Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da
universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de
19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins
educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado
e utilizado com fins comerciais.
Revisado por: Mariana Julia do Nascimento Pereira.
Natal, agosto de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Teoria geral do direito comercial. In:______. Novo
manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017. cap. 3, p. 82-89.
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LIVROS COMERCIAIS
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1. OBRIGAÇÕES COMUNS A TODOS OS EMPRESÁRIOS
Todos os empresários
estão sujeitos às três seguintes obrigações: a) registrar-se no Registro de Empresa antes de
iniciar suas atividades (CC, art. 967); b) escriturar regularmente os livros obrigatórios; c) levantar balanço patrimonial e de resultado econômico a cada ano (CC, art. 1.179).
A inobservância de
cada uma dessas obrigações não exclui o empresário do regime
jurídico-comercial, mas importa consequências diversas, que visam mais a estimular o
cumprimento dessas obrigações que, propriamente, punir o empresário pelo
descumprimento. Isso não significa que tais consequências sejam desprovidas de
caráter sancionador. Pelo contrário, elas importam, até, em alguns casos, a
prática de crime. A inobservância da obrigação de promover sua inscrição no
órgão de empresas antes de iniciar suas atividades tem por consequência a
irregularidade do exercício da atividade empresarial, ou seja, a ilegitimidade
ativa para o pedido de falência e de recuperação judicial, a ineficácia
probatória dos livros e a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas
obrigações da sociedade, conforme já referido anteriormente (Cap. 3, item 5). O
descumprimento das duas outras obrigações - escrituração dos livros
obrigatórios e levantamento anual de balanço - será objeto de estudo no
presente capítulo.
Em princípio, assim,
o empresário, pessoa natural ou jurídica, independentemente do ramo de
atividade em que atue, da forma societária adotada ou quaisquer outras
circunstâncias, é obrigado a escriturar os livros obrigatórios, sujeitando-se os que não o fizerem às consequências que se
estudarão em seguida.
Existem duas
categorias de empresários dispensados de escriturar os livros obrigatórios: a)
os Microempresários e Empresários de Pequeno Porte optantes pelo Simples
Nacional (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, art.
27); b) os Mícroempreendedores Individuais (MEIs) (CC, arts. 970 e 1.179, § 2.° e Lei
n. 123/2006, art. 68).
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Mas é importante salientar que
mesmo os empresários dispensados pela lei de lei
de manter a escrituração contábil devem procurar contratar um contador para
providenciá-la, assim que o permita seu movimento econômico. Somente com uma
contabilidade bem feita e atualizada, o empresário dispôe de todos os
instrumentos gerenciais para o desenvolvimento de sua empresa.
Os Microempresários e Empresários de Pequeno Porte que não são optantes
pelo Simples Nacional ficam sujeitos a um regime de escrituração contábil
específico, em que o único livro obrigatório é o Livro-Caixa (Estatuto,
art. 26, § 2.°).
2. ESPÉCIES DE LIVROS
EMPRESARIAIS
Primeiro, é necessário distinguir
entre livros empresariais e livros do empresário. Livros empresariais são
aqueles cuja escrituração é obrigatória ou facultativa ao empresário, em
virtude da legislação comercial. Porém, além destes, também se encontra o
empresário obrigado a escriturar Outros livros, não mais por causa do direito
comercial, mas, sim, por força de legislação de natureza tributária,
trabalhista ou previdenciária. Os livros empresariais são uma parte dos livros do empresário.
Os livros empresariais, por sua
vez, são de duas espécies: obrigatórios ou facultativos.
Obrigatórios são aqueles cuja
escrituração é imposta ao empresário; a sua ausência, por isso, traz
consequências sancionadoras (inclusive no campo penal). Já os facultativos são
os livros que o empresário escritura com vistas a um melhor controle sobre os
seus negócios e cuja ausência não importa nenhuma sanção.
Sendo obrigatórios, os livros
empresariais se subdividem em duas categorias: os comuns e os especiais.
Comuns são os livros obrigatórios
cuja escrituração é imposta a todos os empresários, indistintamente; ao passo
que especiais são aqueles cuja escrituração é imposta apenas a uma determinada
categoria de exercentes de atividade empresarial.
No direito comercial brasileiro
de hoje há apenas um livro comercial obrigatório comum, que é o
"Diário" (CC, art. 1.180). Somente a escrituração deste livro é
obrigatória a todos os empresários, independentemente da natureza da atividade
econômica que exploram, do tipo de sociedade adotado ou outras condições.
Qualquer empresário e todos os empresários, pessoas naturais ou jurídicas,
devem escriturar o livro "Diário".
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Já na categoria dos
livros obrigatórios especiais, cabe menção ao: a) livro “Registro de
Duplicatas”, cuja escrituração é imposta a todos os empresários que emitem
duplicatas (Lei 5.474/68, LD, art. 19); b) O livro “Entrada e
Saída de Mercadorias”, que deve ser escriturado pelo empresário que explora
Armazém-Geral (Decreto 1.102/1903, art. 7.°); c) os livros de escrituração
imposta a todas as sociedades por ações, como “Registro de Ações Nominativas”,
“Transferência de Ações Nominativas”, “Atas das Assembleias Gerais”, “Presença
dos Acionistas” (Lei 6.404/76, LSA, art. 100).
Estes são exemplos de
livros empresariais obrigatórios especiais porque sua escrituração não é
imposta a todos, mas apenas a uma parcela dos empresários. A relação completa dos livros
desta categoria é bastante extensa e variada, contemplando menção a livros especiais
de banco, leiloeiro, corretores navais, desmanche de veículos e outros
empresários.
Entre os livros
facultativos, podem-se citar o Caixa e o Conta-Corrente. Aliás, o empresário pode criar instrumentos de registro contábil novos, de acordo com as suas necessidades gerenciais, os quais integrarão, sem dúvida, a categoria de livros
empresariais facultativos. Os livros facultativos são raramente utilizados
pelos empresários.
3.REGULARIDADE NA
ESCRITURAÇÃO
Um livro empresarial
obrigatório, comum ou especial, ou facultativo, para produzir os efeitos
jurídicos que a lei lhe atribui, deve atender a requisitos de duas ordens:
intrínsecos e extrínsecos.
Intrínsecos são os
requisitos pertinentes à técnica contábil, estudada pela
Contabilidade (CC, art. 1.183). Para atender a estes requisitos, a escrituração
deve ser feita em idioma e moeda corrente nacionais, em forma mercantil, por
ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos em branco, nem entrelinhas,
borrões, emendas ou transportes para as margens. Em livro separado próprio, o
empresário poderá assentar os códigos numéricos ou abreviaturas utilizadas em
sua escrituração. Para os livros se apresentarem intrinsecamente regulares, a
correção de eventuais erros só pode ser feita por meio de estornos.
Extrínsecos são os
requisitos relacionados com a segurança dos livros empresariais. Atende aos
requisitos desta ordem o livro que contiver termos de abertura e de
encerramento, e estiver autenticado pela Junta Comercial (CC, art. 1.181).
Somente é considerada
regular a escrituração do livro empresarial que observe os dois tipos de
requisitos. Um livro irregularmente escriturado, vale dizer, que não preencha qualquer dos
requisitos legais, equivale a um “não livro”. O titular de um livro, a que
falte requisito intrínseco ou extrínseco, é, para o direito, titular de livro nenhum.
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Com o desenvolvimento tecnológico, os
empresários e seus contabilistas têm-se valido de instrumentos de escrituração
cada vez mais simples e operacionais. O direito tem acompanhado essa evolução
para disciplinar o uso < instrumentos alternativos aos antigos livros
manuscritos ou datilografado Admite-se, já há muito tempo, a microfilmagem da
escrituração (Lei 5.433/68).
Atualmente,
a escrituração mercantil é feita em suporte eletrônico (informatizado), em
ambientes de internet mantidos pela Receita Federal. E, embora não sejam mais
obrigatoriamente encadernados, continuam a ser chamados de “livros”. A
escrituração eletrônica deve atender aos mesmos requisitos intrínsecos ou
extrínsecos acima examinados, mediante a certificação eletrônica das
assinaturas digitais do empresário e do contador.
Para
fins penais (CP, art. 297, § 2.°), os livros mercantis (comerciais ou empresariais)
se equiparam ao documento público. Assim sendo, quem falsificar a escrituração
do livro comercial estará sujeito a pena mais grave que a reservada para o
crime de falsificação de documentos administrativos não contábeis do
empresário. Outrossim, um livro empresarial falsificado não tem a eficácia
probatória que lhe é própria.
4. CONSEQUÊNCIAS DA IRREGULARIDADE NA ESCRITURAÇÃO
Se
faltar a um livro obrigatório do empresário um dos requisitos legais -
intrínseco ou extrínseco - ou se não possuir livro obrigatório, estará ele
sujeito a consequências na órbita civil e penal.
No
plano civil, o empresário não poderá valer-se da eficácia probatória que o
Código de Processo Civil concede aos livros empresariais (art. 379). É,
reconheça-se, uma consequência de menor vulto ao empresário que mantém
irregular a sua escrituração, na medida em que apenas o impede de desfrutar de
benefícios dados pela lei aos empresários que cumprem a obrigação de escrituração
contábil. Fica à vontade do empresário decidir por abrir mão, diga-se assim, do
exercício desses direitos.
No entanto, esta não é a única consequência
para a irregularidade ou inexistência de escrituração empresarial na órbita das
relações civis. Se for requerida a exibição de livro obrigatório contra o
empresário, não o possuindo, ou possuindo-o irregular, presumir-se-ão como
verdadeiros os fatos relatados pelo requerente, acerca dos quais fariam prova
os livros em questão (CPC, art. 400, I). Esta é a sanção, na esfera do direito
civil, mais séria para o empresário que não cumpre a obrigação de manter
escrituração regular de seu negócio.
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No campo do direito penal, a consequência para a ausência ou
irregularidade na escrituração de livro obrigatório encontra-se no art. 178 da
LF, que reputa crime falimentar “deixar de elaborar, escriturar ou autenticar,
antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação
judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de
escrituração contábil obrigatórios”. Falindo o empresário ou sociedade
empresária que não cumpre a obrigação de manter escrituração regular de seu
negócio, a falência será necessariamente
fraudulenta.
Os livros
empresariais devem ser conservados até a prescrição das obrigações neles
escrituradas (CC, art. 1.194). Após o decurso do prazo prescricional de todas as obrigações escrituradas em certo livro, a sua
inexistência ou mesmo irregularidade não acarretam as consequências, civis e
penais, acima listadas.
5. EXIBIÇÃO JUDICIAL E EFICÁCIA PROBATÓRIA DOS LIVROS
Os
livros comerciais, em tese, gozam da proteção do princípio do sigilo (CC, art.
1.190). A exibição de livros empresariais em juízo, por esta razão, não pode
ser feita por simples vontade das partes ou por decisão do juiz, senão em determinadas hipóteses da lei.
Em
primeiro lugar, deve-se distinguir a exibição parcial da exibição total. Aquela
se destina a garantir o princípio do sigilo, resguardando da curiosidade alheia
as partes da escrituração mercantil que não interessam a certa demanda
judicial. Assim, a exibição parcial se faz por extração da suma que interessa
ao juízo e sem retenção do livro. Já a exibição total pode importar sua
retenção em cartório durante todo o andamento da ação, não se assegurando o
sigilo de seus dados.
Por estas razões é que a exibição
total dos livros comerciais só pode ser determinada pelo juiz a requerimento da
parte e em apenas algumas ações (por exemplo: questões relativas a sucessão,
comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem ou falência),
ao passo que a exibição parcial pode ser decretada também de ofício e em
qualquer ação judicial (CPC, arts. 420 421; CC, art. 1.191). Somente na
falência pode o juiz determinar de ofício: exibição total dos livros. A Súmula
260 do STF, pela qual “o exame de livre comerciais, em ação judicial, fica
limitado às transações entre os litigantes”, não exclui a exibição total
da escrita dos empresários, quando autorizada em lei.
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Exibido
total ou parcialmente, ou tendo sido objeto de perícia judicial contábil, o
livro empresarial terá a força probante (ou eficácia probatória) que a lei
estabelece. Ou seja, o livro empresarial prova contra o seu titular, sendo-lhe
permitido, contudo, demonstrar, por outros meios probatórios, a eventual
inveracidade dos dados contábeis que lhe são desfavoráveis (CPC, art. 417); e
prova a favor de seu titular, em demanda entre empresários, desde que atendidos
os requisitos intrínsecos e extrínsecos já assinalados (art. 418). Conclui-se, pois,
que, de um lado, para que tenha eficácia probatória contra o seu titular, o
livro empresarial não precisa necessariamente atender aos requisitos legais de
escrituração, os quais a lei só exige para fins de eficácia probatória em favor
do empresário que os escriturou; além disso, o livro empresarial não tem
eficácia probatória inquestionável em favor de seu titular, quando se tratar de
demanda contra não empresário, em razão do princípio constitucional da
igualdade, posto que o ordenamento jurídico não confere idêntico direito à
outra parte judicial.
A tutela
do sigilo dos livros empresariais não tem o alcance de eximir o empresário da
sua exibição para determinadas autoridades administrativas (CC, art. 1.193). Ao
contrário, em duas hipóteses o legislador expressamente garante a certos
funcionários públicos irrestrito acesso à escrituração mercantil: à) autoridade fiscal (CTN, art. 195); e b) fiscalização da Seguridade Social (Lei
8.212/91, art. 33, § l.°). Quanto às demais autoridades administrativas,
prevalece ainda o princípio do sigilo consagrado pela legislação cível. O funcionário
da Prefeitura do setor de fiscalização da segurança de uso dos imóveis, por
exemplo, não pode ter acesso à escrituração
do empresário, porque não existe expressa disposição na legislação federal que
afaste a incidência do sigilo.
3.
BALANÇOS ANUAIS
Todo
empresário, pessoa natural ou jurídica, está sujeito à obrigação de levantar,
anualmente, dois balanços: a) o balanço patrimonial, demonstrando o ativo e passivo, compreendendo todos os bens,
créditos e débitos; e b) o balanço de resultado econômico, demonstrando a conta dos lucros e perdas
(CC, art. 1.179, in fine). A esta obrigação não pode se furtar nenhum empresário, exceto o
ME1, o Microempresário e o de Pequeno Porte.
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Há, por
outro lado, empresários obrigados a levantarem balanço e outros demonstrativos
em periodicidade menor que a anual (como as instituições financeiras que devem
fazê-lo semestralmente - LRB, art. 31).
A lei
tipifica como crime falimentar a inexistência dos documentos de escrituração
contábil obrigatórios, entre os quais se incluem os balanços patrimoniais e de
resultado econômico (LF, art. 178). Assim, incorrem em conduta criminosa o
empresário e os representantes legais da sociedade empresária caso venha a ser decretada a sua falência, se os
balanços anuais não tinham sido elaborados e autenticados pelo Registro do
Comércio.
Os
empresários, contudo, cumprem a obrigação de levantar os balanços, não por
temerem a sanção penal, mas, sim, para desfrutarem de benefícios ou evitarem
alguns prejuízos. Por exemplo: a) as
sociedades anônimas estão sujeitas a regime próprio sobre demonstrações
financeiras, que incluem o balanço patrimonial (LSA, arts. 178 a 184) e o
demonstrativo de resultados do exercício (art. 187), e a ausência de seu
levantamento acarreta responsabilidade dos administradores; b) a legislação tributária sobre imposto de
renda sujeita determinadas categorias de empresários contribuintes ao dever de
elaboração de balanços periódicos; c) o acesso ao crédito bancário tem sido
condicionado à apresentação dos balanços regularmente elaborados, de modo a
restar fechado o acesso ao crédito bancário aos empresários que não os
possuam; d) a participação em licitações públicas
depende de comprovação da regularidade económico-financeira, feita inclusive
por meio da apresentação de balanços (Lei 8.666/93, art. 31,1)