Este material foi adaptado pelo
laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte,
em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46.
Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência
visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins
comerciais.
Revisado por: Mariana Julia do
Nascimento Pereira.
Natal, agosto de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Títulos de crédito impróprios e
títulos de crédito eletrônicos. In:_____. Novo manual de
direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. cap. 23, p. 292-298.
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TÍTULOS DE CRÉDITO IMPRÓPRIOS E TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS
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1. INTRODUÇÃO
O regime jurídico-cambial caracteriza-se por três princípios (cartularidade, literalidade e autonomia). Embora
presentemente tais princípios estejam passando por um processo de revisão, em
muito provocado pela utilização do suporte eletrônico, o certo é que eles ainda se
aplicam grosso modo aos títulos de crédito. A própria conceituação de título de
crédito, conforme visto, gravita em torno deles, de sorte a se poder afirmar
ser título de crédito o documento representativo de obrigação pecuniária
sujeito a tais princípios.
Alguns instrumentos jurídicos,
por outro lado, se encontram sujeitos a uma disciplina legal que aproveita em
parte os elementos do regime jurídico-cambial. Mas tais instrumentos não podem
ser considerados títulos de crédito, embora se encontrem disciplinados por
regime jurídico próximo ao das cambiais, justamente porque não se aplicam em
sua disciplina totalmente os elementos caracterizadores do direito cambiário.
Costumam-se denominar tais instrumentos pela expressão “títulos de crédito
impróprios".
Distinguem-se os instrumentos
jurídicos chamados de títulos de crédito impróprios em quatro categorias.
Na primeira, encontram-se os títulos de legitimação, que asseguram ao seu portador a prestação de um
serviço ou acesso a prêmios
em certame promocional
ou oficial. Por exemplo: o bilhete de metrô, o passe de ônibus, o ingresso de cinema, os cupões premiados do tipo
“Achou, ganhou”, o volante sorteado da loteria
numérica etc. A estes se aplicam os princípios da
cartularidade, literalidade e autonomia, mas eles não são títulos executivos.
As demais categorias serão
examinadas em seguida, com maior atenção, em razão de suas peculiaridades.
Anote-se, antes, que alguns autores adotam conceito mais elástico de título de crédito impróprio, incluindo nesta categoria o cheque
(por se tratar de ordem de pagamento à vista e, portanto, não representar
operação de crédito), assim como
todos os títulos causais, incluindo as duplicatas. Segundo este entendimento,
apenas a letra de câmbio e a nota promissória seriam títulos de crédito.
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Sob
esta denominação costuma-se designar o instrumento jurídico que representa a
titularidade de mercadorias custodiadas, vale dizer, que se encontram sob os
cuidados de alguém diferente do proprietário. Além desta função meramente
documental, tais instrumentos exercem também a de título de crédito, por
instrumentalizarem a mais fácil negociação da mercadoria custodiada por seu
proprietário.
São
desta categoria os títulos armazeneiros (Conhecimento de Depósito e Warrant,
gerais ou agropecuários) e o Conhecimento de Frete. Estes títulos representam
mercadorias custodiadas e possibilitam, em algumas condições, a negociação
delas pelo proprietário.
O
Conhecimento de Depósito e o Warrant gerais são títulos de emissão de armazéns-gerais, representativos
de mercadorias neles depositadas (Decreto 1.102/03) . Sua emissão depende de
solicitação do depositante e substituem o recibo de depósito.
Os
títulos de emissão dos armazéns-gerais são criados juntos e a mercadoria
depositada somente pode ser entregue, em regra, a quem exiba ambos os
documentos. Contudo, embora tenham origem e finalidade comuns, o Conhecimento
de Depósito e o Warrant podem circular separadamente. A livre disponibilidade
da mercadoria depositada somente é alienada ao adquirente dos dois
títulos.
Quem
for endossatário apenas do Conhecimento de Depósito passa a ser o proprietário
da mercadoria depositada, mas sua propriedade é limitada porque lhe falta o
atributo da onerabilidade (possibilidade de oferecer o bem em garantia de
dívida). O endossatário apenas do Conhecimento de Depósito pode alienar a
mercadoria depositada e, em geral, exercer todos os direitos de proprietário,
salvo instituir sobre ela uma garantia pignoratícia.
Já
o endosso em separado do Warrant importa a constituição de direito real de
garantia em favor do endossatário. O endosso do Warrant deve ser mencionado no
Conhecimento de Depósito para que o endossatário deste saiba que está
adquirindo mercadoria onerada, dada em garantia pignoratícia de obrigação
assumida pelo endossante.
A
liberação de mercadoria depositada em armazém-geral,
quando emitidos estes
títulos representativos, poderá ser feita apenas ao legítimo portador dos dois.
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Esta regra
admite apenas duas exceções: a) liberação em favor do titular do Conhecimento
de Depósito endossado em separado, antes do vencimento da obrigação garantida
pelo endosso do Warrant, desde que deposite junto ao armazém-geral o valor
desta obrigação; b) execução da garantia pignoratícia, após o protesto do
Warrant, mediante leilão realizado no próprio armazém.
Por
sua vez, o Conhecimento de Depósito Agropecuário (CDÂ) e o Warrant Agropecuário
(WA) são emitidos por armazéns aparelhados material e juridicamente falando
para o depósito de produtos agrícolas e pecuários. Além das mesmas
características dos títulos armazeneiros gerais, o CDA e o WA podem servir de
lastro para operações no mercado financeiro e de capitais.
O
Conhecimento de Frete é o título representativo de mercadorias transportadas
(Decreto 19.473/30; CC, art. 744). Sua emissão cabe às empresas de transporte
por água, terra ou ar. A finalidade originária deste instrumento é a prova do
recebimento da mercadoria pela empresa transportadora e da obrigação que ela
assume de entregá-la no destino, O Conhecimento de Frete, no entanto,
possibilita ao proprietário da mercadoria despachada negocia-la mediante
endosso do título. Em algumas circunstâncias, no entanto, a lei veda a
negociabilidade do Conhecimento de Frete: inclusão de cláusula “não à ordem” no
título, transporte de mercadoria perigosa ou de cargas destinadas a armazéns-gerais (Decreto
51.813/63, art. 91). Em se tratando de Conhecimento de Frete negociável, o seu
endosso transfere a propriedade da mercadoria transportada. Neste caso, o
transportador deverá entregá-la, no destino, ao portador legitimado do
Conhecimento de Frete.
Os
títulos representativos não se encontram, como se pode perceber, inteiramente
sujeitos ao regime jurídico-cambial, porque possuem finalidade originária
diversa da dos títulos de crédito. Estes se destinam a representar obrigação
pecuniária; já os títulos representativos têm por objeto mercadorias
custodiadas. Somente em caráter subsidiário, como no penhor destas mercadorias,
os títulos representativos podem referir-se a obrigações pecuniárias.
Há
alguns instrumentos cedulares representativos de crédito decorrente de
financiamento aberto por instituição financeira. Se houver garantia de direito
real do pagamento do valor financiado, por parte do mutuário, esta garantia é
constituída no próprio título, independentemente de qualquer outro instrumento
jurídico. Os títulos de financiamento são importantes meios de incremento de atividades econômicas. Podem ser
também utilizados no financiamento da aquisição da casa própria.
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Nesta
categoria de títulos de crédito impróprios se enquadram: Cédula e Nota de
Crédito Rural (Decreto-Lei 167/67), relacionadas ao financiamento das
atividades agrícolas e pecuárias; Cédula e Nota de Crédito Industrial
(Decreto-Lei 413/69), referentes ao financiamento da indústria; Cédula e Nota
de Crédito Comercial (Lei 6.840/80), destinadas ao financiamento de atividade
comercial ou de prestação de serviços; Cédula e Nota de Crédito à Exportação
(Lei 6.313/75), pertinentes ao financiamento da produção de bens para a exportação,
da própria exportação e de atividades complementares; e a Cédula de Crédito
Imobiliário (CCI), destinada a representar créditos derivados de operações com
imóveis (Lei 10.931/2004, arts. 18 a 25).
Tais
títulos costumam chamar-se “Cédula de Crédito” quando o pagamento do
financiamento a que se referem é garantido por hipoteca ou penhor (direito
real de garantia sobre bem imóvel e móvel, respectivamente). Inexistindo
garantia de direito real, o título é comumente denominado “Nota de Crédito” (à
exceção da CCI, que, mesmo não garantida por direito real, continua a chamar-se
cédula).
Os
títulos de financiamento não se enquadram completamente no regime jurídico-cambial por
força de algumas peculiaridades, como a possibilidade de endosso parcial, mas,
principalmente, em razão do princípio da cedularidade, estranho ao direito
cambiário. Por este princípio, a constituição dos direitos reais de garantia se
faz no próprio instrumento de crédito, na própria Cédula, não sendo necessário
mais nenhum outro documento.
Os
instrumentos jurídicos desta categoria de título de crédito impróprio se
destinam à captação de recursos pelo emitente. Representam grosso modo a
parcela de contrato de mútuo que o sacador do título celebra com os seus
portadores. Sob o ponto de vista destes, o negócio tem o sentido de um investimento,
emprego de capital no desenvolvimento de certa atividade econômica com o
intuito lucrativo. Existem alguns tipos de títulos com este perfil, mas que se
enquadram em conceito distinto, com regime jurídico próprio, como as
debêntures, que são espécie de “valor mobiliário”.
Entre
os títulos de investimento, podem ser lembrados: a letra de câmbio financeira,
ou cambial financeira (LMC), emitida ou aceita por sociedades de fins
econômicos, inclusive as instituições financeiras; os Certificados de Depósito Bancário (LMC), emitidos
pelos bancos de investimento de natureza privada para os depósitos com prazo
superior a 18 meses; o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), emitido
pelas companhias securitizadoras de créditos imobiliários (Lei 9.514/97, art. 6o);
a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), emitida por bancos com lastro em créditos
imobiliários (Lei 10.931/2004, art. 12); a Letra de Arrendamento Mercantil
(LAM), de emissão das sociedades de arrendamento mercantil (Lei 11.882/2008,
art. 2o).
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5. TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS
Os
títulos de crédito, como qualquer outro documento jurídico, têm tido cada vez
mais o suporte eletrônico (chamado também de virtual, desmaterializado ou
despapelizado).
Alguns
ambientes de negociação de títulos de crédito admitem sua circulação apenas
mediante registros eletrônicos, feitos pelos interessados com direito de acesso
ao sistema. Um dos mais conhecidos ambientes é a CETIP S.A. Mercados
Organizados (CETIP), fato que tem contribuído para a difusão da expressão “títulos cetipados" como referência
aos que são registrados e negociados neste ambiente eletrônico. Os títulos
cetipados são, assim, espécie de título de crédito eletrônico.
Há
hoje, então, dois suportes possíveis para qualquer título de crédito: o suporte
papel (cártula) e o suporte eletrônico (sistema informatizado). Na verdade, os
títulos podem ser criados em suporte papel e só por meio dele serem negociados;
ou criados em papel e passarem a ser negociados no suporte eletrônico.
Criou-se,
em decorrência, a figura da transmutação de suporte. O título é um só, mas temo
suporte papel durante certo tempo e, depois, o eletrônico. Por exemplo, um
banco recebe de empresa que contraiu empréstimo uma Cédula de Crédito Bancário
(CCB) emitida em papel. Se quiser negociar esse crédito com um fundo de
investimento, por força da regulação bancária, deverá obrigatoriamente
registrá-lo em ambiente eletrônico de negociação. Se optar pela CETIP, essa CCB
será “cetipada”. Quer dizer, a cártula (suporte papel) ficará guardada nos
arquivos do banco credor e toda e qualquer negociação daquela CCB só poderá ser
feita, a partir de então, mediante registros eletrônicos no ambiente mantido
pela CETIP O suporte papel deixa de ter momentaneamente qualquer significado
jurídico. Se alguém lançar neste pedaço de papel um endosso, este ato não terá
nenhuma validade para o direito cambiário, porque qualquer
transmissão do título deverá ser feita necessariamente no ambiente eletrônico,
enquanto for este o suporte do título.
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Se
aquela CCB for paga no vencimento, o título não voltará a ser pape« lizado.
Encerrou sua função ostentando o suporte eletrônico. Pode-se jogai ao lixo o
papel guardado que outrora servira de suporte. Mas, se não houver o cumprimento
da obrigação pela empresa emitente, o último credor da CCB precisará pedir ao
banco custodiante que lhe entregue a cártula para promovei, a ação judicial.
A
sistemática da transmutação de suporte está prevista na lei em relação á; três
títulos de crédito específicos: Warrant Agropecuário (WA), Conhecimento de
Depósito Agropecuário (CDA) e Cédula de Produto Rural (CPR). E há um título de
crédito que só admite o suporte eletrônico, desde a origem, que é a Letra de
Arrendamento Mercantil (LAM).
Os
princípios do direito cambiário não se amoldam completamente aos títulos de
crédito eletrônicos. A cartularidade, por exemplo, é inteiramente, inaplicável, inconciliável
com esse suporte. Não há nada, no meio eletrônico, parecido com a ideia de
posse da cártula. Em relação à literalidade, é possível um paralelo: o que não
consta do registro eletrônico não produz efeitos cambiários. Por fim, é
completa a sujeição dos títulos de crédito eletrônicos ao princípio da
autonomia das obrigações cambiarias, e aos seus subprincípios da
inoponibilidade e da abstração.