Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.
Revisado por: Leila Beatriz
Natal, agosto de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Introdução. In:______. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 31-40
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INTRODUÇÃO
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O NOVO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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Há
duas espécies de normas jurídicas: as regras e os princípios.
As
regras se encontram em dispositivos expressos na Constituição, nas leis,
decretos e demais normativas. Podem corresponder ao que está determinado num
artigo, parágrafo ou inciso específico, isoladamente interpretado. Muitas vezes,
porém, uma única regra abriga-se em dois ou mais dispositivos e a interpretação
conjugada deles é que nos fornecerá o comando normativo.
Por
exemplo, a regra que define onde o empresário deve se registrar está num único
dispositivo: o art. 1.150 do CC estabelece que o empresário se vincula às Juntas
Comerciais, Já a regra que conceitua quem é empresário resulta da conjugação de
vários dispositivos do CC: para delimitar exatamente quais sujeitos são
considerados legalmente empresários, o intérprete precisa conjugar o caput
do art. 966 e seu parágrafo único com os arts. 971 e 982 do CC. De um modo ou
de outro, isolada num dispositivo ou espalhada em dois ou mais, as
regras são sempre expressas no ordenamento jurídico.
Por
seu turno, os princípios são normas jurídicas enunciadas em dispositivos
constitucionais ou legais (princípios expressos), ou não (princípios
implícitos). O princípio da livre concorrência se expressa no inciso IV
do art. 170 da CF, enquanto o da autonomia patrimonial das sociedades empresárias decorre da classificação destas como pessoas
jurídicas, no art. 44, II, do CC.
Quando
se diz que as normas podem ser princípios ou regras, isso significa que
tanto eles quanto elas estabelecem padrões de conduta, que orientam as decisões
dos juízes, para a superação de conflitos de interesse manifestados nos
processos judiciais. Na grande maioria dos casos, as regras são suficientes
para o juiz decidir; nos casos difíceis, contudo, os princípios dão a
orientação mais
adequada.
Outra
diferença entre regras e princípios diz respeito ao modo como as normas são
aplicadas.
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Diante de um conflito de
interesses concreto,
uma regra deve necessariamente ser aplicada se tiver conteúdo relevante, se
estiver vigente e se for válida. Por outro lado, se o fato acontecido não se
enquadrar no âmbito de incidência dela (conteúdo irrelevante), se tiver sido
revogada (perdeu vigência) ou for inconstitucional (inválida), a regra não pode
ser aplicada. Quando a norma é um princípio, no entanto, a aplicação segue
lógica diversa. Ele será aplicável se for importante naquele caso em
julgamento. O maior ou menor peso do princípio é que determina se esta
norma deve ou não ser aplicada.
Compreende-se
bem essa diferença na hipótese de choque entre normas.
Se
duas regras são antagônicas, verifica-se a antinomia. Esse tipo de
choque resolve-se com a identificação de qual das duas normas pertence ao
ordenamento jurídico. Na antinomia, só uma das regras em choque é realmente
jurídica, a outra não é. Decide-se a questão por meio dos critérios cronológico
(a regra posterior revoga a anterior), hierárquico (a regra superior invalida
a inferior) ou de especialidade (a regra especial afasta a geral).
Por
outro lado, se dois princípios são antagônicos, ocorre colisão, um tipo
de choque entre normas diferente da antinomia. A importância do princípio
guiará o juiz. Assim, ele pode resolver de modo oposto dois casos difíceis semelhantes,
se, no primeiro, um dos princípios conflitantes tiver mais peso e, no segundo,
o outro se mostrar mais importante.
2. A ARGUMENTAÇÃO POR PRINCÍPIOS
Entender
os princípios como uma espécie de norma jurídica, expressa ou implicitamente
contida no ordenamento vigente, é algo bastante recente: aconteceu na segunda
metade do século XX. Até então, os princípios jurídicos eram entendidos como
algo externo ao direito positivo e com uma função muito pequena, porque
serviam apenas como o derradeiro critério de solução das lacunas do direito,
depois da analogia e dos costumes (LINDB, art. 4o).
Atualmente,
num mundo em que as relações econômicas e sociais são muito complexas, os
conflitos de interesse não se conseguem solucionar mais apenas com as regras
jurídicas, razão pela qual o recurso aos princípios se tornou necessário. A
“argumentação por princípios” passou aser, assim,
extremamente comum em petições, recursos, pareceres e decisões judiciais.
Mas,
se não é mais possível resolver, hoje, certos conflitos de interesse apenas a
partir das regras, isso não significa que o direito possa ser reduzido a um
conjunto de princípios. As normas jurídicas não podem ser exclusivamente principiológicas. É um enorme equívoco, que tem causado
muitos males à economia brasileira, deixar de se aplicar uma regra pertinente,
vigente e válida, argumentando-se que ela estaria em contradição com um
princípio.
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Se há regra, o princípio norteia a interpretação
dela, nos permite compreender os seus fundamentos e a complementa; mas o
princípio nunca pode substituir a regra válida, afastando sua aplicação.
Não
há hierarquia entre princípios e regras. Um princípio constitucional é superior
à regra contida na lei ordinária, mas uma regra da Constituição é superior ao
princípio expresso em lei. Se princípio e regra estão na mesma lei, aplica-se a
regra, e não o princípio.
3. OS PRINCÍPIOS DE DIREITO COMERCIAL
Os
princípios de direito comercial se classificam de acordo com três critérios:
positivação, hierarquia e abrangência.
Segundo
a positivação, os princípios podem ser expressos ou implícitos. Será
expresso quando estiver enunciado num ou mais dispositivos no ordenamento
jurídico. O princípio do tratamento favorecido das empresas de pequeno porte,
por exemplo, é expresso, porque se encontra sua enunciação
no art. 170,
IX, da CF. Já o princípio da intangibilidade do capital social é implícito,
porque não está enunciado em nenhum dispositivo, mas decorre das normas sobre o
tema prescritas nas leis de direito societário.
Segundo
a hierarquia, classificam-se os princípios em constitucionais ou legais.
No primeiro caso, são normas hierarquicamente superiores, porque se encontram
(expressa ou implicitamente) na Constituição Federal, diploma fundamental do
ordenamento jurídico, que nenhuma outra norma pode contrariar. No segundo caso,
os princípios são legais por se encontrarem numa lei (que pode ou não ter a
natureza de Código), e devem ser naturalmente compatíveis com a Constituição,
Por exemplo: o princípio da função social da empresa é constitucional, porque
decorre da função social da propriedade (CF, art. 170, III), enquanto o
princípio da preservação da empresa é legal, por se encontrar na lei de
falências e recuperação de empresa (LF, art. 47).
E
segundo a abrangência, eles são comuns ou específicos. Os princípios comuns
abrangem todo o direito comercial, enquanto os específicos dizem respeito a um
dos desdobramentos desse ramo jurídico. Assim, o princípio da livre-iniciativa é comum, porque orienta a solução de conflitos de interesses entre
empresários de qualquer natureza (societário, contratual, falimentar etc). O princípio da autonomia das obrigações cambiarias é
exemplo de princípio específico, por se aplicar unicamente aos conflitos de
interesses que envolvem títulos de crédito.
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Nesta introdução, serão examinados os princípios
comuns. À frente, estudaremos os princípios específicos do direito societário (Cap.
9, item 6), cambiário (Cap. 16, item 2), aplicável à crise da
empresa (Cap. 24, item 1, e Cap. 30, item 1) e contratual
empresarial (Cap. 32, item 6).
4. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE INICIATIVA
A
Constituição Federal organizou a economia brasileira segundo o modelo
capitalista, também chamado de livre mercado. O que significa isso? O
que determina a Constituição Federal, em essência, quanto à organização
econômica?
A
implicação mais evidente da ordem econômica capitalista estabelecida pela CF é
a atribuição aos particulares de uma incumbência muito importante; a de
organizar empresas que forneçam os produtos e serviços de que todos nós
precisamos ou que queremos.
Na
ordem capitalista constitucionalmente estabelecida, as
necessidades e querências das pessoas em geral só serão atendidas se algumas
delas (os empresários) tomarem a iniciativa de montar empresas que
produzam ou comercializem as correspondentes mercadorias ou serviços. Desse
modo, roupas, calçados, comidas, bebidas, entretenimentos, lazeres, viagens,
medicamentos, tratamentos médicos, transportes, equipamentos esportivos,
móveis, utensílios, joias, informações, livros, educação, computadores, energia,
meios de comunicação e o mais de que precisamos para viver (ou simplesmente
queremos, posto não sejam necessários) não estarão ao nosso alcance se, antes
de tudo, certas pessoas não tiverem a iniciativa de produzir e circular tais
bens ou serviços.
É
certo que a Constituição Federal reservou ao Estado o atendimento a
determinadas necessidades, como a defesa nacional, justiça, saneamento básico e
outras. Mas mesmo esses “serviços públicos” só podem ser inteiramente atendidos graças à
iniciativa de empresários. O armamento do exército, o computador do juiz e as
obras da rede de esgoto são adquiridos pelo Estado de empresas particulares.
Essa
incumbência dada pela Constituição Federal aos particulares (como se dissesse:
“organizem empresas para produzirem e comercializarem os produtos e
serviços que atendam às necessidades e vontades de todos”) é a essência do
princípio da liberdade de iniciativa. Dele decorrem claras e fundamentais
implicações jurídicas.
Um
desdobramento do princípio da livre-iniciativa é o reconhecimento da busca
do lucro como o principal fator de motivação dos particulares. Com o
princípio da livre-iniciativa, os constituintes fizeram um verdadeiro chamamento
àquelas pessoas imbuídas de espírito
empreendedor.
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O que as motiva a atenderem à convocação da
Constituição é a busca de lucro, gerado pela exploração regular e lícita de atividades
empresariais. Ter o objetivo de lucrar com o fornecimento ao mercado de bens e
serviços, assim, deve ser visto como algo não apenas legítimo, como até mesmo
importante, valioso.
Quem
atende ao chamamento da Constituição e organiza uma atividade econômica irá
necessariamente assumir riscos. Não há como produzir ou comercializar
bens ou serviços sem investir recursos materiais, humanos, tecnológicos etc. E
o investimento pode se perder por completo, caso a empresa não dê certo; esse risco
empresarial é impossível de se neutralizar ou reduzir. A busca do lucro e a
assunção do risco são indissociáveis.
Decorre,
assim, da livre-iniciativa o reconhecimento da importância, para toda a
sociedade, da proteção jurídica assegurada ao investimento privado. Não é
possível (nem conveniente) poupar o empresário do risco empresarial Se a
empresa não dá certo por razões econômicas, ele deve suportar inteiramente as
consequências de sua iniciativa, perdendo o investimento feito, falindo etc.
Mas o empresário deve ser protegido dos riscos sem fundo econômico, isto é, os
de ordem institucional Interpretações ampliativas da lei que geram insegurança
jurídica no ambiente de negócio são exemplos de riscos não econômicos, dos
quais o empresário deve ser protegido pelo direito em vigor.
A
proteção jurídica do investimento privado é imperativo da incumbência
constitucional dada à iniciativa privada. Quem incumbe certa tarefa a outrem,
deve garantir os meios adequados para o cumprimento desta. A lei, portanto,
para dar concretude ao princípio constitucional da livre-iniciativa,
deve disponibilizar
aos empresários instrumentos de segregação de risco. A limitação da
responsabilidade dos sócios na sociedade anônima e na limitada, o patrimônio de
afetação, a alienação fiduciária em garantia e outros tantos
institutos visam alocar os riscos empresariais de modo eficiente e racional A
efetividade desses instrumentos jurídicos é condição essencial para o
funcionamento da economia de livre mercado, porque representam os meios que os empresários
têm para se desincumbirem da tarefa constitucional que lhes foi atribuída.
5. PRINCÍPIO DA LIVRE
CONCORRÊNCIA
A
liberdade de concorrência é princípio constitucional, expresso e comum. Há
determinados institutos do direito comercial que diretamente garantem ao
empresário o direito de livre empreender. São os que coíbem a concorrência desleal e a
infração contra a ordem econômica (Cap. 2, item 2).
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Mas a livre concorrência está também garantida indiretamente,
por meio de outros institutos.
No
campo do direito contratual, por exemplo, a existência de regime jurídico
próprio para os contratos entre empresários está ligado ao princípio da livre
concorrência. Nos contratos empresariais, a revisão judicial das cláusulas
contratadas deve ser excepcionalíssima, muito menos recorrente do que se
verifica nos contratos de consumo ou mesmo nos de direito civil. Assim deve ser
para assegurar a livre concorrência como baliza da ordem econômica.
Explico.
A competição empresarial está baseada numa equação fundamental: os empresários
que tomam as decisões acertadas devem ser premiados com o lucro e os que tomam
as decisões equivocadas devem suportar os prejuízos. Quando o juiz deixa de
observar essa equação, dá ensejo à grave distorção na economia.
Imagine
a situação de dois empresários ligados por um contrato em que o preço
contratado está sujeito à variação cambial. O
devedor tomou a decisão de se obrigar nessa condição, por avaliar que a moeda
nacional continuaria estável ou iria valorizar. O credor, por sua vez, tomou a
decisão de conceder crédito sujeito à variação cambial porque capta recursos em
moeda estrangeira. Se ocorrer a desvalorização do real, a decisão do devedor se
mostrará equivocada; e a decisão do credor, acertada. Pela equação básica da
competição econômica, este credor deve ser premiado com o lucro por ter tomado
a decisão correta; e aquele devedor tem que suportar as perdas de sua decisão
errada.
Mas
se, numa ação de revisão deste contrato, o juiz viesse a dispensar o devedor de
arcar inteiramente com a desvalorização da moeda, ele iria “tirar” um pouco do
prêmio do empresário que acertou (o credor) para “dar” ao que errou,
distorcendo inevitavelmente a equação básica da competição empresarial. Essa
decisão seria inconstitucional, por desrespeitar o princípio da livre
concorrência.
6. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA EMPRESA
A
Constituição Federal consagra o princípio da função social da propriedade
(art. 5o, XXIII, e art, 170,III). Como não
ressalva nenhum tipo de propriedade, o princípio é aplicável à dos bens de
produção. Quer dizer, a propriedade dos bens de produção, como a de qualquer
outro bem, deve cumprir sua função social. Os bens de produção, compreendidos
de modo bastante largo, são os reunidos e organizados no interior da empresa
industrial, comercial, agrícola, de prestação de serviços etc.
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O
princípio da função social da empresa é, assim, uma decorrência necessária do
princípio da função social da propriedade. Eles têm a mesma hierarquia
constitucional. Deste modo, nenhuma lei pode suprimir ou limitar a função
social da empresa.
No
plano legislativo, desde 1976, é determinado ao controlador da sociedade
anônima que utilize o seu poder para que a companhia cumpra a função social
(LSA, art. 116, parágrafo único); também o administrador tem o dever de exercer
suas atribuições com atenção a esse objetivo (art. 154). O legislador, em 2005,
mencionou a promoção da função social como uma das finalidades da recuperação
judicial das empresas em dificuldades (LF, art. 47).
Quando
a empresa cumpre a sua função social? A resposta a essa questão não está
enunciada em nenhum preceito legal, como seria conveniente. Afinal, enquanto o
Poder Legislativo não delimitar o princípio da função social da empresa,
estabelecendo o que caracteriza seu cumprimento, abre-se ao Poder Judiciário um
imenso leque de alternativas para dar concretude ao mandamento constitucional.
Para
se evitar a insegurança jurídica, a lei deveria prescrever, de modo expresso,
que a empresa cumpre a função social quando contribui para o desenvolvimento
econômico, local, regional, nacional ou global, mediante exploração de sua
atividade, feita com rigorosa observância dos direitos dos trabalhadores e
consumidores, bem como das normas de direito ambiental e tributário.
Para
que cumpra a função social, não é necessário que a empresa gere novos postos de
trabalho, nem mesmo que, vindo a atravessar dificuldades, mantenha os que tiver
gerado. Também não se exige que ajude a comunidade vizinha aos seus estabelecimentos
empresariais ou promova ações culturais ou educacionais. Função social não se
confunde com responsabilidade social da empresa: enquanto o cumprimento
daquela é mandamento constitucional, o desta é mera faculdade.
7. O DIREITO COMERCIAL
PRINCIPIOLÓGICO
O
novo direito comercial brasileiro é principio lógico. Isso significa dizer que
os princípios ganham maior centralidade nos argumentos jurídicos construídos
por advogados e juízes, em torno de conflitos de interesses envolvendo
empresários. A incorporação, pelo direito comercial, da argumentação por princípios
não é exclusividade desse ramo jurídico. Ao contrário, o direito comercial
talvez seja um dos últimos ramos a passar por essa profunda transformação,
iniciada no campo do direito público, na redemocratização dos anos 1970.
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Para
o direito comercial, a adoção da argumentação por princípios é particularmente
importante, porque certas regras nucleares desse ramo jurídico estavam
começando a perder a eficácia. Como a grande maioria dos profissionais
especializados nos demais ramos habituaram-se a argumentar dando centralidade
aos princípios, a insistência dos comercialistas em ignorá-los gerava apenas o
isolamento e o descrédito de seus argumentos.
Considere-se,
por exemplo, a regra da limitação da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações da sociedade anônima ou limitada. Essa norma não tem sido aplicada
por alguns juízes, que não compreendem bem os seus fundamentos e objetivos.
Apenas argumentos assentados no princípio comum da livre-iniciativa,
e no específico
da autonomia patrimonial das sociedades empresárias, poderão reavivara
importância dessa regra fundamental do direito societário. Somente a
argumentação por princípios demonstrará que a eficácia dessa regra atende primariamente
aos interesses da generalidade dos brasileiros, os consumidores e
trabalhadores.
Afinal,
na economia globalizada dos nossos tempos, o empresário tem o mundo todo para
investir. Não há barreiras significativas que impedem o investimento além das
fronteiras nacionais. Assim, se o empresário não estiver satisfeito com o
desprestígio atual da regra da limitação da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais no Brasil, ele poderá facilmente redirecionar suas opções de
investimento, levando seu capital para outros países. Aqui ficarão apenas os
empresários que concordarem em assumir um risco maior (de índole
institucional), o de virem a ser surpreendidos por uma decisão judicial que
desrespeita a regra legal da limitação da responsabilidade.
Esses
empresários dispostos a assumirem maior risco, no entanto, só se contentam com
perspectivas de retornos igualmente mais elevadas, que dependem, naturalmente,
do fornecimento por preços maiores dos mesmos produtos e serviços
encontrados em outros países. Os ambientes de negócio em que os juízes aplicam
a regra da limitação da responsabilidade dos sócios acabam atraindo os
investimentos que se satisfazem com lucros moderados. Percebe-se então, que, na
economia globalizada, a eficácia da regra da limitação da responsabilidade dos
sócios pelas obrigações sociais interessa, principalmente, aos
consumidores e trabalhadores brasileiros. Estes, ao contrário dos empresários,
não têm o mundo todo para consumir ou trabalhar.