidação extrajudicial (isto é, se o ativo não
for suficiente para o pagamento de pelo menos metade dos credores
quirografários) ou se surgirem nesta indícios de crime falimentar (LS, art. 26);e) as entidades abertas de
previdência complementar (LC109/2001,art. 73)
e as de capitalização (Decreto-Lei 261/67, art. 4.°), nas mesmas condições que as
seguradoras; f) as operadoras de planos privados de assistência à saúde,
submetidas ao regime de liquidação extrajudicial pela ANS (Agência Nacional de
Saúde), e que só podem falir nas mesmas condições das seguradoras (Lei
9.656/98, art. 23).
Todos
os empresários parcialmente excluídos do regime falimentar podem ter a sua
falência decretada, observadas as condições específicas legalmente previstas.
Por exemplo: a falência de instituição financeira em regime de liquidação
extrajudicial deve ser requerida pelo próprio liquidante, autorizado pelo Banco
Central, se o ativo não alcançar metade do passivo quirografário ou se houver
indícios de crime falimentar.
4. INSOLVÊNCIA
O
estado patrimonial em que se encontra o devedor que possui o ativo inferior ao
passivo é denominado insolvência. O devedor em insolvência é que se
encontra sujeito à execução concursal de seu patrimônio, como imperativo da par
conditio creditorum. Mas
é necessário atentar-se para o fato de que o segundo pressuposto da falência
não é a insolvência entendida em sua acepção econômica, ou
seja, como um estado patrimonial. É, isto sim, a insolvência entendida
em um sentido jurídico preciso estabelecido na Lei de Falências (Lei
11.101/05-LF).
Desta
forma, para que o devedor empresário seja submetido à execução por falência, é
rigorosamente indiferente a inferioridade do ativo em relação ao passivo. Nem
se faz necessário provar o estado patrimonial de insolvência do
devedor, para que se instaure a execução concursal falimentar; nem, por outro
lado, se livra da execução concursal o devedor empresário que lograr demonstrar
eventual superioridade de seu ativo em relação ao passivo, ao contrário do que
ocorre com o devedor civil (CPC/1973, art. 756,
II; CPC, art. 1.052).
Para
fins de instauração da execução por falência, a insolvência não se
caracteriza por um determinado estado patrimonial, mas sim pela ocorrência de
um dos fatos previstos em lei. Em outros termos, a insolvência se
caracteriza, para o direito falimentar, quando o empresário for
injustificadamente impontual
no cumprimento de obrigação líquida (LF, art. 94,1), incorrer em execução
frustrada (art. 94, II) ou praticar ato de falência (art. 94,111).
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Se restar
caracterizada a impontualidade injustificada, a execução frustrada ou o ato de
falência, mesmo que o empresário tenha o seu ativo superior ao passivo, será
decretada a falência; ao revés, se não ficar demonstrada nenhuma destas
hipóteses, não será instaurada a falência ainda que o passivo do devedor
seja superior ao ativo. A insolvência que
a lei considera pressuposto da execução por falência é meramente presumida. Os
comportamentos discriminados pelo j art. 94 da LF são geralmente praticados por
quem se encontra em insolvência, e esta é a presunção legal que orienta a
matéria.
A impontualidade injustificada deve se
referir à obrigação líquida. Para fins
de decretação da falência, entende-se por “líquida” a obrigação representada
por título executivo, judicial ou extrajudicial. Qualquer dos títulos que
legitimem a execução individual, de acordo com a legislação processual, pode ;
servir de base à obrigação a que se refere a impontualidade caracterizadora da insolvência. Trata-se
de critério formal da lei: a impontualidade é considerada j de obrigação
líquida quando documentada por título executivo.
Há, no entanto, algumas obrigações
que, mesmo líquidas, não podem servir de
base à impontualidade injustificada. São as que não podem ser reclamadas na falência, como as obrigações gratuitas,
por exemplo (LF, art. 5.°, I).
Quando, por outro lado, se fala em
impontualidade injustificada, tem-se em
mira a inexistência de relevante razão para o inadimplemento da obrigação líquida.
Está claro que o devedor empresário não terá a sua falência decretada por sua
impontualidade, se tiver fundados motivos para não pagar determinado ) título.
Se a obrigação estava prescrita, se inexistente ou nula, o inadimplemento não
importará em caracterização da impontualidade motivadora da
falência. J A própria lei sugere uma lista de hipóteses de impontualidade
justificada (LF, : art. 96).
A prova da impontualidade é o protesto
do título. Qualquer que seja o documento
representativo da obrigação a que se refere a impontualidade injustificada, ele
deve ser protestado. Se for título de crédito, o protesto cambial, mesmo que extemporâneo, basta para a
caracterização da impontualidade do devedor. Os demais títulos, caracterizados
na lei como “documentos de dívida” (por exemplo: sentença judicial, certidão da
dívida ativa etc.), também devem ser protestados. Nenhum outro meio de prova testemunhal ou
documental é I apto a demonstrar a impontualidade de que cogita a LF.
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Só
caracteriza a impontualidade injustificada, para fins de falência, se o valor
dos títulos em atraso for de pelo menos 40 salários mínimos. Se o valor do
débito do empresário é inferior a esse limite legal, o credor pode cobrá-lo ou
executá-lo, mas não poderá pedir falência em razão do inadimplemento. Credores
do mesmo empresário cujos créditos individualmente considerados não alcançam 40
salários mínimos, mas cuja soma alcança, podem se reunir em litisconsórcio para
requererem a falência do devedor (LF; art. 94, § l.°).
Em
suma, para que se encontre tipificado o comportamento descrito pelo art. 94,1,
da LF, e, portanto, seja possível a instauração da execução concursal por
falência, é necessário que o devedor empresário tenha sido impontual, sem
relevante razão jurídica, no cumprimento de obrigação documentada em título
executivo de valor superior a 40 salários mínimos. Dita impontualidade deverá
ser provada necessariamente pelo protesto do título correspondente.
A
frustração da execução (tríplice omissão) caracteriza-se, por sua vez, pela
inexistência de pagamento, depósito ou nomeação de bens à penhora por parte do
empresário, quando é ele executado individualmente por algum credor (LF, art.
94, II). Nesse caso, a execução deve ser encerrada e o credor, munido de
certidão judicial que ateste a verificação da tríplice omissão, ingressa com o
pedido de falência. O título, nesse caso, não precisa estar protestado e pode
ter valor inferior a 40 salários mínimos.
Em
relação aos atos de falência, de que trata o art. 94, III, da LF, deve-se
considerar que são todos comportamentos que, pressupostamente, revelam a insolvência entendida
como estado patrimonial do devedor empresário. São atos de falência:
a) Liquidação
precipitada - se o empresário promove a liquidação da empresa de forma abrupta
incorre no tipo legal; também estará praticando ato de falência o empresário
que emprega meios ruinosos ou fraudulentos para realizar
pagamentos, como a contratação de empréstimos a juros excessivos ou a venda de
instrumentos indispensáveis ao exercício de sua empresa (art. 94, III, a).
b) Negócio
simulado - se o empresário tenta retardar pagamentos ou fraudar credores por
meio de negócio simulado, estará incorrendo em comportamento tipificado como
ato de falência (art. 94, III, b).
c) Alienação
irregular de estabelecimento-o empresário que aliena estabelecimento
empresarial sem o consentimento de seus credores, salvo se conservar em seu
patrimônio bens suficientes para responder pelo passivo, estará incurso no tipo
legal de ato de falência (art. 94, III, c).
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d) Simulação
de transferência de estabelecimento - incorre em ato de falência o empresário
que muda o local do estabelecimento com o intuito de fraudar a legislação,
frustrar a fiscalização ou prejudicar credores (art. 94, III, d).
e) Garantia
real -para tipificação desta hipótese de ato de falência, elegeu o legislador a
instituição de garantia real em favor de um credor. Necessário, contudo, que
esta instituição se opere posteriormente à constituição do crédito. Não há ato
de falência se obrigação e garantia real são concomitantes. A incoincidência
entre um e outro é que revela o intuito de fraudar a par conditio creditorum
(art. 94, III, e).
f) Abandono
do estabelecimento empresarial - sem que tenha o empresário constituído
procurador bastante, com recursos suficientes, para a quitação de suas
obrigações, o abandono do estabelecimento empresarial importa caracterização
de ato de falência (art. 94, III,/).
g) Descumprimento
do plano de recuperação judicial - o empresário beneficiado com a recuperação
judicial que não cumpre o estabelecido no respectivo plano pratica ato de
falência e deve ver instaurada a execução concursal de seu patrimônio (art. 94,
III, g).