Este material foi adaptado pelo
laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte,
em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46.
Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência
visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins
comerciais.
Revisado por: Mariana Julia do
Nascimento Pereira.
Natal, agosto de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Exigibilidade do crédito
cambiário. In:_____. Novo manual de direito comercial:
direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 19, p.
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Capítulo 19
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO CAMBIÁRIO
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■ 1. INTRODUÇÃO
Classificam-se
os devedores dos títulos de crédito em duas categorias:
o “devedor principal” (que, na letra de câmbio, é o aceitante) e os
“coobrigados” (que, nesta espécie de título, são o sacador e os endossantes).
Os avalistas se enquadram em um ou outro grupo em função da classificação do respectivo avalizado.
Para tornar-se exigível o crédito cambiário contra o devedor principal, basta o vencimento
do título; já em relação aos coobrigados, é condição necessária também a
negativa de pagamento do título vencido por parte do devedor principal. Esta é
a diferença entre as duas categorias de devedores.
Em virtude do princípio da
literalidade, a comprovação da negativa de pagamento pelo devedor principal
deve ser feita por protesto do título. Estar o título protestado é, assim,
condição da exigibilidade do crédito cambiário em face dos coobrigados. O
protesto do título também é condição de exigibilidade desse crédito na hipótese
de recusa do aceite. Para produzir o efeito de tornar exigível o título contra
o coobrigado, o protesto deve ser providenciado pelo credor dentro do prazo
estabelecido por lei.
Assim, para o título de crédito
ser exigível do devedor principal, seu protesto não é necessário; já, os
coobrigados não estão vinculados ao pagamento do título, se este não foi
protestado ou o foi fora do prazo legal.
O coobrigado que paga o título de
crédito tem o direito de regresso contra o devedor principal e contra os
coobrigados anteriores. As obrigações representadas por um título de crédito só
se extinguem, todas, com o pagamento pelo devedor principal.
Para se identificarem os coobrigados
da letra de câmbio na cadeia de anterioridade das obrigações cambiais,
adotam-se os seguintes critérios: a) o sacador é anterior aos endossantes; b)
os endossantes são
dispostos na cadeia de acordo com o critério cronológico; c) o avalista se
insere na posição imediatamente posterior ao respectivo avalizado.
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Organizando
os devedores da letra de câmbio de acordo com esses critérios, na cadeia de anterioridade, será
possível definir quem, dentre eles, é credor, em regresso, de quem.
2. VENCIMENTO
O
vencimento de um título de crédito se opera com o ato ou fato jurídico
predeterminado por lei como necessário a tomar o crédito cambiário exigível.
Há
duas espécies de vencimento: o ordinário, que se opera pelo decurso do tempo ou
pela apresentação ao sacado da letra à vista; e o extraordinário, que se opera
por recusa do aceite ou pela falência do aceitante (Decreto 2.044/1908, art. 19,1).
Em
relação à última hipótese, note que somente a falência do aceitante da letra de
câmbio produz o seu vencimento antecipado. Alguns autores entendem que a
falência de qualquer coobrigado importaria também o vencimento extraordinário
do título de crédito. A melhor forma de examinar o assunto, contudo, não é
essa. A falência de um coobrigado produz apenas o vencimento da obrigação
cambiaria de que ele é devedor, permanecendo as demais obrigações com o
vencimento inalterado. Apenas a falência do aceitante, que é o
devedor principal, tem por consequência o vencimento antecipado de todas as
obrigações cambiais, ou seja, do título mesmo, e não apenas de uma das
obrigações nele documentadas. A falência do avalista do aceitante também não
é causa de vencimento extraordinário da letra de câmbio.
Para
a contagem de prazos, o art. 36 da LU estabelece as seguintes regras,
aplicáveis a todos os títulos de crédito:
a) o mês se conta pelo mês, ou seja, o vencimento da
letra de câmbio a certo termo da vista ou da data, fixado em mês ou meses, operar-se-á no
mesmo dia do aceite ou do saque, respectivamente, no mês de pagamento;
inexistindo, nesse mês, o referido dia, o vencimento se dará no último dia do
mês;
b) meio mês significa o lapso de 15 dias; se o prazo de
vencimento das letras de câmbio a certo termo da vista ou da data houver sido
fixado em mês ou meses inteiros mais meio mês, computar-se-ão inicialmente
os meses inteiros para, somente após, adicionar os 15 dias. Assim, o vencimento
de uma letra de câmbio sacada para um mês e meio da vista, cujo aceite foi
datado de 27 de fevereiro de ano não bissexto, recairá em 11 de abril (não em
14 de abril) do
mesmo ano. Também uma
letra de câmbio sacada em 31 de janeiro de ano não bissexto para vencimento em
um mês irá vencer no dia 28 de fevereiro;
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c) o vencimento designado para o início, meados ou fim de
determinado mês ocorrerá nos dias 1o, 15 e no último dia do referido
mês, respectivamente.
Questão
interessante diz respeito à falta de data do aceite, em letra de câmbio sacada
a certo termo da vista. A contagem do prazo de vencimento, nesse caso, ficaria
impossibilitada se a lei não previsse fórmulas de sanar a falta de data. Em
primeiro lugar, importa recuperar a ideia de que o título incompleto pode ser
completado pelo portador de boa-fé. Assim, o credor da letra de câmbio
poderá simplesmente datar o aceite, escrevendo no título a data em que ele
efetivamente ocorreu. Poderá, no entanto, optar pelo protesto do título. A lei
prevê um protesto específico para as letras de câmbio a certo termo da vista,
cujo aceite não se encontra datado, que é o protesto por falta de data (LU,
art. 24). O aceitante é intimado para vir datar a letra em
cartório, considerando-se, em caso de não comparecimento, como data do aceite a
do protesto. Finalmente, se a letra de câmbio nessas condições não se encontrar
protestada, a lei faculta ao credor considerar o aceite como feito no último
dia do prazo de apresentação (art. 35), ou seja, 1 ano após o saque,
computando-se, então, a partir do término desse prazo o lapso do vencimento da
cambial.
3. PAGAMENTO
Pelo
pagamento, extinguem-se uma, alguma ou todas as obrigações
representadas por um título de crédito. Se o pagamento é feito por um
coobrigado ou pelo avalista do aceitante, são extintas a obrigação de quem pagou
e mais as dos coobrigados posteriores; se o pagamento é feito pelo aceitante da
letra de câmbio, extinguem-se todas as obrigações cambiais.
O
pagamento da letra de câmbio deve ser feito no prazo da lei, que difere segundo
o lugar de sua realização. Para a letra de câmbio pagável no exterior, o credor
deve apresentar o título ao aceitante no dia do vencimento ou num dos dois
dias úteis seguintes (LU, art. 38). Já se a letra de câmbio é pagável no
Brasil, o credor deverá apresentá-la ao aceitante para pagamento no dia do vencimento
ou, recaindo este num dia não útil, no primeiro dia útil seguinte (art. 5.° do
Anexo II da Convenção de Genebra, c/c o art. 20 do Decreto 2.044/1908).
Se
não for observado o prazo de apresentação para pagamento, o credor não perderá
o direito ao crédito cambiário. Mas, nessa hipótese, qualquer devedor poderá
depositar em juízo, por conta do credor, o valor do título. Responderá,
portanto, o credor de letra de câmbio não apresentada tempestivamente para pagamento pelo ressarcimento das
despesas de eventual depósito judicial feito pelo devedor principal ou por um
coobrigado. Somente na hipótese de letra de câmbio com a cláusula “sem
despesas”, que dispensa o protesto para fins de conservação do direito de crédito
contra os coobrigados, ou parte deles, é que a inobservância do prazo de
apresentação para pagamento importa consequência distinta, que é a perda do
direito de crédito contra todos os coobrigados (LU, art. 53).
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Para
fins cambiais, considera-se útil o dia em que há expediente bancário,
independentemente de ser, ou não, feriado local ou nacional (Lei 9.492/97, art.
12, § 2.°).
O
pagamento de uma cambial deve cercar-se de cautelas próprias. Em virtude do
princípio da cartularidade, o devedor que paga a letra de câmbio deve exigir
que lhe seja entregue o título. Em decorrência do princípio da literalidade,
deverá exigir a quitação dada no próprio título. Se não observar tais cautelas
específicas e a letra for endossada a portador de boa-fé, o devedor não
poderá furtar-se a fazer novo pagamento, por força do princípio da autonomia
das obrigações cambiais. É claro que, em seguida, poderá reaver o que pagou a
mais de quem se beneficiou do enriquecimento indevido. O endossante que pagar
uma letra poderá riscar o seu endosso e os endossos posteriores.
Tem-se
admitido o pagamento parcial da letra de câmbio, desde que observadas algumas
cautelas: a) somente o aceitante poderá optar pelo pagamento parcial,
que não poderá ser recusado pelo credor; b) o título permanece em posse do
credor, que nele deve lançar quitação parcial; c) os coobrigados e o avalista
do aceitante podem
ser cobrados pelo saldo não pago, sendo necessário o protesto para a
responsabilização do sacador, endossantes e seus avalistas.
Uma
obrigação cambial é de natureza quesível, ou seja, cabe ao credor a iniciativa
para a obtenção da satisfação do crédito. Deve ele procurar o devedor para
receber o valor do título ou avisá-lo do local onde poderá ser feito o
pagamento. Ao contrário do que ocorre com o devedor de obrigação portável, ao
devedor cambial não cabe a iniciativa para a solução da pendência. De qualquer
forma, a inobservância da cláusula quesível ou portável não invalida
o pagamento.
O
devedor de uma letra de câmbio deve negar-se a efetuar o pagamento ao portador
do título sempre que ocorrer justa causa para essa oposição. O revogado
parágrafo único do art. 23 do Decreto 2.044/1908 oferece alguns exemplos dessa
espécie de causa: extravio da letra, falência ou incapacidade do portador. Se
pagar uma letra sem essa cautela, o devedor não ficará validamente desobrigado
(LU, art. 40). Assim, se a falência do credor era do conhecimento do obrigado cambial, e, no entanto,
ele efetuou o pagamento do título ao falido, a massa poderá reclamar novo
pagamento daquele devedor.
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4. PROTESTO
A
falta de aceite, de data do aceite ou de pagamento de uma letra de câmbio deve
ser provada por protesto cambial, um ato formal de responsabilidade do portador
do título.
O
protesto por falta de aceite é extraído contra o sacador, cuja ordem
de pagamento não foi aceita. O sacado não pode figurar como protestado neste
caso, pela circunstância de se encontrar absolutamente livre de qualquer
obrigação cambiária. Mas quem será intimado para eventualmente vir aceitar a
letra em cartório é naturalmente o sacado.
Já
o protesto por falta de data do aceite ou por falta de pagamento é extraído
contra o aceitante, este sim um devedor cambial.
A
lei estabelece para o protesto os seguintes prazos: para o protesto por falta
de aceite, o portador deverá entregar o título em cartório até o fim do prazo
de apresentação ao sacado (exceto se a letra foi apresentada no último dia e o
sacado solicitou o prazo de respiro, quando a apresentação ao cartório deve
ocorrer até o dia seguinte); para o protesto por falta de pagamento, o credor
deverá entregar o título em cartório num dos 2 dias úteis seguintes àquele em
que ele for pagável (LU, art. 44). Alguns doutrinadores entendem vigente a lei
interna na disciplina desse prazo e consideram que o portador deve encaminhar o
título ao cartório já no primeiro dia útil seguinte ao do vencimento (Decreto
2.044/1908, art. 28).
Se
não forem observados os prazos fixados em lei para a extração do protesto, o
portador do título perderá o direito de crédito contra os coobrigados da letra
- ou seja, contra o sacador, endossantes e seus respectivos avalistas (LU, art.
53) -, permanecendo, portanto, apenas com o direito de crédito contra o devedor
principal (aceitante da letra de câmbio) e seu avalista.
Em
caso de perda do prazo para protesto por falta de aceite, é claro, o portador
somente conservará o direito de crédito contra eventual avalista antecipado do
sacado.
Diante
dessas consequências da lei, a doutrina costuma chamar de necessário o protesto
contra os coobrigados e de facultativo o protesto contra o devedor principal e
seu avalista.
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Tais
consequências não se aplicam no caso de a letra de câmbio ou um ato cambiário
específico contemplarem a cláusula “sem despesas”. A inserção desta cláusula
pelo sacador dispensa
o protesto para a conservação do direito de crédito cambiário contra qualquer
devedor do título; já a inserção em endosso ou aval dispensa o protesto para a
conservação do direito de crédito apenas em relação ao endossante ou ao
avalista em questão (LU, art. 46).
A
cláusula “sem despesas” transforma em facultativo o protesto obrigatório
(contra todos os coobrigados ou parte deles). O portador de letra de câmbio com
cláusula dessa espécie somente perde o direito de crédito contra os coobrigados
a que ela se refere se deixar de apresentar o título ao aceitante, para
pagamento, no prazo da lei (art. 53).
O
cancelamento do protesto pode ter por base o pagamento posterior do título,
hipótese em que se processa administrativamente perante o próprio cartório de
protesto, mediante entrega, pelo interessado, do título protestado (a posse do
documento faz presumir a quitação). Caso este não possa ser exibido, o
interessado poderá obter o cancelamento do protesto apresentando anuência do
credor originário ou endossante. Se o cancelamento se fundar em causa
diversa do pagamento posterior, e as pessoas que figurarem no instrumento de
protesto não consentirem, somente por ordem judicial poderá ser efetuado (Lei
9.492/97, art. 26).
5. AÇÃO CAMBIAL
Se
o título não for pago no vencimento, o credor poderá promover a execução
judicial do crédito contra qualquer devedor cambial, observadas as condições de
exigibilidade.
A
letra de câmbio vem definida, pela lei processual, juntamente com a nota
promissória, o cheque e a duplicata, como título executivo extrajudicial (CPC,
art. 784,1), cabendo, pois, a execução do crédito correspondente.
Mas,
para o exercício do direito de cobrança por via de execução, fixou a lei prazos
prescricionais. A execução da letra de câmbio deve ser ajuizada (LU, art. 70):
a) em 3 anos a contar do vencimento, para o exercício do
direito de crédito contra o devedor principal e seu avalista;
b) em 1 ano a contar do protesto - ou do vencimento, no
caso da cláusula “sem despesas” — para o exercício do direito de crédito contra
os coobrigados, ou seja, contra o sacador, endossantes e respectivos avalistas; e
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c) em 6 meses a contar do pagamento, ou do ajuizamento da
execução cambial, para o exercício do direito de regresso por qualquer um dos
coobrigados.
Após
a prescrição da ação de execução, ninguém poderá ser acionado em virtude da
letra de câmbio. No entanto, se a obrigação que se encontrava representada pelo
título de crédito tinha origem extracambial, o seu devedor poderá ser demandado
por ação de conhecimento própria (Decreto 2.044/1908, art. 48), na qual a letra
servirá apenas como um elemento probatório. O coobrigado cuja obrigação
tenha-se originado exclusivamente no título de crédito (como é, em geral, o
caso do avalista), após a prescrição da execução, não poderá ser
responsabilizado pelo pagamento da letra em nenhuma hipótese.
Essa
ação de conhecimento prescreverá de acordo com a disposição de lei aplicável à
espécie, e, inexistindo regra específica, no prazo geral de dez anos (CC, art.
205).
A
execução cambial compreende o pagamento do principal do título acrescido de
juros moratórios, à taxa pactuada entre as partes, além das despesas (LU, art.
48), além de correção monetária a partir do vencimento.
Se
o título teve o vencimento antecipado por recusa do aceite, o seu valor será
reduzido de acordo com as taxas bancárias vigorantes no domicílio do portador à
data da execução.