Este
material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade
federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998,
capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de
pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e
utilizado com fins comerciais.
Revisado
por: Carlos Eduardo do Nascimento
Natal,
agosto de 2018.
COELHO,
Fábio Ulhoa. Teoria geral do direito societáro. In______. Novo
manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 14, p. 188
a 198.
Página 189
1.
INTRODUÇÃO
Dissolução é conceito que
pode ser utilizado em dois sentidos diferentes: para compreender todo o
processo de término da personalidade jurídica da sociedade empresária (sentido
largo) ou para individuar o ato específico que desencadeia este processo ou que
importa a desvinculação de um dos sócios (sentido estrito). Para contornar as
dificuldades relacionadas à utilização de uma expressão única para
identificação de dois institutos jurídicos distintos, não se fará aqui uso do
conceito de dissolução senão em seu sentido estrito, reservando-se para
designação do processo abrangido pelo seu sentido largo o termo “extinção”.
Extinção é, aqui, entendida
como o processo de término da personalidade jurídica da sociedade empresária,
sendo a dissolução o ato que o desencadeia ou que desvincula da sociedade um
dos sócios (para outros autores, “extinção” tem sentido diverso: é a
consequência da dissolução em sentido largo).
A dissolução (sentido
estrito) opera o desfazimento do ato constitutivo da sociedade empresária.
Difere-se, como já visto, da invalidação e da ineficácia do referido ato (Cap.
10).
As sociedades se classificam
em contratuais ou institucionais de acordo com o regime constitutivo e dissolutório a que se encontram submetidas. No presente
capítulo, a atenção estará centrada na dissolução da sociedade contratual,
postergando-se a da sociedade institucional para o momento oportuno (Cap. 15,
item 15).
2. ESPÉCIES
DE DISSOLUÇÃO
A tendência atual do direito
comercial, no que diz respeito às questões envolvendo os sócios, é a de
procurar preservar a empresa. Em razão dos múltiplos interesses que gravitam em
torno da produção e circulação de bens e serviços, reservadas à empresa pela
ordem constitucional, a sua existência e desenvolvimento deixa de ser assunto
da exclusiva alçada dos investidores e empreendedores, seus sócios.
Página 190
Os mecanismos legais
voltados ao reerguimento econômico da empresa insolvente, que o legislador
instituiu na LF, têm o objetivo de atender a tais interesses. A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, por sua vez, possibilita a coibição
de fraudes perpetradas por meio da separação patrimonial sem comprometimento da
exploração da atividade econômica a cargo da sociedade desconsiderada. São
estes exemplos de penetração, no campo do direito comercial, do princípio da
preservação da empresa.
Em decorrência deste
princípio, considera-se que os assuntos particulares dos sócios, seus atos
ilícitos, sua inaptidão para a vida de empreendedor, seus desentendimentos,
devem ser equacionados e solucionados juridicamente com o mínimo de
comprometimento da atividade econômica explorada pela sociedade. Este
princípio, o da preservação da empresa, não pode ser ignorado, nos dias
correntes, no estudo de qualquer questão de direito societário. Assim é,
também, na dissolução.
Dentro desse quadro, é que a
doutrina e jurisprudência, antes da entrada em vigor do Código Civil, criaram um
instituto então ignorado pelo legislador e, aparentemente, paradoxal: a dissolução
parcial da sociedade.
Quando os conflitos entre os
sócios, ou entre estes e os sucessores de um deles, impossibilitam a
preservação dos laços contratuais, deve-se tentar a compatibilização entre o
fim destes laços e a continuidade da sociedade empresária ou, pelo menos, da
empresa explorada. A dissolução, assim, não será da pessoa jurídica
propriamente, mas dos vínculos contratuais que a originaram. Se houver dissolução de apenas parte destes vínculos, permanecendo a
sociedade por força dos demais não dissolvidos, estar-se-á diante da dissolução
parcial. Se, ao revés, dissolveram-se todos os vínculos contratuais e, por
isso, a sociedade deixar de existir, então será o caso de dissolução total. Mas
embora sejam os vínculos contratuais a se dissolverem, em parte ou totalmente,
é costume, para simplificação, falar-se em dissolução da sociedade. Uma
abreviação útil, que pode ser prestigiada.
Portanto, de acordo com a
abrangência, tem-se dissolução total ou parcial. No Código Civil a dissolução
parcial é chamada de resolução da sociedade em relação a um sócio Carts. 1.028 a 1.032,1.085 e
1.086).
Além deste critério de
classificação da dissolução, ela se distingue em judicial ou extrajudicial, de
acordo com a natureza do ato dissolutório. Se a
dissolução operou-se por deliberação dos sócios registrada em ata, distrato
(quando total) ou alteração contratual (quando parcial), será
a hipótese de dissolução extrajudicial; já, se ela se operou por sentença (em
qualquer das duas extensões), será dissolução judicial.
Página 191
A separação entre dissolução
judicial e extrajudicial não tem em vista a causa que a operou, mas o
instrumento da operação. Entenda-se: nem toda a dissolução extrajudicial tem
por causa a vontade dos sócios embora toda a dissolução causada pela vontade
dos sócios seja extrajudicial. Com efeito, se a causa é, por exemplo, a
inexequibilidade do objeto social, pode ocorrer a
dissolução judicial ou extrajudicialmente. No primeiro caso, se todos os sócios
concordarem quanto à efetiva ocorrência da causa dissolutória,
e no segundo, se um deles não concordar com a ocorrência e, então, negar-se a firmar o distra o
obrigando os demais a se socorrerem do Judiciário. Não foi a vontade dos sócios
que deu causa à dissolução, mas a inexequibilidade do objeto social, embora a
concordância de todos quanto à efetiva ocorrência desta causa seja pressuposto inafastável da dissolução extrajudicial.
Os critérios de
classificação de interesse do direito comercial, em síntese, são os que
resultam na distinção entre dissolução total ou parcial, de um lado, e judicial
ou extrajudicial, de outro.
3. CAUSAS
DE DISSOLUÇÃO TOTAL
A dissolução de todos os
vínculos que deram origem a uma sociedade contratual pode ser causada pelos
seguintes fatores: al vontade dos socros
(CC, art 1 033 II e III) , M decurso do prazo
determinado de duração (art. 1-033,1), c) falência (arts.
1.044, 1.051 e 1.087); d) exaurimento do objeto social (art.1 034 II)' e)
inexequibilidade do objeto social (art. 1.034,11),/) unipessoalidade
por mais de 180 dias (art. 1.033, IV); g) causas contratuais (art. 1.035).
Para que se opere a
dissolução total da sociedade contratual por vontade dos sócios, tendo sido ela
contratada por prazo determinado, é necessária a unanimidade. Não basta, neste
caso, apenas a maioria societária desejar para que a sociedade se dissolva.
Nascida da vontade de todos os sócios, e possível a sua dissolução antes do prazo
anterior mente acertado entre eles mês desde que pela manifestação de vontade
de todos os sócios. Se a sociedade foi contratada por prazo indeterminado, a
vontade do sócio ou sócios representantes de mais da
metade do capital social é suficiente para deliberar a dissolução Neste ultimo
caso, porém, a jurisprudência tem reconhecido, ã luz do principio da
preservação da empresa, que um único sócio, ainda que minoritário, tem o direito
continuar a sociedade - admitindo nela outro sócio. A eficácia da dissolução da
sociedade sem prazo por vontade da maioria pode, assim, ser questionada em juízo
pelo minoritário dissidente.
Página 192
O instrumento de distrato ou
a ata da assembleia ou reunião em que a dissolução foi aprovada deverá declarar
as importâncias repartidas entre os sócios e indicar a pessoa ou pessoas
responsáveis pelo ativo e passivo social remanescente, bem como informar os
motivos da dissolução.
Em razão do quórum do art.
1.076,1, do CC, as Juntas devem registrar o distrato assinado apenas pelo sócio ou sócios que representam pelo menos três quartos (3/4) do
capital social. Contudo, o Judiciário tem reconhecido o direito de
qualquer um dos sócios continuar explorando a empresa, de forma que o
minoritário pode desconstituir aquele registro, em juízo, se quiser manter a
empresa em funcionamento.
O decurso do prazo
determinado de duração da sociedade contratual é também causa de dissolução. Os
sócios podem concordar quanto ao decurso e firmar distrato, operando-se a
dissolução extrajudicial. Se, no entanto, um dos sócios entender que não decorreu
o prazo de duração da sociedade, e negar-se a firmar o distrato, os demais terão que recorrer ao Judiciário, para pleitear a dissolução
judicial.
Se o prazo
determinado de duração transcorrer e a sociedade não entrar em
liquidação, considera a lei que ela foi prorrogada por tempo indeterminado, a
menos que haja oposição de um sócio. A sociedade, contudo, não estará em
situação regular e, embora não deva se dissolver, ficará sujeita à aplicação
analógica das regras da sociedade em comum. Tanto a exploração da atividade
antes do registro na Junta Comercial como a posterior ao encerramento do prazo
de duração constante deste são irregulares. Para a
continuidade da sociedade, em situação regular, é necessário o registro de
alteração contratual prorrogando o prazo de sua duração, antes da fluência
deste. Não é permitido o registro de prorrogação após o vencimento do prazo de
duração (LRE, art. 35, IV).
Desse modo, a sociedade
contratada por tempo determinado e não prorrogada em tempo útil se transforma
em sociedade irregular caso continue a explorar a atividade empresarial a que
se dedica. Mas há autores (Egberto Lacerda Teixeira, por exemplo) que
consideram excessiva a sanção imposta à sociedade e aos sócios, de acordo com
essa solução. Para eles, não seria correto equiparar a sociedade irregular
àquela que, tendo sido regular, não foi tempestivamente prorrogada.
Para que tenha validade, a
prorrogação deve ser decidida pela unanimidade dos sócios, porque somente por
manifestação de vontade pode o sócio continuar vinculado contratualmente aos
demais, após o decurso do prazo de duração do contrato originário. Não poderá
haver prorrogação contra a vontade de um dos sócios, sendo-lhe possível
solicitar a dissolução da sociedade em juízo.
Página 193
A falência é outra causa de
dissolução total da sociedade empresária. Trata-se de hipótese de dissolução
necessariamente judicial, cuja caracterização e processamento
são específicos, disciplinados por legislação própria. A falência do
sócio da sociedade contratual, não é causa de dissolução total, como já foi no
passado. Sendo sócio e sociedade pessoas distintas, não há por que dissolver
esta exn razão da falência daquele. As quotas sociais
de titularidade do falido serão liquidadas ou arrecadadas pela massa e o valor
apurado com sua liquidação ou alienação judicial servirá à satisfação dos
credores admitidos.
Também é causa de dissolução total da
sociedade contratual o exaurimen-to do objeto social.
Trata-se de hipótese rara em que a sociedade é contratada exclusivamente para
realizar uma determinada obra, operação ou serviço. Uma vez atendido o seu
objetivo determinado, não há mais razão para continuar a pessoa jurídica.
A inexequibilidade do objeto
social (CC, art. 1.034, II, infine) ocorre nos
seguintes casos: a) inexistência de mercado para o produto ou serviço fornecido
pela sociedade (falta de interesse dos consumidores); b) insuficiência do
capital social para produzir ou circular o bem ou serviço referido como objeto
no contrato social; c) a grave desinteligência entre os sócios, que
impossibilite a continuidade de negócios comuns.
A unipessoalidade
pode ser causa de dissolução total da sociedade empresária contratual. Sempre
que, por alguma razão (sucessão por ato inter vivos ou mortis causa na titularidade das cotas sociais,
dissolução parcial etc), todas as cotas
representativas do capital social de sociedade contratual forem reunidas sob a
titularidade de uma só pessoa, natural ou jurídica, e ela não requerer, na
Junta Comercial, a transformação do registro em empresário individual ou Eireli, a sociedade deverá ser dissolvida.
A dissolução não é imediata,
assegurando-se ao sócio único o prazo de 180 dias para negociar o ingresso de
mais uma pessoa na sociedade visando o restabelecimento da pluralidade de
sócios. Vencido este prazo, sem o restabelecimento da pluralidade de sócios nem
a transformação do registro, a sociedade contratual deve ser totalmente
dissolvida.
Além destas causas, o
próprio contrato social poderá prever outras, relacionadas com a particularidade
do negócio ou da vontade dos sócios, por exemplo: não realização de um lucro
mínimo, redução do número de sócios a ■ limites prefixados etc.
Página 194
4. CAUSAS
DE DISSOLUÇÃO PARCIAL
A dissolução parcial da
sociedade (ou como chama o Código Civil, a “resolução da sociedade em relação a
um sócio") pode ser causada por: a) vontade dos sócios; b) morte de sócio;
c) retirada de sócio; d) exclusão de sócio; e) falência de sócio; f) liquidação
da quota a pedido de credor de sócio.
Por deliberação dos sócios,
pode ser promovida a dissolução parcial da sociedade, com a saída de um deles,
apurando-se os respectivos haveres. Não costuma haver conflitos entre os
interessados, nesse caso. Estando todos de acordo com a dissolução parcial, o
sócio que deixa a sociedade fica satisfeito com o valor recebido pela sua
antiga participação e os que nela permanecem consideram este valor adequado.
Quando morre sócio de
sociedade contratual, os seus sucessores (herdeiros ou legatários) não estão,
em nenhuma hipótese, obrigados a ingressarem na sociedade. Eles podem requerer
a dissolução parcial para receberem o valor da participação societária. Claro,
Se os sucessores do sócio morto desejarem ingressar na sociedade (e, se esta
for “de pessoas”, nenhum dos sócios sobreviventes se opuser), não há nenhuma
razão para a dissolução parcial. Nem mesmo eventual cláusula contratual dissolutória poderá impedir a continuidade da sociedade, se
esta for a vontade dos interessados (sucessores e
sócios sobreviventes).
A dissolução parcial é a
solução jurídica que busca compatibilizar os interesses conflitantes dos
sucessores de sócio morto que não desejam ingressar na sociedade ou de sócio
sobrevivente, em sociedade “de pessoa”, que veta o ingresso deles. Mas
inexistindo o conflito de interesses, a sociedade deve permanecer, com a cota
do de cujus transferida a quem o suceder. O falecimento de sócio é causa de
dissolução judicial, se não houver concordância entre as partes quanto à
ocorrência de causa dissolutória (por exemplo, os
sócios supérstites recusarem-se a proceder à apuração dos haveres), ou
extrajudicial, quando houver essa concordância entre as partes.
A retirada de sócio também é
causa de dissolução parcial da sociedade. Relembrando, este é direito que o
sócio pode acionar a qualquer tempo, se a sociedade de que participa é
contratada com prazo indeterminado. A retirada, neste caso, fica condicionada
apenas à notificação aos demais sócios, com prazo de 60 dias, para que se
providencie a alteração contratual. Quando a sociedade é contratada por prazo
determinado, o sócio só tem direito de retirada provando justa causa em juízo
ou, se for do tipo limitada, dissentindo de alteração contratual, incorporação
ou fusão deliberadas pela maioria.
Página 195
Poderá operar-se judicial ou extrajudicialmente,
exceto na hipótese de retirada por justa causa de sociedade por prazo
determinado, em que será necessariamente judicial a dissolução.
A exclusão de sócio,
conforme já visto (Cap. 11, item 2), é causa de
dissolução parcial. Quando tem por causa a exclusão de sócio, a dissolução pode
ser judicial ou extrajudicial, em função de variáveis diversas. Se a exclusão é
de sócio remisso, pode-se fazê-la extrajudicialmente em qualquer tipo de
sociedade contratual (CC, art. 1.004). Se é motivada por falta grave no cumprimento de obrigação
societária ou incapacidade superveniente, a dissolução será necessariamente
judicial, em qualquer tipo de sociedade contratual (art. 1.030). Por fim, se a
motivação é a prática por minoritários de atos graves, que põem em risco a
continuidade da empresa, e sendo a sociedade limitada, a dissolução parcial
poderá ser extrajudicial (deliberada em assembleia e formalizada em alteração
contratual), se o contrato social expressamente o permitir; se omisso, será
judicial (art. 1.085).
A falência de sócio também dá ensejo à
dissolução parcial da sociedade contratual, uma vez que a lei, nesse caso,
determina a apuração dos haveres do falido para pagamento à massa (CC, art. 1.030, parágrafo único).
Por fim, estabelece a lei que o credor do
sócio pode pleitear na execução que promove para receber seu crédito, à falta
de outros bens do executado, a liquidação da quota que este titulariza
numa sociedade. Neste caso, o valor será apurado com base num balanço
patrimonial especial, para ser depositado em dinheiro, pela sociedade, no juízo
da execução nos 90 dias seguintes (CC, art. 1.026,
parágrafo único). É uma alternativa que se abre ao credor do sócio relativamente
à penhora das quotas sociais.
Estas causas de dissolução parcial não se aplicam
a todas as sociedades contratuais. Se a sociedade limitada estiver sujeita à
regência supletiva da LSA, ela só se dissolve parcialmente nas hipóteses de
retirada motivada (dissidência em relação a alteração
contratual, fusão ou incorporação da sociedade) ou expulsão.
5. LIQUIDAÇÃO
E APURAÇÃO DE HAVERES
À dissolução total seguem-se
a liquidação e a partilha, enquanto à dissolução parcial segue-se a apuração de
haveres e o reembolso. Entre uma e outra forma de dissolução não há, nem pode
haver, qualquer diferença de conteúdo econômico. Quer dizer, o sócio deve
receber, na dissolução parcial, a título de reembolso o mesmo valor que
receberia, na dissolução total, a título de quota na partilha.
Página 196
O objetivo da liquidação é a
realização do ativo e o pagamento do passivo da sociedade. Poderá processar-se
judicial ou extrajudicialmente, independentemente da forma assumida pela
dissolução. Com efeito, os sócios podem não concordar com a ocorrência de causa
dissolutória, forçando a dissolução judicial, mas podem estar concordes com a forma de se levar a cabo a
liquidação, que será extrajudicial; como podem concordar com a ocorrência de
causa dissolutória, firmando o respectivo distrato,
mas não chegar a acordo quanto à liquidação, socorrendo-se, então, do
Judiciário.
Durante a liquidação, a
sociedade empresária sofre restrição em sua personalidade jurídica, estando
autorizada apenas à prática dos atos tendentes à solução de suas pendências
obrigacionais. Nesse período, o órgão responsável pela manifestação da vontade
da pessoa jurídica não será mais o administrador, e sim o liquidante. Além
disso, deverá aditar ao seu nome empresarial a expressão “em liquidação” (CC, art. 1.103 e parágrafo único).
Realizado o ativo e pago o
passivo, o patrimônio liquido remanescente será partilhado entre os sócios,
proporcionalmente à participação de cada um no capital social, se outra razão
não houver sido acordada no contrato social ou em ato posterior. Concluída a
partilha, encerra-se o processo de extinção da sociedade empresária, com a
perda de sua personalidade jurídica.
Fran Martins defende que
ainda há uma derradeira fase no processo extintivo, consistente no decurso do
prazo prescricional das obrigações da sociedade dissolvida. Entende a maioria
da doutrina, contudo, que essa lição não seria de todo acertada. Se a
liquidação não foi completa e regular a ponto de restar pendente uma ou mais
obrigações, isto não é ato imputável à sociedade, mas aos sócios e ao
liquidante, que responderão, pessoalmente, pelos atos da liquidação
irregularmente feita.
Já os objetivos da apuração
dos haveres não são os mesmos que os da liquidação. Por ela, não se busca a
solução das pendências obrigacionais da sociedade, mas a definição do quantum
devido pela sociedade ao sócio desvinculado (excluído ou retirante) ou aos
sucessores do sócio falecido. Tem ele direito de crédito contra a pessoa
jurídica no importe equivalente ao que teria se a hipótese fosse de dissolução
total. Ou seja: o sócio tem direito ao valor patrimonial de sua cota social,
não ao valor nominal, nem ao de mercado.
A sociedade deve apurar os
haveres do sócio desvinculado (ou falecido) e pagar-lhe (ou a seus sucessores)
o reembolso, que corresponde à parcela do patrimônio líquido social
correspondente à proporção da cota dele em relação ao capital social. Se o
sócio retirante, excluído ou falecido tinha 10% do capital social, o reembolso
corresponderá a 10% do patrimônio líquido da sociedade.
Página 197
O pagamento do reembolso
deve ser feito nos prazos contratualmente previstos ou, na omissão do contrato,
à vista.
6. DISSOLUÇÃO
DE FATO
A dissolução de fato da
sociedade empresária é lamentavelmente mais comum do que seria de se desejar.
Os sócios, em vez de observarem o procedimento extintivo previsto em lei, limitam-se a vender precipitadamente o acervo, a encerrar as
atividades e se dispersarem. Comportamento de todo irregular, que o meio
empresarial conhece, amargamente, por “golpe na praça”. Tal comportamento é
causa de decretação da falência da sociedade (LF, art. 94, III, f). Mas, além
disso, os sócios respondem pelos prejuízos decorrentes deste comportamento
irregular. Com efeito, o procedimento extintivo da sociedade empresária é
prescrito pelo direito no resguardo dos interesses não apenas dos sócios, como
também dos credores da sociedade. Se aqueles deixam de observar as normas
disciplinadoras do procedimento extintivo, responderão pela liquidação
irregular, de forma pessoal e, consequentemente, ilimitada. Não há dispositivo
específico que preveja esta hipótese, mas basta a
invocação da teoria clássica da responsabilidade civil por danos decorrentes de
atos ilícitos, para se concluir pela possibilidade de responsabilização dos
sócios da sociedade dissolvida de fato pelas obrigações pendentes, sem que
tenha aplicação qualquer regra de limitação desta responsabilidade, visto se
tratar de ato ilícito perpetrado pessoalmente por eles, sócios.
7. AÇÃO
DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE
O Código de Processo Civil
de 2015 (CPC-15) disciplina, como procedimento
especial, a ação de dissolução parcial de sociedade. Esta ação, quando diz
respeito a sociedade empresária contratual ou simples,
pode ter por objeto, alternativa ou cumulativamente: (a) a dissolução parcial
em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou
recesso; ou (b) a apuração de haveres (art. 599). Se o pedido está circunscrito
à dissolução, a controvérsia resume-se em saber se a sociedade foi ou não
parcialmente dissolvida. Se diz respeito apenas à
apuração de haveres, as partes não discutem a ocorrência da causa dissolutória, mas apenas a avaliação da participação
societária. E, enfim, quando o pedido reúne os dois objetos, o conflito
societário é mais amplo, por dizer respeito tanto à verificação, ou não, da
causa da dissolução como a avaliação da quota social.
Página 198
A ação pode, por isso,
compreender uma ou duas fases, de acordo com a abrangência do pedido formulado
e também o alcance da resistência do réu. Se havia sido pedida também a
dissolução parcial e o réu concordou expressamente com esta, por exemplo, a
ação terá apenas a fase da apuração de haveres.
A apuração de haveres se
inicia com o juiz fixando, desde logo, dois parâmetros: (i) data da resolução;
e (ii) critério de avaliação
(CPC/15, art. 604). São definições indispensáveis à
realização da perícia, verdadeira condição para a racionalidade da própria ação
judicial. A definição tem que ser feita pelo próprio juiz e não pode ser
delegada ao perito, em razão de seu caráter jurisdicional. O perito nunca pode
substituir o juiz. Por outro lado, sem a data da dissolução e o critério de
avaliação previamente definidos, não é possível realizar-se nenhuma perícia.
Em relação à data de
avaliação, a lei estabelece alguns critérios, como, por exemplo, a data do
óbito, no caso de ser a morte do sócio a causa da dissolução, ou a da
assembleia ou reunião de sócios no de exclusão extrajudicial etc. (art. 605).
Quanto ao critério de avaliação, deve prevalecer o que tiver sido negociado
entre os sócios, isto é, o constante do contrato social. Se este eventualmente
for omisso, o juiz determinará que o perito calcule o valor patrimonial real da
quota do sócio falecido, excluído ou retirante, por meio de um balanço de
determinação (art. 606).
A lei não admite que o juiz
desconsidere o critério de avaliação constante do contrato social, por mais que
o considere inapropriado ou injusto. O art. 607 do CPC/15 não autoriza a
revisão judicial do contratado. Esse dispositivo apenas estabelece, para
racionalização da ação judicial, o início da perícia como o momento em que preclui a possibilidade de o juiz, diante de uma
interpretação mais acurada do contrato social, vir a alterar a definição que
havia adotado.